Diferentes?

Capítulo 37 – Neutralizando peçonhas

Choquei-me com o que ouvi. Além de arrogante, ela era uma cretina! O que ela estava pensando que eu era?

— Então é assim? A seco e sem nenhum carinho? Eu pensava que esse tipo de proposta só acontecia em filmes e livros…

Ah! Mas esta mulher não me conhecia! Não mexa com meus brios, pois você terá o pior de mim! Desço do salto e ainda carrego “lata d’água na cabeça”.

…………..

Sophia, Mel e Lucy estavam espantadas e rindo e eu junto com elas.

— Não acredito que falou isso para vovó!

— E por que não? Eu não a conheço e ela também não me conhece. Eu que não acredito que ela pudesse fazer uma proposta indecorosa desta a mim e de forma tão direta! Mas deixe continuar.

………………….

— Que mulher baixo nível você é! Como minha filha foi se enredar por alguém assim?!

— Talvez por ter feito com carinho e não a seco. Eu é que não entendo como alguém como você pôde gerar uma mulher maravilhosa como sua filha. Acha que ainda pode controlar a vida dela?

— Você não me conhece. Não sabe do que sou capaz, garota! Posso destruir essa sua empresinha de nada com alguns telefonemas.

Inspirei fundo. Realmente essa conversa seria muito, mas muito difícil mesmo.

— Com relação a sua ameaça, não me assusta. Se você tem influência, pode ter certeza que no meu meio profissional a sua filha tem mais. Não acredito que esta parcela do mundo coorporativo queira se meter em uma guerra familiar.

Parei um pouco e inspirei fundo novamente. Acho que a jararaca estava com a respiração suspensa de ira. Voltei a falar.

–Tudo bem. Vamos fazer o seguinte. Eu vou ignorar o que acabou de me falar, pois assim não avançaremos na nossa conversa. O que vou propor, não é por você, mas pela sua filha. Vamos nos encontrar, eu, você e sua filha e vamos conversar, mas preste atenção no que vou dizer. Se você vier sobre este pedestal e me ofender, possivelmente irá perder a sua filha e quem sabe a sua neta também.

— Como você é prepotente! Talvez perdesse minha filha sim e por você tê-la enfeitiçado, mas minha neta nunca viraria as costas para a família.

— Ela não estaria virando as costas para a família, não esqueça que a mãe dela é Sophia.

— Você seria tão baixa a ponto de pedir a Sophia que diga à Melissa para fazer esta escolha?

— Não me compare com você, senhora Arminda. Eu não pediria isto, mas você com suas atitudes induziria a isto. Por acaso esta possibilidade já passou pela sua cabeça autoritária e déspota? Mantenho a minha proposta. Quer se encontrar com sua filha para poderem conversar?

Acho que a mulher queria me pôr numa fogueira e me reduzir a cinzas. Se ela pudesse mandaria um míssil direto para o prédio de minha empresa naquele momento. Ela ficou muda durante algum tempo e depois falou.

— Quero ver minha filha sozinha. Não quero conhecer e nem ter contato com você.

— Então acho que terá que arranjar um jeito de falar com Sophia. Se não quer nem me conhecer, não serei sua garota de recados.

— Você quer impor a sua presença a mim?

— Não seria natural querer conhecer alguém que casará com a sua filha?

— Casar? De que você está falando? Isso é impossível!

— Talvez fosse impossível se ocorresse há um ou dois anos, senhora Arminda, mas não hoje.

Fez-se um silêncio do outro lado e me preocupei se dei a notícia no calor da discussão.

— Senhora Arminda! Senhora Arminda!

— Venham este fim de semana.

— Temo que não seja possível, pois Sophia deverá ir a Oslo empossar no seu novo cargo na Grasoil. Ainda não sabe a data, mas deverá ser por estes dias.

— Então é verdade que a readmitiram.

— Sim é verdade. E foi convidada a fazer parte do Conselho.

— Não acredito que eles se renderam a estes absurdos destas campanhas de ONGs.

— Se renderam e viram também a grande inconsequência dos seus atos. O mundo está mudando, nem sempre para melhor em alguns aspectos, mas em outros, para muito melhor e este foi o caso.

— Poupe-me de suas opiniões pervertidas. Não tolerarei este tipo de discurso em minha casa.

— E quem disse que o encontro será em sua casa?

— Como?

— Acha mesmo que vou querer ficar no seu espaço para que possa me espezinhar e pôr tudo a perder? Acredite, senhora Arminda, eu estou fazendo isto pela Sophia e se estivermos em sua casa, você não terá nenhum tato e nenhuma cerimônia para me destratar, Sophia não ficará e nem conversará com você. Iremos à próxima semana e ficaremos no apartamento de Sophia que Mel morava. Faremos um almoço lá. Falo com Sophia hoje e assim que ela souber a data da posse ela liga para você e marca o encontro.

— Você é uma mulherzinha ardilosa! Esperarei Sophia me ligar.

— Sophia sempre me falou que a Senhora era uma mulher polida, não desfaça a ideia que ela pintou a seu respeito.

Escutei um “clic” e um sinal de ligação interrompida. Acho que a minha futura sogra bateu com o telefone na minha cara. Enfim, ela fez questão de desfazer a imagem de mulher polida.

………………..

Depois que terminei de contar, Sophia e Mel estavam catatônicas. Meu Deus! O que essa megera tinha para fazer estas mulheres inteligentes e fortes se encolherem feito coelhos assustados?

— Vou te dizer Cléo. Você foi ótima! Garota, eu fazia outra ideia de você. Mandou muito bem!

— É Lucy, mas acho que elas não acharam isso.

Apontei com a cabeça Sophia e Mel. As duas se olhavam sem nada dizer.

— Nada! Isso passa. É só o choque de saber sobre o encontro com a velha bruxa.

— Parem de falar como se não estivéssemos aqui. – Sophia falou.

— O corpo tá, mas a alma…

Quando Lucy falou, eu não aguentei e comecei a rir. Abracei Sophia que me apertou entre seus braços.

— Você está achando que sou uma mulher fraca, não é?

— Não acho nada disso. Acho você uma incrível, maravilhosa, forte e irresistível mulher, mas que precisa enfrentar algo que a deixa assustada.

— Você fez bem. Quero dizer, você fez bem em não marcar no apartamento deles. Vai ser melhor no nosso. E Cléo…

— Mmm.

— Adorei a parte do “ter feito com carinho e não a seco”.

Gargalhamos.

— Desculpa ter falado com a sua mãe assim, mas ela entrou de sola e precisava pará-la. Mmm… Estava com raiva também.

— Foi ótima.

Após alguns momentos em que as duas relaxaram, começaram a rir descontroladas.

— Mãe… Dava tudo para ser uma mosquinha rondando a vovó nesta hora.

— Sabe de uma coisa filha?! Eu também!

Começamos a rir da situação, mas sabia que mais tarde cairia a “ficha” sobre Sophia e começaria a se preocupar no momento de ligar para a mãe.

— Mãe, eu convidei a Beth e a Donna para elas virem almoçar amanhã aqui.

— Tudo bem filha, talvez eu vá ao centro do Rio me encontrar com o Bartolomeu, mas na hora do almoço estarei de volta.

— Eu tô com saudade da Donna e é uma oportunidade de vê-la. Amanhã peço para a Renata enviar as coisas para meu email e almoço em casa também. Como as duas estão?

— Bom, a Donna eu não sei, pois conversei só com a Beth, mas… – Lucy deu uma parada para pensar na forma de falar. – Acho que sua amiga está dando um jeito na minha. – Começou a rir.

— A Donna dando um jeito em alguém? Só se for para destrambelhar a pessoa.

A gargalhada foi geral.

— Sabe o que é Cléo? A Beth é bem humorada… mas não é um humor muito convencional. Ela odeia eventos sociais e depois que começou com a Donna é o que mais faz. Acho isso bom para ela, embora eu que escute horrores!

— Bom, ela não pode dizer que a vida vai ser uma rotina namorando a Donna…

— Mãe, como está se saindo com os leões de chácara para todos os lados? Já acostumou?

— Eles são discretos, não posso reclamar. Só os percebo quando saio de casa ou chego a algum lugar, mas vou te dizer, não sei se, ter pedido para usarem suas roupas normais do dia a dia, foi lá uma coisa boa.

— E por quê? – Nós todas perguntamos.

— Hoje olhei para o outro lado da rua e vi a tal da Walda perto de uma banca de jornal de bermudão cargo estilo camuflado, “All Star” creme e camisa polo verde musgo.

Eu olhei para a Sophia interrogativa e Mel e Lucy gargalharam.

— Mãe, não pode dizer que ela não combina o vestuário.

Mel falou ainda rindo.

— Sophia…

Lucy começou a falar enquanto eu e Sophia terminávamos o jantar e levantávamos para sentar na outra chaise, ao lado da delas.

— … Você deve entender que assim como no “mundo hetero” existe essa variedade de estilos, roupas, personalidades, “tribos”… sei lá mais o que. No mundo gay não é diferente. Existe essa mesma variedade e outras nuances.

— Eu sei Lucy, mas ela não é um homem!

— E daí? Você está resumindo a pessoa dela à roupa que usa e a forma de andar, ao jeito de ser. Você já parou para pensar em como ela se sente quando a olham criticamente?

— Tudo bem, Lucy. – Eu interrompi. – Mas vamos combinar que é um tanto… Mmm… “exótico”. Se ela se incomoda, por que usa?

Falei defendendo o ponto de vista da Sophia e… tá, o meu também.

— Um tanto “exótico” no “seu mundo”, na sua convivência social ou no seu modo de olhar as coisas. No seu meio social, você tem pessoas “heteros”, tatuadas de corpo inteiro e com aqueles alargadores de orelha? Não, não tem. Qual a sua percepção deles? Agora, estas pessoas deixam de sentir, respirar, viver por que tem uma maneira diferente de você? Não. Elas devem te julgar “super careta” e quem sabe, uma pessoa superficial pela forma que vive. Você gosta de ser pensada desta forma? Essa seria você?

— Tá. Tá. Entendi seu ponto de vista. Mas… “me deixa” acostumar com esse “maravilhoso mundo novo”. – Sophia falou. – Está certo que nós somos criados num mundo de fantasia, onde todos são colocados em um mesmo “modelo de caixa”. Eu mesma estou me acostumando com quem eu sou, pois eu não me questionava se era uma pessoa de determinado jeito, simplesmente achava que o que eu vivia era o dito “normal”, mas hoje, sei que não é bem assim que as coisas funcionam.

— Bom, como diz certa amiga minha doida de pedra, mas incrivelmente inteligente e bem humorada, na homossexualidade existe uma escala em “dégradé” e certamente você se encaixa em alguma parte e conhece pessoas que se encaixam em outras.

— Quem falou isso?

Sophia perguntou.

— Quem você acha que conheço que é homossexual e doida de pedra?

 Sophia riu.

— Donna.

— Sim.

Sorri de volta.

— Até que ela é inteligente mesmo… Boa colocação.

Rimos da sacanagem de Sophia com a Donna.

 — Você contou para ela do nosso momento “sem graça” quando fomos apresentadas a Walda?

— Contei.

— Foi quando ela falou isso para você?

— Sim e complementou com: “Só não te dou um “esporro” pela sua caretice e intolerância, porque ainda está conhecendo este lado que a sociedade teima em desconhecer e fechar os olhos. Mas conheço pessoas, que mesmo gays e que sofrem preconceito, têm preconceito com a personalidade de outros homossexuais”.

— Adoro a Donna.

 Disse Mel sorrindo.

— Ei! Vi que não te chocou e que você reconheceu de cara que era uma garota naquele dia.

Eu falei.

— Sim, já conheci muito “bofão”.

— Muito o quê?!

 Eu e Sophia perguntamos juntas.

Ela e Lucy gargalharam na nossa cara.

— “Cês” ainda tem que se acostumar com o “gayanês”…

A Lucy falou e a Mel complementou logo a seguir.

— São os tais “dégradés” que a Donna falou. Uma mulher com um perfil mais masculinizado, chamamos de “bofão”, isto aqui no Rio, mas tem lugares que é “caminhoneira” e em outros lugares que chamam de “bofona”… Existem termos para tudo e às vezes, em um determinado grupo, utilizam um termo para uma determinada coisa e que em outro grupo chamam de outra forma.

— Entendo. É como o dialeto e o sotaque de determinada região.

Falou Sophia e eu completei logo a seguir.

— É como a identidade de um grupo, não é mesmo?

— Sim. Vocês por exemplo. Fazem parte de um determinado grupo corporativo e usam termos que eu não identificaria, assim como no nosso meio policial usamos outros que vocês não fazem a menor ideia.

— Ok, Lucy. Manterei esta escala de cores na minha mente e tenho certeza que vou naturalizar. – disse Sophia.

— Mel, porque não falaram com os meninos? Desde que estive no hospital que não os vejo.

— Eu falei, Cléo, mas como disse Erick, eles fazem parte do “proletariado” e estarão no trabalho.

— Nossa, que drama! Isso que eu chamo de “viadice”!

Quando falei todas riram e Mel completou.

— Viu, Cléo?! Já está se acostumando com o gayanês!

— Mmmm… Mel, por que ela sorriu para você tão abertamente e quando a cumprimentei, ela deu um sorrisinho de lado quase… quase…

— Irônico?

— Isso! Esta é a palavra. Irônico.

— Não seria por seus olhos estarem esbugalhados e seu olhar passeando por todo o corpo dela numa forma de avaliar se era realmente uma mulher?!

Lucy e Mel riram de minha cara e da de Sophia também.

— Eu não fiz isso!

— Fez sim que eu reparei.

— Mas não se sinta mal, não foi só você. A cara de minha mãe estava “impagável”! Poucas vezes na minha vida vi mamãe transparecer algo, quando numa conversa de negócios. Quase não me contive. Minha vontade foi de rir muito de vocês duas.

— Eu não fiz isso!

Foi a vez de Sophia se indignar.

— Mãe, eu estava vendo seus olhos e seu rosto. Se a rainha Elizabeth tivesse aparecido na sua frente, não seria tão espantoso.

Elas riram e eu não contestei. Acho que rememorando a cena naquela sala, não podia dizer ao certo o que pensei e quais as minhas reações.



Notas:



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