Desde sempre

Capítulo 20 –

Capítulo 20 –

Dez minutos para as nove horas e Fabiana já estava na frente do computador. A morena se sentia nervosa como se fosse encontrar Liz pessoalmente. É claro que ela não estaria frente-a-frente com aqueles amados olhos verdes, mas, de qualquer forma a sua Liz estaria conectada com ela. Presente. Contemporânea. Participante.

Liz entrou online em seguida. Fabiana sentiu o coração disparar e as mãos suadas em expectativa. Segundos depois, Liz a contatou.

– “Boa noite.”

– “Boa noite.” – Fabiana respondeu rapidamente.

– “Posso começar?” _ Liz perguntou sem delongas.

– “ Claro.”

– “ Mrs. Hathaway, a Sra disse que conheceu Eric Hathaway no Hospital em que trabalhava o seu ex-marido. Como isso aconteceu?”

– “Eric já estava fazendo o tratamento para a doença que o mataria alguns anos depois. Caio fazia parte da equipe de médicos que o tratava. Nós nos vimos por acaso numa das ocasiões em que fui me encontrar com meu ex-marido no hospital. Conversamos brevemente na primeira vez, mas depois disso nunca mais deixamos de nos falar. Eric era uma pessoa delicada e inteligente e, sobretudo, uma pessoa sábia e generosa. Ele tomou a minha mão quando eu me julgava perdida porque nada do que eu pensara para a minha vida havia acontecido, embora eu imaginasse que tivesse feito todo o possível para torná-la uma vida perfeita. Ao menos aos moldes do que se considera tradicionalmente perfeito.”

 

– “E o que é tradicionalmente perfeito, Mrs. Hathaway?”

–  “Casar-se com um bom homem, ter filhos, uma boa casa… “

– “E a sua vida profissional?”

– “Sim. Também uma carreira sólida, mas ao lado da família.”

– “Me parece uma boa vida…”

– “Deveria ser. Mas não foi para mim.”

– “O que aconteceu?”

– “Eu finalmente me dei conta de que aquela vida perfeita não servia para mim. Fiquei imensamente triste e deprimida, meu casamento ruiu, meus sonhos escorreram pelo ralo e eu não sabia mais o que fazer. Então Eric surgiu.”

 

– “Então, ele foi antes um amigo?”

– “Primordialmente, um amigo.”

– “Como foi que esta relação de amizade se transformou em uma proposta de casamento?”

 

– “Eric, embora tenha sido o melhor amigo que alguém possa desejar, sempre deixou claro que sentia por mim mais do que uma simples amizade.”

 

– “E a senhora, decerto, tendo em vista o posterior casamento com Eric Hathaway, correspondeu aos sentimentos dele?”

 

– “Não de início. Mesmo após a oficialização da minha separação, eu ainda demorei a concordar com o pedido de casamento de Eric, mas ele foi tão gentilmente perseverante, tão absolutamente encantador que, por fim, a gratidão que eu sentia pelo homem que me apoiou numa das ocasiões mais difíceis da minha vida se transformou em amor e, então, eu aceitei o pedido.”

– “E, então, o reconhecimento se transformou em paixão?”

Fabiana não respondeu de imediato. Na verdade, demorou bastante e quando Liz já ia perguntar se ela ainda estava online, recebeu a resposta.

– “Posso te dizer algo e pedir que você não publique em memória de meu marido?”

Surpresa e mais curiosa do que poderia admitir para si mesma Liz digitou:

– “Sim.”

– “Eu amava muito ao meu querido Eric, mas nunca fui apaixonada por ele.”

Liz teve a sensação de que a sua face estava em chamas, mas escreveu laconicamente:

– “Certo. Pode deixar que eu não publicarei esta declaração Mrs. Hathaway. Continuemos com a entrevista.”

Se Liz pudesse ouvi-la, escutaria Fabiana suspirar.

– “Bem, Mrs. Hathaway, então na ocasião mais difícil da sua vida, Eric Hathaway foi alicerce no qual você se apoiou?”

– “Sim, Eric foi meu grande apoio, mas eu não disse que esta foi a ocasião mais difícil da minha vida.”

– “Não foi?”

– “Não.”

Prevendo novamente o perigo, Liz reformulou apressada: “Numa das ocasiões mais difíceis da sua vida…”

Liz ainda estava digitando quando apareceu outra mensagem de Fabiana.

– “Eric não foi somente um alicerce, ele foi o ser humano que surgiu para me reerguer.” Liz apagou tudo e reescreveu rapidamente.

– “Reerguê-la?”

– “Um extraordinário ser humano que me acolheu e me mostrou com carinho, mas com firmeza a extensão dos meus medos, dos meus enganos, e as minhas auto-sabotagens.”

 

– “Como alguém tão extraordinariamente bonita, rica e admirada pode se auto-sabotar?”

– “Quando, por exemplo, deixa escapar o amor da sua vida por entre os dedos, porque é fraca e tola o suficiente para se convencer de que isso seria a coisa certa.”

Liz se levantou da cadeira num salto. Caminhou pelo quarto passando a mão nervosamente nos cabelos loiros e curtos. A sua cabeça e o seu coração batiam em uníssono. Queria desligar o computador imediatamente e quebrá-lo em mil pedaços. Queria matar Fabiana com as próprias mãos e dissolver a sua morte na dela.

O computador emitiu um som de alerta. Liz olhou para ele sem conseguir visualizar nada e sem coragem de sentar-se novamente em frente à tela. Pouco tempo depois uma grande mensagem surgiu na tela. Devagar, Liz sentou-se novamente na frente do computador e leu.

– “No dia em que eu me casei com Caio, eu tinha realmente o propósito de ser uma boa esposa, formar uma família aos moldes tradicionais, viver uma vida prosaica e procurar ser feliz com o que eu julgava que deveria ser aquilo a que todas deveríamos almejar. Liz…Caio, você o conheceu. Ele é um homem maravilhoso e eu quis muito que desse certo. Eu quis lhe dar filhos, mas após três abortos espontâneos admiti definitivamente que não posso ter filhos. Mas, não foi este o motivo da nossa separação. Não fui uma esposa companheira. Não poderia. Porque eu não conseguia me entregar completamente àquela relação. Porque só existia uma pessoa para quem eu me entregaria completamente e eu sabia quem era, mas sequer admitia esta possibilidade.”

Liz se movimentou na cadeira e quase desejou mandar Fabiana para o inferno com a sua vidinha perfeita. Mas continuou a ler com atenção.

– “Quando Eric me pediu em casamento, a minha primeira resposta foi não. Mas então, ele me convenceu com paciência e amor de que ambos precisávamos fundamentalmente daquela união, embora eu acredite que era eu quem precisava daquele homem extraordinário, que mesmo doente possuía uma força moral avassaladora e, principalmente, um amor profundo e desprendido por mim sem que eu jamais o merecesse. Ele já estava terrivelmente doente quando nos casamos. Convivemos cinco anos juntos, três dos quais meu querido Eric passou a maior parte do tempo em hospitais até que resolvemos montar uma UTI em casa para que ele passasse em seu lar, rodeado das pessoas que amava, os seus últimos dias. Ele se foi dizendo sempre que eu era a pessoa certa para levar a sua fundação à frente porque eu tinha uma força surpreendente dentro de mim. Isso não te lembra alguém?”

Liz leu a última frase, reminiscência de uma outra época da vida de ambas, não sem um aperto doído no peito, mas permaneceu grudada na cadeira.

– “Eric também me ajudou enxergar algo mais importante ainda: que eu havia abdicado da minha felicidade para não decepcionar a minha mãe, para ser uma boa menina, ortodoxa e também tola. Voluntariamente infeliz para preservar uma tradição sem sentido.”

Liz se enraiveceu de repente com a confissão. Reviveu em segundos a angústia de quando leu o bilhete fatídico e a derrocada brutal de seus sonhos mais caros. “Ela que fique com a merda da tradição com a droga daquela mãe cheia de empáfia!”, pensou. Em seguida, escreveu irônica:

– “Eu posso publicar isso?”

– “Liz, por favor, deixe eu explicar.”

– “Mrs. Hathoway, acho que tenho subsídio o bastante para fazer a matéria e acredito que a senhora e a Fundação ficarão satisfeitas com o meu profissionalismo, do qual, aliás, a senhora fez tanta questão e eu agradeço a confiança. No mais, se precisar de qualquer coisa ou necessitar de qualquer esclarecimento, por favor, entre em contato com o editor.”

 

“LIZ!!!!”

Liz viu seu nome em letras garrafais plasmado na tela.

– “Liz, são quase quinze anos, perto de dois minutos que eu solicito sua atenção. Por favor, aceite o meu convite para uma conversa com vídeo. Por favor…dois minutos.”

Liz pensou alguns segundos e aceitou o convite. O surgimento da imagem difusa de alguém arrumando a câmera provocou-lhe uma geada no estômago. Liz percebeu o azul da blusa simples que Fabiana usava antes de qualquer coisa até que ela foi se afastando e a imagem da morena em pé de frente à câmera surgiu com nitidez. E como ela parecia naquele momento com a Fabi de outros tempos. Uma calça jeans despojada, os cabelos amarrados num longo rabo de cavalo, a franja marota caindo levemente sobre o rosto que ela retirou pra trás da orelha num gesto peculiar e, sobretudo, o olhar tímido e o jeito meio atrapalhado de segurar o microfone, com se ele fosse a coisa mais complicada do mundo de um modo tão Fabiana, que fez o coração de Liz doer de uma ternura incômoda.

Fabiana falou.

– Você me conhece tanto e sabe o quanto isso é difícil para mim, mas apesar disso, eu gostaria mesmo que estivéssemos de fato de frente uma para outra. Enfim… Eu entendo que você não queira mais me ver. Eu não quero e talvez no fundo não aceite o fato de você não querer mais me ver, mas eu entendo.

Liz já havia começado a chorar na primeira frase.

– Mesmo porque, eu devo ser a última pessoa do mundo a exigir de você que me dê uma chance de ser ouvida porque eu não te dei essa chance há catorze anos atrás.

Liz já soluçava com a mão na boca e os olhos fixos na tela. Fabiana suspirou fundo e continuou.

– Então, essa pode ser a minha última chance de dizer o que eu preciso dizer, desde que voltei ao Brasil. Liz… Eu agora estou aqui tão insegura quanto na primeira vez em que você me viu. Tremendo inteira para te dizer que você é o amor da minha vida, foi e sempre será. Para te pedir humildemente que me dê uma última chance, que me queira de volta, que resgate em algum lugar um pouco do que restou daquele amor, que você me confessou naquele dia na praia e que está tatuado na minha pele, como uma marca inextinguível, que você aceite o meu amor do mesmo jeito que o recebeu, tão abertamente, no único dia em que fizemos amor e que está marcado a ferro em meu coração.

Fabiana parou de falar erguendo os braços e olhando daquele jeito, tão antigo e inseguro, de quando ela ainda era uma adolescente desengonçada de lentes grossas e caminhar receoso. A respiração de Liz estava pesada e irregular pelos soluços contínuos. Sem avisar e antes que seu coração louco para acreditar no que Fabiana estava dizendo lhe tirasse a firmeza de propósito, Liz se desconectou. Andou até a cozinha para descobrir que não tinha o que fazer por lá. Olhou para as paredes como se estivesse perdida e desabou no sofá chorando, copiosamente.

 

Notas: Menin@s, entramos literalmente na etapa final. Este é o penúltimo capítulo dessa história tão gostosa. Semana que vem, postaremos o último capítulo e espero que gostem.

Agradecemos imensamente a Paula Marinho por ter nos autorizado a postagens de seus romances.  



Notas:



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2 Respostas para Capítulo 20 –

  1. Por favor, quando teremos o próximo capítulo?
    Nem ansiedade tenho mais, estou mastigando minhas mãos já…

    • Olá Tamara!
      Então, o ultimo capítulo já foi para o ar. Está em histórias concluídas, agora, mas a partir daqui você poderá lê-lo.
      Um beijão e que bom que gostou dessa história da Paula Marinho.

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