Diferentes?

Capítulo 10 – Miragem… Ilusão

Liguei para Donna para saber como ela estava, pois mais cedo estava sentindo umas dores nas costelas.

— E aí, menina? Como você está?

— Liguei para a médica, pois não “tava” aguentando de tanta dor. Ela receitou um analgésico e agora as dores estão passando.

— Não é melhor você ir a um hospital amanhã?

— Se não diminuir a dor até amanhã, eu vou sim. Não se preocupa, está tudo bem.

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No dia seguinte, passei pela minha empresa e vi que já estava agendada para a próxima semana a reunião com a Destor. Depois fui para a Grasoil. Entrei na sala onde eu e o Dago trabalhávamos e Catarina ocupava a mesa dele.

— Boa tarde, Catarina!

Ela olhou-me e abriu um sorriso, logo lembrei do que Dago havia me falado sobre suas desconfianças.

— Oi, Cléo! Ontem você não veio, aconteceu alguma coisa?

— Nada. Só fiquei colocando as coisas em dia na minha empresa. Eu ia passar à tarde, mas não deu. Na realidade o programa já está caminhando e eu devo colocar alguém aqui como meu preposto. Tenho outro contrato e preciso ficar atenta para não acontecer nada errado.

— Ah! Mas já? Eu ainda estou me inteirando. A Sra Brandão me colocou para substituir o Dagoberto até ele retornar. Você não vai me deixar na mão, vai?

Sorri. Acho que o Dagoberto colocou caraminholas na minha cabeça, pois eu olhava a menina e ficava imaginando coisas sobre o interesse dela por mim. Isso não ia dar certo.

— Pode deixar que não vai ser tão rápido assim. — Sorri novamente.

— Acho que a Sra Brandão quer falar com você, pois ligou ontem e hoje já ligou duas vezes te procurando. — Meu sorriso murchou.

— Deve querer saber como vamos conduzir até o Dagoberto voltar.

Sentei em minha mesa e abri o laptop.

— Não vai ligar para ela?

— Ela deve estar ocupada, se me chamar novamente eu atendo.

Comecei a trabalhar e depois de algum tempo, Catarina abriu a planilha do planejamento em seu computador. Pediu para que eu explicasse a ela, alguns pontos que ela não estava conseguindo entender. Fui até sua mesa e me pus de pé ao lado de sua cadeira. Ela me apontava e eu explanava sobre as metas que eu e Dagoberto traçamos. Em dado momento, percebi um erro na planilha e me apoiei sobre a mesa para olhar melhor a tela. Tentava entender de onde uma das metas tinha saído, pois não casava nem com a área relacionada nem com os objetivos. A porta abriu de repente. Quando dei por mim, vi que os olhos de Catarina estavam praticamente enfiados em meu decote e ela deu um pulo assustada. Mantive-me imóvel, porém olhei em direção a porta. Sophia estava de pé, olhando para nós duas com um olhar de “serial killer”. Imaginem como fiquei. Querem saber? Fiquei exultante e não movi um músculo da minha posição. Não havia feito nada e se a pequena “Scarlett Johansson” colocou os olhos onde não devia, não tinha nada com isso. 

— Sim? Precisa de alguma coisa, Sra. Brandão?

Falei de minha posição, ainda apoiada à mesa. Minha cara não era das melhores e parecia que o rosto dela assumia um tom avermelhado, mas como sempre, sua expressão não se alterava.

— Quero conversar com você, Srta. Boaventura. Esperarei em minha sala.

Falou em tom baixo, como sempre, porém firme. Antes de sair olhou fixamente para Catarina e virou-se sobre o salto, deixando a porta aberta. Olhei para a cadeira e parecia que o encosto e o corpo de Catarina tinham se soldado em uma coisa só. Quase gargalhei, pois seus olhos estavam arregalados e sua respiração suspensa. Desapoiei-me da mesa e caminhei calmamente em direção à porta. Virei-me antes de sair.

— Catarina, volta a respirar, se não, vou ter que chamar o pessoal do centro médico. Eeee… Vê se encontra o erro na planilha. — Virei-me em direção ao corredor.

Cheguei à antessala de Sophia. Sua secretária me olhou um pouco temerosa.

— O que foi, Rosalina? Algum problema?

— Nada. Só… Deixa para lá. Quer falar com a Sra Brandão agora?

Vi que o desespero permeava os olhos de Rosalina. Na certa, Sophia deve ter entrado igual a um tornado levantando todas as folhas de papel da mesa da coitada. Não devia ter falado nada grosseiro, pois não fazia o feitio dela. Era mordaz, mas não grossa. Porém deve tê-la fuzilado com um olhar massacrante.

Que merda! Continuo a reparar nas atitudes dela! Também, quem manda ser deliciosa até quando tá com raiva. E eu que um dia achei que ela deveria transar que nem um poste!”

Comecei a lembrar das vezes que fizemos amor e quase desmanchei minha postura determinada de evitar minha atração por ela. Balancei levemente minha cabeça para dissipar qualquer tipo de pensamentos ou sentimentos que me levassem a cometer um deslize diante de Sophia.

— Sim. Ela me chamou.

— Só um momento.

Rosalina pegou o telefone e discou o ramal.

— Senho… sim. Sim. Ela está aqui.

Pela forma como Rosalina falava ao telefone, já dava para saber que Sophia me esperava e pelo visto não estava com muita paciência. Querem saber? Eu queria mais que ela ficasse irritada mesmo. Essa coisa de compreensão, de não querer que a outra pessoa ficasse com raiva ou que não levasse a situação a mal, não era para mim. Ainda não tinha alcançado esse grau de evolução espiritual. Eu estava querendo mais é que ela estivesse incomodada, pensasse em mim e se arrependesse da sua atitude. Por que só eu tinha que ficar sofrendo?

— Pode entrar, dona Cléo.

— Obrigada, Rosalina.

Vesti minha capa de indiferença e quando coloquei minha mão na maçaneta da porta tentei me aprumar. Abri a porta e ela estava sentada à mesa lendo uns papeis. Não tirou os olhos do documento. Quando pensei que ela viria com quatro pedras para cima, ela simplesmente falou num tom aparentemente tranquilo.

— A chamei aqui, pois gostaria que você me desse o contato da advogada que está cuidando do caso de sua amiga. Quero colocá-la em contato com o escritório de Bartolomeu, para ver como poderiam conduzir essa situação. Já sei que os processos correm separadamente, mas gostaria que ele pudesse ter contato com todas as partes.

Sua calma e serenidade ao falar eram impressionantes. Isso realmente me deixou, além de pasma, com raiva. Só que eu não permitiria ela sentir esse gostinho.

— Pois não. — Falei displicentemente tentando não soar incomodada. — Só um momento, por favor.

Comecei a olhar os contatos em meu celular.

— Pode anotar?

Ela baixou os documentos, pegou uma agenda que estava próxima e uma caneta. Olhou-me como que esperando pela minha informação.

— O nome dela é Magda Vargas e seu número é 990033030. Mais alguma coisa?

— Apenas isso, Srta Boaventura. Está dispensada.

Eu poderia ter ficado com uma raiva imensa da situação, mas a verdade é que eu tive uma enorme satisfação de ver que, ela tinha feito tudo aquilo só para me ver, pois ela podia muito bem ter ligado para o meu ramal, para me perguntar, sem sequer levantar de sua cadeira.

— Então, com licença.

Virei-me e sai “no salto” e bem empinada. Senti que seus olhos ainda pousavam sobre mim. Não apressei meu passo, mas meu coração estava pulsando na boca.

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Alguns dias se passaram sem que houvesse mais contato com Sophia. Na parte da manhã sempre passava em minha empresa e na parte da tarde ia para a Grasoil. Eu e Catariana tínhamos uma convivência agradável, porém depois daquele incidente, acho que ela começou a se policiar com relação aos modos comigo. Não houve mais olhares indecorosos ou qualquer outra atitude que demonstrasse interesse. A pequena “Scarlett Johansson” assumiu uma postura profissional impecável. Às vezes, eu a olhava de soslaio de minha mesa e reparava na sua beleza quase juvenil e pensava em, como não seria mais fácil se eu tivesse me apaixonado por essa garota. Ela também era inteligente e muito educada. Porém, essas qualidades de nada adiantavam, porque meu coração nunca bateu com ela do jeito que batida ao ouvir o menor murmúrio, até mesmo do nome, de Sophia.

Chegou o fim de semana e primeiramente liguei para Donna para saber como as coisas estavam. Ela me contou que voltara a trabalhar e a primeira coisa que fez, foi esquematizar com os roteiristas do programa que ela dirigia, um debate sobre a intolerância, o preconceito, os crimes de ódio e a violência crescente nas esferas urbanas. Disse-me empolgada que começaria a gravar na próxima semana e que uma das convidadas era a médica legista que a atendera.

Depois liguei para Dagoberto. Sabia que Erick havia recebido alta na noite de sexta e queria visitá-lo. Dago me atendeu sorridente e disse que Erick estava bem e já andava teimosamente pela casa, contrariando as indicações médicas. Sua recuperação estava ótima e convidaram-me para almoçar com eles no dia seguinte.

Após desligar, resolvi sair para jantar sozinha mesmo. Não estava a fim de “pagar solidão”, num sábado à noite. Peguei meu carro e fui jantar no mesmo restaurante no Leme que havia pensado em levar Sophia, uma semana antes. Foi meio no automático e quando dei por mim, já estava dentro dele pedindo uma “tortilha” para comer. Nesse momento é que me toquei do que havia feito. “Bateu” uma certa tristeza e quando terminei resolvi voltar para meu refúgio. O meu celular tocou e, como estava dirigindo, acionei o atendimento pelo “Bluetooth”.

— Alô!

— Oi, amor…

Ao ouvir a voz de Marcos, como sempre, meu sangue ferveu. Meu animo não estava muito em alta e derrubei a ligação.

— Droga! Nem brigar eu estou querendo.

Falei indignada comigo mesma. Nesse momento já entrava na Urca quando percebi um carro parado com duas mulheres do lado de fora. Diminui pensando em parar para ver se precisavam de ajuda, quando me dei conta do modelo do carro. Era uma SUV preta e logo meu coração acelerou. Fiquei indecisa se parava ou não, mas já não dava mais tempo de voltar atrás. Parei pouco mais a frente e inspirei fundo para poder sair do carro e encará-la. Desci e já fui perguntando para amenizar o meu nervosismo.

— Precisam de ajuda? – Encarei-a.

— Acho que vou aceitar, pois meu celular arriou a bateria e não consegui ligar para o seguro. – Olhou-me com certo brilho nos olhos.

Reparei na garota ao lado dela. Era bem mais jovem e tinha uma beleza ímpar. Cabelos longos e fartos na cor castanha e olhos de um verde cristalino. Era mais alta que Sophia, mas parecia que a noite renderia dali se não tivessem enguiçado. A garota abraçou Sophia pela cintura e já falava com a voz macia e sorridente.

— Que sorte a nossa einh, Sra Brandão. Pensei que acabaríamos nossa noite nesse vento.

Que raiva senti de mim. Eu pensando naquela mulher e ela se divertindo com uma menininha! Aquele papo de “nunca fiz uma coisa assim”, era pura conversa! Acho que meu olhar diante daquela cena foi tão enojado que até percebi uma luz de divertimento no olhar daquela cachorra! Ela me olhou sorrindo e olhou para a garota agarrada ao corpo dela.

— Acho que tivemos sorte sim, Melissa. Realmente não pretendia passar a noite com você nesse sereno!

Ela continuou sorrindo cinicamente e eu estava cada vez mais vermelha de raiva. Permaneceu falando com a menina, como se eu não estivesse ali ou nunca tivesse existido algum dia na sua vida.

— Essa moça que vai nos ajudar, trabalha comigo. Seu nome é Cléo.

A garota estendeu a mão para mim, se apresentando.

— Oi. Meu nome é Melissa.

Olhei para a mão dela estendida e hesitei em apertar a sua mão. Minha vontade era deixá-la no vácuo e ir embora, abandonando as pombinhas sozinhas para resolverem os seus problemas.

 Sophia olhou-me divertida com o riso mais aberto ainda nos lábios e antecipando minha reação ela falou.

— Cléo. Melissa é a minha filha que mora em São Paulo e veio me visitar esse fim de semana.

Um calor subiu por meu rosto, mas dessa vez foi de vergonha. Estendi rapidamente minha mão apertando a da garota para desfazer a situação constrangedora dela ter ficado com o braço suspenso em minha direção sem que eu tivesse me prontificado a cumprimentá-la. A confusão no rosto da garota se desfez e ela sorriu. Nessa hora, pude perceber a semelhança das duas.

— Prazer, Melissa. Desculpa, mas está um vento frio mesmo. Acho que congelou meu cérebro.

Sophia me olhou com intensidade e me tirou de cima para baixo lentamente. Se sua filha tivesse um pouquinho de malícia e estivesse olhando para ela, talvez percebesse o olhar lascivo de sua mãe sobre mim. Desviei meu olhar tentando achar o celular em minha bolsa.

— Certo. Vamos resolver o problema de vocês. Você tem o telefone de algum reboque?

— Meu seguro cobre troca de pneu. É só eu ligar.

A filha de Sophia tinha se afastado para olhar a enseada. Estendi o celular para Sophia e ela segurou minha mão junto com o celular, me puxando para próximo dela.

— Sophia! Você é maluca? – Falei sussurrando, mas logo percebi um cheiro forte de álcool. — Como você pôde beber e depois dirigir. – Me afastei para que Melissa não visse a nossa proximidade.

— Não dirigi. Era Melissa que estava dirigindo.

Ela tirou um cartão da carteira e começou a discar. Continuava a me olhar de uma forma agressivamente sensual. Falou com o seguro e desligou estendendo novamente o telefone para mim. Olhei rapidamente em direção a sua filha e ela continuava a admirar o mar. Quando estendi minha mão para pegar o celular de volta, Sophia puxou-me forte a ponto de me desequilibrar e quase cair por cima dela. Numa ação contínua, beijou rapidamente meus lábios e me soltou.

Ela estava alcoolizada, eu sabia disso, mas meu corpo todo reagiu sentindo um formigamento diante da ação intempestiva daquela mulher que não deixava meus pensamentos um só minuto.

Que merda” — Pensei. — “Por que ela não facilita? Desse jeito não vou esquecê-la nem na próxima encarnação!”

A filha dela voltou e a abraçou novamente.

— Eu gosto de São Paulo de verdade, mas tenho uma saudade danada de olhar esse mar.

Vi a forma carinhosa com que a filha a tratava. Percebi que, afinal de contas, Sophia não era uma mulher tão sozinha quanto pensava. Reparei na interação das duas e começava a entender porque Sophia talvez não quisesse se desfazer daquele casamento falido. Talvez tivesse medo de perder o respeito ou o contato tão estreito com a garota. Só que isso não era justo e nem era a solução.

— Cléo. Você tem algum compromisso agora? – Sua filha me perguntou de supetão.

— Ãh? Não. – Falei meio que no automático.

— Então, está decidido. Quando esses caras chegarem e trocarem o pneu, você vai com a gente e fazemos uma pequena farra lá em casa. Mamãe pôde beber no jantar, mas eu fiquei na seca para dirigir. Agora quero sentar e tomar alguma coisa e jogar conversa fora.

Sorri mentalmente. A fruta não cai longe da árvore afinal. A menina herdara o mesmo poder de mando da mãe. Olhei para Sophia e ela gargalhou.

— Não fui eu quem falou. — Levantou os braços e encolheu os ombros se eximindo da situação.

Os caras do seguro chegaram, trocaram o pneu e eu não sei porque não consegui negar o oferecimento. Ou melhor, sei sim. Queria compreender melhor a vida dessa mulher que tanto mexia comigo. Passamos uma noite de sábado agradável, conversando na sala do apartamento delas e não me arrependi nem um pouco. Melissa era divertida, “super” bem-humorada e nos entretinha com histórias da sua vida em Sampa. Fui embora de madrugada e estava feliz, porém sabia que no exato momento em que eu entrasse na Grasoil na segunda-feira, tudo mudaria novamente. Continuei mentalmente meu mantra para ter coragem e forças e não fraquejar até chegar em casa. Mesmo pouco antes de dormir, repetia mentalmente que não havia ocorrido nada demais, a não ser um agradável fim de noite com amigas.



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