Diferentes?

Capítulo 26 – “Borderline”

— Eu quero te ver também, Cléo. Mas vamos fazer o seguinte, se hospede neste hotel que vocês estão pretendendo e dê apenas um tempo, para eu arrumar algumas coisas aqui. Depois, venha para cá e fique comigo… Eu também preciso e muito de você. Eu quero muito você comigo.

— Eu te amo, Sophia.

— Eu te amo muito. Muito mesmo, Cléo!

Ficamos um tempo em silêncio, meio que entendendo o que estava acontecendo conosco. Eu jogava pela janela do carro naquele momento, todos os meus pudores e conceitos, que julgava perfeitos, da minha vida de heterossexual e ela… Ela jogava toda a sua certeza e quem sabe, a sua vida.

Desligamos. Fui ao hotel sem nada mais falar. Donna me respeitava nos meus momentos, assim como respeitei inúmeros momentos seus ao longo de nossas vidas. Eu a amo e ela também a mim. Não tinha irmã e ela também não. Éramos irmãs em nossas almas.

— Meninas, obrigada. Não sei o que…

— Só me faz um favor… Liga para a gente quando quiser uma força. Eu te conheço e você, em horas dramáticas e bobas liga aos prantos, mas quando precisa de verdade, você é uma ostra que eu sei!

— Pode deixar que eu ligo.

************

Depois que elas me deixaram, liguei para a recepção para que vissem um carro para eu alugar. Não queria remoer no quarto, até que a Sophia ligasse. Peguei o carro e saí a esmo. Não sei quanto tempo eu dirigi, mas em dado momento, eu parei. Estacionei e comecei a caminhar pela orla. Dei-me conta que estava em Guaratiba. Andei por um píer e resolvi sentar. Não tinha mais nada a fazer, a não ser esperar.

Olhava o celular e voltava o olhar para o mar. Ele me acalmava e, ao mesmo tempo, dizia que poderia me tragar. O celular tocou e quando vi o rosto de Sophia estampado no visor, meu coração se encheu de esperança e calor.

— Oi.

— Oi.

—  Ainda não te descobriram?

— Uhm-uhm. Não. Vem, Cléo. Eu preciso de você…

— Vou. Pode ser agora?

Falava calma, porque o simples som da voz dela me tranquilizava e então sorri, pois meu coração era pura alegria. Percebi um leve riso do outro lado. Nada demais, nada de exagero, mas percebi o riso e iluminava meu peito.

— Deve ser agora.

— Então, estou indo.

— Estou no quarto 1301. Estou hospedada como Maiara.

— Maiara? – Sorri novamente e senti que ela sorria.

— Digamos que Maiara e Sophia tem muito em comum. – Sorriu novamente. – Estou hospedada como Maiara Santos Silva.

— Que negócio é esse de outra mulher ter a ver com você? Não gostei.

Falei displicente e dessa vez, ela gargalhou.

— Coloca no “google” e pesquise o significado de cada nome e verá.

Vocês sabem o que eu mais gostava quando nós duas conversávamos? Era que, apesar de tudo, conseguíamos nos acalmar e que as coisas pareciam ter leveza, apesar da situação.

— “Peraí”.

Entrei rápido na internet do meu celular e joguei “significado do nome Sophia” e depois, “significado do nome Maiara”.

— Não acredito que essa brincadeira com seu nome foi pensada nesse momento?

— Não nesse momento. Eu já sabia o que significava e só resolvi usá-lo.

************

Saí do elevador e a porta do quarto abriu, quase que ao mesmo tempo. Quando a vi, notei seu semblante abatido, mas ela me sorriu. Fui ao seu encontro e a abracei forte. Ela retribuiu e me puxou delicada para dentro, fechando a porta atrás de si.

— Vem. Vamos conversar. As coisas estão instáveis. Amanhã as bolsas devem abrir com uma grande baixa para a Grasoil e, talvez, tenha que ir a Oslo.

— Acha que eles a demitirão por você namorar uma mulher? Por um escândalo?

Ela permaneceu calada, tentando arranjar palavras, não sei ao certo, talvez para tentar explicar.

— Sophia, será que sua competência não…

— Cléo. – Ela me interrompeu. – A minha competência vai até o momento em que eu não derrube as “Ações” ou não faça perder dinheiro para a empresa e os acionistas. Mas estou mais tranquila, pois conversei durante muito tempo com Bartolomeu e depois com o meu gerente de comunicação. Ele gosta de mim e parece que a possibilidade de que eu saia, não o agrada também. Talvez as coisas não sejam tão ruins assim, se jogarmos as cartas certas. Você já jantou?

— Eu nem almocei, Sophia.

— É, nem eu. Vamos comer algo? Importa-se de comermos aqui no quarto?

Eu a olhei, incrédula.

— Sophia, tem certeza que está me perguntando isso? Onde mais você acha que eu pretendia comer, se não fosse aqui? – Eu sorri.

— Desculpa, é que é difícil ter que ficar escondendo e se controlando em tudo.

— É, eu sei. Vem cá.

Segurei seu rosto e beijei-a rapidamente. Ela me olhou e me trouxe para um beijo mais demorado. Seus lábios tocaram os meus em uma necessidade de carinho… carinho não. Talvez fosse algo mais para segurança ou conforto. Era algo como que me pedindo colo ou forças. Era isso. Seu beijo me pedia forças para seguir. Calmo, sorvendo meu gosto e me dando o seu, lenta e carinhosamente. Separamo-nos e ela me olhou, profundamente.

— Vai tudo ficar bem. – Afirmou.

— É. Vai.

Pedimos o jantar e comíamos em uma pequena sala anexa ao quarto.

— E a Mel?

Perguntei, sabendo que esse era o grande ponto fraco de Sophia. Seu “calcanhar de Aquiles”.

— A Melissa ainda está chateada comigo, só não sei exatamente o motivo. Ela falou que se chocou com o que viu no vídeo. Eu acho que foi mais por algum amigo ter mostrado a ela, do que realmente o que ocorreu. Ela diz que foi por eu não confiar nela, mas citou o pai. Perguntou-me como eu achava que o Cassio se sentiria.

— Eu acho que ela ainda estava digerindo a sua separação. Apesar do que o Cassio fez, ela não deixa de ser filha dele e sente o amor do Cassio por ela.

— É. Provavelmente, é tudo isso conjuntamente. A cabeça dela deve estar confusa e ainda é uma menina, embora tenha reações maduras. Melissa tem apenas vinte anos e algumas de suas reações ainda são de uma jovem que acabou de sair da adolescência.

Sophia suspirou. Uma pergunta rondava a minha mente e sabia que Sophia poderia querer me esconder para não nos abalar. Tomei coragem e perguntei.

— E com relação a mim? Ela falou algo?

Sophia parou de comer e me olhou, diretamente. Inspirou.

— Ela disse que se sentiu traída por nós duas. Ficou ao telefone se perguntando “como não percebeu”. Falou diversas vezes isto. Eu tentava acalmá-la, mas chegou um ponto que eu também perdi a minha paciência e questionei-a se ela preferia que eu estivesse me relacionando com um homem. Se isso seria melhor para a cabeça dela. Ela emudeceu e depois disse que preferia que não fosse com ninguém. Então eu perguntei se ela era tão egoísta a ponto de querer que só ela fosse feliz.

— Oh, Sophia! Você não…

— Não, Cléo. Não me critique, por favor. Não falei para magoa-la, falei para tentar fazê-la acordar. De repente, eu me vi no centro de um campo minado e preciso que ela entenda que não preciso que me joguem granadas em cima.

— E o que ela disse?

— Apenas que viria para cá. Pedi que não fosse para o apartamento. Droga! Desterrada de duas casas em menos de um mês!

Sophia pôs os cotovelos na mesa e afundou sua cabeça entre as mãos. Acariciei sua cabeça, mas eu estava muito assustada com tudo também. Será que conseguiríamos sair dessa?

— Calma, vamos pensar com calma. A Mel virá para cá?

— Não sei, ela disse que iria falar com o pai. Cassio já me ligou, mas não atendi. Estava com a cabeça cheia para discutir com mais alguém. Ignorei o telefonema da minha mãe, também. Meu pai ligou, mas conheço dona Arminda. Ela deve ter pegado o celular dele para me ligar, pois sabe que eu não a atenderia, mas possivelmente falaria com ele. Ignorei o telefonema também.

— E se for seu pai?

A Sophia me sorriu.

— Sabe uma das coisas que mais gosto em você? – Me olhava com brandura.

— Mmm? O que?

— Você tem uma ingenuidade linda e um coração crédulo.  – Abriu o sorriso. – É uma pessoa em que o mundo cai sobre sua cabeça, mas pensa no outro. Está passando o mesmo problema que eu, mas pensa em como isso tudo está me atingindo. Tenta me aliviar e ainda dá créditos a alguém que não conhece, só porque é minha mãe.

Ela estendeu a mão e passou por meu rosto, reverente. Seu polegar passou sobre meus lábios, finalizou o movimento tocando brevemente a ponta de meu nariz com o indicador.

— Você é linda, Cléo. Mas sua beleza não está só na aparência.  – Sorriu.

— Então, se eu tivesse uma verruga no nariz, manchas por todo o corpo e estivesse gorda, você me amaria?

Ela gargalhou e eu ri também.

— Pode ter certeza que se tivesse esse olhar sincero, a expressão cândida, o humor leve e o coração iluminado como tem, certamente me apaixonaria sem reservas. Conheci muita gente nesta vida, Cléo. Aprendi que, o que menos devo valorizar é a aparência. Nos negócios, então… Os mais bem apessoados são os que eu tenho que me cuidar mais, para não errar no julgamento. Existem pessoas que são horríveis por dentro e bonitas por fora e se esmeram mais ainda na aparência para dar um tom agradável, assim como existem pessoas feias por fora e por dentro, mas que se esmeram também na aparência para dar este mesmo tom.  Há aqueles bonitos que são belos nos dois e aqueles que são feios por fora e muito belos como ser humano. São por esses dois últimos que me interesso, mas tenho que saber lidar com todos, infelizmente.

Meu coração se enchia de vaidade e de mais amor. Meu amor aumentava a cada dia e a cada instante.

— Eu te amo, Sophia! – Falei calma, convicta e esperançosa.

— Cléo, eu nunca amei em minha vida. Ou melhor, eu nunca tive meu amor correspondido, pois apesar de tudo, amei meus pais. Hoje, eu apenas os considero por serem meus pais. Mas você, eu amo de uma forma tão intensa e que me preenche tanto, que penso não ser possível viver sem você. Tive muito medo sim, mas a única coisa que me sustentou em cativeiro, foi o pensamento em você e em minha filha.

Uma lágrima escorreu de seus olhos. Surpreendia-me novamente. Ela, finalmente, expunha completamente sua alma para mim.

— Shiiii. Vamos resolver juntas, ok? Mais uma vez lhe digo que estou ao seu lado, só me oriente quanto às coisas que deveremos fazer.

O celular de Sophia tocou. Ela olhou no visor e atendeu rapidamente.

— Melissa?! Onde você está? – Sophia falou afoita.

— “Cheguei no aeroporto”.

— Melissa, por favor, cuidado…

— Calma, mãe. Eu vim com o jato que o Bartolomeu alugou.

Sophia relaxou os ombros. Parecia aliviada.

— Então ele conseguiu falar com você.

— Sim, conseguiu e me contou o que pretende fazer. Tem certeza, mãe? Eu sei que eu fui rude com a senhora, mas…

— Vai ser melhor assim. Amanhã eu conto tudo, está certo? Você quer se encontrar comigo, amanhã?

— Eu quero te ver hoje, mas o Bartolomeu quer me levar para uma casa em Angra. Disse para pegarmos um helicóptero agora mesmo.

— Eu sei. Amanhã também irei. Fui eu quem pediu para que ele arrumasse tudo, mas só se você concordar, ok? Não quero que você seja obrigada a nada. Eu só quero uma chance de…

— Mãe, não se desculpe, agora. Ainda estou magoada, mas isso não quer dizer que queira ver você mal ou passando por tudo isso, por conta de um imbecil na madrugada.

— Então vai para a casa. Eu e Bartolomeu temos que ver ainda como eu poderei pegar um helicóptero amanhã, pois a imprensa já está em cima.

— É, ele falou. Já vou indo, o piloto chamou. “Se cuida” mãe.

— Mel…

— Fala, mãe.

— Melissa, eu vou levar a Cléo comigo.

— (…) Tá.

— Melissa, por favor…

— Pode deixar, mãe. Não vou bater nela nem fazer escândalo, até porque não sei se é impressão minha, mas acho que tudo deve ter começado com você. “Te conhecendo” do jeito que conheço, você é que deve ter “pegado” a garota!

— MELISSA!

Não sei o que a Mel falou, mas o rosto de Sophia assumiu uma coloração tão vermelha que parecia o sol da bandeira japonesa.

— Mãe, tchau! E relaxa quanto a Cléo, ok? Não consigo ficar com raiva dela, embora também esteja magoada.

— Está bem. Amanhã nos encontramos. Beijo.

— Beijo, mãe.

Sophia desligou e sorriu.

— Tudo bem? – Perguntei.

— Agora está.

Ela continuou sorrindo e me abraçou.

— Vamos dormir. Estou exausta!

Ri do jeito dela falar e retruquei, sacaneando de leve.

— Sim, vamos. Eu tô morta, isso sim!

Ela riu, pois sabia que estava sacaneando seu jeito de falar. Começou a me beijar no pescoço e foi subindo…

— Sophia… Hoje não dá. – Me esquivei de seu corpo.

— Hã?!

— É que estou menstruada e, sinceramente, não sei como as lésbicas fazem, mas eu não me sinto à vontade… — Fiquei ligeiramente envergonhada.

— É… Acho que também não me sentiria bem… Vamos dormir, mais para frente pensamos nisso…

— Tá.

*************

Às nove horas da manhã, já havíamos saído do hotel em um carro “insulfilmado” e com permissão para entrar diretamente pela área de embarque de voos particulares do aeroporto de Jacarepaguá. Pegamos o helicóptero às onze horas e em, aproximadamente, quarenta minutos estávamos em Angra. Fiquei pasma. Não era uma casa em Angra. Era uma casa em uma ilha particular, em Angra. Acho que ter visto a Sophia em apartamento de três quartos relaxou a minha mente.

— Essa casa é sua? – Perguntei.

— Não. Eu não tenho este tipo de vaidade, Cléo. O Bartolomeu alugou para podermos ficar a vontade e sem medo de alguém nos pegar de surpresa. Eu e ele precisamos conversar e definitivamente não conseguiríamos nem na Grasoil e muito menos no escritório dele. Qualquer lugar do Rio seria complicado. Por quê? Você gostaria de ter uma ilha?

— Eu? Está louca! Isso aqui deve dar um trabalho danado, além de ser caro pra cacete!

Sophia começou a gargalhar.

— O que foi?

— Você é uma pessoa única. – Ela continuava rindo. – Qualquer pessoa falaria que adoraria, mas você não.  É a pessoa mais prática que eu conheço, sabia?

— Fora você. Acabou de dizer que não tem vaidades com relação a isso.

— Sim, mas isso não quer dizer que eu nunca tenha alugado uma ilha para passar um feriado prolongado, por exemplo.

— Você já fez isso?

— Já sim. Algumas épocas eu queria sossego e não queria que me encontrassem.

— Aqui mesmo?

—  “Noop”. Não foi aqui no Brasil.

— Ah. – Balancei a cabeça sorrindo. — Que pergunta idiota a minha.

Peguei-me imaginando o que a Sophia tinha de fortuna para ter esta vida.

— Sophia?

— Hum.

— Doze milhões era tudo que você e o Cássio tinham em cash? O que eu quero dizer ééé… você me falou que praticamente conduziu os sequestradores para pedirem os doze milhões eee…

— Não. Doze milhões não é o que o Cássio tem em caixa. Ele tem mais que isso, mas não queria que ele saísse sem nada se acaso houvesse mesmo a troca. Até porque, depois eu teria que ressarci-lo. Seria o mínimo que eu poderia fazer. – Ela sorriu e continuou a falar. – Eu e o Cássio temos contas e investimentos separados. Respondendo diretamente a sua pergunta, eu tenho pouco mais que o quíntuplo deste valor em espécie e em investimentos de longo prazo e não sei se perdi algo ou se aumentei o valor, pois há quase um mês que não verifico corretamente com meus gerentes, investidores e meu administrador que é o Bartolomeu. Posso estar com a metade ou ter dobrado essa quantia. E antes que pergunte, não. Não é o espólio de minha família. Quando casei, meus pais me deram uma boa quantia para não precisar diretamente deles. Ao longo da vida, aprendi a investir, como já dei a entender e, me dei muito bem em quase todos os investimentos que fiz.

Aí galera! Se eu tivesse frouxidão ligamentar na articulação da mandíbula, acho que meu queixo estaria entre meus pés. Estava completamente abobada!



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