Diferentes?

Capítulo 27 — Tomar as rédeas

Saímos do helicóptero e andávamos em direção a casa carregando nossas mochilas e bolsas de mão. Um rapaz veio nos auxiliar com as bagagens. Chegamos à entrada de uma grande sala com portas de vidro de correr.

— Bartolomeu, meu querido!

Um homem veio em nossa direção e abriu os braços para abraçar Sophia.

— Você nunca me chama para resolver coisa mixa, não é garota?

Ele se desvencilhou do abraço e Sophia se voltou para mim nos apresentando.

— Bartolomeu, eu quero lhe apresentar Cléo Boaventura.

— Como vai? – Falei estendendo minha mão para cumprimenta-lo.

— Então é você a causa dessa trabalheira toda. Parabéns!

Ele abriu os braços sorrindo para que eu o abraçasse. Eu estava sem graça e ele me abarcou sem aviso. Sophia parecia descontraída perto dele.

Era um homem de seus sessenta anos, mas muito bem cuidado. Magro e alinhado. Estava com uma camisa polo bordô, bermuda social branca e “sapatênis”.

— Finalmente alguém para abalar as estruturas desta mulher!

— Espero que isto seja bom. – Falei.

Ele gargalhou e se voltou para Sophia.

— Você sempre me surpreendeu, mas desta vez superou, Sophia. Ela é uma graça.

Fiquei envergonhada novamente e Sophia riu, mas retrucou.

— Você se surpreende com pouco Bartolomeu, mas felizmente tem muito bom gosto. Para a minha tranquilidade, ainda bem que só “admira” as lindas mulheres.

“Peraí”. O que a Sophia quis insinuar com isso? – Pensei.

— Sophia, você está querendo me dizer que realmente o mundo é gay? – Perguntei.

Os dois me olharam e gargalharam. Ele passou o braço por meus ombros e foi me conduzindo para o interior da sala.

— Ela está querendo dizer que sou seu advogado e administrador, um amigo de longa data e que nunca entendi por que permanecia casada com o Cássio. Quer dizer também, que eu sempre falei para ela, que um dia se apaixonaria perdidamente por alguém e que ia dar a maior confusão, mas a surpresa é que apesar de eu ser gay, nunca me passou pela cabeça que seria por uma mulher que ela se apaixonaria.  Depois de Sophia, começo a desconfiar que o mundo seja gay realmente, minha cara.

Os dois gargalharam.

— Bom. Vamos ao que interessa agora. Temos que agir rápido. Você já viu a repercussão disso tudo?

— Já, Bartolomeu. Hoje pela manhã.

— Viu o que? — Perguntei debilmente.

— Você não mostrou para ela? – Bartolomeu perguntou espantado.

— Não Bartolomeu.

— Espere aí, Sophia. Aconteceu alguma coisa e você não me falou?

Ela se aproximou colocando as mãos sobre meus ombros.

— Você estava dormindo na hora em que vi e depois me esqueci de falar, pois estava ansiosa de vir para cá. Não foi intencional.

— Então fala agora. O que houve?

Ela suspirou.

— Nossa foto está estampada na seção de negócios do “New York Times”. Hoje as bolsas estão paradas, mas amanhã vou ver a NASDAQ, a BOVESPA e a EURONEX para ver o comportamento. As ações da Grasoil devem oscilar um pouco ao longo do dia enquanto ninguém da direção se pronunciar a respeito do caso. O fato é que, é imprevisível e a Grasoil deve soltar uma nota ao longo do dia para apaziguar o mercado.

Senti uma ligeira vertigem e me segurei nela.

— Cléo, você está bem?

— Eu não consigo entender o que a nossa vida tem a ver com isso tudo? Por que uma empresa sólida causaria instabilidade no mercado só por consequências relacionadas à vida pessoal de um diretor?

— É um pouco mais complexo do que isso, mas em poucas palavras, não é exatamente o escândalo, é como a empresa lida com ele, entende?

— Não. — Falei com sinceridade.

— É mais ou menos assim. Se a empresa resolver comprar minha briga, ela não saberá se o mercado vai aceitar, pois teoricamente, ainda sou casada com o Cássio e isso coloca minha credibilidade como pessoa à prova, colocando indiretamente, a minha credibilidade com gestora à prova também, pois se eu não sou idônea na minha vida pessoal, eu posso não ser uma pessoa confiável na minha vida profissional. Eu posso não ser uma pessoa estável para administrar, entendeu?

— É um raciocínio lógico, mas não é um raciocínio certo. E os anos que tem à frente da direção, não contam?

— Não, pois as pessoas podem mudar. Hoje elas agem corretamente e amanhã não mais. O mercado vê suas ações diretas e imediatas para aquela análise. Por outro lado, se a empresa me demite, esta assume que tinha na direção alguém que ela não podia confiar e a manteve lá no topo. Isso pode causar descredibilidade na forma de condução da direção geral da empresa. Também é uma análise imediata. Vê. Não tem nada de retaliação a pessoa física “Sophia Brandão”. Mas as bolsas podem se comportar de acordo com as ações e definições que a direção da Grasoil tomar. Por isso a instabilidade.

— Eu tenho que ligar para a Hermes.

— O que?

— Sophia, eu sei que as proporções são em outra escala, mas acabei de acertar um contrato com a Destor e tenho que ver se isso tudo não gerou algum ruído, acerto? Não assinei o contrato ainda. E vamos ser realistas, se isto atingir você, provavelmente a Grasoil irá quebrar o meu contrato também.

— Desculpa… – sua voz morria. – Eu pensando o tempo todo em mim…

— Shiii. – Coloquei dois dedos sobre sua boca para que ela parasse de se recriminar. – A verdade é que eu nunca, e muito menos você, pensamos sobre qualquer coisa relacionada a isso. Vamos nos acalmar e nos organizar, ok?

Ela segurou minha mão e beijou meus dedos.

— A verdade Cléo, é que eu pensei sobre isso, mas estava sufocada com o que eu era. Queria imensamente “deletar” este pensamento para viver o que estava sentindo. Eu estava feliz e quis dar vazão a minha felicidade. Só nunca pensei que poderia acontecer tão cedo e da forma como aconteceu. No mundo dos negócios, falamos que você está por cima até escorregar na sua segurança. E foi o que aconteceu comigo. Eu estava segura em seus braços.

Assustei-me com o que ela falou.

— Mas quer saber? Eu não estou nem aí! Eu quero estar na minha segurança de ter você bem aconchegada a meu corpo. Não vou abrir mão de sentir o que nunca tive e me faz bem. Se eu não voltar para o mercado, tenho a possibilidade de viver de renda, abrir negócio próprio ou qualquer outra coisa e agradeço a Deus por isso. E como você fala, vamos combinar que eu não ficaria pobre e isso infelizmente não é privilégio de todos.

— Mãe!

Mel entrou na sala e veio em direção a Sophia para abraça-la.

— Minha filha!

— Mãe desculpa ser tão irascível com você. Conversei com Bartolomeu e ele me explicou todas as implicações disto. Eu não imaginava…

— Não precisa se desculpar. Eu deveria ter forçado a barra para te contar naquele dia. Se tivesse feito isto, você não seria pega de surpresa.

Eu me afastei discando em meu celular para a minha secretária, mas feliz que Mel começava a apoiar a mãe. Na verdade, não era tanto o altruísmo, era mais a constatação de um problema a menos. Não me julguem, afinal, eu não sou a madre Tereza de Calcutá, não é? O que Sophia falou para mim deu-me a certeza de que eu poderia tudo!

Falei com a minha secretária e depois com Magda, minha advogada. A Destor não tinha se pronunciado ainda, mas Magda me aconselhou a esperar até o dia seguinte. Caso não fizessem contato, eu os procuraria. Tinha outro contrato com a “Peck” e esses haviam se pronunciado. Resolvi ligar diretamente para o Diretor-Presidente, pois tínhamos travado um bom relacionamento, mas ele não atendia. A Grasoil era uma questão diretamente ligada a Sophia. Teria que esperar também.

Sophia estava há algum tempo no escritório com Bartolomeu. Bati na porta e mandaram entrar.

— Entra.

Abri a porta e a expressão pesada de Sophia falando em inglês ao telefone, me deu a certeza de que as coisas não estavam lá muito bem. Pegava os diálogos cortados, mas a ligação parecia estar no fim.

— All right, Mister Holligan. See you.

Eu me acomodava na cadeira ao lado de Bartolomeu.

— E aí? – Bartolomeu perguntou.

— Ele acha que pode ser a melhor saída.

— Qual a saída? – Perguntei.

— Cléo, o que eu pretendo fazer te afeta indiretamente. Então acho que você deve concordar ou não. Eu vou a Oslo apresentar a minha demissão. Não quero ter o desprazer “deles” me demitirem. Também me pronunciarei publicamente dizendo que a decisão foi minha e não da Grasoil.

— O que? Você nem vai tentar?

— Não há o que fazer, Cléo. Na verdade, tenho quase certeza que eles me manterão na Grasoil apenas o tempo de arrumarem outro para meu lugar. Conversei com alguns diretores que sempre me apoiaram e a opinião deles é a mesma.

— Deus do céu Sophia, não estamos fazendo mal a ninguém!

— Cléo, para eles não é a minha vida pessoal que interessa. Eu falei isso a você. Um escândalo é um escândalo. Apenas isso e nada mais. Para mim, esta é uma saída mais ou menos honrosa. Uma saída que me permite fazê-lo e não esperar que eles o façam. Assim terei ao menos uma chance com outra empresa quando a poeira abaixar.

— Mãe tem certeza? – Melissa havia entrado e eu nem percebera.

— Tenho Melissa. Desta forma poderei tentar algo em outro lugar mais a adiante ou, quem sabe, renegociar meu retorno depois. Cléo, você concorda?

O que eu diria? Diria que não? Não podia, afinal de contas, eu estava ferrada com a Grasoil de um jeito ou de outro. Restava tentar me segurar nas outras empresas.

— Sophia, você sabe que minha experiência nesta instância corporativa não chega aos pés da sua, mas… Acho que está certa. Sofrer uma derrota daqui a um ou dois meses, você vai estar esquecida para o grande público, mas não para o mundo dos negócios. Eles não esquecem ou perdoam.

Ela me sorriu.

— É isso. Recuar para ganhar terreno mais tarde. Onde é a sede da Destor, Cléo?

— No Paraná, por quê?

— Você quer um conselho? Não deixe correr frouxo. Amanhã se eles não lhe procurarem, ligue até conseguir falar com seu contato na empresa e marque uma reunião pessoalmente. Vá até eles. Mostre que não quer desistir do contrato. Se quiser, nós te ajudamos a montar um discurso para a reunião. Bartolomeu monta para você um script de possibilidades adversas que poderiam surgir na reunião e auxilia você nas conclusões.

Aceitei a ajuda, afinal, eu não saberia lidar com muitas coisas que surgissem em uma reunião como esta. Não depois de tudo que houve em minha vida nas últimas vinte e quatro horas.

 …………..

Na manhã seguinte Sophia viajaria e Mel concordou em não falar nada aos avós ou ao pai sem antes acontecer a declaração. Mel pediu a mãe para trazer a Lucy, para que elas ficassem juntas na ilha. Ela havia contado a Sophia, que parte da sua mudança em relação ao que aconteceu, foi por conta de Lucy ter conversado com ela. Falei para Sophia a ação de Beth e Lucy para me tirar da Urca e me levarem a um hotel. Sophia estava preocupada, mas parecia estar contente com sua filha a seu lado a apoiando. Dago ligou algumas vezes nos informando os burburinhos que estavam acontecendo nos bastidores da Grasoil. Até aqui no Rio as coisas estavam instáveis na empresa e Sophia tinha que agir rápido para que não passasse mais que dois dias e sua imagem fosse deteriorada pelas fofocas e acontecimentos.

Donna me ligou informando que estavam pressionando, na emissora, para que ela entrasse em contato comigo, pois muitos sabiam que ela era minha amiga. Pela primeira vez, me vi responsável pelos acontecimentos da vida de outrem. Ela disse que para ela, nada mudava, e emprego nenhum valia a nossa amizade. Contei a Sophia e decidimos que não deixaríamos estes respingos de nossa vida afetar nossos amigos. Liguei para Donna.

…………

— Donna?

— Oi! Acabei de falar com você. Aconteceu alguma coisa diferente?

— Aconteceu que eu e Sophia queremos que venha para cá. Traga um “câmera”, apenas um “câmera” de sua confiança.

— Não, Cléo!

— Donna me escuta só essa vez! Diga na emissora que você está negociando conosco, vai enrolando. Decidimos algumas coisas e você vai ter esse “furo”, mas você só soltará na hora certa. Não discute comigo. Eu estou careca de saber que você nunca utilizaria golpe baixo comigo. Apenas nos ajudaremos mutuamente, tá legal?

— …

— Donna?

— “Tô” aqui. Só “tô” pensando se você não está querendo livrar a minha cara.

— Não estou… ou melhor, estou querendo livrar a cara de nós todas ao mesmo tempo.

— Mmm… Resumindo, você quer soltar uma bomba, ao mesmo tempo, que a outra explodir.

— Sabia que você é inteligente? Por isso é minha amiga. – Ri ao telefone.

— Minha querida, a inteligência que você tem, adquiriu por osmose de mim, esqueceu?

Gargalhamos, mas não conseguimos tirar a tensão do momento.

— Pode deixar, mas vou só. Uma diretora tem que jogar nas onze posições. Não confio em ninguém daqui e posso fazer um corte em segundo plano. Fico por trás da câmera fazendo a voz do entrevistador.

— Falou, então. Liga para a Lucy, pois tem um helicóptero que ela vai pegar para cá. Vai sair no aeroporto de Jacarepaguá. Vai com ela em um carro alugado. Ela tá sabendo do esquema.

— Beleza. “Se cuida”.

— Você também. Beijos.

— Beijo.

…………………

 Fomos almoçar e o clima estava tenso. Eu estava calada com meus pensamentos e acho que todo mundo estava com um bolo na garganta também.

— Cléo.

Mel me chamou e eu fiquei tensa.

— Oi.

— Não se preocupe. Eu gosto de você. Só estou um pouco mexida…

Pousei meus talheres no prato e olhei para a menina. Ela era meiga e uma garota de ouro. Sophia, e, tenho que admitir também que o Cassio, fizeram um grande trabalho na educação desta garota.

— Só quero que saiba que eu e sua mãe estávamos assustadas. Até agora, nós também não sabemos ao certo como e porque aconteceu isto entre nós. Mas depois de tudo que estamos passando, eu não tenho a menor intensão de abrir mão do que sentimos.

Sophia olhou para Melissa.

— Faço das palavras de Cléo, as minhas também, minha filha. Antes eu me preocupava em acontecer tudo que ocorreu conosco, mas agora que já ocorreu sem que nós prevíssemos, não tenho mais nada a perder a nível profissional. No nível familiar, apenas sua opinião me importa. Só gostaria que você estivesse comigo… conosco na verdade.

— Eu também gostaria disto Mel. Gosto muito de você. – Falei receosa que ela reagisse mal.

— Deus! – Mel colocou os talheres apoiados no prato. — E eu que pensei que teria uma madrasta vinda da parte de meu pai!

Eu e Sophia prendemos nossas respirações. Senti que o rosto de Sophia se contraia e Bartolomeu se remexia na cadeira.

— Ei gente! Calma! Isso era para ser uma piada. – Mel falou.

Entreolhamo-nos e o primeiro a rir foi Bartolomeu acompanhado de todas nós. Nós estávamos desde o dia anterior tão tensos, que qualquer frase pronunciada mais seriamente nos apavorava.

— Garota quer matar sua mãe do coração? – Bartolomeu falava rindo ainda.

— Desculpa! Foi mal. – Ela continuava rindo. – Só quero saber desta história. Quem começou o que?

— Prometo que depois que tudo estiver resolvido eu te conto, ok?

— Mãe, eu queria falar com você que eu estou pretendendo voltar para o Rio.

— E sua faculdade?

— Tento uma transferência. Faltam dois anos e meio e não sei se eu quero continuar lá.

— É por conta do que está acontecendo?

— Mais ou menos. Na verdade, já estava pensando nisso. O que tá rolando só está me dando mais força.

— Faça como achar melhor, mas pense se não irá se arrepender. A USP é uma excelente universidade.

— Aqui tem boas universidades também. Lembra que eu só não fiquei na UFRJ por ter passado na USP com boa pontuação?

— Está bem. Você quem deve escolher. A sua vida futura pertence única e exclusivamente de suas opções. Ninguém tem o direito de impor nada a você. Sempre lhe disse isso.

— Assim como sempre me disse que eu não tenho o direito de impor nada a ninguém.

…………

As coisas andaram muito rápido. Donna chegou com a Lucy. Ajudei-a montar a pequena parafernália que havia trazido para a gravação. Eu e Sophia sentamos lado a lado e fizemos uma declaração breve. Donna nos prometeu que não teria edição alguma de forma a modificar o contexto, apenas edição de ajustes nas imagens. Ela só entregaria o material no momento em que Sophia fizesse a declaração oficial para a imprensa se demitindo da Grasoil.

……………

Nossa noite foi permeada de preocupações. Sabia que Sophia não havia dormido quase nada, pois eu mesma passei a noite em claro. Logo cedo ela pegou o helicóptero para ir direto ao aeroporto e pegar um jato para Oslo. Ela já havia acertado previamente alguns pontos de sua demissão e restava apenas a sua presença na matriz para se apresentar oficialmente a diretoria e depois à sala de imprensa da Grasoil.



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