Diferentes?

Capítulo 4 – Um raio não cai no mesmo lugar?

Sete horas da manhã, meu despertador do celular tocou e minha cabeça parecia que estava no pé. Peguei o celular e liguei para Dagoberto para que ele avisasse a Sophia que eu estava doente. Disse que era uma virose e isso me daria a desculpa do que aconteceu comigo no dia anterior na sala dela. Pretendia não pisar naquela empresa durante uns três dias pelo menos, até minha cabeça processar tudo que conversei com Donna e o que eu senti. Não queria ver Sophia.

Liguei também para minha empresa e falei que estava doente. Em todos esses anos que tive a frente de minha empresa nunca havia faltado. Isso me incomodou muito, mas me dei o direito de me sentir fragilizada.

Donna acordou quase três horas depois e estava com uma cara de gambá atropelada.

— Cara! Ainda bem que já gravei os dois programas dessa semana. Se tivesse que ir ao estúdio, eu juro que me demitia! Por que você pegou aquela tequila depois do whisky? A gente já estava ruim!

Um tambor africano soou dentro da minha cabeça enquanto ela falava. A voz dela ressoava em eco no meu cérebro.

— Para. Para. Para. — falei rápido. — Sua voz tá um trovão!

Fui até cozinha e bebi quase um litro de água.

— Tem Coca-Cola normal?

— Dentro da despensa. Vai beber mais porcaria agora?

— Vai por mim, garota. Tenho experiência. Nada como uma Coca-Cola cheia de açúcar e uma “massa” no estômago para ficar inteira novamente. Tem molho de tomate e espaguete?

— Vai almoçar às dez horas da manhã?

— “Tô” falaaando…Vai por mim! Uma hora da tarde a gente já vai estar legal.

Duvidei um pouco, pois meu estômago parecia as cataratas do Niágara, mas embarquei na dela.

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— Você falou uma da tarde. Já são três e agora é que a coisa melhorou.

— Não reclama que você tá no lucro. Se não fosse pela minha vasta experiência, ia ficar até amanhã como se tivesse uma caverna dentro de você. E olha que seria uma caverna com eco e cheia de lixo.

Minha empregada tinha chegado cedo, arrumado a casa e estava na lavanderia rindo de mim. Ela era uma gaiata e só falava “M”. Disse que “cercar galinha” é pra pobre e que não devia fazer isso na frente dela! Demorei um tempo para entender que cercar galinha ou cercando galinha era ficar de porre, mas dei uma resposta na hora.

— Minha querida… Eu não bebi na sua frente e nem fiquei de porre na sua frente. O que você tá vendo é o “restolho”. – Ela gargalhou comigo e saiu para a área.

Donna estava sentada na minha sala e o telefone tocou. Eu estava chegando quando Donna atendeu.

— Alô!

— Cléo Boaventura, por favor.

— Quem deseja falar com ela?

— Quem fala é Sophia Brandão.

Imediatamente Donna acionou o “viva voz” do telefone e fez sinal para me calar.

— Senhora Sophia Brandão, ela “tá” descansando… “Tá” doente e “tá” dormindo. Quer deixar recado?

Donna mudou discretamente o jeito de falar e dava uma leve entonação para parecer que era apenas uma pessoa que trabalhava para mim. Desesperei-me quando ouvi o nome e Donna “dando uma de empregada” dizendo que eu não podia atender. Na certa a Sophia não tinha engolido a história da virose e tinha ligado para pedir satisfação pela minha falta. Fui até Donna para tirar o telefone da mão dela e atender, mas minha amiga continuava conversando com Sophia e me empurrava para eu não pegar o telefone. Fazia sinais, “caras e bocas” para eu me acalmar e não me intrometer.

— Não precisa… ou melhor, diga que eu liguei para saber como ela está e desejar melhoras. Diga que tome o tempo que precisar para se recuperar.

— Sim, senhora. Pode deixar que quando ela acordar “dô” o recado sim.

Donna desligou e eu já surtada, peguei o telefone da mão dela.

— Tá maluca!

— Pode agradecer pela minha performance, queridinha. A “poderosa Power Ranger” já engoliu e ainda ficou preocupada. Agora que estamos melhor, vamos para a primeira fase do plano.

— Ei, ei, ei! “Peraí”! Que plano?

Donna sorria, elevava e abaixava a sua sobrancelha sem parar. Isso me irritava terrivelmente.

— Donna! Não inventa!

— O nome do plano é: Como conquistar a chefe gostosa!

— Como é que é?! “Cê” tá maluca?

— Cléo, pensa. Se você está sentindo tudo que você me falou ontem a noite inteira…

— O que eu falei a noite inteira? Eu não falei nada! E depois, eu estava bêbada.

— Bêbada ou não, você falou que queria deixar ela nuazinha e beijar o corpo dela todinho! Fora as outras obscenidades que eu nem vou comentar, pois eu mesma fiquei de “cara” quando você falou!

Que raiva da Donna, viu. Ela era do tipo que não esquecia nem vírgula!

— Eu estava bêbada, “porra”! A gente fala um monte de besteira quando tá bêbado!

 — Cléo! Você acha que eu vou acreditar que era tudo por conta do cachaçal? Você tá falando comigo, sua amiga de vinte tantos anos! E entende uma coisa, a julgar pela sua reação quando atendi o telefone, você não vai simplesmente jogar um pozinho de “pir lim pim pim” em cima e deixar de sentir.

— E você quer que eu faça o quê? Caia matando? Eu nem sei se vou conseguir segurar minha onda de descobrir isso em mim?

— Isso o quê? Estar atraída por uma mulher? Isso você já descobriu.

— Mas não sei se vou segurar a onda.

Fiz um gesto de impaciência e Donna amarrou a cara e foi procurar a sua bolsa.

— Onde você vai?

— Embora.

— Como vai embora?!

Gente, vocês não estão entendendo muito bem, mas eu vou explicar melhor… Eu queria tudo, menos ficar sozinha naquele momento. Mesmo Donna me falando um monte de coisas que eu não queria ouvir, eu preferia, do que ficar sozinha.

— Vou. Você precisa de um tempo para descobrir que quer a minha ajuda e quando descobrir é só ligar. Tchauzinho que eu devo uma desculpa para Amanda.

— Quem é Amanda?

Eu estava desorientada e nem me lembrei que ela falara ontem de sua namorada. Ela me olhou fuzilando.

— Desculpa, desculpa, eu sei quem é Amanda. Só esqueci momentaneamente por estar desesperada, perdida, atraída por uma mulher e minha melhor amiga querendo que eu saia do armário, atirando para matar que nem louca, tá?!

— HAHAHA! Você não é nem uma figura, você é uma pintura de Renoir!

— Não gostei!

— Não gostou do que?

— Renoir era impressionista e adorava pintar gordinhas, sabia?

Ela gargalhou com gosto desta vez.

— Chega! Eu vou embora mesmo, pois tenho algumas coisas para fazer. “Me liga”, se amanhã não tiver que ir ao estúdio, eu venho conversar com você.

Ela me abraçou antes de ir. Eu me senti desolada.

— Fica na boa.

— Como eu faço para me sentir na boa? – sussurrei apertando-a no meu abraço, sentindo desespero.

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Donna me deixou e fui para meu quarto. Acho que dormi o resto da tarde e só acordei com meu celular tocando às 8:00 horas da noite. Atendi no automático. Estava sonolenta e isso sempre me acontece quando quero fugir de mim mesma. A voz que escutei me irritou terrivelmente.

— Alô?

— Alô, amor!

Dei-me o prazer de desligar novamente na cara do Marcos, sem responder qualquer coisa.

— Por que será que eles não pensam antes de fazer uma “merda”?! – sussurrei para mim mesma. – Não, eles simplesmente não pensam em hora nenhuma! – Conclui meu raciocínio.

O celular tocou novamente e dessa vez era um número fixo. Eu poderia não ter atendido, mas estava tão frustrada comigo mesma, que queria descontar em alguém.

Marcos, será que eu vou ter que entrar com uma ação contra você?! – rosnei. – Não quero mais você, não quero mais te ouvir e você está me fazendo criar aversão a homem. Prefiro ficar com uma mulher que pensar em voltar a ter alguma coisa com você! “Vaza”, “rala peito”, some ou vai para o inferno! Como você preferir, mas finge que nunca me conheceu. Deu para formar a imagem na sua cabeça, ou é muito para o amendoim que habita seu crânio?!

— Hahahaha! Não sei como você consegue me fazer rir com tanta facilidade. Vai desistir de sua condição sexual por causa de um homem te perseguindo? Hahahahaha! Pensando bem, pelo menos conseguiria fazer compras no shopping sem ter alguém apressando.

O riso de Sophia havia reduzido a um leve deboche.

— Sophia…

— Não fique envergonhada, adorei a resposta que deu. Parece-me que ele continua lhe infernizando, não é?!

— Desculpa, Sra. Sophia…

— Não, por favor. Não se desculpe. Percebo que ele te tira do sério. Ele deve ser insistente ou você muito boa… – Senti que ela sorria novamente do outro lado da linha.

— Ãh?

Aquela conversa não estava me ajudando muito. Fiquei sem graça pelo ocorrido e ela tinha a capacidade de me deixar mais sem graça ainda, apesar de minha desenvoltura em situações constrangedoras. Essa mulher fazia com que eu perdesse a fala e nublasse meu raciocínio.

— Na realidade, liguei por estar preocupada com você. Sua funcionária me faloumais cedo que estava adoentada e dormindo, então imaginei que o que sentiu em minha sala, já podia ser sintomas de sua indisposição. Está melhor?

— Sim… sim, melhorei um pouco. Descansei e estou mais disposta. Pode deixar que amanhã já estarei de volta.

— Não precisa vir amanhã. Não se preocupe com isso e recupere-se, pois vou precisar de você. Estou promovendo há algum tempo uma confraternização com os gerentes de área e suas famílias, que irá acontecer neste fim de semana em um hotel em Angra. Contratei alguns consultores para dar palestras na área de gestão da produção, mas quero que você dê uma palestra sobre o seu projeto de Qualidade. Vamos fazer esse projeto funcionar, ok?

— Ok. Pode deixar que prepararei o material e passo antes à você, para a sua apreciação.

— Não será necessário. Ontem na reunião, tive a resposta da qual eu necessitava sobre seu trabalho. Posso contar com você?

— Ãh? Quer dizer, Claro. Pode deixar. Considere feito.

— Ótimo eeee… Se minha opinião valer de algo, não fique com mulheres só por conta de um transtorno masculino. Veja se é satisfatório para você pessoalmente…

Senti o tom de sarcasmo por trás das palavras vindas do outro lado da linha acrescidos de uma carga considerável de divertimento. O humor ácido dessa mulher começava a me instigar mais. Uma chuva de pensamentos indecorosos povoou minha mente, mas dessa vez tive uma vontade irresistível de provoca-la.

— Pode deixar que se me decidir por mudar minha opinião sobre com que gênero me relacionar, será por puro prazer e satisfação própria. Eu a aviso caso aconteça. Talvez queira matar uma curiosidade também, quem sabe…

Minha entonação demostrava cinismo e provocação com um pesado humor. Ela gargalhou novamente e aos poucos foi emudecendo.

— Cléo, você é uma mulher interessante, mas meu casamento é estável e confortável. Certamente, você terá melhores opções do que eu! Tenho certeza que encontraria mulheres mais interessantes e mais disponíveis… – Ela sorriu novamente.

Gostaria dizer a ela que encontraria mulheres mais disponíveis, mas nem tanto interessantes, porém, naquele momento, não queria tornar meus sentimentos por ela tão aparentes. Senti uma onda de medo ao imaginar que ela pudesse perceber algo em relação ao que estava sentindo.

— Percebo que minha recente inclinação para a conquista do sexo frágil está meio furada, então… Retirarei meu “time de campo”.

Ri debilmente e de nervoso para amenizar a situação. Estava vendo ela me jogar pela janela através do telefone. Sabe aquela coisa de escutar o silêncio do outro lado? Pois é. Foi isso que aconteceu e eu prendi minha respiração por uns segundos. Logo depois escutei um riso suave e relaxei.

— Bem… Depois de amanhã, se estiver melhor, pode me procurar na Grasoil para discutirmos o evento. Boa noite, senhorita Boaventura, e melhoras.

— Boa noite.

Escutei o click do fim da ligação e fiquei entre feliz e apreensiva com a perspectiva do evento… Tá! Tá bom! Confesso que estava nervosa com a ligação dela e com a conversa.

“Me diz que tô delirando! Que não falei aquilo tudo”!

Pensei, mas tentei imediatamente tirar toda a ansiedade que fiquei da ligação. Se eu consegui fazer isso? Lógico que não. Mas eu tentava desesperadamente disfarçar para mim mesma que sim!



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