Diferentes?

Capítulo 14 – Vai um “rivotril” aí?

Quando me aproximei correndo da calçada, o carro já havia partido, cantando pneu bem em frente à minha casa. A valise estava aberta e esparramada no chão. Comecei a gritar para alguém ajudar. Estava louca com o que acabara de presenciar. Evidente que era uma atitude que não levava a lugar nenhum, mas alguém já presenciou algo assim? Nosso emocional toma conta e não controlamos a nossa reação. Algumas pessoas, conhecidas minhas da rua, vieram ao meu encontro e nem percebi como chegaram.

— Tudo bem, Cléo?

 Alguém perguntou.

— NÃOOO! – Eu falei berrando em lágrimas. – LEVARAM SOPHIA! LEVARAM SOPHIA!

Depois de algum tempo me acalmando, consegui contar o que houve e liguei para Dagoberto e Donna. Entrei em casa, acompanhada de uma vizinha que havia me acudido. Ela ficou até que Dago e Donna chegaram. Eu não me tranquilizava por nada. Tudo passou muito rápido entre o tempo que Sophia saiu, fechei a porta e olhei pela janela. A imagem ficava passando como um filme em minha cabeça. Dago me abraçou de um lado e Donna do outro.

— Calma, Cléo, vai tudo ficar bem. Já acionei a direção da empresa e a gerência de segurança. Eles entraram em contato com a divisão de sequestro da polícia. Vai tudo dar certo. O escritório de advogados que trabalha para a Grasoil também está ciente. Vai tudo se resolver.

— Dago, foi horrível! Sinto-me impotente… Uma sensação de desespero que não passa. – Falei num fio de voz.

— Você quer beber alguma coisa?

— Um whisky, Donna, por favor.

— Whisky não. Você vai ter que falar com a polícia e…

— Um whisky, Dago, EU QUERO UM WHISKY!

Donna tocou o braço de Dagoberto e ele assentiu. Trouxe-me um copo com gelo, peguei-o com a mão trêmula e virei de uma só vez. Queria que o sentimento de confusão e desespero sumisse rápido, mas não aconteceu.

Uma hora depois, eu estava em minha sala que foi invadida por um monte de rostos que eu não conhecia. Algum tempo depois, vi olhos verdes marejados por lágrimas que apertaram mais ainda meu coração. Dago havia ligado para Rosalina e pedido o número de celular de Melissa. Ele queria dar a notícia para a garota antes que a polícia o fizesse. Sabia que possivelmente a polícia não tivesse tanto tato quanto ele para contar algo tão aterrador para a menina. Ela se jogou em meus braços soluçando convulsivamente. Tive que forçar a minha calma. Não deixaria essa garota tão alegre e doce, desamparada nesta hora.

— Shiii… Calma. A polícia vai trazê-la de volta para nós. — Falei baixo e mansamente acariciando seus cabelos.

Uma mulher de seus trinta ou trinta e dois anos se aproximou e parou diante de nós, nos observando.

— Precisa de alguma coisa? – perguntei.

— Na realidade sim. Sei que o momento é de comoção, mas eu sou a investigadora Elizabeth Gurjão Pereira e já levantei todas as informações que podia de sua vizinha, de seus amigos e de algumas pessoas da empresa. Preciso conversar com a senhora, pois o tempo pode ser o nosso maior aliado, como também nosso pior inimigo.

— “Me” chame apenas de Cléo, por favor. – Estendi a mão para cumprimentá-la, ao mesmo tempo em que desalojava Melissa de meus braços. – Melissa, vá com Dago. Preciso conversar com a investigadora…

— “Me” chame apenas de Beth, ok? – Ela tinha uma postura séria, porém, nesse momento, meneou a cabeça e sorriu.

— OK, Beth. O que quer saber?

— Podemos ir ao seu escritório? Preciso de um local privado para fazer os questionamentos.

— Sim, claro. – falei apaticamente. – No momento, somos todos suspeitos. – Deixei cair meus ombros em sinal de cansaço.

— Não me leve a mal, Cléo, mas precisamos olhar por todos os ângulos. Já temos equipes montando equipamentos de rastreamento na Empresa, na casa da Senhora Brandão e outra equipe está colhendo indícios na frente de sua casa e aqui dentro. É um trabalho exaustivo e minucioso, pois as primeiras quarenta e oito horas são as mais importantes para o sucesso da operação. Vocês terão que ficar sob custódia e não poderão falar com mais ninguém até os excluirmos. Isso deve levar em torno de um dia. Peço sua paciência e cooperação se realmente quer que consigamos libertar a Senhora Brandão.

Se realmente quero libertar Sophia”? – Pensei — “Agora ela conseguiu me irritar”!

Se realmente quero? – Falei entre dentes — Entendo que está fazendo o seu trabalho, mas isso foi muito ofensivo. Vamos começar logo esse interrogatório, para terminar logo e você, no mínimo, tentar fazer o seu trabalho que é ir aí fora e trazer a Sophia de volta, está bem?

Rosnei e ela, irritantemente, sorriu sem se abalar.

— Nós já começamos o meu trabalho, Cléo.

Continuava sorrindo, enquanto sentava na cadeira atrás da mesa de meu escritório. Vejam bem… DO MEU ESCRITÓRIO! Que ódio! Depois que sentou, se voltou para mim, desfazendo o sorriso em uma postura mais séria. Acionou um pequeno gravador digital e colocou-o sobre a mesa.

— Por favor, sente-se e vamos começar novamente. Desculpe-me se fui grosseira, mas tenho que ser incisiva.

Pelo menos, ela teve a decência de se desculpar. Ela fez perguntas sobre como eu conhecera Sophia, como andava a minha relação comercial com ela e foi aprofundando até chegar ao que ocorreu hoje. Lógico que eu omiti ao longo do interrogatório que eu e Sophia tivemos uma relação intima. Mas aí pumba!

— Cléo, me desculpe pela pergunta e saiba que isso ficará entre nós, mas realmente preciso saber. Diga-me, que grau de intimidade você e a senhora Brandão tem? Estou perguntando isso, pois algumas peças não se encaixam, por exemplo: Vocês se conheciam há pouco mais de dois meses. Por tudo que tenho levantado sobre ela, fala-se que ela é uma pessoa extremamente reservada, quase não tem amigos pessoais e é muito exigente consigo mesma em seu trabalho. Vocês ficaram juntas em uma suíte de um hotel em Angra, pouco depois de se conhecerem, independente se houve ou não um erro da empresa de eventos, o mais lógico seria colocá-la em outro hotel, como ocorreu anos antes numa situação similar. Vocês chegaram juntas ao hospital quando houve a ocorrência do gerente de qualidade, Dagoberto Souza e seu companheiro; hoje mesmo foram à casa deles para visitá-los, o que é incompatível com o tipo de relação que ela sempre travou com seus subordinados. Na outra semana, foi você quem a pegou no aeroporto e hoje havia uma valise em poder dela no momento do sequestro. Pelo que você mesma me contou, ela veio pegar hoje aqui, ou seja, essa valise com roupas e outros elementos pessoais se encontravam em sua casa. Não me parece uma relação puramente profissional!

Como a Donna costuma falar, fiquei “de cara”! Em que horas essa mulher conseguiu colher todas essas informações?

— Por acaso, você está com um ipad e a página dos nossos perfis do facebook aberto aí?

Ela perdeu a linha de investigadora séria e gargalhou.

— Embora até utilizemos as redes sociais para obter informações, não foi o caso desta vez. Apenas conversei com seu amigo Dagoberto, sua amiga Donna e busquei rapidamente com a empresa alguns detalhes dos passos da senhora Brandão nos últimos meses. Ainda inconclusivo e incompleto. Além do que, existem as provas como a valise que você mesma contou, só não falou quando ela deixou aqui.

Ela falou inconclusivo e incompleto? Fiquei sem saber o que fazer. Em poucos minutos minha vida estava sendo revirada. O que faria? Se falasse também comprometeria Sophia. Resolvi contar toda a verdade, afinal ela estava do nosso lado, certo? Depois que falei, pedi para não vazar essa informação, mas não estava certa até que ponto ela poderia ocultar de seus amigos policiais.

— Não se preocupe, Cléo. Sou discreta com informações, até porque, não podemos deixar coisas vazarem para a imprensa, pois daria munição para os sequestradores. Todas essas parafernálias que estamos montando na casa dela são feitas pelos técnicos, mas ficaremos nos revezando apenas três grupos com dois investigadores em cada um deles. Todas as informações são concentradas em nós. O restante da polícia fica apenas em estado de alerta para nos apoiar.

Eu estava esgotada física e emocionalmente. Suspirei. Acho que ela se compadeceu de mim, pois pegou ligeiramente minha mão para me confortar.

— Não se preocupe. Durma um pouco, mas aconselho a ir para a casa da senhora Brandão, pois foi parte envolvida e ficaria mais segura e mais fácil de protegermos você.

— “Me” proteger?

— Sim, acredito que eles tenham lhe visto.

Suspirei imbuída neste sentimento de cansaço.

— E também viram que eu vi o carro.

Ela sorriu, talvez pensando na minha inocente percepção do que era um sequestro.

— Isso não importa para eles, pois o carro que você viu pegá-la, nós o encontramos largado a uma quadra daqui.

— Como?

Eu não havia entendido, pois tinham acabado de sequestrá-la. Para que largariam o carro tão perto? Na minha face se estampava nitidamente a incompreensão e Beth percebeu de imediato.

— Cléo, a Urca tem uma única entrada e saída. Eles não se arriscariam que alguém visse o carro e sofressem uma perseguição tão perto do ponto inicial de sequestro.

— Entendo… – Me senti uma verdadeira ignorante urbana. Morava numa cidade imensa permeada de violência e apenas imaginei que simplesmente os caras tinham vindo, pegado a Sophia e ido embora.

— Não se sinta constrangida por achar que a ação dos sequestradores poderia ser direta e retilínea. Isto não faz parte do seu mundo, mas certamente faz parte do deles. Assim com você faz um planejamento em seu trabalho para atingir metas, eles fazem este mesmo planejamento no “trabalho” deles. Provavelmente a Srª Brandão, já vinha sendo observada há algum tempo e nesta fase do sequestro, eles deveriam estar apenas esperando uma oportunidade. De qualquer forma, me sentirei mais tranquila se você for para a casa da Sra. Brandão. Embora eles estivessem mascarados, talvez não queiram arriscar se houver alguém conhecido envolvido… Inclusive, eu mesma vou recomendar para o comando que fique lá, pois se eles entrarem em contato, talvez você possa nos ajudar.

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Vi-me sendo conduzida ao meu quarto, onde pegaria roupas e outros objetos pessoais para acompanhar os investigadores até a casa da Sophia. Após uma hora, eu já entrava no apartamento ao lado de Melissa, que estava abaladíssima e com os olhos ainda inchados de tanto chorar. Ela me levou ao quarto de hospedes para me acomodar. Enquanto andávamos para atravessar a sala, olhávamos a movimentação de diversas pessoas instalando equipamentos, outras falando ao celular e outras olhando telas em laptops e discutindo coisas que nós não fazíamos a menor ideia do que se tratava. Algum tempo depois de me acomodar, fui até a sala e Beth veio ao meu encontro perguntando se queria comer algo ou se não gostaria de dormir um pouco, pois assim que eles entrassem em contato, ela me acordaria para acompanhar as negociações. Ela achava que, se eu estivesse presente, talvez pudesse lembrar algum detalhe que denunciasse quem eram os sequestradores.

Tempos depois do sequestro, soube de alguns detalhes que ocorreram e, relatarei aqui para vocês. Ainda hoje me dói ao lembrar este dia e me arrependo enormemente de não ter implorado para ela ficar comigo, para me amar e para deixar tudo por mim.

…………………………….

— Jogue essa “puta” aí e não tire as algemas… muito menos o saco da cabeça. Quero que essa “piranha” esnobe desça desse palquinho que é a vida dela. Rapazes, depois que negociarmos e conseguirmos a grana, talvez vocês possam se divertir um pouco.

A voz da mulher era estridente e afetada. Sophia foi jogada em cima de uma superfície dura, porém recoberta com algo semelhante a uma manta. Sentia vertigem e náuseas por conta de um comprimido que a obrigaram a tomar. Suas mãos estavam presas nas costas e a escuridão provocada pelo saco em sua cabeça, aumentava seu pavor. Mesmo naquele estado de torpor, sentia o suor gelado do pânico a recobrindo. Teve ânsias de vômito e tentou forçar a calma para segurar. Sabia que se vomitasse, provavelmente não seria atendida para que se limpasse e talvez se sufocasse com o mesmo. Permaneceu assim durante tanto tempo que seu corpo dava sinais de dormência em diversas partes.

O medicamento que havia ingerido dispersara deixando uma dor de cabeça lancinante. Escutou a porta sendo destravada e o barulho parecia um trovão que retumbava em seu cérebro.

Agarraram-na pela gola, levantando-a da cama improvisada e sacudindo todo seu corpo. Novamente a sensação de pânico a assolava.

— Escuta bem, sua “vaca”. Vou tirar as algemas e o saco da cabeça, se você se meter à esperta, e, se você fizer qualquer coisa, te dou tanta porrada que quando encontrarem seu corpo, não vai dar nem para reconhecerem seus dentes. ENTENDEU? (…) EU PERGUNTEI SE ENTENDEU?

Sophia meneou a cabeça vigorosamente. Um tempo depois, sentiu suas algemas sendo tiradas e uma dor aguda se instalou em seus ombros com o movimento de seus braços para frente. O saco foi retirado violentamente, fazendo seu corpo balançar. Um cheiro de mofo rescendia no ar, mas ela não conseguia ver nitidamente, pois o quarto estava na completa escuridão. Divisou alguém em pé a sua frente, porém também não conseguia enxergar. Parecia que o indivíduo estava vestido de preto e tinha algo cobrindo seu rosto, fazendo com que fosse encoberto pela sombria negritude do ambiente.

— Vou trazer um prato de comida daqui a pouco, mas se não comer, vai ficar o resto de seu tempo sem mais nada.

A fala do homem era agressiva e dava o tom de animosidade e violência a cada palavra que proferia. Ele permaneceu em silêncio por alguns instantes, mas, de repente, Sophia sentiu uma mão passeando de forma rude e lasciva por seu rosto, culminando com a entrada forçada de dois dedos em sua boca. Foi tomada por um sentimento de nojo e repulsa, fazendo-a afastar seu rosto bruscamente, sofrendo logo em seguida, um golpe forte em represália a sua ação.

— Acha que é boa demais para pessoas como eu?

A risada do homem preencheu todo o ambiente. Sem qualquer aviso, o homem puxou o rosto de Sophia para colá-lo a sua genitália, esfregando-se e quase a sufocando.

— Isso é para você ter uma noção do que te espera daqui alguns dias. Pode deixar que “meto gostoso”. Só não teve ainda, porque você precisa estar inteira para falar quando a gente negociar.

Largou o rosto dela, empurrando-a e deixando sozinha no quarto escuro.

— Deus! Diz que isso é um pesadelo!

Sophia sussurrou debilmente, cobrindo o rosto com suas mãos e deixando as lágrimas escorrendo soltas por sua face.



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