Diferentes?

Capítulo 11 – Descobridor dos sete mares

No dia seguinte, fui à casa de Dago. Era um apartamento não muito grande em Ipanema, bem no meio do buchicho. Identifiquei-me na portaria e logo depois que o porteiro contatou com o apartamento disse para subir. Quando cheguei ao quinto andar e saí do elevador, Dago já tinha a porta aberta e me aguardava.

— “Alouuu”!

— Oi, meu amor!

Abracei-o e ele me deu passagem. O apartamento era aconchegante e a sala era dividida em dois ambientes. Erick estava sentado em uma chaise com um travesseiro apoiando seu braço esquerdo e ligeiramente apoiado de lado. Fui até ele e o beijei também. Sentei ao seu lado em uma poltrona.

— Como você está, garoto? — Perguntei carinhosamente.

— Fora meus brios e minha alma quebrada? Estou melhorando rápido. — Respondeu-me um pouco pesaroso.

— Que é isso? Não fica assim. A gente vai arrasar e colocar esses aprendizes de delinquentes no lugar deles! Pode ter certeza. — Falei com segurança. — O que importa é que você tá legal e vai voltar rapidinho à ativa. — Apertei sua perna levemente.

Olhei ao redor e reparei na mesa primorosamente posta com frios, pastas e pães diversos.

— Vocês estão esperando um batalhão ou acham que como muito mesmo? – Falei rindo, pois a quantidade de comida era imensa e, pelo visto, nem era o almoço.

— Você está tão engraçadinha, Cléo… – Dago falou rindo. – Não é só para nós. A Sophia me ligou querendo ver o Erick e eu a convidei. Ela está com a filha, que vem junto. Não posso fazer feio, né? Afinal, minha “chefinha”, em seis anos, nunca veio à minha casa.

Essa notícia não estava em meus planos de relaxamento total para o domingo. Já a havia encontrado na noite anterior, inesperadamente e hoje também aqui? Cara, devia ter algum diabinho me perseguindo, querendo atormentar minhas ideias! Ontem encontro a “dita cuja”, quando estou querendo desesperadamente me libertar do seu poder maldito de atração, hoje, Dago me presenteia com a notícia de que meu carma estará presente? Acho que taquei pedra na Maria Madalena quando Jesus falou para não fazer! Só pode ser isso!

Sabe o que é o pior de tudo? É que a burra aqui, ficava toda ensarilhada só com a possibilidade de ficar no mesmo espaço que ela. Tô começando a achar que morri e incorporei no corpo de alguma debiloide. Caramba! A mulher transa comigo, é deliciosa na cama, é “super” carinhosa, tem uma personalidade fascinante e, me chuta nas duas vezes que dei abertura. Só sendo uma minhoca descerebrada para querer ficar junto com ela! E eu…  Bem, eu estava “mega” ansiosa para que ela chegasse! “Tava” doida para vê-la.

É. Eu sou uma minhoca descerebrada!”

Minha cabeça estava distante e Dago falava comigo sem parar e eu nem prestava muita atenção. Eu só respondia: é, tudo bem, sim e todas as expressões que nada significavam, a não ser, concordância para que ele achasse que estava com a cabeça na conversa.

— … então o pai do moleque disse que ele estava certo! Você acredita nisso?

— É. Ele “tava” certo…

— O quê?

— Ãh? O que falou?

— Cléo! Eu “tô” contando a discussão que tive com o pai de um dos delinquentes, que estava na delegacia, quando eu fui prestar depoimento. Você falou que o pai do garoto estava certo, dizendo que o filho dele devia em bater na gente mesmo?!

— Desculpa, Dago. Eu estava querendo dizer o contrário!

Erick estava só escutando a história e olhando para mim, rindo. Olhei para ele, cismada.

— Que foi?

— Você tá assim dispersa, desde que Dago falou que Sophia vinha. – Continuava rindo.

— Que?! Não. Só me distraí.

O olhar de Dago para Erick foi de repreensão.

— O que foi, gente? Não posso me distrair?!

— Pode. – continuou Erick sem dar importância para os olhares de Dago. – Mas vocês duas estão muito estranhas…

— Erick! – Dago o repreendeu, verbalmente.

— O que é?! Não posso falar o que eu penso?

— O que você tá pensando, Erick? — Perguntei alarmada.

Para falar a verdade, estava insegura sobre minha história com Sophia despertar desconfianças. Sinceramente, não me sentia cômoda com as pessoas reparando em mim, principalmente no que se referia a minha recente descoberta sexual.

— Olha, não sou do tipo que acha que o mundo é gay… — Ele deu uma pausa meio que pensando no que falar. — …quer dizer… mais ou menos, na verdade penso que metade do mundo é gay! — Deu uma gargalhada, antes de continuar. — Mas é que você e a Sophia estão agindo de um jeito que me leva a pensar que tá rolando alguma coisa entre vocês.

Olhei para ele e depois para Dago. Meus olhos estavam arregalados e minha pulsação acelerada.

Meu Deus! Será que a gente tá dando tanta bandeira assim”?

Dago não estava falando, mas parecia que concordava com Erick.

— Cléo, não precisa falar nada. Se eu estiver errado, me desculpe…

— Não é isso, Erick, é queee…

Inspirei fundo. Nunca tinha pensado em dar desculpas, se fosse confrontada. Realmente achava que estávamos sendo discretas.

— Como vocês descobriram? – Perguntei derrotada.

— Viu, Dago! Não te falei? – Erick falou afetado.

— Na verdade, não foi muito por você. — Dago começou a falar. — Foi mais por causa da chefinha.

— Da Sophia?

— É. Conhecemos a Sophia há muitos anos, como eu já falei, eu sou a pessoa mais próxima dela lá na empresa e bem… Começou pelo dia da conferência. Ela nunca admitiria que a empresa de eventos cometesse um erro daqueles em relação à estadia no hotel da conferência. Ela sempre exigiu que a empresa deixasse quartos reservados a mais para qualquer tipo de eventualidade, e essa empresa, já trabalha com a Grasoil há anos.

— Vocês acham que foi proposital?

— Não sabemos, mas outra coisa foi o fato dela ter chamado você para dormir com ela. Já vi incidentes como esses acontecer em outros tempos, por isso que ela passou a exigir quartos adicionais. Na época, ela colocou a palestrante em um hotel na mesma categoria e deixou um carro inteiramente a disposição da mulher. – Disse Dago.

— Depois veio a notícia de que você havia ido embora, sem contar que ela nunca chegou atrasada para qualquer coisa relacionada ao trabalho e naquele dia, ela voltou para a palestra só no coffee break da tarde. – Erick completou.

— Vocês chegaram a essa conclusão só por isso?

— Claro que não. Na segunda-feira, ela perguntou por você umas três vezes e quando eu perguntava a ela se queria que eu a chamasse, ela respondia que não, e dizia que depois a procuraria, aí me fez aquelas perguntas que te falei, sobre como era o meu casamento com Erick. Ela viajou e depois veio a questão de eu ter pedido a você para pegá-la. Lembra que você disse que sairia mais cedo para fazer o cabelo e fazer as unhas? Bom, até aí tudo bem, embora você nunca tenha feito isso, mas quando eu liguei para ela, por conta do que aconteceu conosco, ouvi sua voz ao fundo. Foi quando você apareceu no hospital a acompanhando…

Merda! E a gente acha que tá mega natural”!

Olhei para os dois e deixei-me cair no encosto.

— Meninos, vou falar uma coisa. Tá uma merda! Eu nunca me relacionei com uma mulher e ela também não. Estamos assustadas e toda vez que rola alguma coisa, ela me dá um toco, logo em seguida!

Eles me olharam espantados.

— Então aconteceu mesmo? – Falaram ao mesmo tempo.

— “Peraí”! Vocês não falaram que tinham percebido tudo?

Eles se entreolharam.

— Nós sabíamos que estava acontecendo alguma coisa, mas já rolou? Quer dizer, já rolou… aquilo?

Deus! Eu sou uma idiota mesmo. Entreguei o “dimdim pro malandro”. Eles estavam achando que estavaaaa… como o Diguinho da informática falava mesmo? Ah. Eles estavam achando que “tava” acontecendo a “interface”, mas que a nossa relação não tinha chegado a ser “amigável”. Fazer o que, né? A única coisa que eu podia falar naquele momento era a verdade.

— Rolou.

O queixo dos dois estava quase no pé.

— Que babado, Dago! – Disse Erick.

— Galera, por favor, a hora que a Sophia chegar, sejam discretos! – Dago falou olhando diretamente para Erick.

— Qual é, Dago?! Sou discretíssimo! – sorriu.

— Uhumm! Sei. Mas ela ainda não chegou. Pode desembuchar, Cléo.

— Desembuchar o quê? Que eu tô louca pela mulher e ela tá me esnobando? Isso já deixei entender, não é não?

Contei a minha história. Bom, pelo menos sob a minha perspectiva.

— Resumindo. Deu dor de “sapato” nela. — Falou Erick.

— Einh?

— Esquece o Erick.  Depois do atentado, ele tá usando mais o idioma “viadês” do que o de costume.

— Tudo bem, mas mesmo assim não entendi!

Dago suspirou.

— Ele disse que ela estava tendo “dor de corno” pelo que aconteceu, mas como você é mulher… – Ele espremeu as sobrancelhas e me olhou, tentando ver se eu “pescava”.

— Ah! Sei. Entendi. Mmm… Calma, gente. Tô tentando me inteirar ainda no “gayanês”, falou?!

Os dois riram a valer.

— É isso. Acho que ela sentiu “dor de sapato” mesmo. Mas eu também estou meio abalada com isso tudo.

— Abalada por quê? – perguntou Erick.

— Passe a vida inteira se relacionando com homem e depois se descubra apaixonado por uma mulher. O que acha?

— Grrrrr! Que nojo! – Os dois falaram ao mesmo tempo e eu não aguentei. Gargalhei até não poder mais. Esqueci que “tava” falando com duas bichas “assumidérrimas”.

A campainha tocou e todos nós nos olhamos com a respiração suspensa. Dago foi o primeiro a se aprumar.

— Gente, disfarça. A cara de vocês denuncia.

— Falou. Já tô ficando comportada. – Me endireitei e tentei ser casual. Como se isso fosse possível.

— Também. – Erick olhou para frente igual estátua.

Dago foi até a porta e quando ele abriu, eu quase morri de tanto que ela estava maravilhosa. Só que na minha cabeça eu tinha decidido que arrancaria qualquer vestígio dessa mulher de minhas entranhas… Quer dizer, das minhas entranhas não, pois eu gostei muito dela nas minhas entranhas, mas de meu coração e da minha mente eu tentaria com todas as minhas forças.

Entrou com seu porte altivo e a filha risonha atrás. Realmente, a filha dela se parecia com ela fisicamente, mas em comportamento era muito diferente, pois quando Sophia a apresentou para Dago, sua filha o beijou na bochecha despojadamente e o abraçou. Dago ficou um pouco tímido com a sua chefe à frente e a filha tendo demonstrações tão carinhosas. Eu quase sorri com a cena, mas não podia dar muita bandeira.

Sophia me olhou diretamente e acenou levemente com a cabeça. Acho que Dago também não havia dito que eu viria, pois seu olhar transpareceu ligeira surpresa, mas logo se envolveu em sua aura segura. Poderia até dizer que eles brilharam ligeiramente, mas eu sou suspeita para falar, afinal, estava torcendo intimamente que ela visse a grande pessoa que ela perdeu, ou seja, “EU”. Não me digam que não pensariam assim, pois todos nós temos nossa parcela de orgulho e egocentrismo.

— Oi, Cléo!

— Oi, Melissa! Tudo bem?

— Ótima. E você? Por que não disse ontem que viria aqui?

Sophia ficou ligeiramente desconfortável, pois dava a entender a sua filha, que ela era amiga íntima de Dago e Erick.

— Então, eu não sabia que viria. Apenas liguei para Dago para saber como o Erick estava e ele me convidou a vir vê-lo. Tá certo, isso foi ontem, mas não me toquei realmente.

— Que legal, pois estava me perguntando para onde mamãe me levaria. — Sorriu graciosamente.

— Melissa ama me provocar. Não liguem. Como vai Erick? Está se sentindo melhor?

— Estou sim, senhora Bran…

— Ei! Aqui sou apenas Sophia, apenas uma amiga, por favor.

Um olhar de incompreensão foi direcionado da filha para Sophia e esse pequeno gesto não passou despercebido nem por Erick, nem por Dago e muito menos por mim.

— Claro, Sophia. “Me desculpa”, é que ando meio abalado ainda.

Erick respondeu elegantemente, para tirar a impressão da falta de intimidade que passou pelo olhar de percepção de Melissa.

— Não tem problema, Erick. Sei também que esse contorno formal que nos cerca no trabalho, acaba deixando essa carga para nós todos. Mas… vamos relaxar.

Dagoberto se adiantou para dissipar de vez o clima.

— Meninas, o que vocês querem para beber? Tenho cerveja, vinho, espumante e se quiserem aventurar, “caipifruta”. Tem limão ou morango para fazer.

Sophia me olhou e viu que eu ainda não tinha começado a beber.

— O que vai querer, Cléo?

— Ummmh… Hoje está calor e estou propensa à cerveja ou ao espumante.

— Eu também. – Disse Dago. – Acho que vou no espumante.

— Boa pedida, Dago. Vou acompanhá-lo. — Falou Melissa.

— Então já decidiram a minha dúvida. Estou dentro. — Falei.

— Ok. Acompanharei também. — Sophia se pronunciou.

— Meleca! Só eu que tenho que ficar tomando suquinho…

Todos olharam para Erick, mas em vez de nos compadecermos, começamos a rir do jeito que ele falou. Parecia criança emburrada.

— Tá bom, Erick. Colocarei o suco de limão em uma taça para você não se sentir tão só.

— E você, Melissa, vai beber? Não terá que dirigir.

— Falei para mamãe que “tava fora” hoje. Não tem graça sair num fim de semana e ficar “na seca”, enquanto todo mundo bebe. Viemos de táxi.

Achei super engraçadinha a Melissa chamando-a de “mamãe”. Esbocei um pequeno sorriso. Era quase imperceptível, mas a capacidade de observação de Sophia, assim como a minha, eu acho, fez seu rosto ficar levemente róseo. Virei meu rosto para olhar através janela, para não deixar mais esse tipo de interação entre nós acontecer. Apesar de entender o quanto ela mexia comigo, estava disposta a acabar com isso. Não queria prosseguir mais com nossas aventuras, pois estava na cara que, para ela, era mais fácil dar uma “boa trepada” e depois se desapegar dos momentos vividos. Ainda estava magoada e sabia que não rolaria algo concreto entre nós. Eu tinha medo de encarar minha sexualidade recém-descoberta, mas ela tinha pavor. Isto estava claro para mim. Ela não conseguiria enfrentar isto na sua vida, no seu trabalho ou com a sua família. Talvez eu também não conseguisse, mas estava disposta a pelo menos tentar, mesmo que mais adiante, as coisas não saíssem como eu desejava. Mas definitivamente, ela não tentaria.

— … Cléo… Cléo!

— Ãh!

— Que está havendo com você, hoje? Está tão dispersa. — Melissa me perguntou.

— Desculpa, Mel. Ando realmente com a cabeça nas nuvens. O que você estava falando?

— Coloquei minha mãe na baia. Disse que era a primeira vez que a via com amigos só dela. Sem aquela coisa de festa de negócios para lá, jantares com executivos para cá, recepções para colegas de trabalho do meu pai… Enfim, nunca a vi sair com alguém sem que houvesse negócios por perto. Ela e meu pai sempre vivendo para o trabalho.

— Você fala como se eu fosse ausente e nunca tivesse dado atenção para você!

— Não falei em relação a mim. Você sabe o que quero dizer. Comigo, você nunca foi ausente. Sempre conversou e sempre me apoiou. Permitia que eu cultivasse minhas amizades, mas sempre me incomodei por nunca ter pessoas que fossem realmente seus amigos. Sempre os negócios caminhavam juntos.

Percebi que Sophia estava ligeiramente incomodada com a exposição de sua vida e, mais uma vez, Dago foi o moderador. Ele vinha da cozinha com as flutês na mão.

— Pois saiba mocinha, que sua mãe, além de ser uma grande mulher de negócios, é também uma ótima amiga. Já me surpreendeu duas vezes em minha vida e as duas foram surpresas boas.

— Obrigada, Dago. Pelo menos alguém nesta sala consegue me ver, simplesmente como uma mulher.

— Ei! Não vem com essa de se fazer de vítima. Você é muito inteligente para fazer esse tipo de papel. – Melissa falou para a mãe e imediatamente se voltou para Dago para se explicar. — O que eu tô querendo dizer é que mamãe nunca me apresentou seus amigos de verdade. Nunca vi mamãe despojada deste jeito que ela está hoje.

— Pois eu tenho umas histórias sobre sua mãe. Quer ouvir?

Quando Dago fez a pergunta para Melissa, observei que Sophia se retesou na poltrona ligeiramente. Era sutil, quase como um contrair ligeiro dos músculos do pescoço, mas eu gostava de olhar essas ligeiras mudanças nas pessoas. Havia adquirido essa, como eu diria, qualidade, pelas palestras que eu dava. Era uma forma de ver se estava atingindo ou não, meus objetivos diante de meus ouvintes.

— Claro que quero!

— Esse fim de semana você está se fazendo mesmo, não é? É como se minha vida fosse o maior segredo do mundo para você.

— E não é senhora Sophia Vasto Arqueiro Brandão?

— Vasto Arqueiro? – Exclamei e imediatamente ruborizei.

— Vasto é o nome da minha família por parte de mãe, Arqueiro do meu pai e Brandão do meu marido.

         Dissiminar



Notas:



O que achou deste história?

Deixe uma resposta

© 2015- 2021 Copyright Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem a expressa autorização do autor.