Diferentes?

Capítulo 6 – Pássaros engaiolados cantam, mas por quê?

Chegamos um ou dois minutos atrasadas e quase não tinha ninguém no auditório. Eu estava radiante! O problema é que eu estava varada de fome, pois nem o café da manhã conseguimos tomar, porém nada disso tirou a minha felicidade. Poderia falar para vocês que fiquei nervosa com a palestra e coisa e tal, mas não é verdade, eu estava nervosa mesmo, era com a perspectiva de voltar a fazer amor com ela. Forcei meus olhos a não procura-la no auditório. Sabia que se queria impressioná-la tinha que agir profissionalmente. Por tudo que assimilei neste tempo na Grasoil, o trabalho era uma das coisas mais importantes na vida dela e ela dificilmente permitiria que a sua vida pessoal interferisse em seu trabalho.

Depois que dei a palestra, não a vi mais. Veio o coffee break e fui comer, tentando acha-la no salão de recepção e não consegui encontrá-la. Dagoberto se aproximou com o rapaz que o acompanhava e que conheci na noite anterior.

— Parabéns, Cléo! Sua palestra foi maravilhosa e alguns dos associados e gerentes querem marcar reunião com você. Parece que vamos ver esse trabalho florescer na empresa.

— Obrigada, Dagoberto, mas acho que poderia ter colocado mais a gerência da qualidade em si. Acho que explanei muito superficialmente esta parte e enfoquei mais o projeto na empresa.

— Que nada. Foi ótimo, até eu que tinha minhas dúvidas com relação à condução do trabalho, agora estou achando muito interessante e comprando a ideia.

Olhei para o rapaz a minha frente e comecei a observa-lo melhor. Não havia percebido que ele era da empresa e isso é inadmissível para alguém que precisa se relacionar com as bases.

— Desculpa, ontem o Dagoberto nos apresentou, mas não me lembro do seu nome…

— Você é muito delicada… – ele falou rindo. — Nós não fomos apresentados formalmente, pois ontem o Dagoberto estava um pouco encabulado na forma como me apresentaria. Ele acabou deixando passar batido, pois você estava em uma conversa animada com os outros gerentes.

Podem me chamar de tapada, pois eu não entendi absolutamente nada do que esse rapaz estava falando. Por que o Dagoberto estaria encabulado? Olhei-o indagativa e ele sorriu novamente.

— Eu me chamo Erick. Sou companheiro de Dagoberto e supervisor de RH.

Uma luz se acendeu e olhei para Dagoberto não acreditando que ele estava com vergonha de me contar que era homossexual e que vivia com esse rapaz. Tá certo. Admito que sou meio perua, mas será que eu passo uma imagem de preconceituosa?

— Dagoberto! Por que não me falou? Por que ter vergonha de me apresenta-lo?

— Não é vergonha nenhuma, Cléo. Até porque, todos na empresa sabem. Temos união estável e agora iremos converter para casamento civil. O fato é que eu não a conheço o suficiente para saber qual a sua opinião a respeito. Não queria que minha vida particular interferisse no nosso trabalho em conjunto. Queria que as coisas fluíssem naturalmente, mas esse “serzinho” aqui — apontou para Erick — é um desesperado!

— Não sou desesperado, só não gosto de pensar que alguém possa questionar quinze anos de casamento entre nós.

— Meninos! — balancei minha cabeça e minha mão tentando dissipar a pequena discussão. — Agora já está devidamente esclarecido e sem sequelas. Dagoberto, meu amor, você poderia ser um ET, para mim não faz a menor diferença!

As lembranças da manhã de amor com a “poderosa olhar de falcão” povoaram a minha mente. Infelizmente não poderia falar com ele, pois não sabia as implicações que isto teria. Aliás, precisava falar com a Sophia, pois não conversamos sobre o que aconteceu e, cá para nós, não foi nada convencional e ela ainda era casada.

Dagoberto sorriu e Erick também.

— Não falei, Dago! – Erick falava efusivo com Dagoberto. – Eu não me engano com as pessoas!

— Tá. Tá, metido. Já entendi.

Eu sorri, pois pela primeira vez vi Dagoberto dar pinta e, vamos combinar, que o apelido carinhoso que Erick o chamou é horroroso! Dago? Enfim, cada um com seu cada um, não é? Ainda sorrindo, eu o sacaneei.

— Vamos lá, Dagooo, que eu tenho que achar a Sophia.

Peguei seu braço e fui lhe arrastando.

— Viu, tampa, o que você fez? Agora ela vai ficar me zoando!

Erick me abraçou pelo outro lado e fomos sorrindo os três, circular pelo ambiente. Erick era tudo menos tampa, pois era um metro e oitenta de homem, porém, Dagoberto podia chama-lo assim, afinal era um metro e noventa de homem! Fiquei pensando que Sophia sim era tampa, em relação a mim e aos dois. Eu tinha quase um e oitenta e ela era quase quinze centímetros a menos que eu, porém, me fascinava a forma como ela se agigantava ao entrar nos ambientes. Sua presença se fazia. Simples assim… se fazia!

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Sophia só entrou no auditório depois de cinco minutos da outra palestra ter começado. Sentou-se no fundo e eu comecei a me preocupar. “Será que ela se arrependeu do que fizemos? Não. Ela foi magnífica, intensa… Será”?

Ela olhava para frente e parecia compenetrada na palestra. Talvez eu estivesse só encanada. Este evento parecia ser importante, pois ela era uma excelente profissional e extremamente preocupada com seu trabalho. Vamos combinar que, para nós, o evento era só uma forma de dar significado a integração dos funcionários, mas para ela, era mais uma parte de seu próprio trabalho.

No almoço, mais uma vez a perdi, pois quando saí do auditório, ela já havia saído em uma fração de segundos em que eu me distraí de sua presença prestando atenção ao palestrante. Meu nervoso começava a aumentar. Fui para o almoço sozinha. Não queria nem a presença de Dagoberto e Erick.

O buffet era variado e farto. Havia variado tipos de carnes desde pescados, carnes de boi, aves e até cordeiro. Fui ao buffet de saladas, depois peguei um grelhado. Não que eu não comesse coisas mais elaboradas ou mais pesadas, mas estava literalmente sem fome. Encaminhei-me a uma mesa de canto isolada e comecei a comer. Estava para baixo e não queria conversar com ninguém.

— Está esperando alguém ou posso me sentar aqui?

Aquela voz parecia música divina para meus ouvidos. Aliás, estava tocando uma música que eu amo e casava exatamente com o meu momento… Casava exatamente com o que eu sentia.

Spend all your time waiting/Gaste todo seu tempo esperando/For that second chance/Por aquela segunda chance,/ For a break that would make it okay/Por uma mudança que resolveria tudo/There’s always some reason/Sempre há um motivo/To feel not good enough/Para não se sentir bom o bastante,/ And it’s hard at the end of the day/E é difícil no fim do dia./ I need some distraction/Eu preciso de alguma distração./ Oh beautiful release/Oh, perfeita liberação/Memories seep from my veins/A lembrança vaza de minhas veias…/ Let me be empty/Deixe-me vazia/Oh and weightless and maybe/E sem peso e talvez/I’ll find some peace tonight/Eu encontrarei alguma paz esta noite./ In the arms of the angel/Nos braços de um anjo…

— Não tem ninguém. Pode sentar. — Meu animo não estava dos melhores.

Acho que ela percebeu meu estado de espírito, pois ficou calada durante algum tempo, mas o silêncio era pesado e a música continuava dando um ar melancólico ao momento.

— Aconteceu alguma coisa? Algo te aborreceu?

O fato é que o tempo que fiquei nas palestras, minha cabeça funcionava à velocidade de um trem bala. Ela definitivamente era casada e diretora de uma das empresas mais importantes de petróleo do mundo. Provavelmente, o que significou para ela esta manhã, não era a mesma coisa que significava para mim. Imaginava que, para ela o que vivemos, seria um simples passatempo, e eu estava me embrenhando por um terreno tortuoso se me apaixonasse perdidamente. “Que merda! Eu “tô” apaixonada perdidamente e em tempo record”! pensei. Quando eu era adolescente, pensava em um dia me apaixonar loucamente e desfrutar desse amor, mas quando amadureci, pensei em nunca me apaixonar desta forma, pois deveria ser uma escravidão sem correntes reais. 

— Não. Só que eu fiz amor com a diretora da empresa que eu presto serviço e possivelmente ela fez sexo comigo. Isso não é um bom prognóstico para mim, não é?

Fui direta como gosto de ser, mas fui rude também. Eu estava com raiva de mim mesma e com raiva da situação. Ela baixou o talher no prato e olhou para o mar. O silêncio foi mortal e me dava a certeza do que eu falava. Ela inspirou fundo e pousou seu olhar em mim, fazendo-me parar de comer para olha-la. Minha esperança era ela falar que eu estava enganada.

— Vamos dizer que o que ocorreu hoje não foi muito convencional…

“Convencional? O que exatamente ela queria dizer com isso?”

— Cléo… — Sophia respirou fundo mais uma vez. – Cléo, eu não fiz sexo com você. Não pense que isso já aconteceu antes… Não pense que já aconteceu com outras pessoas porque não aconteceu, mas… — Parou de falar, como que procurando por palavras que explicassem o “toco” que estava prestes a me dar.

— Mas?

— Eu… Eu tenho um casamento estável…

— É sério que as pessoas falam isso hoje em dia? — Perguntei irritada.

Não queria mais ouvir nada. Queria sair dali e desaparecer. Cair por um brinquedo de parque de diversões como aquele desenho animado, como é mesmo o nome? Ah! “Caverna do Dragão”, e sumir. Entrar por um mundo de fantasia que me engolisse. “Será que a Disney é aqui perto?” Podia também ser o armário de “Nárnia” ou algum daqueles buracos que o “deus Ares”, do seriado da Xena, abria para engolir tudo e passar o “povo” para uma dimensão de tempo-espaço só de sacanagem. Não me importava. Levantei-me.

— “Pára”, Sophia! Já entendi. Não se preocupe que, na segunda-feira, estarei na Grasoil e trabalharei normalmente com o Dagoberto. Não pense em momento nenhum que terá problemas comigo. Sou profissional e sei separar as coisas. Pode se tranquilizar que não lhe trarei qualquer dor de cabeça!

Não perdi a linha. Falei baixo e sem qualquer expressão, mas vislumbrei certo ar de dor em seu rosto. Talvez fosse o que eu quisesse ver, não sei, mas acho que ela não esperava por minha reação. Deixei o restante da comida e fui para o quarto catar as minhas coisas. Eu era profissional, mas não era masoquista. Não precisava ficar lá o resto do fim de semana.

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Estava terminando de arrumar a minha maleta e a porta abriu. Meus olhos estavam inchados, pois eu comecei a chorar desde que saí do restaurante até aquele momento. Enxuguei minhas lágrimas com a manga da camisa. Eu era uma idiota mesmo. Viajei na minha paixonite achando que poderia ser “mega” fácil.

Ela entrou e ficou me olhando estática. O pior é que ela era maravilhosa. Linda, elegante, charmosa e… gostosa demais! Ela se aproximou e antes que falasse algo, passei a mão na minha bolsa e ela… ela me segurou pelo braço colando seu corpo ao meu. Droga de mulher! Eu não sou de ferro. Antes de qualquer reação dela, segurei sua nuca e tasquei um “senhor” beijo naquela boca deliciosa. Eu estava com raiva dela e de mim, por ser tão suscetível. O beijo não foi nem um pouco suave, foi brusco e até violento. Suas mãos seguraram meus punhos, levando meus braços até minhas costas e me empurrou bruscamente para a cama. Quando disse que ela se agigantava, não era brincadeira, ela o fazia mesmo! Caí de costas com Sophia por cima de mim. Quis reagir levantando-me, mas Sophia me empurrou de volta segurando minha gola. Com uma mão em cada lado, abriu minha camisa arrancando todos os botões. Meu dorso estava exposto e vi em seus olhos fogo. Na mesma hora senti uma umidade descer por minhas pernas. Droga! Essa mulher me “tinha” e eu era impotente contra isso!

Sophia segurou meus braços por cima de minha cabeça e eu não posso dizer que não estava gostando, pois meu ventre contraia e um calor louco tomava todo o meu corpo.

“Bem. Não preciso ir agora, não é? Posso aproveitar um pouco mais e depois eu pego minhas coisas e me mando” – Pensei, já sentindo ela abrir o zíper de minha calça e colocando a mão por dentro.

— Aaaahhh!

Eu gemia alucinadamente, enquanto ela entrava toda em mim e falava obscenidades em meu ouvido.

— “Me sente”! Sente como eu meto em você. Gostosa. Você é gostosa demais, Cléo.

As palavras obscenas das quais eu nunca gostei que qualquer namorado falasse para mim, soavam na sua voz rouca como afrodisíaco. Cada vez mais eu sentia que molhava e cada vez mais seus dedos deslizavam com mais facilidade, entrando forte e gostoso.

— Goza pra mim, Cléo! Goza gostoso…

Ela não precisava nem pedir com esse jeito delicioso, pois eu estava prestes a explodir. Agarrei seu braço para parar o movimento de sua mão dentro de mim e apertei entre minhas pernas no momento de meu êxtase, pois queria prolongá-lo ao máximo. Desabei suada e vencida pelo orgasmo intenso. Era como se toda a raiva, toda a dor e todo o meu desespero da situação tivesse se convergido em uma combinação explosiva a esse momento ímpar de desejo e satisfação.

Sophia alcançou o espaço ao meu lado, arfando e suada do mesmo modo que eu, se atirando e olhando o teto. Seu olhar era indecifrável, entre confuso e satisfeito. Não entendi de imediato até ela colocar sua mão entre as próprias pernas e soltar um gemido de satisfação. Dei-me conta que enquanto ela movia dentro de mim, se movia sobre minha coxa mesmo vestida.

“Não… ela não atingiu o orgasmo! Não é possível… será?”

— Sophia… – balbuciei, chamando sua atenção.

Ela virou-se para mim com o olhar perturbado.

— Não vá, Cléo. Fica aqui comigo até segunda de manhã. — Falou num murmúrio.

Voltei meu olhar ao teto também. Eu estava perdida, pois queria muito atendê-la e atender aos meus anseios, só existia o pequeno problema de quem era ela e que, além disso, era casada. Vislumbrei rapidamente o que ocorreria depois, simplesmente a carruagem viraria abóbora no momento em que saíssemos daquele paraíso.

Levantei-me sem nada dizer, fui até a minha maleta com as lágrimas correndo novamente pelo meu rosto. Sophia sentou-se na cama e observava cada movimento meu de trocar minha blusa, com ar de resignação. Quando terminei, fui até ela e a beijei. Foi um beijo doce e coberto de lágrimas. Quando terminamos de nos beijar, virei-me para sair, falando em tom triste.

— Acho que minha experiência lésbica foi a coisa mais maravilhosa que vivi, mas ela acabará agora. Você é uma mulher com um casamento “estável” a preservar.

Ela não me impediu de sair.



Notas:



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