Diferentes?

Capítulo 45 – Um ano depois e outras histórias

Havia passado pouco mais de um ano e não havíamos saído da casa de Itacoatiara. Eu e Sophia tínhamos comprado outra casa na Urca e quem tinha se alojado lá foi a Mel com a Lucy. Eventualmente dormíamos, quando tínhamos que chegar muito tarde e acordar muito cedo, mas realmente a casa passou a ser o lar das duas.

Cheguei em casa mais cedo que Sophia e tinha uma notícia para dar a ela. Não tinha a menor ideia da reação de minha esposa perante esta notícia. Peguei uma garrafa de vinho na adega, abri e trouxe duas taças para a varanda.

Hoje em dia, lançava mão de alguns artifícios para saber onde minha esposa estava. Não me condenem. Ela me ensinou direitinho e eu não fazia isso todos os dias e muito menos com frequência.

— Nydia.

— Sim?!

— Pergunte a Ramon onde eles estão.

Nydia fez o contato pelo auricular.

— Estão próximos, bem aqui na entrada da rua.

— Obrigada, Nydia. Pode ir descansar.

— Sim, senhora.

Algumas regras haviam mudado quanto à segurança. Eles não ficavam mais de prontidão depois que chegássemos e após revistarem a casa. Haviam câmeras apenas nas áreas externas e nos corredores.

 Coloquei vinhos nas duas taças, esperei um pouco mais que cinco minutos e Sophia entrou pela porta. Não me virei, continuava olhando o mar, mas escutei os passos de Sophia até o aparador e depois escutei seus passos vindos em direção a mim.

Ela me abraçou por trás, beijando minha cabeça e eu aspirei prazerosamente seu perfume. Beijei sua mão que estava sobre meu ombro carinhosamente.

— Como foi seu dia? – Perguntei.

— Fora uma reunião chata com o órgão fiscalizador, tudo correu bem.

Estendi a taça para Sophia que prontamente pegou da minha mão e se sentou na cadeira em frente a minha.

— Mas pela sua cara, o seu não foi muito bom…

Sophia começou a acariciar a minha perna.

— Não. Meu dia foi ótimo. – Respondi.

— Verdade?

— É. Verdade. – Tomei um gole do vinho. – Mel me ligou hoje e pediu para passar na casa da Urca.

Comecei a falar tentando transparecer tranquilidade, mas acredito que sem muito sucesso.

— Ela está bem? Não fala comigo há uma semana e quando liguei ontem, não consegui falar com ela.

— Ela está bem, mas queria contar a você algo que aconteceu com ela e não sabia como. Por isso me chamou. Ela me contou que foi sem querer, mas sinceramente, até agora eu não consegui entender como aconteceu sem querer.

— Cléo, você poderia ser mais direta. Está me preocupando!

— Não tem o que se preocupar, Sophia… Bom, pelo menos no sentido de algo perigoso…

— Cléo!

— Tá bem, tá bem! Eu não tenho como dar essa notícia de outra forma… E foi ela que pediu para falar a você. – Inspirei fundo e mandei. – Você vai ser avó.

— O que?!! Como… Como isso aconteceu sem querer? Ela traiu a Lucy com um homem?

— Não!

Sophia estava atônita e eu comecei a rir, pois isto era uma situação inusitada para mim também.

— Ela me falou que queria muito ter um filho e ela e Lucy estavam pensando sobre isso. Começaram a pesquisar e foram numa clínica recomendada. Ela não queria falar, pois não sabia se daria certo. Na verdade, elas achavam que não daria, porque o percentual de chances de engravidar na primeira inseminação é de 10%. Pensaram em tentar agora, pois queriam saber como se sentiriam e se prosseguiriam depois. O pior é que, como pesquisaram, sabiam que se a clínica percebesse dúvidas, não as deixariam fazer. Responderam todos os questionamentos, dando a máxima convicção e ainda se policiavam nas perguntas feitas pelo médico. Fizeram isso, só para não serem recusadas e tudo porque tinham certeza que Mel não engravidaria…

Sophia me olhou atônita e depois afundou as mãos na cabeça.

— Deus do céu! Eu não acredito que minha filha fez isso!

— Sophia…

Aproximei minha cadeira da dela e coloquei minhas mãos sobre suas coxas.

— Sua filha está um pouco assustada, mas está feliz. O problema é que ela queria efetivamente engravidar, só que não agora. Ela queria que acontecesse quando se formasse. Elas vacilaram na forma que conduziram, mas agora…

— …mas agora está com medo de falar comigo e te pede ajuda, Cléo? É isso?

— Não. Ela ia te falar de qualquer jeito. Você sabe que ela não te esconde nada!

— Só escondeu que ela era lésbica, desde os 17 anos.

 — Isso é diferente, Sophia. Ela só falou comigo, pois ainda não sabia como explicar de uma forma…

— Compreensível?!

Eu ri, pois no fundo, eu achei a mesma coisa. Não falaria para minha esposa, pois não adiantaria fomentar isso, e depois, a Mel parecia feliz. Evidente que preocupada, mas feliz.

— Independente de serem garotas responsáveis, jovem é jovem, sempre fazem uma grande “merda” eventualmente. Você mesma não fez, Sophia?

— O que? Comigo era diferente! Eu transei com um homem!

— Exatamente. As chances de você engravidar eram até maiores. Você fez no calor da raiva para punir Cassio, seus pais e sair de casa!

— Mas resultou ser uma das maiores felicidades da minha vida, que é minha filha…

Ela chegou ao ponto que eu queria. Sorri para ela.

— Ai, droga! Minha filha é espertinha mesmo. Sabia o que estava fazendo quando chamou você para conversar, não é?

— Sophia, não veja desta forma.  Contar para você é fichinha. O problema maior é contar para os seus pais. Parece que o terror dela é mais este, que qualquer outro.

— Ai! Que merda!

Sophia falou e eu sorri. Achava engraçado, pois raramente ela falava palavrões e quando o fazia, pedia logo desculpas. Ela estava tão desatinada que nem percebeu o palavrão e continuou falando.

 — Ainda tem isso! Eu falei para Melissa contar tudo a eles, antes mesmo de nos casarmos, mas ela disse que não tinha razão de chocá-los tanto. Disse que já estavam segurando “uma barra!” Eu sabia que isso era desculpa. Sabia que ela tinha mesmo, era medo de encarar, principalmente mamãe.

— Mas não é fácil mesmo, Sophia. Imagina que você levou quarenta anos para enfrenta-los a primeira vez.

— Só que agora, vão colocar as contas nas minhas costas! E o Cássio também. Com a “santa ignorância” deles, falarão que ela é lésbica por minha causa!

— Deixa que eu fale com sua mãe.

— O que? Cléo, tá certo que vocês até progrediram na relação neste um ano que estamos juntas, mas você falar?

Ficamos em silêncio um tempo, tentando “metabolizar” tudo.

— Sophia.

— Mmm.

— Eu não me sinto com idade de ser avó. Posso acostumar a criança a me chamar de tia?

………………

— Renata, por favor, tente marcar a reunião, dessa empresa de montagem automotiva que fechamos o contrato, para sexta-feira.

— Sim, senhora.

— Obrigada.

Verificava os relatórios preliminares desta nova empresa, quando o meu celular tocou. Era a Donna e eu estava com muita saudade da minha amiga. Tinha quase um mês que a gente não se falava.

— E aí, sumida?

— Saudades, ô cabeçuda!

— Que é que manda? Vamos marcar alguma coisa?

— Tô meio de molho. Cê não quer vir aqui em casa hoje, não?

— Cara, pode ser amanhã? Hoje marquei com a Sophia de acompanha-la num jantar.  É mais compromisso de negócios do que propriamente um jantar.

— Mmm… Tá. Então vou falar pelo telefone mesmo. Você quer ser madrinha da minha filha? Ainda não está definido, mas tenho certeza que vou conseguir.

— O que?!!! Você está me falando que quer fazer inseminação, é isso? Agora virou moda ter filho, é?

— Não, eu não pensava nem em engravidar, pelo menos não agora. Eu vou te contar. Eu estou com uma garotinha linda de um ano e meio em minha casa. Estou com custódia provisória.

— Mas se você não pensava nem em ter filhos, como aconteceu?

— Foi assim. Há umas três semanas, que todas as unidades de reportagem estavam na rua e aconteceu uma batida policial em uma comunidade. Pediram para eu acompanhar um cinegrafista, como quebra galho para a cobertura. Bem, na verdade a batida era num cativeiro de um sequestro e a Beth estava conduzindo a diligência, mas só que na fuga e perseguição, a polícia acabou matando os sequestradores e quando a polícia saiu do cativeiro, não resgatou só a mulher sequestrada. Havia uma garotinha e pelo que investigaram, ela não tem pais. Era abandonada e os sequestradores estavam com ela. Ainda não sabem direito a história dela, mas a garotinha ia para o conselho tutelar.

— E você se apaixonou pela garota e quer ficar com ela.

— Ela é linda, Cléo! Você precisava ver a menina no colo da Beth, quando saiu da tal casa. Ela tem os meus olhos, meus cabelos, minha cor, só que é marrentinha que nem a Beth. Não é perfeito isso? Ela gruda em mim e quando a Beth chega, ela estende os bracinhos e gruda no pescoço dela!

Eu me recostei na cadeira e comecei a rir do jeito que minha amiga falava da garota.

— Você sabe que é complicado esse tipo de adoção, não é?

— A gente sabe disso, mas já conseguimos o primeiro passo, que foi a guarda provisória. A Beth conhece muita gente e tomei a liberdade de falar com a Magda e ela indicou uma advogada especializada. Já estamos agilizando.

— E como essa garotinha que conquistou o coração de vocês se chama?

Eu estava achando “super legal” ver a Donna tão carinhosa e derretida por alguém. Ela com toda certeza amava a Beth, pois nunca vi a minha amiga tão feliz como no último ano. Só que Donna, não era do tipo de ficar melosa.

— Estamos chamando de Gia.

— Lindo nome, Donna! Quando eu posso conhecer a minha afilhada?

…………………….

Chegamos à casa dos pais de Sophia e o clima não devia estar lá essas coisas, pois um dia antes, o pai de Sophia havia ligado para ela pedindo a sua ajuda. Parece que a dona Arminda raramente ia ao escritório do marido e naquela semana aconteceu dela fazer uma visitinha. A mãe pegou o marido com a boca na botija, ou seria uma mulher com a boca na botija “dele”? O pai de Sophia estava apavorado com a possibilidade da mãe dela se separar dele.

Sempre que podia, tentava analisar friamente esta família. Era a forma que eu encontrara, para tentar lidar com meus sogros de forma mais amena. Agora pensem comigo. Uma matriarca autoritária e controladora; uma filha lésbica que casou com uma mulher perante a sociedade; uma neta também lésbica que está gravida por inseminação e vai criar o bebe com a companheira e por fim, um marido que trai a mulher! Gente, a velha iria surtar!

Mas eu não tinha pena, pois ela sempre que podia me espezinhava. E o pior, aprendeu a fazer por baixo dos panos, longe dos olhos de Sophia. Só que desta vez, se ela engrossasse, eu colocaria minhas luvas de lado.

Estávamos na sala de estar esperando minha “sogrinha”. A empregada veio servir um café. Olhava o rosto da Melissa e via seus olhos arregalados, em sinal visível de pavor. Eu me compadecia, pois a menina era uma boa filha, uma boa garota e uma mulher inteligente. Tá vacilou, mas era inteligente. Como ela ainda se intimidava com a velha, depois de tudo que aconteceu com a mãe? Tá. Existem coisas que não são fáceis de lidar, mas desta vez, eu me interporia. Não deixaria minha sogra acabar com a menina.

Arminda entrou na sala como sempre muito elegante. Não perdia a pose.

— Vieram em comitiva, defender este velho sem compostura?

— Eu não tenho nada com a vida de vocês, mãe. Não vim defender ninguém. E depois, conhecendo o tipo de pensamento que você tem a respeito do que é uma família, sei que prefere aturar esta situação. Nunca escandalizaria separando-se de papai.

— Pena que não adquiriu esses conceitos de família, Sophia.

— Graças a Deus não adquiri estes conceitos de família. Hoje tenho uma família feliz!

— Ora, vocês vieram perturbar o meu sossego hoje, por quê? Não acredito que vieram do Rio, para me darem lição de moral, por conta dos atos de seu pai!

Por enquanto, os embates estavam entre Sophia e sua mãe, mas a hora que a velha soubesse da gravidez da neta… a coisa ia ferver.

— E realmente não foi. Vim trazer uma notícia. A Melissa está grávida e você terá um bisneto, ou bisneta, ainda não sabemos. – Sophia foi direta.

— O que? Mas a Melissa nem está namorando! É isso que falo sobre o que é uma família! Você deu bem o exemplo para ela não é mesmo?!

— Vovó…

— Não fale comigo agora, Melissa! Você me decepcionou muito!

— Você é que não fale deste jeito com ela, mãe!

As vozes de Sophia e de Arminda começaram a se alterar e vi que era chegada a hora de interferir. Acredito que a partir de hoje, minha sogra começaria a me odiar um pouco mais, ou quem sabe, talvez a paz começasse a reinar.

— Arminda…

— E você não se pronuncie. Este assunto não compete a você.

— Mãe, eu não vou tolerar…

— Sophia, por favor. Desta vez, deixe que eu mesma fale.

Pedi a Sophia num tom calmo e ela, mesmo sem entender, silenciou.

— Arminda, eu estou indo para o escritório. Gostaria de conversar com você em particular e se você não for até lá, tenho certeza que se arrependerá e muito! Acho bom não pagar para ver.

Levantei-me deixando meia dúzia de olhos aturdidos e sem entender a minha atitude. Ela ainda me fez esperar cinco minutos. A porta se abriu dando passagem à minha sogra.

— Não vejo o que tenho a falar com você.

— Sente-se, Arminda.

— Estou bem de pé. Não ficarei aqui por muito tempo à sua disposição.

— Tudo bem.

Vasculhei minha bolsa, retirei um maço de papeis e joguei em cima da mesa.

— Veja. Após ver, acredito que quererá conversar comigo.

— O que é isto?

— Veja por você.

Arminda pegou o maço e à medida que ia folheando a cor sumia de seu rosto.

— Como…

Acho que suas pernas bambearam e ela deixou-se cair na poltrona próxima a ela.

— Eu contarei como tenho estas cópias, mas antes, quero deixar algumas coisas acertadas com você. Primeiro: você tratará a sua neta condignamente. Ela é uma menina doce e meiga e não merece ser cercada com a sua amargura. Quando voltarmos para a sala, você a tratará, se não ternamente, pelo menos sem agredi-la. Segundo: a resposta ao que está circundando sua mente é não. A Sophia não sabe sobre estas cartas e nem o conteúdo. Quando as descobri, não achava realmente que ela tinha que saber. Era algo particular seu.

— Mas mesmo assim fez cópias delas!

Ela me olhou com ira.

— Sim, fiz. Mas por um único motivo. Eu sabia que eu merecia a satisfação de olhar para você um dia e dizer o quanto é uma falsa moralista. E esse dia chegou.

Frisei bem o pronome “eu”. E continuei a falar.

— Você “arrota” moral e desfaz das pessoas, mas é só uma mulher profundamente infeliz. Disso eu tinha consciência, só não entendia o porquê e agora, eu sei.

— Você me acusa de falsa moralista e por acaso, o que está fazendo comigo é moralmente correto? Você está me chantageando!

— Sim, eu estou. Não é moralmente correto, mas nunca bati no peito para falar que eu era a mulher perfeita como você! Esta máscara é sua, não minha. E depois, não vou passar o resto da minha vida com Sophia, com receio de todo momento, você interferir com seu veneno. Não acho que você vai melhorar, Arminda, mas pelo menos, tenha a hombridade de não mais acusar e interferir. Tenha a capacidade de no mínimo, ver a família maravilhosa que tem. Seus dissabores foram seus, não transfira isso para a sua neta que agora está grávida e te dará um bisneto. A Sophia nem conta, pois está vacinada contra seu veneno.

— Você não tinha o direito de vasculhar minhas coisas!

Pela primeira vez vi minha sogra com os olhos marejados. Até me espantei, pois a essa altura do campeonato, achava que essa mulher não tinha sentimentos.

— Você quem me deu a permissão para isso. Só que no dia, você pensava que estava me humilhando. Lembra no natal passado, quando Sophia lhe perguntou sobre as fotos dela de infância? Neste dia você pediu, até educadamente, que eu as procurasse no quarto de depósito. Eu acabara de comentar que estava muito alérgica por conta da mudança climática. Você disse que as fotos estavam em uma caixa lá e pediu que eu pegasse, sabendo que o quarto estava todo empoeirado e repleto de mofo. Ele não era limpo há anos. Havia mais de dez caixas empilhadas e muito empoeiradas para eu procurar as fotos.

— Eu só pedi que procurasse as fotos para dar a ela.

— Eu também pensei isso na hora e achei até um gesto carinhoso seu. Mas quando vi as condições daquele lugar e como você sepultou as lembranças de infância da sua filha, vi que estava enganada. Você só queria me humilhar e causar um desconforto maior, pela minha alergia. Você nunca amou Sophia! Ela era a prova viva, de que você amava um homem e teve que casar com outro. Sophia é realmente filha de seu marido, mas você queria mesmo aquela criança que teve que abortar, por seus pais terem-na obrigado. Queria a criança do homem que você realmente amou. Agora vem com esse discurso moralista para cima de sua neta. Posso não ter estado aqui, mas tenho certeza que também o fez, quando Sophia engravidou. É Arminda, você deu muito bem o exemplo, como mesma disse lá na sala.

— Não é verdade! Eu amo minha filha!

— Não parece. Vou dar um conselho, Arminda. Se você amou tanto este homem, não deixe as cartas trocadas por vocês, apodrecerem sepultadas num quarto escuro e fedorento. Foi isto que você fez com a sua vida.

— Só coloquei lá, o dia que ele morreu… E só foram as duas últimas, pois elas falavam da doença dele.

— E as fotos da sua filha? Você colocou lá quando ela morreu para você? E quando foi isso?

— Você não sabe de nada! Já disse que amo minha filha! Quando ela engravidou, achei que ela amava o Cassio e queria garantir que ela tivesse uma vida com ele. Por que ela engravidaria dele se não fosse por isso? Meus pais, não me deram esta alternativa.

— Nunca passou pela sua cabeça, que ela queria se livrar de vocês? Arminda, você a oprimia e continuou fazendo depois. O que seus pais fizeram com você, foi horrível! Por que continuou atuando como eles?

— Eles estavam certos! Temos que preservar o nome da família acima de tudo!

 — Então, por que continuou a se encontrar com o homem que amava, até a morte dele? Isto é o certo? Você traiu seu marido a vida inteira até este homem morrer! É isso que considera o correto?

Eu via na minha frente uma mulher amargurada, derrotada e triste. O silêncio se fez entre nós. Eu não queria julgá-la. Apenas não queria que ela continuasse nesse ciclo de opressão, com as pessoas que eu amava. O que ela fez da vida dela, não competia a mim, mas o que ela fazia com a vida da minha mulher e da minha enteada, isso sim competia. Levantei da poltrona em que estava e me dirigia à porta.

— Você contará a elas? As cartas originais estão com você?

Detive meu passo diante da pergunta dela, mas não me virei.

— Como falei antes, não quero nada mais de você, a não ser um comportamento cordial com as duas e se não for pedir muito, comigo também. As cartas originais continuam nos seus lugares. A propósito, aquele dia, eu achei apenas as duas realmente. Depois eu movi mundos para encontrar as outras, que encaixavam no quebra-cabeça. Pelo teor das duas cartas, eu sabia que existiam mais. No dia que descobri o restante, vim até o escritório para fazer as cópias, mas as deixei no lugar novamente.

— Como você…

— Isso não importa agora! Não tive e não tenho intenção de falar a ninguém, mas não me empurre muito, Arminda. Só não demore a sair, pois posso arrumar uma desculpa rápida, sobre esta nossa conversa, diante de sua filha e neta, mas se você demorar, não vai parecer convincente.

Quando ia abrir a porta…

— Cléo. Eu realmente amo minha filha e minha neta…

Sai pensando em suas palavras. Se eu acreditava? Não muito, mas veria como ela atuaria dali para frente. Se eu falaria para a Sophia? Provavelmente não. Como disse para minha sogra, não me competia, mas que ela não forçasse muito a barra.

Cheguei à sala e percebia a tensão no rosto das duas. Só então reparei que minha sogra caminhava logo atrás de mim. Sentamos cada uma em uma poltrona e isto impediu que Sophia me perguntasse sobre o que nós falamos.

— Então, Melissa. Conte como isso aconteceu…

Minha sogra perguntou, pegando a menina desprevenida, mas ela começou a contar sobre a inseminação. A princípio ela não falou sobre a Lucy, mas ao longo da conversa, eu e Sophia íamos contando os detalhes. Minha sogra, na maioria do tempo, não se pronunciava a não ser para fazer mais perguntas. Conteve seu temperamento. Se ela tinha mudado de opinião, eu não sei. Era mais certo que tenha se segurado para não me contrariar.

……………….

Voltamos naquela tarde mesmo para o Rio e Sophia percebia que eu estava muito calada. Chegamos a nossa casa e dispensamos os seguranças. Em dado momento, eu olhei para ela e tentei dar uma satisfação, afinal, não costumava esconder coisas dela.

— Não se preocupe, Sophia. Eu só quis expurgar o que tinha preso em minha garganta. Discutimos, eu lavei alguma roupa suja e a minha alma também. Não pergunte exatamente as palavras que usamos uma contra a outra. Vamos deixar isso para trás e ver se surtirá algum efeito.

— Está bem. É algo seu e dela. Não vou me intrometer.

Tinha consciência que minha esposa, não engoliu a desculpa completamente. Ela era sagaz demais para isso e eu não a subestimava. Mas sabia que me respeitaria. Verdade, que em um momento qualquer, sua curiosidade sobrepujaria e aí… Bom, pelo menos me daria tempo de “metabolizar” o que fiz, e como procederia. Se ela me questionasse hoje, não saberia o que pensar ou o que fazer. Como falar algo que descobri de minha sogra, para minha esposa? E o pior, algo tão íntimo e que talvez mexesse nas estruturas emocionais da própria Sophia. Eu não podia fazer isso, pois além de ter feito algo errado, que foi vasculhar a vida de Arminda, eu não saberia lidar com o peso de ser a pessoa a revelar esses dissabores.

— Obrigada.

Sophia me abraçou e me deu um beijo rápido. Deus! Como eu precisava dela neste momento! Estreitei-a em meus braços.

— Ei! Fica tranquila, seja lá o que se passou, já terminou. Não sei o que falou a minha mãe, mas deu certo. Agradeço a você, por isso!

Aninhei meu rosto em seu pescoço. Continuava me espantando o fato de Sophia ser menor que eu, e ainda assim, ser minha fortaleza. Beijei-a ali. Sua pele tinha um gosto bom e seu aroma inebriante. Ela me abraçou mais forte e depositou um beijo em meu ombro.

— Sophia.

— O que foi?

Perguntou suave.

— Continua me abraçando. Eu te amo tanto…

— Shhhh! Fica calma. Pelo visto a conversa não foi fácil…

— Por favor, sem perguntas. Só me abrace… Só quero sentir você.

— Está bem… Eu estou aqui com você. Vamos sentar no sofá.

Ela me conduziu ainda abraçada a mim e nos aconchegamos. Retirei as minhas botas e encolhi meus pés, me aninhando em seu colo. Sophia começou a acariciar meus cabelos. Eu suspirei. Estava exausta emocionalmente e seu carinho me alimentava de uma energia boa.

— Cléo.

— Mmm.

— Eu estava pensando, em como minha vida mudou e no quanto estou feliz…

Olhei-a sorrindo e falei.

— Sabe o que mais?

— O que?

— Eu agradeço constantemente a Deus, por você nunca ter reparado que era uma lésbica.

Mexi com ela, apenas para escutar seu riso. Ela não me furtou deste prazer. Ela ria abertamente.

— Ei! Eu não era lésbica.

Ela continuava rindo e eu a acompanhava.

— Era sim. Só não sabia, ou então, estava adormecida. Pensa bem, Sophia. Como a Donna costuma falar, lésbica que se preze, tem que ter “pegada”. E por minhas observações “in loco”, você tem “pegada”!

Sophia me presenteava com uma gostosa gargalhada.

— E você? Não tem, não?

— Tenho, mas eu já admiti para mim mesma, que era lésbica e não sabia. Quem fala que não era lésbica antes de me conhecer, é você. E depois, sua “pegada” é forte… gostosa demais!

O riso de Sophia foi diminuindo e ela me puxou mais para cima de seu colo.

— Vem, cá. Deixe que eu exercite a minha “pegada”.

Ela me beijou. Nossos lábios se sorviam ternamente, num beijo delicado e lento. Deixei que sua língua dançasse apaixonada por minha boca e a minha retribuísse. Esquecia os acontecimentos do dia.

Eu segurava sua nuca afagando seus cabelos e pescoço com a ponta dos dedos e unhas. Ela gemeu em minha boca e minha libido dava sinais ruidosos, de que não queria parar por ali.

— Vamos para o quarto?

Ela perguntou, sussurrando entre meus lábios.

— Não…

Respondi simplesmente. Estava muito gostoso, para parar nossa exploração de bocas. Continuei beijando-a e comecei a acariciar sua pele através de sua camisa. O tecido era fino e leve e permitiu que eu visse seus seios enrijecerem, mesmo acomodados no sutiã. Ela me deixava louca com seus carinhos, sua atenção e seu corpo. Tudo em Sophia contribuía para que me sentisse apaixonada. Seu caráter ilibado, perante os problemas do dia a dia faziam com que, mesmo nos dias mais difíceis e cansativos, eu caísse em seus braços, enamorada.

Olhava-me com paixão. Seu semblante assumia uma expressão de êxtase que me deixava nas nuvens. Ela começou a explorar meu corpo de forma delicada e reverente. Impedi que tirasse minha blusa. A exploração de nossos corpos por cima das roupas estava gostosa e não queria quebrar o encanto.  As ações eram lentas e tranquilas. Estávamos em momento único, de nos apreciar mutuamente e desfrutar das nuances de nossos corpos. Beijávamos cada pedacinho de pele, que se mostrava convidativa. Via partes de pele, que apareciam entre as fendas da roupa, arrepiar ao meu toque e a minha, igualmente ao dela. Nossas respirações começavam a acelerar e nossa vontade da outra aumentava proporcionalmente.

Sophia me abraçou conduzindo meu corpo para deitar sobre o sofá e estendeu seu corpo sobre o meu, colocando uma de suas pernas entre as minhas. Vislumbrei que estava difícil segurar a vontade de nos desnudar, mas talvez estivesse aí nosso desejo. Ela começou a deslizar seu corpo sobre o meu, na tentativa de aplacar a vontade que crescia voraz.

— Amor… deixa que eu…

— Shhhiii. Vem para mim deste jeito…

Sussurrei imbuída na vontade de fazê-la enlouquecer na sua excitação. A minha “Olhar de Falcão” era fantástica! Ela não me contrariou, mas colocou sua mão por cima de meu sexo friccionando sofregamente. Enlouqueci e comecei a arfar. Ela sabia que eu não conseguiria me controlar mais.

— Ah! Sophia… Me faz gozar!

Abriu o botão de minha calça e zíper afoita, entrando em mim desejosa e movendo seus dedos em meu interior. Encaixou sua pelve em minha perna e enquanto movimentava dentro de mim, movia sua pelve com seu sexo colado a minha perna. Deus! Como era bom ama-la… Como era bom quando me amava!

— Ahh, Sophia! Mais forte!

— Vem meu amor! “Me beija”!

Colou seus lábios aos meus e meu mundo desligou. Senti meu líquido escorrendo e a ouvi gemendo arfante.

— Amor… Como eu te amo, Cléo!

A expressão falada rouca entre ofegos me emocionou e fez-me sair de minha letargia. Eu queria amá-la e ter a marca de seu amor em mim. Puxei o cordão que amarrava sua calça e coloquei minha mão por dentro, para chegar a sua vulva. Ela estava molhada e meus dedos deslizavam embebidos.

— Cléo… Cléo…

A voz morria na garganta, à medida que, meus dígitos friccionavam mais fortes e mais rápidos seu bulbo hirto.

— Eu estou gozando para você, meu amor!

Ela gritou na agonia de seu gozo e meu coração acelerou, com as palavras e com seu semblante, que se transformavam pelo prazer.

Acordamos abraçadas no meio da madrugada. Agradeci a Deus e pedi que, pudéssemos sempre abrandar nossas angústias e saudar nosso amor de forma tão magnífica, transbordando a beleza de nosso sentimento.

…………

Mais um ano se passou e juntávamos nossos amigos na casa de Itacoatiara. Era meu aniversário de trinta e oito anos e fazíamos um almoço. Donna estava surtada com Gia andando pela casa, enquanto Mel e Lucy voltavam do quarto depois de dar banho na pequena Alexandra e no pequeno Gabriel. Isso mesmo. Mel deu a luz a um lindo casal de gêmeos. 

Quando chegaram na sala, pediram para que eu e Sophia tomássemos conta dos dois, enquanto elas tomavam seus banhos. Eles estavam emparelhados no berço e eu estendi minhas mãos para segurar a pequena Alê em meus braços, pois Gabriel dormia, enquanto ela começava a chorar. Sentei-me ninando-a e Sophia se alojou a meu lado, mexendo no biquinho que a garota fazia.

— Eles são lindos!

Falei baixinho para Sophia. Ela me olhou e sorriu estreitando os olhos.

— Todas estas crianças ao redor estão despertando a sua maternidade?!

— Mmm… Na verdade, não. Eu adoro tê-las em volta, mas odeio pensar em gestar. Se eu falar que essa ideia da gestação me dá medo, você acharia que sou maluca?

Sophia riu.

— Não, não acharia Cléo. Todo mundo tem medo de algo.

— Se fosse você a gestar, até pensaria… mas não acho que na altura do campeonato isso possa ocorrer.

— E por quê? Por que tenho 43 anos?! Está me chamando de velha, é Cléo?!

— Não! Ah, para Sophia! Você sabe que para algumas coisas, a gente não pode arriscar.

Ela começou a rir da sacanagem que fez mexendo comigo.

— Pois saiba, que se o filho fosse seu, eu arriscaria. Hoje em dia existem tratamentos e muito mais cuidados no acompanhamento. Mas só se, seu DNA que estivesse no meu ventre, se fosse seu óvulo. Eu já tenho uma filha e netos, mas um filho seu, com a possibilidade de vir com seus traços…

Eu a olhei assustada. Ela deu de ombros e riu da cara que eu fazia. Melissa havia voltado e se aproximou.

— Valeu, Cléo! Essa garotinha aqui é uma manhosa.

Mel pegou Alexandra de meus braços e eu ainda olhava fixo nos olhos de Sophia, tentando concatenar o que ela acabara de falar. Essa mulher me enlouquecia das mais diferentes formas. Muitas formas deliciosas, outras impactantes! Não sabia o que dizer ou o que pensar.

— Sophia…

Ela gargalhou daquele jeito ironicamente gostoso.

— Calma, Cléo. Não estou falando para termos um filho. Só estou te dando esta possibilidade, se você o quiser…



Notas:



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