Diferentes?

Capítulo 15 – Negócios são negócios

Dagoberto e Donna permaneceram na minha casa, a meu pedido, até que a polícia liberasse.

……………….

— Dagoberto, como assim, a gente não pode falar com a Cléo?

— Disseram que ela não pode deixar as coisas vazarem. As informações do que estão investigando, entende?

— Cara, sou amiga dela há mais tempo do que a invenção do sutiã, sacou? A gente nunca teve segredos. Como eles não vão me deixar falar com ela?

— Para eles, até que tudo seja esclarecido e sejamos descartados. Somos suspeitos. – Refletiu um pouco. — Nunca tiveram segredos?

— Não.

— Tem certeza?

— Por que você tá perguntando isso?

— Uhmmm.. não… Nada…

— Se você tá falando da Sophia, então não. Ela não tem segredos comigo.

— Ah. Será que a polícia já sabe?

— Sei lá, deve saber. Pelo menos deveriam, não? Digo, devem ter perguntado e investigado, afinal, eles têm que ligar tudo, não é?

— Você falou alguma coisa para a tal da Beth?

— Eu não. Isso é coisa íntima da Cléo. Ela é que tinha que falar e não eu, por quê? Você falou?

— Claro que não? Mas, sei lá! Fiquei pensando se não era melhor contar.

— Cara, a Cléo já deve ter falado, até porque, essa Beth não é idiota. Ela sabe fazer muito bem as perguntas.

— É. Ela me colocou na parede um monte de vezes.

— Eu tenho que achar um jeito de falar com a Cléo. Ela deve estar apavorada. Onde a Sophia mora, você sabe?

— Sei, mas por quê?

— Eu vou bater lá. Eles não podem deixar ela sem falar com a gente.

— Cara, você vai arrumar confusão!

— Deixa de ser medroso! Eles vão fazer o que? “Me” prender? Aí é que vai ser “M” no ventilador, porque se eu sumir, o pessoal da emissora vem atrás.

— Tá bom. Eu vou até lá com você.

A Donna já tinha “ido com a cara” do Dago de primeira e parecia até que já se conheciam há tempos. Sim, Donna é abusada e já falava com ele com intimidade.

……………..

Escutei a Beth falar alto na cozinha e fui ver o que estava acontecendo. A investigadora estava de pé ao lado do interfone e tinha acabado de desligá-lo, não muito delicadamente. Ela me olhou e passou por mim resmungando.

— Essa sua amiga é um porre! Se ela atrapalhar a investigação, eu juro que prendo ela!

Eu não entendi nada, mas retornei a acompanhando até a sala. Pouco tempo depois, a campainha tocou.

Ela abriu a porta e Donna surgiu acompanhada de Dagoberto.

— Sabia que eu posso te prender por desacato e por atrapalhar uma operação policial?

Beth a interpelou antes que ela avançasse, olhando-a com fúria. Donna devolveu o olhar arrogantemente, bem ao “estilo Donna” e retrucou.

— E ela? — Apontou para mim. — Tá presa por quê? “Te” atrapalhou na investigação? Porque para mim, ela parece que tá presa, pois a gente não pode vê-la! Ou você quer ficar só olhando para a cara dela?

— Donna, por favor… – Intercedi e puxei-a pelo braço. Virei-me para Beth. – Não esquenta, Beth. Eu e Donna nos conhecemos há muito tempo. Ela só tá nervosa com tudo isso.

Beth bufou virando-se e indo de encontro ao outro investigador sem nada falar.

— O que vocês estão fazendo aqui? – sussurrei.

— Vim ver como você está.  Esse projeto de “Rizzoli” que é sem noção!

Reboquei na mesma hora os dois para o quarto em que eu estava hospedada para tirá-los das vistas da “Rizzoli”, quer dizer, da Beth.

— Como a Melissa está? – Dago perguntou.

— Está mal e tomou um remédio para dormir. Tava chorando horrores.

— E você, minha amiga? – Donna me perguntou já me abraçando.

amortecida. Acho que ainda não rolou os créditos na minha cabeça. Cara, ela tava comigo, ela foi pega na frente da minha casa!

— Ei, a Rizzoli vai trazer ela de volta, está bem?

Eu sorri com o jeitão da minha amiga. Mesmo nessa hora, ela tinha o poder de me fazer sorrir.

— Rizzoli é?!

— A mulher me deixou com raiva, tá legal? Mas dá para ver que ela sabe das coisas. Fazer o que? Quem “mandou ela” ser morena e debochada.

Sorri mais uma vez. Era bom ter a Donna e o Dago ali.

— Dago, vai para casa. O Erick está sozinho, cara!

— Acho que vou mesmo. Agora “tô” mais calmo. Se precisar e a Rizzoli deixar, me liga.

Nós olhamos para ele e começamos a rir. Essa história de “Rizzoli” já tinha pegado entre nós. Pior é que a Beth até parecia um pouco com a atriz do seriado mesmo. Ele se despediu de nós e foi embora.

— Dorme um pouco. Eu vou ficar aqui com você. Pode deixar que qualquer coisa, eu te acordo.

— E se… E se ela não voltar, Donna?

— Ela vai voltar. Ela vai saber lidar com os caras e a Rizzoli vai trazer ela de volta.

— Para de chamar a Beth assim, que vou acabar a chamando desse jeito na frente dela.

— Tá bom. Vou chamar de “pestinha”, pode ser assim?

— Não!

— Então vai ser Rizzoli e não se fala mais nisso!

…………..

Não sei que horas eu dormi e não sei quanto tempo. A Rizzoli… quer dizer, a Beth entrou no quarto e nos acordou devagar.

— Cléo… Cléo.

— Mmm. Oi.

Acordei meio desnorteada.

— Fizeram o primeiro contato e a Melissa atendeu.

Levantei alarmada.

— Por que não me chamou? Eu queria falar com ela…

— Calma. Você não poderia falar com ela ou com eles. Estamos na casa dela. O vínculo é com a filha e o marido, mas certamente eles sabem que o marido não se encontra. De qualquer forma, deixei que Melissa falasse livremente. Muitas vezes o desespero dos entes queridos, dá confiança para que eles se delonguem mais na ligação. O que gostaria agora é ver seu celular.

— Por quê? Ainda suspeita de mim? – Achei inacreditável que ainda estivessem me investigando, mas tentei me conter.

— Calma. Só quero comparar os números das suas chamadas com o que pegamos na operadora. Fica calma, não é nada demais, apenas rotina.

Peguei o celular na bolsa e o entreguei. Meu coração estava “mega” acelerado.

— O que eles falaram? O que exigiram? A Sophia está bem?

— Não falaram muita coisa. Apenas que retornariam e que sabiam que a polícia estava aqui. Mas que não fizesse nenhuma besteira.

— Eles sabem que vocês estão aqui? Não é melhor então deixar para lá? Fazer a troca pelo que querem…

— Cléo, lógico que eles contam com isso. Podem não saber exatamente, mas certamente contam com isso. Eles sempre supõem que a polícia acompanha o caso. Fica tranquila. Nós lidamos com essas ações sempre. Eles devem retornar para falar a quantia da troca, lá pelo meio da manhã, no mais tardar até meio-dia. Descansa mais um pouco que o pessoal já está aprontando alguma coisa para o café da manhã. Eu venho chamar.

………………

Já era uma da tarde e estávamos eu, a Donna e a Melissa no sofá. A Melissa estava assustada e se abraçava a mim toda encolhida, enquanto Donna fazia carinho na minha cabeça. Um novo grupo de detetives havia chegado com comida, mas o grupo anterior não havia ido embora. A Beth ainda estava conosco. Ainda bem que havia outra mulher na segunda equipe. Não sei por que, mas isso me confortava. O pior é que a mulher tinha cabelos castanhos bem claros, entre o loiro e o ruivo e seus olhos cor de mel pendendo ao verde… Não precisava muito de esforço e…

— Pronto, agora a Isles chegou! Ela só poderia clarear um pouco o cabelo, envelhecer um pouquinho, ai seria perfeito. — Donna falou.

Pela primeira vez, a Melissa sorriu. Donna se incentivou e aproximou-se de nós.

— Melissa, a Beth não parece a Rizzoli?

Melissa olhou para Beth e gargalhou. Os detetives olharam para nós não entendendo muito e seguramos o riso. Voltaram a falar entre si. Agradeci por ter a Donna como amiga e ela estar ali. Dava leveza à situação e até mesmo um pouco de relaxamento para a garota.

……………………..

— Aí madame! Não vai “demorá” muito tempo, “ou melhó”, não vai “demorá” muito o seu tempo!

A gargalhada do homem fez com que pela primeira vez, Sophia despertasse de seu estado de medo.

Eu não vou deixar esses caras me atormentarem. Não vou dar este gostinho”.

— Ainda bem. Estou louca para voltar para casa. – Falou suavemente. – Quando que a polícia chega?

O homem de negro arremeteu com toda a força, o dorso da mão na face de Sophia, abrindo um pequeno corte nos lábios. Sophia retornou devagar a cabeça, olhando nos olhos do homem por trás da máscara de esqui.

— Acho melhor não estragar a mercadoria tão cedo. Eu posso desmaiar ou… me lesionar de forma a não conseguir falar direito ao telefone…

— “Cê” se acha, não é? Sua filhinha vai “pagá” até se não te “escutá” você.

— Nossa! Que português exemplar… “te “escutá” você”…

Levou outra tapa mais forte. A raiva subia como um bólido, fazendo Sophia forçar a sua calma.

— Eu não teria tanta certeza. Nesta hora, deve ter muita gente ao lado dela orientando-a. Quanto vocês estão pedindo? Dez, talvez vinte milhões? Vou dar uma informação para o sucesso de vocês. Não peçam, além disto, pois não creio que meu marido tenha disposição para mais. Talvez não tenha disposição nem para isso.

— Sua filha vai ter!

O tom de voz do homem diminuiu.

Deus! É como nos negócios. Vamos lá, Sophia! Você consegue balançar esses caras”!

— Darei outra informação de muito valor, mas será a última.

— Você vai “falá” a informação que a gente “mandá”!

O tom do homem voltou a subir. Sophia se calou momentaneamente.

Não é a mesma pessoa de ontem. Esse cara é outro. A voz… a forma como se expressa”…

— O que vai fazer? Bater-me até eu desmaiar, até perder os sentidos? Pense bem. Numa troca sem importância para você, pelo meu conforto, posso dar muitas informações que ajudarão vocês, mas… Se me maltratar, me bater, o que eu recebo em troca? Prefiro morrer a ajudar, pois esta é a intenção de vocês desde o início. Você acha que eu não entendi o recado? Você acha que eu cheguei aonde cheguei, sem pensar em consequências?

O homem titubeou pela primeira vez.

Gotsha! Peguei você infeliz”!

Sophia se calou, enquanto o homem analisava.

— O que “cê” tá querendo?

— Nada demais. Só um lugar para tomar um banho… – olhou para o buraco no piso e no fundo do quarto. – Um lugar onde possa ir ao banheiro decentemente e uma cama com colchão para dormir.

— E o que “cê” vai “dá” em troca?

— Informações para que não peçam o que meu marido não estaria disposto a pagar, informações sobre como negociar com ele e chantageá-lo, informações para seu sequestro não falhar.

— Sei, “cê” acha que “vamo” “matá” você, porque “cê” vai “falá” pra gente isso?

— Porque prefiro morrer confortável a morrer sofrendo. Você não acha que isto é melhor?

— “Vô” “falá” com “meus sócio”, mas se “cê” “fizé” qualquer coisa errada, vai se “arrependê” da hora que a “puta” da tua mãe te pariu!

— Sem coisas erradas. Eu não sei onde estou e não tenho como sair. É só uma troca pelo conforto.

O homem saiu, deixando Sophia mais confiante.

………………..

O telefone deu o primeiro toque e todos nós ficamos de prontidão. Tensos. Beth pegou o telefone e trouxe para Melissa.

— Lembra do que conversei com você?

Melissa balançou a cabeça e Beth passou o fone.

— Alô?! (…) PAI!

Um bolo se formou em meu estômago. Ela começou a conversar esbaforida com o pai e voltou a chorar. Beth anotava um número e mostrou para Melissa.

— Melissa. Diga para ele ligar para esse número. Essa linha tem que ficar desocupada. – Falou enfática.

— Ei, é o pai dela! – Donna intercedeu.

E a mãe está sequestrada.

Beth falou firme e pausadamente. Donna se calou, pois ela tinha razão. Não havia espaço para dúvidas.

— Pai, anota um número. O nosso telefone de casa tem que ficar livre. Estamos esperando contato dos sequestradores.

A menina passou o número e desligou. Não demorou e o telefone voltou a tocar. Meu coração veio na boca. Melissa atendeu pela segunda vez.

— Alô?!

Colocaram o telefone no “viva voz” e todos silenciamos para escutar os bandidos.

— Aí garota, fala para esse povo que está com você, que qualquer gracinha, sua mãe vai para o céu.

— Fala o que você quer para soltar a minha mãe.

— Sem muita trela. Arranja algo entre dez e vinte milhões e voltamos a nos falar.

Escutamos o fim da ligação. Os caras não estavam de brincadeira mesmo. Não iriam se arriscar.

— Eu tentei…

Melissa falava como se tivesse falhado em algo. Beth sentou-se ao lado dela, meio que expulsando Donna do lugar.

— Shhhiiii! Não se preocupa. É assim mesmo. Aos poucos, nós conseguimos.

Beth abraçou a menina a confortando e Donna não quis arredar o pé. Fiquei com raiva da Donna nessa hora. A situação era complicada e eu já estava desabando. O que a Donna estava pensando? Será que ela não podia parar com a criancice?!

— Eles estão demorando demais!

Falei exasperada. Já havia passado mais de três horas da última ligação e a minha ansiedade estava nos cabelos. Beth havia ido embora deixando a “Isles”… desculpa, deixando a Lucy no lugar dela. Ela era menos… como posso dizer, enfática? Mandona? Não sei, menos rígida que a Beth.

— Não se preocupe…

— …é assim mesmo. Já sei. Só que não dá para segurar o nervoso.

— Por que vocês não arranjam algo para se distrair? Temos diversos detetives neste caso e as investigações não se restringem ao contato dos sequestradores.

— Quer dizer que não estão concentrando os esforços para conseguir rastrear o telefone? O mais importante não seria que todos estivessem buscando de onde vêm as ligações?

— O mais sensato é termos uma grande equipe atuando em diversas direções. Olha… Cléo é o seu nome, não é?

— Sim…

— Cléo, na realidade você não precisaria estar mais aqui. Pode ir embora se quiser, contanto que saiba que não deve de forma alguma falar, a quem quer que seja, sobre como estamos atuando ou dar declarações à imprensa. Você não está presa e sua amiga também não. Na realidade, já temos todas as informações que precisávamos a seu respeito e você está liberada. Apenas Melissa é necessária para mantermos o contato.

Melissa se agarrou a mim fortemente. Abracei-a e sussurrei em seu ouvido.

— Ei, calma! Eu não vou embora… – Virei-me para Lucy.

— Eu não vou embora. Não vou deixar a Mel sozinha e depois… Eu não estava aqui para vocês me protegerem?

A Isles sorriu. “Droga, Donna! Por que você põem esses engramas na minha cabeça? Agora, toda vez que eu olhar para ela, vou chama-la de Isles e toda vez que eu olhar para a Beth, vou chamar de Rizzoli. Droga! Droga”!

Na realidade, eu queria relatar a vocês que a Lucy sorriu de um jeito que não gostei muito. Estilo, “bobinha você einh”?

— Ei. Não disse para ir embora, só falei que você não está presa.

— E a imprensa? O que tem ela? Por que falou da imprensa? Se eles não souberem eles não vão perturbar.

— Vocês não estão conectadas? Não viram a televisão?

— Conectadas? Televisão? Você quer falar “português”, por favor? Porque sinceramente nós não estamos entendendo…

Donna segurou meu braço, olhando-me consternada.

— Está todo mundo sabendo, Cléo. Foi noticiado hoje mais cedo. A imprensa está toda na rua.

Eu olhei abobalhada, de Donna para Lucy e de Lucy para Donna.

— Ei! Não me olha assim! Você acha que eu faria uma coisa destas só para ter notoriedade?

Balancei a cabeça. Realmente era algo impensável da Donna.

— Quem falou?

— Um vizinho que observou a movimentação perto de sua casa, após o sequestro. Ele viu quando chegamos e perguntou aos outros vizinhos. Mas isso não tem importância, pois sabíamos que seria difícil esconder. Estávamos preparados e montamos barricadas para fechar a rua. Eles não estão aqui na frente. Bem, deixe que eu devolva seu celular.

Ela estendeu o celular para mim, que havia até esquecido que estava com eles. Acho que foi por conta disso que não soube da imprensa, pois eu utilizava o meu celular para tudo. Redes sociais, contatos online, enfim. Hoje em dia fazemos tudo pelo celular mesmo, não é?



Notas:



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