Devaneios

Devaneios

DEVANEIOS

– Pois é! O Ulisses não me dá mais trégua. Indiretas, convites e aqueles olhares de “te devoro inteira”.

– Corte de uma vez. Ou teu ego está gostando?

– Não é isso! Eu já disse que namoro, que gosto de uma pessoa e que não quero nada com ele. Ele é que é insistente.

– Mas você disse mesmo, ou falou sorrindo, dando a ele a impressão que podia insistir?

– Oh, Telma! Ele é meu chefe, não posso ser grosseira com ele.

– Sei. Ser grossa é uma coisa; ser franca e firme é outra. Ou você acha que nunca nenhum homem “me cantou”?

– Não! Claro que já devem ter te cantado. Você é bonita, inteligente, trabalha no meio deles. Nunca pensei isso.

– No entanto, sempre fui incisiva. Os que quiserem têm minha amizade, outros indiferença.

– Não se preocupe, eu dou um jeito.

Três dias depois.

– Imagine que o Ulisses “pegou no meu pé” de novo e eu acabei abrindo o jogo e disse a ele que namoro uma mulher.

– E ele?

– Ele perguntou se não queríamos sair com ele. Disse que sempre sonhou transar com duas mulheres e, quem sabe, faria a gente mudar de ideia quanto a ser homo. Pode?

– E você o ameaçou de processá-lo por assédio? Que esses homens têm na cabeça que toda vez que vêm mulher bonita gay, acham que é porquê não “encontraram o homem certo”, que no caso só pode ser ele mesmo.

– Não podia fazer isso!

– Por que não?

– Já te disse que ele é meu chefe. Não quero perder o emprego!

– Emprego você arranja outro. Ele é o teu chefe, mas não é dono da empresa e ele pode ser despedido. Deve ter feito isso várias vezes e demonstrou um péssimo caráter pelo jeito. Tá me parecendo que você não quer perder é um “fã”. Você não cogitou aceitar por acaso, não é?

– Imagine! Disse que ele estava louco e pra maneirar, pois não tinha nenhuma intenção em sair com ele.

– Maneirar? Foi isso que você disse!?

Telma levantou-se e foi para o quarto. Dolores ficou pensando, e pouco depois gritou se despedindo e foi para casa.

Uma semana depois, Dolores pediu para que Telma a encontrasse em um restaurante depois do trabalho, lá pelas 19 horas. Telma chegou por volta das 18h15 e, ao passar os olhos pelo lugar, viu Dolores com um homem, aos risinhos e beijos. Escolheu uma mesa que lhe dava visão e ficou observando-os. Quando o garçom se aproximou, pediu um suco e disse que esperava uma amiga. Os dois continuaram até que Dolores deu uma olhada no relógio e olhou para a porta. Já eram 18h45, daí em diante passaram a conversar, rir, beijar e olhar para a porta toda vez que alguém entrava.

Telma acenou para o garçom e pediu a conta, dizendo-lhe que a amiga não viria mais e ela iria embora. Após pagar a conta e sentir as pernas suficientemente fortes para sustentá-las, já ia sair quando os dois se levantaram para olhar o ambiente. Ela abriu rapidamente a revista que carregava, abaixou a cabeça, colocando a mão na frente do rosto, como apoiando a cabeça e fingiu ler, esperando não ser vista. 

– Oi, Telma! Você já chegou? Não a vi entrar. Esse é o Ulisses.

– Boa noite!

Respondeu séria ao cumprimento e ignorou a mão estendida. Como havia repartições com aqueles bancos arredondados contínuos no local, os dois sentaram-se deixando-a entre eles.

– O que você está lendo?

– Posso saber por que você pediu para eu te encontrar aqui, se ia jantar com seu amiguinho?

– Nossa! Calma, querida. Eu sugeri a ela que a gente se encontrasse num lugar neutro para… conversarmos.

– Não acho que tenha nada a conversar com você. Aliás, não me lembro de ter dito que queria conhecê-lo, já que eu, realmente, não tenho a mínima vontade. Adeus.

– Espera! Minha querida, eu e Dolores saímos outro dia e foi uma noite fantástica. Apenas queríamos compartilhar isso com você.

– Ótimo! Já compartilharam. Eu não sou sua “querida”. É a segunda vez que me chama assim sem nem me conhecer. Que tenha sido a última. Sejam felizes e adeus.

– Você não está entendendo. Desculpe tê-la chamado de querida. Prometo me vigiar e chamá-la como você quiser de agora em diante. Mas deixe que eu explique. Não há necessidade de adeus. Isto é tão trágico e definitivo. Tudo continua igual, apenas com um pouco mais de tempero, que serei eu.

– Não, gênio, você que não está entendendo. Não haverá próxima vez, eu pretendo que você nunca me chame, não era nem para ter havido esta vez. “Deixe que eu explique”. Existem héteros, homos e bi. Veja bem. Os héteros curtem o sexo oposto, os homos o mesmo sexo, os bi ambos os sexos, os trans se travestem no sexo oposto, e assim vai. A lista é longa. Existem os bi que curtem uma pessoa por vez, sabe? Cada um com seus interesses e sua moral, não é problema meu. Pra mim, tem que ter sentimento e respeito em qualquer relação. Me enganei com você, Dolores, tudo bem, mas vê se vão aporrinhar outra pessoa.

– Eu adoraria ficar com duas mulheres gays.

– Ô, babaca! Vou repetir pra você. Gay curte o mesmo sexo, quem curte os dois é bi. Você já encontrou uma mulher bi, agora é só achar outra. Entendeu?

– Entendi, claro. Estou ficando excitado com a tua ironia e brabeza, sabia?

– Se você não tirar a mão da minha perna neste instante, você vai ficar é com os dedos quebrados. Você tá se achando o rei da cocada preta, né, anta? Como você é burro! Abre os ouvidos. Eu não sou bi. E não curto homem pra cama. E você, Dolores, amanhã cedo, pode pegar suas coisas na portaria. E agora, sumam da minha frente.

O rapaz havia tirado a mão de sua perna, mais rápido do que pusera, pelo tom de voz ao pronunciar a frase e, antes que houvesse escândalo, deixaram-na só.

Duas semanas depois, ao atender à porta.

– Que foi? Esqueci de alguma coisa sua no pacote de devolução?

– Não, não é isso! É que como você não quis aceitar aquela… hã… situação, o Ulisses já partiu para outra. Vim conversar com você.

– Imagine! Quem diria! Não tenho nada para conversar com você. Vá procurar outro tempero para o pedaço de carne que você julga ser.

– Como você é grossa! O que tivemos não valeu nada?

– Olha quem me pergunta! Namorávamos, há seis meses; você não só não cortou as investidas de um cara safado, aliás, como foi transar com ele e ainda quis me por no rolo. Ou no rala e rola, sei lá. Simplificando, queria que eu fizesse parte de um “ménage a trois” e eu é que sou grossa! Quer saber? Adeusinho.

Fechou a porta e quase sem querer começou a pensar. Gostamos de amigos, temos carinho por alguém, ocasionalmente sentimos tesão, paixão e de repente amor por uma PESSOA. Nada disso é escolhido. Dizem que não escolhemos a família, mas sim os outros sentimentos. Mentira! Não escolhemos nada. Sentimentos acontecem, fluem, mudam, nos derrubam e nos levantam, nos tornam melhores ou piores, felizes ou infelizes, vão ou permanecem. Não escolhemos alguém e dizemos “pronto! esta é a pessoa que será amiga, ou minha paixão, ou meu amor”. Besteira. Às vezes, a conhecemos quase nada e pronto, o sentimento se instala, a simpatia se instala, a empatia impera. Não adianta achar que vou gostar só de homens, ou só de mulheres, ou de ambos. Há, há! Quando se percebe, está de quatro por alguém, sentindo sua falta, tendo taquicardia pela ansiedade em ver, ouvir, tocar esse alguém. Às vezes sonhamos, sonhamos com o tipo de pessoa e relacionamento perfeitos e … pois é, nada daquilo. Isso quando não terminamos com o pesadelo.

Ah! Mas podemos escolher na adolescência, porque na infância nem pensar, é bom obedecer e seguir as regras e limites impostos pela sociedade e, castigo ou surra não é nada bom, ou os cascudos de outras crianças que nos achem chatos por não concordar com a maioria. Já na adolescência escolhemos “a galera” e, … pois é … e aí nos vestimos de acordo com o grupo; bebemos o que o grupo acha legal; usamos cabelos e nos portamos como o grupo acha que deve ser; desafiamos a família porque o grupo acha que é o que se deve fazer (mesmo que não concordemos, ou a família não mereça); fumamos se o grupo fuma; e transamos porque não é “cool” não fazê-lo. Se você faz parte de uma minoria, então não fará parte de nenhum grupo nesta fase. E vai por aí afora.

Daí chega a hora de sairmos da ditadura grupal e nos tornamos adulto. Maravilha!! Vou enfrentar e modificar o mundo. Vou trabalhar. Pronto! Agora você se veste assim; fala assado; cumpre metas e horários; porta-se de acordo com as normas da firma; desvia-se daqueles que querem “puxar seu tapete”; tenta sobressair nas suas funções para hora de promoção (e aumento de salário); e corre feito doido atrás do sucesso profissional. Às vezes chega a fazer cursos e até faculdade que não te interessa em nada, mas necessários para teu sucesso na sobrevivência (você e família).

Acaba o horário comercial e liberdade. Se você vai direto pro “Happy-hour” com os amigos, é só seguir as regras desse grupo de adultos e algumas regrinhas se for paquerar ou namorar, afinal você vive em sociedade. Caso vá direto pra casa, só tem que enfrentar o tumulto pra pegar a condução, espremer-se no ônibus ou metrô, tocando o menos possível nas pessoas em volta. Ah! Você tem carro!? É só driblar o trânsito (placas, semáforos, um montão de regras para sua própria segurança). É claro que vários motoristas se acham melhores que outros, não seguem as regras, provocam acidentes e aumentam os famosos congestionamentos.

O tempo de vida é curto para desperdiçarmos com bobagens, com pequenas coisas. Tais como inveja, ficar magoadinho porque alguém discorda de você, ou falou algo a seu respeito sem te conhecer, beber até entrar em coma alcoólica, desperdiçar meu tempo embotando meu cérebro com drogas. Tem coisas demais pra se ver, pessoas para se conhecer (lindas, medianas e horríveis para o meu gosto, não que sejam realmente assim, já que provavelmente outros indivíduos vão achar o oposto do que eu acho e penso), belezas a desfrutar e, claro, dinheiro pra ganhar para “torrar” nessas coisas todas. Então, como posso acreditar que alguém esteja completamente certo ou errado sobre sentimentos, sobre gente, sobre religião, sobre coisas demais para alguém ter certeza absoluta. A beleza está nos olhos de quem a vê. Cada um tem a sua verdade, sua convicção, a verdade absoluta ainda não foi dada a conhecer (se é que ela existe)

Vivemos num mundo de regras, mas cada ser não é um conjunto de regras. É um indivíduo único que se fará através da mente, coração e espírito, através do crescimento diário e constante. Por tudo isso não posso jamais julgar alguém. O que se julga são alguns atos fora das normas e leis que prejudiquem outras pessoas, isto é, quando você faz algo assim, isso é chamado de contravenção ou crime e, isso sim é que é julgado. Não é a pessoa em si, e por esses atos cometidos ela assumirá as conseqüências geradas (culpa – nem todas – às vezes), sendo uma delas a punição imposta pelas normas e leis que ela desobedeceu.

Logo, se alguém acredita que a felicidade está no sexo e quer tentar e conhecer todas as formas, não preciso concordar, mas tenho que respeitar já que não está prejudicando ninguém. Este é um dos grandes problemas da informação rápida. Quase instantâneamente sabemos de tudo o que acontece e, sem tempo para digerir tudo com calma, saímos comentando, às vezes repetindo apenas o que ouvimos sem que seja nossa opinião e quase sem perceber, julgando.

Se a mídia diz, eu acredito.

Se o político diz, eu acredito.

Se o padre fala, é lei.

Se o pastor disse, é o certo.

Se o pai-de-santo afirmou, sigo.

Se o rabino confirmou, não deve ser mudado.

Se o aitolá comentou, é sagrado.

Não é assim. Temos capacidade para pensar sozinho. Posso até ouvir outras opiniões e chegar a uma conclusão, analisando tudo. Mesmo o animal “não racional” (por nosso julgamento), percebe, sente as coisas e se afasta, ou tenta se deixarmos, do perigo do matadouro, então, por que tenho que aceitar o pensamento alheio, sem levar em consideração o meu?

Cada um sabe de si, cada um cuide de sua própria vida e divida apenas com quem queira e permita fazer parte dela.

No dia de finados, que choveu pra caramba, havia no ar aquele respeito de um dia. Não sei se é medo do julgamento final, ou crenças, ou culpa por estar vivo e não estar vivendo plenamente, ou porque quase todo mundo já perdeu alguém e sabe da dor da ausência. No entanto o respeito deve ser cultivado todos os dias, por todos e pra todos.

O objeto amado (seja a mulher, o homem, o caso, a criança) quando observado num momento natural, a beleza fugaz, é encarada assim: os raios do sol emolduram a figura; ou a natureza à sua volta… Por que não o contrário? A presença amada complementa a natureza; os raios do sol ao aquecer e passar pelo corpo amado revela sua luz e este conjunto me revela a beleza que está em mim.

Outro dia, no ônibus, havia uma criança dormindo profunda, confiante e relaxadamente no colo da mãe. Havia jovens sentados nos bancos da frente (mesmo sendo bancos destinados a idosos) do ônibus relativamente cheio. Entrou um casal idoso e o homem revelou um cuidado extremo com a mulher, tentava protege-la com seu corpo do empurra-empurra. Apenas um rapaz se levantou e cedeu o lugar, e o senhor fez sua mulher sentar com extrema gentileza.

Passado uns dias, encontrei um senhor conhecido que esclareceu seu sumiço, devido o falecimento de sua mulher depois de 36 anos de casamento. Estava ainda arrasado depois de três meses. Sua frase foi “- Velho sente falta”.

Não! O ser humano “sente falta”. Não importa a idade, mas sim o respeito, a sensibilidade, a capacidade de inteirar-se, de amar. Não necessariamente o amor de Djavan (visceral, total), apenas o amor em si pelo irmão, pelo amigo, pelo outro enfim. Só que para perceber isso, antes do respeito há que se ter a educação que hoje em dia os jovens parecem achar ser uma coisa boba.

As pessoas observam as coisas dos outros. Por exemplo, o carro. Dizem que é a cor, o modelo, o gosto pessoal, a potência, o conforto (o trânsito na metrópole que o diga), a vontade de ter objetos, etc. As mudanças estão rápidas demais. Pra mim, é a transferência da falta do tocar as pessoas pra tocar a imagem do sucesso. Não pode trocar as pessoas que o rodeiam? Troque de carro. Quanto mais pomposo, quanto mais caro, mais demonstra a sua “segurança”, seu “bem estar e status”, ao invés de assumir suas verdadeiras carências e problemas. É óbvio que os que trocam o carro quando o antigo já começa a dar problema e, por necessidade mesmo, estão fora disto.

Há pessoas que transfere tudo isso pro seu animal de estimação, principalmente para os cães. É um amor preso, dependente. Da necessidade faz-se a prisão, uma vez que a correspondência não é igualitária, eqüitativa. A relação humana é muito mais difícil, exige amadurecimento, crescimento, respeito e confiança.

A sensibilidade não tem incentivo. Dizem até que o povo não gosta da boa cultura poesia. Observe as letras de nossa melhor musica não aquela pra dançar (axés e pra carnavais), ou os maliciosos, mas a boa MPB (Zélia Duncan, Milton Nascimento, Chico Buarque, Djavan, Lenine e tantos outros) que consegue fazer sucesso. É pura poesia que diz muita coisa e o povo gosta. O que não existe é interesse do sistema em divulgar a boa cultura. Omite-se o que vale a pena.

Perguntei a uma amiga “Omitir é estar a um passo da mentira e a kilometros da verdade, ou a um passo dela?”. E a resposta (a qual eu concordo plenamente) foi: “A um passo da mentira, pois para manter a omissão, acabamos por mentir”. E mentindo uma vez, mentimos outra e outra para manter a primeira. Omitir é não dizer a verdade.

Há sempre uma curva desconhecida no rio da vida. Qualquer que seja o tipo de pedra atirada (bem ou mal) no rio, as ondas se propagam antes de se extinguirem.

Observando em uma foto a imagem em corte transversal do cérebro humano, vislumbrei a deusa da criação, aquela antiga, com ventre protuberante parecendo grávida, encontrada em cavernas da idade da pedra. Qual a relação? Será apenas “coincidência”? o escultor, num instante maior, teria tido alguma visão? As coisas antigas são tão reveladoras às vezes!

Afinal, o que os místicos chamam, há milênios, de rede celeste, hoje a física chama de emaranhado cósmico. Não devemos descartar de todo o de antes.

A natureza é sábia. Sejamos mais naturais. Abaixo a prepotência.

As formigas sobem em certas árvores, não importando o tamanho, passam por várias folhas e vão até as novas, macias, tenras, lá das pontas dos galhos, não as que estão mais próximas, mais fáceis.

Quando há excesso de chuva, os galhos parecem se inclinar um pouco, frouxos. As folhas ficam cabisbaixas. Quando o sol retorna, seca o excesso d’água, o lodo e a lama, a árvore brilha, mas a persistência inclemente deste mesmo sol pode secar demais e tudo se perde. As pessoas … ao invés de trabalharem como as formigas para evitar isso, vão reclamar sempre.

Verdade, mentira, não interessa. Não me lembro qual poeta disse “Mas que céu pode satisfazer seu sonho de céu?”. O sonho!  Breve como um raio a imaginação faz seu papel. Imagina a perfeição (perfeição se é que existe é excesso) em uma personificação e faz os instintos agirem nessa procura e aí está o perigo. Baseadas nesses devaneios, algumas pessoas chegam ao casamento, que dura até a realidade atingi-las. Daí pode haver a inversão e passar a não acreditar nos sentimentos mais comuns. E às vezes deixa passar o que seria verdadeiro. Caso haja filho, este pode se tornar a âncora de seu deslanche na vida e, embora conviva com a criança, será uma relação forçada, obrigada, lembrança do erro. Nada bom para ambos.

Pode se tornar o centro do seu mundo, com uma redoma protetora em volta desse mundo e tudo será feito para a criança e isto também será usado como desculpa (na realidade no lugar do medo e desconfiança) para afastar qualquer pretensão quanto a novas relações. E a amarra se torna proteção, que fortalece a amarra, que aumenta a proteção, que for…

É como fazemos onde moramos. As mãos se estendem no resquício de liberdade, até os cotovelos, depois as grades (para nossa proteção) nos impede de ir adiante, e temos a falsa “sensação” de segurança.

O mato cresce não importando o quanto se corta, já os homens qualquer corte pode mudá-los para sempre, porque fere os sentimentos. Ferimentos assim nos diminuem, só uns poucos se tornam melhores e mais fortes. Desejar vingança só os torna mais egoístas e menores.

Abrimos os livros como se canhotos fôssemos (pelo menos no Ocidente). Fazemos várias coisas de forma contrária, mas como aprender com os erros se a história não é verdadeira? Observação, vontade e desapego.

A maior mentira de cada um é diferente, mas a preocupação com a estética, com o por fora, para mim é a pior. Na maioria das vezes, a moda é ridícula, mas as pessoas querem estar na moda, mesmo não tendo nada a ver com elas, chegando-se ao absurdo de morrer para ficar com a imagem esteticamente contemporânea. Tem muita gente que gosta dos cheinhos, dos gordinhos, dos robustos, mas tem medo e vergonha de assumir e aguentar a gozação dos “amigos”. Como então ser feliz sem ser você inteiro?

Entre a magrelinha, a boazuda ou a gordinha, não será apenas a aparência física que me fará olhá-la novamente. Será o olhar, a simpatia, a inteligência, a sensibilidade, a empatia e, principalmente a maior arma do ser humano, o sorriso franco e espontâneo. Alguém que ao cumprimentar as outras pessoas, passem aquela sensação do cumprimento de uma região africana que quando se encontram um diz; “Sawabona (que significa: eu te respeito, eu te valorizo, você é importante para mim). E a resposta é “Shikoba (então eu existo pra você).

Alguém para dividir aqueles momentos especiais como o nascer ou o por do sol, a lua cheia sobre o mar, uma borboleta voando sobre plantas ainda úmidas com o orvalho da manhã. Que me faça sentir livre. Certeza da liberdade do outro, embutido aí a confiança do ir e do retorno breve e inteiro, e ser verdade.

Alguém que se imagina numa vontade de ver o filme que não fizeram, ouvir a musica que não compuseram, ler o livro que não escreveram. Que não julgue nada, nem o aborto físico (as coisas são como são para cada um e, independente de lei, cada um faça o melhor para si em cada caso e arque com as consequências e culpas, sendo que ninguém tem o direito de cercear de qualquer forma sua decisão), mas que permita e ajude a abortar em mim, o sórdido, o pequeno, o mau, a burrice, a preguiça e outras coisas mais. Um aborto sem agressão.

Do agressor – qualquer que seja a desculpa que esteja usando para agredir – que sangre a mão do agressor e não a pele do agredido, pois isto gera feridas muito mais profundas do que transparece na pele. A agressão fere a dignidade, menospreza e minimiza o valor da alma.

Temos que respeitar as crenças. Não utilizá-las para assegurar o “poder” sobre os outros. Não interpretar de acordo com as minhas necessidades de ganância, de domínio. Se fomos criados da mesma forma, se viemos do mesmo inicio, pela mesma força criadora, como podemos dizer quem tem ou não alma; quem deve ser o dono, quem o escravo; qual religião é a certa, para se chegar ao cúmulo de condenar à morte quem não abraça a mesma fé que eu; quem deve amar quem; quem é destinado a viver com quem. Tudo isto é violência, é agressão. Cada um de nós é parte, é cria de um Universo maior do que pensamos. O que nos rodeia não é a demonstração da criação de Deus. Nós, enquanto matéria, temos a mesma substância que todo o resto. Somos também parte. Nós e tudo, somos meros vislumbres físicos – não à Sua imagem – de um micro devaneio de Deus e como tal devemos respeitar igualitariamente, porque mesmo assim, fazemos parte e, como tudo somos Ele.

Com essa visão, ultimamente vejo as pessoas nas ruas e ando achando-as bonitas. Acho que todos têm uma bela beleza, mas escondem de alguma forma, para não mostrarem fragilidade e não deixar transparecer seus medos. Além da casca da alma (o corpo), usam casca de proteção contra tudo, quanto mais profunda a sensibilidade, o medo, mais grossa a invisível (mas demonstrada) casca.

A correria, o barulho, o sufoco. Todos com pressa em chegar. Escola, trabalho, casa – lar. Aprender, crescer, progredir. A casa pra dormir, se alimentar. O lar – é a casa onde esteja alguém a te esperar. Ou o inverso também vale e a preocupação e ansiedade da espera é tua.

Um alguém de verdade. Que te faça sentir, porque sente, sua falta. Que na chegada possam se abraçar, com afeto, nem sempre é necessária a paixão. Que haja mutuamente colo, aconchego e esquecimento. Esquecimento do lá fora, do ruim do dia, do cansaço mental e físico, mas que faça aflorar a alma no soltar-se do momento, no abandono da confiança entranhada, no humano, simples, complexo e sonhado do recíproco amor.

O amor de pedir perdão sim, por falha ou concessão, não importa.

O amor de caminhar juntos, sem concorrência. O amor da espera, sem pressa no prazer.

O amor não só de paz, afinal, precisa-se aparar as arestas do conhecimento bruto, para brilhar intenso num diamante verdadeiro, quase perfeito.

Do amor do respeito, do limite para perceber o outro e não deixar sair aquela palavra brusca e raivosa, sem sentido, sem nexo, mas que rasga e fere profundo. De jamais tocar sem que seja um afago.

Do amor que te complementa, porque é completo.

Portanto, vou prosseguir e se tiver que ser, será. Se acontecer por 6 h., por 6 ou 60 anos, o importante é o “acontecer”. Isto nos torna mais susceptível a lidar com o lado bom da solidão por opção e não se dispor a estar com qualquer pessoa que não nos diga nada, sermos infelizes e solitários por imposição e/ou omissão.

Como o dia que está nascendo minha noite acabou.



Notas:



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