E por falar em saudade

E por falar em saudade

E POR FALAR EM SAUDADE

Texto: Ione Silva

Jasmine, profissão repórter, mas do tipo que escrevia, editava reportagens de outros, às vezes era a voz que detalhava em um vídeo, mas não gostava de aparecer. Embora ainda não tivesse chegado aos trinta, estava cansada demais. Talvez pela profissão, pelo que via e acompanhava o tempo todo para se manter atualizada, não sabia. O que sabia e sentia era o peso de uma solidão enorme. Uma falta de alguém, uma saudade de não sabia quem.

Atualmente vive só com seu cão bem-humorado. Mesmo conectada ao mundo que vive, preocupada com o futuro próximo, o que a atraia e tinha paixão, era o passado. Livros mitológicos, filmes de época, sempre lhe pareciam mais atraente que o presente. Descendente de libaneses, teve que lutar para viver a sua própria vida.

Imaginava que talvez esse fosse o motivo dos sonhos diferentes que andava tendo ultimamente e que pareciam filmes.

O primeiro que se lembrava, vira duas pessoas no Japão feudal. Eram dois samurais jovens e um deles, tinha certeza, era ela. O outro seu amigo e amante!? O grupo a que pertenciam estava em uma vila grande onde tinham ordem para matar determinadas pessoas. Houve luta, venceram, mas seu parceiro se recusou a matar três crianças de uma das famílias que deveriam eliminar. O chefe do grupo mandou que se ajoelhasse, empunhou sua katana e o decapitou. Vendo o amigo sem vida, ela (ou ele que seria ela?) atacou o chefe, mas foi morto pelos demais companheiros para salvaguardar a honra do Bushido e de seu Mestre que ordenara a matança.

Depois viera o sonho dos cavaleiros, ou pareceu-lhe aquela época. Ela era um jovem de uma família de comerciantes que Jasmine sabia ser o samurai do sonho anterior e estava apaixonado(a) por uma garota meiga. No entanto, tinha um duque bem mais velho que queria a mesma garota, que já havia dito não ao “cretino”. Como vingança o duque a acusou de bruxaria. O último olhar da garota antes de ser morta, fora para ele/ela, que chorava de dor e raiva. Raiva que o fez atacar o duque na primeira oportunidade que teve, mas como não tinha a habilidade do oponente, sucumbiu pela espada do odiado inimigo.

Então foi a vez de um grupo cigano em um bosque. Uma jovem e bela cigana dançava sozinha, enquanto ela travestida como o grupo, observava, tentando permanecer oculta entre a folhagem. A dançarina, de repente acenou para ela chamando-a. aproximou-se observando a sensualidade da jovem, segurou-a pela cintura e beijaram-se apaixonadamente. Em outro flash do sonho, a dançarina em desespero, participava de seu casamento com um homem de outro grupo cigano. Desta vez não houve vingança, Jasmine apenas fugiu dos ciganos.

Tiveram filhos em uns três sonhos quando formaram casal hetero, mas sabia que eram sempre as mesmas pessoas ela e a outra. Seria dela esta saudade que sentia? Os sonhos eram de épocas diferentes, mas não percebera nenhum depois da primeira grande guerra.

Final de semana prolongado pelo feriado, na sexta-feira fora visitar a mãe no interior e na volta, no domingo às 18h20min., o ônibus saiu da rodoviária. Acabou adormecendo e de repente.

– Jasmine! Jasmine acorda e vá para a frente do ônibus. Vamos, acorde! Faça barulho e acorde todos. ACORDE!

Saltou na poltrona 41 quase batendo a cabeça em cima do assento e sem perceber gritara. As pessoas que também dormitavam, acordaram e as que permaneciam acordadas se preocuparam.

– Que foi?

– Você está bem?

– Se machucou?

Ela saiu do lugar indo em direção à frente do veículo, falando alto. O motorista nem notou já que estava com a porta de acesso fechada.

– Vamos para frente, saiam dos lugares.

– Por quê? O que aconteceu?

Várias pessoas se levantaram e foram na direção dela querendo saber o que se passava, outras hesitavam e algumas pensaram que ela fosse louca. Pela exaltação a bordo, o motorista percebeu ao olhar pelo espelho, mas não passou apenas a observar sem outra atitude, quando vindo de uma estrada de terra que terminava na rodovia, um caminhão caçamba, carregado de pedras, um tanto desgovernado pelo condutor embriagado, bateu no lado do ônibus, empurrando-o lateralmente até o guardrail central.

As pessoas próximas ao banheiro que não haviam saído de suas poltronas ficaram presas nas ferragens. Os que estavam de pé, inclusive Jasmine, tentavam desesperadamente se segurar em algo fixo. O motorista do ônibus continuava acelerando até bater no guardrail, na tentativa de colocar o veículo mais a frente a fim de reduzir a zona de impacto prensada pelo caminhão, enquanto segurava firme no volante. Assim que o choque aconteceu, deligou o motor, tirou o cinto de segurança, abriu a porta de separação dos passageiros e a do veículo.

– Como vocês estão? Por favor, quem estiver em condições de andar vamos sair do carro. Quem tiver celular com sinal peça ajuda, quanto mais melhor. Vou assinalar o acidente para evitar outro e já volto. Ajudem pessoal, por favor!

Enquanto os passageiros tentavam se levantar e ajudarem-se, ele correu para fora, pediu ajuda aos outros motoristas que vinham atrás e pararam, vendo o acidente acontecer sem nada poderem fazer.

Foram muitas ligações de pedido de socorro. Muita gente ajudando os passageiros em condição de locomoção a deixarem o interior do ônibus.

Jasmine com um pequeno corte, mas grande dor na cabeça, escoriações pelo corpo, apanhou o celular e entrou em contato com sua emissora. Enquanto repórteres de campo se preparavam para irem ao local, ela já enviara vídeo e explicava o acontecido, bem como o local. Em edição extraordinária, sua emissora transmitiu no ato o fato. Nada disse sobre sua atitude ter salvado várias vidas, não queria estar no foco.

O socorro chegou rápido, mas interdição da rodovia sentido à cidade em que residia seria demorada. Depois dos feridos graves, começaram a levar os demais passageiros par o hospital mais próximo. Jasmine foi atendida já na madrugada de segunda e liberada por volta das sete da manhã. Foi dispensada do trabalho naquele dia e só retornaria na terça. Foi pra casa descansar.

Naquela manhã, espreguiçou-se na cama, levantou-se devagar, afagou Luke, seu labrador e pensou “Cadê você minha saudade? Há quanto tempo não nos encontramos. Sinto demais tua falta. Volta pra mim”!

– Luke, estou ficando doida! Acho que estou vendo filmes demais, agora querendo encontrar alguém que não existe a não ser na minha imaginação. Vou tomar banho e já te levo para o passeio da manhã. Depois vou trabalhar, esperando que você se comporte.

Riu. O cão a seguia pela casa enquanto ela seguia a rotina matinal e conversava com ele.

Chegou ao local de trabalho, de onde procurava qualquer novidade, antes de ir para as ruas. Escrevia, editava, via ângulos para as câmeras, mas nunca quis ser o rosto da reportagem. Entrou distraída no elevador e sentiu uma… energia diferente. Olhou para as pessoas à sua volta e a viu. Não sabia se era bonita, alta ou… só que era alguém especial.

A porta abriu, pessoas desceram e ela também. Quem seria? Nunca a vira por ali antes! E por que aquela sensação de conhecimento? Mas, conhecia de onde?

À noite aquela saudade conhecida atacou mais forte do que nunca, causando uma dor palpável. Foi difícil dormir.

No dia seguinte, já quase no final da tarde, ao chegar próxima a uma ruazinha que pretendia entrar, ouviu a voz que ouvira no ônibus.

– Não entre aí!

Mas já era tarde para recuar, já tinha feito a curva e viu quatro elementos encarando-a com sorrisos cínicos e cruéis no rosto. Um deles, que estava quase na entrada da rua, com uma faca na mão e um outro mais distante, com um revólver visível na cintura.

– Pode entrar belezinha, passa a bolsa com tudo e vá se chegando.

Ficou paralisada momentaneamente.

– Anda vadia, vem até aqui. O que tem nesta bolsa deste tamanho? Celular está aí?

Jasmine sentiu algo e antes de dizer ou fazer alguma coisa, o homem que portava a faca e estava mais perto gritou, saiu do chão e voltou a ele desmaiado. O próximo foi o que tinha o revólver. Sua cabeça foi jogada para trás como se tivesse levado uma forte pancada no queixo e também caiu estatelado. Os outros dois tentaram sair correndo, mas seus pés esbarraram em algo invisível e foram de cara ao chão.

Apareceram dois PMs que foram chamados por alguém que os assaltantes já tinham roubado e, havia visto quando os bandidos entraram na viela. Jasmine são soube dizer o que acontecera com os marginais, mas os policiais os detiveram com o testemunho da vítima que os chamara. Logo que foram para a delegacia, Jasmine ficou só por instantes.

– Você está bem?

– Oi! Você é a mulher do elevador! De onde veio? Quem é você? Foi você que os derrubou?

– Foi. Não te avisei a tempo para não entrar na viela, então tive que te socorrer.

– Como… é… de onde eu te conheço?

– De muitas vidas, de muitos lugares.

– Como apareceu aqui?

– Você tem me chamado! Eu ouvi, tive autorização e vim.

Fim!



Notas:



O que achou deste história?

Deixe uma resposta

© 2015- 2022 Copyright Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem a expressa autorização do autor.