Diferentes?

Capítulo 34 — Aurora

Eu desconhecia completamente este homem ao meu lado. Tive um relacionamento de três anos e meio, dos quais dois deles de noivado. Este definitivamente não era o Marcos que conhecia.

Ele pagou ao rapaz e saímos para a rua.

— Marcos, a Sophia não está no Brasil. Por sinal, ela deve levantar voo neste exato momento.

Ele segurou a gola de minha camisa com ira e me trouxe para perto de si. Fiquei atravessada no banco e uma dor se instalou nos meus punhos presos na porta.

— Vamos até a sua casa e tomara que essa notícia que me deu seja mentira, pois se for verdade, você vai sofrer muito, garota!

Falou com raiva me soltando logo em seguida. Eu estava completamente aterrorizada. Ele pegou o aterro e em vinte minutos estávamos parando em frente de minha casa. Pegou minha bolsa e começou a vasculhar.

— Onde está a chave da sua casa?

— No compartimento lateral.

Ele riu.

— É assim que eu gosto. Obediente e com medo.

Saiu do carro, foi até a porta e destravou. Nesse meio tempo, eu tentava me livrar em vão da droga do “Silver tape”. Só consegui machucar meu punho.

Ele olhou a rua que estava deserta àquela hora. Minha rua era pacata e não costumava ter muita gente zanzando. Meu celular tocou. Pegou-o e viu que a pessoa era a minha empregada.

— Vou colocar para você falar com ela e dispensá-la. Veja bem o que vai falar.

Pensei que era a minha oportunidade, pois esperava que a Luiza fosse tão esperta quanto eu pensava que era. Maneei a cabeça em afirmação para dizer a ele que o obedeceria. Ele atendeu e pôs o celular no meu ouvido. Graças a Deus, ele não era o cara esperto que imaginava, afinal, se fosse eu no lugar dele, colocaria o celular no “viva voz”.

— Alô, Luiza?!

— Oi dona Cléo. Que horas a senhora volta? Vou dar uma passada no mercado e já aprontei “a janta”.

— Não precisa vir aqui em casa amanhã não, Luiza. Vou ficar trabalhando e não quero ser perturbada.

— Do que a senhora está falando dona Cléo?

— Pode deixar a faxina para o sábado. E avise a Bartolomeu que o encanamento que ele fez está vazando aqui em casa.

— Ai! minha nossa senhora! Tá acontecendo alguma coisa com a senhora! Vou dar o recado ao senhor Bartolomeu e vou ligar para a Dona Beth.

— Sim Luiza.

Marcos já estava impaciente e fazia sinal para eu encerrar a ligação.

— Agora vou desligar para poder trabalhar. Beijos

— Pode deixar dona Cléo, vou ligar agora mesmo!

Maneei a cabeça para que ele desligasse.

— Muito bem, agora vou soltar você da porta. Ele contornou o carro, olhou novamente a rua para se certificar de que ninguém estava vendo. Abriu a porta e com um estilete cortou o “Silver Tape” sem qualquer cuidado. O estilete resvalou na minha mão esquerda e fez um corte superficial no dorso.

— Aí!

— Cala a boca, se não isso aqui vai é cortar a sua garganta. – rosnou.

Puxou-me para fora e colocou novamente a arma nas minhas costelas. Entramos em casa e ele me empurrou no sofá.

— Agora vamos ao que interessa. Vou explicar direitinho o que quero para não haver dúvidas. Você vai ligar para a sua puta e dizer a ela que eu estou com a arma apontada para a sua cabeça e não tem discussão. Se ela titubear ou negar, vai escutar do lado de cá da linha eu estourar seus miolos.

— Marcos, ela não está realmente aqui no Brasil! Acabou de pegar um voo para a Europa!

— ELA TE DISPENSOU? VOCÊ NÃO ESTÁ MAIS COM ESSA VACA?!

— NÃO. – falei afobada. — QUER DIZER, NÓS ESTAMOS JUNTAS, SIM! ELA FOI À TRABALHO!

As palavras saíam atropeladas, de uma só vez. Não sabia o que ele faria se achasse que não estava mais com Sophia.

Agarrou-me novamente pela gola me sacodindo. Continuava com a arma numa das mãos e esta resvalava em meu rosto.

— SUA IDIOTA! O QUE FAÇO COM VOCÊ AGORA? JÁ ATIREI NUMA POLICIAL E EU NÃO VOU PRESO!

— EU DOU A VOCÊ TUDO O QUE TENHO NO BANCO!

— E VOCÊ ACHA QUE EU NÃO SEI O QUE TEM NO BANCO, SUA VAGABUNDA? UM MILHÃO E DUZENTOS E NÃO CONSEGUE NEM COMPRAR AQUELAS MERDAS DE SALAS PARA A SUA EMPRESA QUE TANTO TE ORGULHA! TUA VIDA ACABA É AGORA!

A FILHA DE SOPHIA!!!

Gritei mais alto que pude para tirá-lo da insanidade. Ele apontava a arma para meu peito naquele momento e fechei meus olhos…

Não escutei nada e não senti nada até que um empurrão no meu peito me fez cair novamente no sofá.

— Fala.

Ele andava como um animal enjaulado de um lado a outro na frente do sofá. A arma estava segura em uma das mãos e a outra, ele pôs na boca roendo as unhas, mas não deixava de me encarar. Eu estava ofegante e meu coração disparado bombeando tão alto que conseguia escutá-lo.

— Acho que ela gosta de mim…

— Acha??? E se não gostar, sua estupida?!

— Mas ela gosta de mim! Temos uma boa relação!

Ele começou a sorrir.

— Tá pegando ela também é?

O rosto dele era de ironia e de satisfação pervertida. Não sabia o que dizer. E se eu falasse que não? Será que ele acharia que a Mel não pagaria o resgate e me mataria?

“Deus! O que fizeram com esse homem?! Que pais foram esses?! Que sociedade é essa que estamos criando e vivendo?!” – Pensei.

— TÁ PEGANDO OU NÃO ESTÁ?!

Demorei a responder, pois fiquei congelada. Ele me deu uma coronhada e… desacordei.

………………………………

Abri meus olhos e tudo estava turvo. Tentei forçar a visão e uma dor latejante me fez fechar novamente meus olhos. Deixei a dor amenizar e depois de um tempo reabri-os lentamente tentando me acostumar com a penumbra do ambiente. Consegui focar mais e vi uma pessoa sentada na poltrona ao lado da cama. Tentei me mover e senti um beliscão em meu braço. Tinha algo preso nele. A pessoa se levantou rápido e se aproximou da cama.

— Shhhhiii! Fica calma, amor. Está tudo bem agora.

Não mais que um sussurro e uma voz conhecida, que eu amava, me pedia para acalmar.

“Será que aquele cretino me matou e estou no céu? Não. Não estou no céu. No mínimo é uma sala de recuperação antes de entrar no céu.”

— Sophia?

— Estou aqui, amor!

A voz era carinhosa. Falava baixo e sentia sua carícia em meu braço. Não era possível que eu estivesse morta. Era uma sensação muito boa… embora minha cabeça estivesse estourando. Definitivamente essa última não era uma sensação boa!

— O que aconteceu? Onde eu estou? Você não devia estar em Oslo?

Escutei seu riso e acho que entendi “o porquê”!

— Tô fazendo um monte de perguntas juntas de novo, não é? Tô com a fala horrível. Parece que minha língua está pesada.

— Você foi sedada. Por isso que estou aqui. Faz dois dias e meio que está dormindo. A coronhada que ele aplicou te desacordou. Você estava com um edema, mas não houve traumatismo. O edema foi externo, porém a pancada deixou um belo corte. Deram alguns pontos e deve ficar uma cicatriz no seu supercílio.

— E por que eu fui sedada se não aconteceu nada?

Ela passava os dedos em meu rosto e percebi que sorria, mas eu não conseguia focar.

— Porque você está com um grande hematoma, está com muito inchaço na região do olho por conta desse corte e também porque eu pedi. Não queria que sentisse dor e a enfermeira disse que doía muito.

— Mas você não poderia estar aqui ontem nem anteontem. Como você pediu?

Senti que ela sorria novamente.

— Tá. Já sei. O Bartolomeu falou com você o que houve assim que seu avião pousou e…

— Não quando o avião pousou. Quando eu terminei a reunião liguei para ele. Foi quando soube e disse para ele agilizar. Peguei um jato com possibilidade de comunicação por celular.

— Coitados…

— Coitados?

— É… do pessoal do hospital. Você deve ter pentelhado eles.

Dessa vez o riso dela foi um pouco mais sonoro e eu ri junto, mas doeu minha cabeça inteira.

— Ai!

— O que foi?!!

Ela perguntou alarmada.

— Não dá para rir. Dói a cabeça toda.

— Entendeu porque eu “pentelhei” o pessoal do hospital?

Sophia falou irônica.

— Tá bom. Dessa vez não achei ruim, mas não me esqueci da DR que iríamos ter por você ficar tomando decisões por mim.

Falei baixo e quase adormecendo novamente, mas eu não queria dormir. Queria saber o que aconteceu com a Lucy e forcei abrir o olho novamente.

— Não vai precisar DR. Sei que sou mandona às vezes e sei que tenho que começar a te ouvir e compartilhar as coisas com você.

— Boa resposta.

Falei tentando esboçar um sorriso, mas estava bem difícil mesmo.

— Sophia… e a Lucy?

………………………………….

Vou contar a vocês o que me foi falado sobre o que aconteceu.

Quando ele me bateu com a coronha da arma, eu desacordei e ele ficou gritando e apontando a arma para mim enquanto me olhava caída. Depois eu soube que aquele tipo de arma fazia um estrago bem grande.

— QUE MERDA, CLÉO! “CÊ” NÃO SERVE PARA NADA MESMO! NEM PARA BATER DÁ PARA ROLAR COM VOCÊ! PRIMEIRO FICOU ENROLANDO PARA CASAR E EU NÃO CONSEGUIA ME LIVRAR DA MERDA DO MEU PAI. DEPOIS QUE ARMEI ESSA “PORRA” TODA PARA PEGAR A RICAÇA, ME DEU UM PÉ NA BUNDA E FICOU COM A MULHER! VOU PEGAR A DROGA DO TEU DINHEIRO MESMO E ME LIVRAR DE VOCÊ DE UMA VEZ POR TODAS!

Ele se voltou para ir até a cozinha e pegar água num copo. Quando retornava para a sala… Clic…

— Larga essa arma agora!

Beth havia entrado pelo vão da minha área. Luiza como sempre, deve ter deixado a porta da cozinha destrancada. Teria que me lembrar para agradecê-la mais tarde, mas não deixaria de dar um puxão de orelha. Não gosto de imaginar que poderia ser um bandido passando por ali.

Ela estava à espreita e quando Marcos foi até a cozinha pegar o copo, Beth resolveu agir. Ela empunhava a arma mirando a nuca dele e ele levantou os braços em sinal de rendição.

— Ei! Calma! Já vou largar!

Ele fez menção de colocar a arma e o copo no chão. Curvava-se devagar e tentando virar de frente para Beth.

— Não! Não vire de frente! Eu quero você de costas para mim.

— Ok…

Ele resolveu provoca-la enquanto fazia o movimento.

— E como está a sua amiguinha? Conseguiram socorrer?

A raiva e a dor no rosto de Beth eram palpáveis. Se ela não fosse uma mulher de moral, talvez ele não tivesse mais com um sorriso no rosto depois daquele momento que a provocou.

Tudo aconteceu de repente. Antes de pousar o copo no chão, ele se virou rápido e arremessou o copo na direção da detetive e… Pow! Pow!

Depois ela me contou que se não fosse eu, ela teria dado o terceiro na cara dele e acabado de vez com o cretino, mas eu não acredito que faria isso. Não acho que a Beth seja assim… pelo menos não quero achar. Tá. Sou uma idiota e poderia ter me livrado dele para sempre, mas não queria levar mais uma coisa sobre minhas costas.

— AAIIIRRRR!

Ele berrou já caído no chão e Beth me contou que apontou a arma para o seu rosto. Foi quando eu acordei por apenas um instante e pedi para ela não atirar.

— Beth… Não!

Ela me olhou e parou por um segundo. Aproximou-se e chutou a arma dele para longe. A arma estava caída no chão um pouco distante das mãos dele. Eu desmaiei novamente. Ela o algemou e entrou em contato com seus companheiros, que se encontravam próximos a minha casa.

Quando Luiza ligou para Bartô, ele entrou em contato imediatamente com a Beth que lhe contou a ação para tentar prender Marcos. Ela foi imediatamente para minha casa e acionou seus amigos para se dirigirem para lá, mas como ela sabia que ele estava fora de si, resolveu entrar antes dos companheiros chegarem e deu nisso que acabei de contar a vocês.

Quanto a Lucy, bem… vamos voltar lá para o quarto do hospital onde eu estava sendo tratada.

……………………

— Sophia… e a Lucy?

Eu acabei sucumbindo e adormecendo novamente. Sophia me deu um beijo na testa e saiu do quarto. Pegou o elevador e parou na antessala do UTI.

— Meu amor, você tem que descansar um pouco…

Sophia falou com Mel que a abraçou e começou a chorar.

— Por que, mãe?

Mel fez a pergunta de forma débil e embargada. Na verdade, ela não queria tanto a resposta, mas sim, queria o conforto dos braços da mãe.

— Filha, é a profissão dela e a gente sabe que há riscos. Até mesmo eu, você e agora a própria Cléo, por conta do que somos e temos, passamos por perigos. A Lucy vai ficar bem, não foi o que o médico disse hoje?

— Foi, mas ele não quer me deixar vê-la. Disse que nesse momento só os familiares podem entrar. Disse que é política do hospital. Mas a família dela é do interior e disseram que ela deixou de ser a filha deles quando resolveu vir para o Rio para levar uma vida mundana… só porque ela namorava uma garota.

Sophia suspirou amargurada com o visível sofrimento da filha.

— Arrependo-me imensamente da minha decisão de não contratar a empresa de segurança que Beth havia me indicado. Vou falar com Bartolomeu e ver se podemos fazer algo a nível jurídico para que eu possa me responsabilizar por ela, está bem assim?

— Não. Eu quero me responsabilizar por ela! Eu é que devo!

— Filha, você é muito nova…

— Não, mãe! Ela é minha namorada e eu a amo!

Sophia olhou nos olhos vermelhos da filha e não podia negar que vê-la desse jeito doía muito em si. Ela não gostaria que a filha tivesse esse tipo de responsabilidade tão nova, afinal, era um namoro e ela estava puxando para si, decisões a respeito da vida de alguém. Pensou em mim. E se acaso fosse comigo? “Graças a Deus por Luiz e Hanna serem pais tão amorosos. Eles saíram para comer algo e provavelmente já estão de volta ao quarto com a Cléo”. – Sophia pensou.

— Ok! Eu vou falar com ele agora mesmo e depois pedirei uma audiência com o Diretor do hospital. Quando conseguir um horário para falar com ele, eu chamo você para ir conosco. Está bem assim?

Mel abraçou Sophia forte.

— Mãe, eu te amo muito!

— Eu também, meu amor. Eu te amo demais!

Sophia estreitou a filha em seus braços e beijou seu rosto.

………………

Voltando ao meu quarto.

Acordei e novamente vi Sophia sentada na poltrona ao lado. Não queria que ela ficasse de prontidão sem dormir direito.

— Sophia?

Ela acordou aos poucos e me olhou. Quando viu que estava desperta levantou e veio a mim.

— Oi, amor. Estou aqui.

Falou suave novamente.

— Faz um favor para mim?

— Claro! Pode falar.

— Vai dormir amor! Não tem um sofá-cama aqui ao lado?

Ela sorriu.

— Sim tem…

— Então deita lá que quando eu acordar, eu vou querer um sexo selvagem com você.

Eu falava meio torpe, mas escutei-a rindo mais alto.

— Ok. Convenceu-me. Vou deitar e dormir.

— Boa menina.

— Antes de dormir, você quer que eu traga algo para você? Está precisando de alguma coisa?

— Para falar a verdade estou com um gosto amargo na boca. Será que amanhã já posso comer um doce?

— Não sei amor, vamos ver o que a nutricionista libera.

………….

No dia seguinte já desperta, o médico passou para me dar alta. Na verdade, só fiquei lá porque a Sophia não queria que eu saísse sem os exames concluídos e que o edema do rosto e olho, já tivesse diminuído um pouco. A boa notícia era que a Lucy estava mais estável e tinha acordado. A Mel havia sido posta como a responsável por ela, enquanto estivesse internada sem possibilidade de tomar as próprias decisões, desta forma a menina podia visita-la na UTI.

O que aconteceu na ação para prender Marcos, culminando em Lucy ter sido baleada? Bem, vamos lá. Vou contar a vocês…



Notas:



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