Líberiz

Capítulo 17 – Aliados

Fira e Cécis jantaram relaxadas e conversaram sobre o que os nobres de Líberiz achavam daquela situação. Fira conseguiu reverter o desconforto que circulava entre os condes, no entanto, teve que prometer um jantar para que eles pudessem confraternizar com a princesa. 

Em dado momento, a princesa se insinuou, tentando uma aproximação mais íntima, que foi rechaçada pela duquesa. 

— Cécis, se você demorar muito aqui dentro, teremos uma coronel arrombando aquela porta e exortando o direito de protetora. Como disse antes, no final de semana será mais fácil, se você se impor como soberana para dispensá-la.

— Pelos céus! Você está pior que os guardas do palácio de Alcaméria. Acho que mais uns dois meses desse jeito, enlouqueço de vez!

— Deixa de drama. Sabe que precisaremos articular tudo com cuidado. Ainda nem sabemos ao certo o que faremos daqui para frente. Pensou no que lhe falei em Alcaméria? 

— Se não tivesse pensado, não estaria aqui. Eu não menti para meu pai, Fira. Disse que assumiria o meu papel de princesa herdeira e vou, só que não da forma que ele pensa. Eu já tinha me dado mal, antes de articularmos o sequestro. Se as coisas fossem como o rei Deomaz queria, ou eu estaria casada com Cárcera, ou morta. Ele não tem nenhum apreço por qualquer uma de nós. Só pensa nas filhas como moeda de troca.

Fira assentiu com a cabeça, levemente. Talvez por ter tido um pai tão presente, o total desprezo de Deomaz pelas filhas revolvia as vísceras dela. Este era um assunto comentado em todas as rodas de fofocas nos ducados, mas vendo a filha dele lhe falar tão diretamente, fez a duquesa se compadecer da situação de Cécis. Lady Líberiz não queria se deixar levar por esses sentimentos, pois não gostava de ofuscar a forma com que arquitetaria o plano de derrocada do rei. 

Quando assumiu Líberiz, tinha certeza de que Cárcera viria atrás dela. A animosidade entre os dois, datava desde o início do ducado vizinho. Depois que Ivanir se cercou do rei, viu que perderia a luta, mesmo antes de entrar na briga. Foi quando surgiu a oportunidade de chegar até a princesa herdeira. Porém, depois de tudo que fizeram e passaram, comprovou que Deomaz pouco se importava, tanto com as filhas como com a opinião dos nobres e dos súditos. Apenas o poder e reafirmar a vaidade era o que lhe interessava.

Fira tinha caído nas garras dos jogos políticos e não tinha mais como voltar atrás.  Gerot lhe confirmou isto, através da conversa soprada ao vento, sobre a sela do cavalo, e Ranaz de Kendara, ratificou quando lhe cedeu dois esquadrões para escolta. “Será que Cécis tem consciência do que ela mesma colocou em movimento?” 

— De qualquer forma, temos muito que pensar e que analisar para que algum plano dê certo. Infelizmente, não poderemos mais contar apenas conosco, Cécis. Tomar o poder de seu pai e derrubar uma lei de Alcaméria, requer apoio. Em quais dos onze ducados poderemos confiar para que tenhamos sucesso, se nem eu confio nos meus próprios condes?

— Eu sou consciente disso. Sei das dificuldades, mas também sei que meu pai angariou muitos dissabores com vários ducados e, alguns deles, tenho certeza de que nos apoiarão. Só temos que pensar a forma correta de abordá-los.

Cécis se trocou pensativa. Fira cumpriu o que prometera, dando-lhe calça e camisa para que jantasse mais à vontade. Um silêncio tomou o ambiente e a duquesa apenas olhava pesarosa para a princesa, enquanto a outra se vestia.

— Bem, estamos enfiadas até o pescoço nisso, então, faremos de forma a não ser uma carga grande para nós. Vá dormir tranquila. Faremos tudo com calma.

Cécis meneou a cabeça e inspirou fundo, exalando logo em seguida, para depois abrir a porta e sair. Encontrou-se com a guarda pessoal e foi conduzida até à porta ao lado, onde agora era o seu leito de descanso. Fechou a porta e buscou algum alento na esperança de que elas pudessem planejar algo bom o suficiente, para que se mantivessem vivas.

Cécis não conseguia dormir. Revirava-se na cama, imaginando o que poderia vir dali por diante.  Tentava visualizar os duques que poderiam apoiá-las e que pudessem ter, minimamente, alguma confiança. Escutou um barulho vindo do outro lado do quarto. Devagar, levou a mão para baixo do travesseiro e segurou firme o punho da adaga que deixara ali. 

— Pode relaxar, Cécis. Sou eu. – Falou a duquesa. – Vim retribuir a sua visita na noite da recepção em Alcaméria. Ou acha que coloquei você no quarto de minha mãe à toa?

Fira trazia um castiçal com uma vela acesa, que iluminava o rosto com um leve sorriso. 

— Na verdade, me senti lisonjeada, mas agora vejo que não foi pela minha ilustríssima ascendência. Percebo que o fato de ser a princesa herdeira não conta muito para você. – Devolveu o sorriso.

— Não mesmo. Tem um espaço nessa cama para mim?

— Todo espaço que quiser e se não estiver a seu gosto, pode deitar-se sobre mim. Não farei qualquer objeção.    

Fira gargalhou com gosto. Sabia que as paredes grossas de pedra do castelo não deixariam que os sons atravessassem, além daquele cômodo. Não precisaria se conter, e nem que Cécis se contivesse, nos momentos de desejo. 

— Você tem sorte. Imagina se, além de Pátiz, seu pai enviasse mais um guarda para lhe vigiar? Pelo menos à noite ela vai dormir.

— Aí ele não precisaria tramar contra mim. Eu mesma acabaria com a minha vida, ou Alcaméria me julgaria por assassinato. – Gargalhou.

Fira se acomodou ao lado da princesa. Diferente das outras vezes, não havia uma pressa desmedida. Era como se estivessem sentindo que, durante aquela estada em Líberiz, fosse permitido que se encontrassem. Assim, ambas teriam uma desculpa para visitarem o leito da outra, sem terem que se explicar por seus sentimentos. Ocultavam de todos os planos e, escondiam de si mesmas as reações e explicações para a relação que tinham. Emoções tão confusas que não conseguiam compreender.

— Esse quarto foi mesmo de sua mãe? – Perguntou Cécis.   

 — Sim.

O irônico da situação era que as duas estavam encabuladas. Não se encontravam em meio a discussões, vontade de sedução e, muito menos, em uma fuga. Não precisariam sair correndo para outro quarto para não serem pegas juntas. Era como se, pela primeira vez, estivessem em um acordo tranquilo do que queriam. Este simples fato as inibiu.

— Quando meu pai morreu, me mudei para o quarto dele. Por isso há essa porta de ligação entre os dois.

— Todos no castelo sabem?

Perguntou Cécis, tentando achar um ponto de fuga para o constrangimento.

— Não. Depois que minha mãe morreu, meu pai fez um painel escondendo a porta dos dois lados. Todos os antigos empregados ou já morreram, ou não trabalham mais aqui. Eu sabia por que meu pai nunca escondeu de mim. 

— Então, você conhece todos os cantos do castelo. 

— Brinquei em cada local e em cada parte daqui, quando criança. Até nas galerias de água e nos calabouços desse castelo eu me enfurnava para me esconder de meu pai.

Fira sorriu, perdida nas lembranças das brincadeiras de esconde-esconde que ela e o duque Líberiz faziam. Cécis escutava com atenção e tentava imaginar essa interação entre pai e filha. Era algo desconhecido para ela e só conseguia ligar este carinho à mãe.

— Eu conheço muita coisa do palácio de Alcaméria, mas conheço por minha conta. Minha mãe brincava conosco, mas ela morreu quando eu tinha cinco anos e Dólias, quatro. Não deu muito tempo para fazermos este tipo de brincadeiras. Acabei conhecendo o palácio pelas travessuras que aprontava.

Fira se virou de lado na cama, encarando a princesa. Na penumbra, via o rosto sereno. Não parecia contrariada ou triste. Apenas uma aparência distante se desenhava no rosto. Estendeu a mão e retirou alguns fios de cabelo que sempre caíam rebeldes sobre os olhos da princesa, fazendo Cécis a encarar. Os olhos negros e expressivos a fitaram e pareciam sorrir. Fira devolveu-lhe o sorriso.

— E foi muito travessa, pelo visto. – Abriu mais o sorriso. – Da forma que conheci você, quando entrou na adolescência deve ter brincado muito, de se esconder com as meninas que ficavam às voltas pelo palácio. – Falou jocosa.

— Aghrr – Cécis rosnou, esfregando o rosto com as mãos. – Não foi tanto assim… Você não vai esquecer isso, não é?

— Shhhh.

Fira pousou dois dedos sobre os lábios da princesa, fazendo-a se calar. 

— Não estou criticando, Cécis. Já disse que não sou e não fui nenhuma santa. Só queria saber o que você aprontava. – Sorriu para mostrar tranquilidade.

— Não aprontei tanto como pensa, nesta ocasião. Na verdade, eu era tímida na adolescência.

Contou, incentivada pelo carinho displicente que Fira fazia em seu braço. 

— Houve uma garota que me chamou muito a atenção. Foi com ela que comecei a entender do que gostava. Só que o pai dela era um nobre aventureiro. Não era de Alcaméria. Ele não passava mais de dois anos num mesmo lugar. Quando ela se foi, fiquei um pouco perdida e um tempo sem saber o que fazer. Foi quando alcancei a maioridade e meu pai soube de algumas coisas que eu aprontava. Neste ano, entendi que se eu quisesse viver o que queria, não poderia ser na corte.

Fira acariciou, outra vez, o rosto da princesa, aproximando-se e depositando um beijo suave nos lábios dela. Afastou para vê-la e Cécis reagiu, levando a mão até a nuca da duquesa, trazendo-a para outro beijo mais demorado. Deixaram que as bocas comandassem o enlevo e incrivelmente, nada foi voraz. Desfrutavam do ritmo calmo, saboreando o gosto das línguas que dançavam delicadas. Acariciaram-se suavemente, sentindo a pele sob o tato dos dedos, que deslizavam pelos braços, pescoço e nuca. Sentiam algo novo e incrivelmente acolhedor. 

Cécis se moveu para cobrir o corpo da duquesa com o seu, sendo recebida com os braços em volta da cintura. Fira acariciou as costas da princesa que lhe cobria como uma manta. As pernas entrelaçadas deslizavam entre si, fazendo as bordas da bata larga que Cécis vestia subir, permitindo que a intimidade ficasse exposta e em contato com a pele da coxa de Fira.

O calor entre os corpos aumentava e nenhuma das mulheres queria abdicar do beijo. A cada roçar de língua, as amantes eram compelidas a atrasarem mais o desenlace, fazendo o contato de seus lábios mais intenso e mais duradouro. Se degustaram por um longo tempo, trocando de posições, mudando a intensidade e quando uma ensaiava terminar o delicioso prazer, a outra trazia para um novo contato das bocas, recusando-se a deixar que os sentidos produzidos por aquela experiência se perdessem.

A vela do castiçal fazia desenhos com a cera derretida, escorrendo pela borda de metal, indicando o tanto de tempo em que elas se perderam no beijo. Um único beijo. Desorientadas, não queriam falar, nem mesmo questionar intimamente, o que quer que as tivesse levado àquele tumulto de emoções. 

Eram sensações tão boas, que tinham medo de estragar com palavras, todo o tempo que levaram na construção. Tatearam-se, revelando o corpo de cada uma, apreciativas na visão da nudez, que lhes parecia diferente do que viveram das outras vezes. Se admiraram.

Cécis deslizou delicada os dedos pelo pescoço e colo de Fira, desenhando os contornos dos seios e apreciando a pele se arrepiar. Os olhos verdes da duquesa se fecharam e os lábios entreabriram, desfrutando do toque sutil. A princesa depositou um pequeno beijo na interseção dos dois montes, sentindo o peito de Fira subir, tomando alento para, logo depois, ouvir o som do ar passando através dos lábios.

Fira perdia o olhar no dossel da cama e deixava que seu corpo fosse tocado com leveza, como um trovador que dedilha solene as cordas de uma harpa companheira e amada. Deixou-se levar pelo estado de êxtase que cada terminação nervosa agitava pelo contato. Por fim, sentiu dedos tocando o clitóris e as dobras molhadas. Aqueles dedos sabiam onde e como bulir para dar-lhe a satisfação completa. 

Abriu os olhos, admirando-se da linda expressão de deleite no rosto da amante e da umidade que escorria entre as coxas coladas à dela. Uma emoção cresceu em Fira, por constatar o que provocava na princesa, simplesmente por tocá-la. Em poucos movimentos dos dedos habilidosos de Cécis, a duquesa estremeceu, não suportando a descarga. 

Gritou, arfou, escorreu o gozo molhando os lençóis e marejou os olhos. As pálpebras cerraram, tentando impedir, inutilmente, que lágrimas saíssem. Um rebuliço acontecia dentro de Lady Líberiz. Sentia o afago carinhoso, revolvendo suas emoções. Satisfação, acalanto, medo e vergonha travavam uma luta interna; satisfação pelo forte orgasmo. Acalanto pelos sentimentos construídos durante todo o amor feito como uma têmpera. Medo pelos mesmos sentimentos em que se viu presa. E a vergonha. Ah, esta era pela forma como havia derramado seu deleite tão facilmente. 

— Você é linda, Fira!

Cécis continuava a lhe atormentar a mente, que ainda ofuscada, teimava em trazer as lágrimas à superfície da alma. Deixou-se levar pelos carinhos da princesa em seus cabelos para tentar se acalmar. Alguns minutos mais tarde, já mais tranquila e equilibrada, abriu os olhos para encarar sua amante. Cécis sorria. Não era um sorriso de escárnio ou mesmo de satisfação. Era uma contemplação da mulher com quem acabara de fazer amor. “Deuses! Como vai ser difícil quando eu a perder”.  

Fira tocou o rosto da amante, admirando o negro brilhante de seus olhos. A tez lhe parecia seda, tão suave que era, recobrindo os contornos angulosos em contraposição. Seu rosto parecia esculpido por criaturas da luz. Acariciou a penugem da nuca e segurou-a, tracionando levemente, para indicar que queria outro beijo. Uniram novamente as bocas e os corpos, como se retornassem ao início de tudo. Separaram-se.

— Você tem noção do que me faz sentir?

Cécis perguntou, ainda com a boca colada à de Fira, tragando o hálito doce dos lábios. A duquesa desceu pelo pescoço em beijos molhados. Estava ávida para escutar o arfar e os gemidos, vindos da amante. Queria dar-lhe o que tinha de melhor. Queria fazer com que se sentisse amada e carregar a impressão dos sentimentos dela para dentro de si. Sabia ser impossível, mas era o que desejo lhe falava. 

Passou os dedos sobre os mamilos, cinzelando os bicos num movimento sutil. Arrastou a língua através da pele eriçada, até a boca alcançar o cume e sugou com calma. Desprendeu os lábios um pouco, deixando que o ar quente de sua respiração tocasse a ponta do mamilo. Cécis arfou forte, sentindo a cálida e estimulante carícia. Fira alcançou o outro seio e deu a ele a mesma atenção, deixando que os carinhos de sua língua sobre o mamilo encrespassem o bico. Sugou com calma apreciando a textura. Se excitou com o cheiro da pele e o mamilo enrijecendo dentro da boca. Arfou pela reação de seu corpo, percebendo todos os sentidos. 

Beijou o abdômen e desceu os braços pelo ventre e coxas. Continuou o caminho, até que os lábios e língua se fartassem da pele e chegassem aos pés da princesa. “Vira”. Pediu com a voz embargada pelo desejo. 

Cécis gemia a cada gesto da duquesa. Seu corpo nunca havia sido tratado com tanto desvelo. Sempre se perdera no voraz prazer carnal com as companheiras de cama. O arroubo e o desejo momentâneo ditavam as ações, que também se traduziam, todas as vezes que esteve com a duquesa. Aquilo era novo. “Deuses! Isso é bom demais!” 

A princesa se deixou levar pelos apelos de seu íntimo. Sentia na pele como um sopro acolhedor que fazia seus pelos crisparem em excitação. A saliva que molhava a dobra do joelho, fez encolher pelo estímulo, agoniante e excitante ao mesmo tempo. As mãos de Fira baixaram a perna encolhida pelo incitado contato. Quando a língua chegou aos glúteos de Cécis, ela não conseguiu conter o rugido que saiu com força descomunal pela garganta ressequida de tanto que inspirava o ar para aplacar a sua ânsia.

— Eu não aguento mais…

Fira ignorou as palavras, que lhe agitaram as entranhas. Subiu pelo dorso alvo da princesa, dispensando o mesmo carinho que fizera em todo o corpo. Não havia pressa em saborear o gosto da amante. Lentamente, esfregava sua pele e deleitava suas papilas com o agradável sabor que recolhia a cada investida. Chegou à nuca, vestindo o corpo da princesa com o seu. Enquanto beijava apaixonada o pescoço, deslizou sua mão pelas laterais, chegando com os dedos ao cerne do desejo de ambas.

— Não… não, Fira! Me dá sua boca. Eu quero sua boca…

Cécis falou nos estertores do seu desejo, almejando sentir a língua que a deliciou com tantas emoções. A duquesa não se contrapôs ao desejo da princesa. Ela tinha tanta vontade de senti-la por dentro, mas o momento não era dela.

 Retornou à sessão de beijos através das costas suaves de Cécis. Chegou outra vez aos glúteos empinados, reparando a musculatura contrair pelos estímulos ao beijá-la. Passou a língua entre as coxas, em toda a extensão do sexo e glúteos de Cécis. Ouviu um urro forte vindo da princesa, que elevou a pelve, apoiada nos cotovelos e joelhos, oferecendo sua intimidade descaradamente.

Uma dor prazerosa comprimiu as entranhas de Fira num grande espasmo diante da visão que a princesa lhe mostrava. Abarcou o sexo com a boca, forçando a língua na abertura exposta. Atormentou Cécis com estocadas para só depois estimular com a ponta da língua o clitóris, hirto. Os gemidos altos e os movimentos alucinados de Cécis se empurrando contra a boca de Fira, fez a duquesa perceber que a princesa não demoraria muito a derramar o seu gozo. Aumentou o ritmo da língua, vendo a amante tremer convulsivamente.

Minutos mais tarde, a mudez das duas mulheres deitadas lado a lado e abraçadas, deu sinais de que ambas se perdiam em pensamentos. Cécis apoiava a cabeça sobre o peito de Fira, abraçando-a e acariciando as laterais do dorso da duquesa que, por sua vez, olhava o dossel da cama e passava os dedos pela cabeça da princesa, fazendo um carinho displicente nos cabelos negros e curtos.

— Foi bom… Foi muito bom. Que diabos! Foi ótimo! Foi maravilhoso!

Cécis falou, desprendendo o corpo e se jogando ao lado, perdendo os olhos no dossel da mesma forma que Fira fazia. A duquesa deixou que o sorriso viesse. Pelo visto, a princesa raciocinava como ela sobre o mesmo ponto. O que acontecia entre elas para que o sexo fosse tão envolvente e estimulante a ponto de mexer com as certezas de cada uma?

— É. Foi maravilhoso! – Virou o rosto de lado para encarar a princesa. – Você entende por quê? Entende o que está acontecendo?

Perguntou esperançosa e ao mesmo tempo, apreensiva. Queria respostas, entretanto não sabia se gostaria de ouvir algo que a confundisse, ou mesmo, abalar suas convicções e a forma como encarava tudo.

— Não… quer dizer, eu acho que a gente se entende muito bem aqui na cama. É algo que eu nunca tive com outra pessoa. Nos entendemos quando fazemos sexo. Acho que é isso. 

— É. Acho que é isso.

Fira respondeu, suspirando entre aliviada e frustrada. Aliviada porque era uma boa forma de encarar e poderia deixar este assunto de lado. Frustrada porque lá no fundo mantinha as dúvidas pululando, como um bichinho brincalhão e travesso, dentro da mente. 

Se a princesa não queria encarar estas dúvidas, quem seria ela para o fazer? Assim ficaria tudo bem entre as duas. Poderiam se alimentar, uma da outra, o quanto quisessem, sem fazer dramas pelo que sentiam quando faziam amor. Também manteriam a concentração no que arquitetariam.

****

Cécis escutou alguém batendo à sua porta, desesperadamente. Fira deixara o quarto da princesa, quase ao amanhecer, depois de se fartarem em mais carinhos e sexo. O acordo silencioso que fizeram, deixou-as numa posição, até confortável. Algo como: “Vamos suprir nossos desejos e carências e não perder o foco”. Novamente escutou as batidas fortes. Ainda era muito cedo para que Fira estivesse com aquela disposição toda. 

— Já vai!

Gritou contrariada, tendo que se levantar e colocar uma bata para atender a porta. Caminhou e a abriu, encontrando sua guarda tomando a passagem com um aspecto de alarmada.

— O que foi, Pátiz? Algum problema?

Perguntou, já imaginando milhões de coisas.

— Perdoe-me, princesa. Eu não queria acordá-la ou trazer nenhum problema para milady, mas algo aconteceu em Alcaméria e eu…

— … Em Alcaméria?

— Não é em relação a corte, princesa. Foi relacionado à minha família. 

— O que houve com a sua família?

— Minha filha sumiu. Ela todo dia vai até a fonte fora da cidadela de Alcaméria para pegar água para fazer a comida na casa de minha mãe. Ontem ela saiu, como sempre fez, e não retornou. Perdoe-me princesa, mas ela é tudo que eu tenho. Preciso pedir dispensa temporária de meus serviços, pois tenho que voltar e procurar minha filha. 

Milhares de ideias rondaram a cabeça de Cécis. Fora pega de surpresa.

— Claro, Pátiz! Está dispensada. Vá cuidar disso. Tenho certeza de que nada de mais aconteceu. Muitas vezes, quando era criança, fiz trotes com a minha família, me escondendo deles. Não há de ser nada.

— Obrigada, princesa! Assim que chegar em Alcaméria, mandarei alguém para me substituir.

— Não! Não faça isso. Não quero ninguém que eu não conheça perto de mim. Eu sei que parece displicência, mas não é. Aqui eu tenho uma amiga e aliada. Confio em Lady Fira e na segurança do ducado de Líberiz, mas atualmente não confio em muita gente em Alcaméria. Sei que estou segura e não farei nenhuma bobagem. Não sairei além dos muros do castelo de Líberiz sem escolta. Você me compreende, Pátiz?

— Sim, minha princesa.

Pátiz falava visivelmente constrangida por ter que deixar sua obrigação em relação a princesa. 

— Mas não me agrada. Eu sei que eu daria minha vida por milady, e deixá-la sozinha, me contraria muito.

— Não se preocupe, Pátiz. Eu a compreendo, mas você também entende minha situação, não é? Sei que não é uma pessoa alienada e sei que já percebeu os perigos que me envolvem em Alcaméria. Tenha certeza de que estou mais segura aqui do que estaria lá, ou acompanhada de qualquer pessoa desconhecida.

— Perdoe-me, princesa. Perdoe-me por não atender as minhas obrigações.

— Vá. Antes de ser minha guarda pessoal, você é mãe e admiro o seu desvelo para com a família. Vá e encontre sua filha. Quando conseguir, tome um tempo com ela. É uma ordem!

— Muito obrigada, princesa. – A guarda fez uma reverência. – Muito obrigada!

Cécis observou a guarda se retirando e viu as lágrimas descendo pelo rosto da coronel, antes que esta fechasse a porta. 

— Que raios está acontecendo? Que merda, Fira! Por que fez isto com essa mulher?!

A princesa esbravejava, enquanto se vestia apressada. Ela bateria na porta de Fira e a duquesa tinha que lhe dar explicações. Depois de vestida, partiu para o corredor. Olhou a porta ao lado, que era da sala particular de Fira e tinha certeza que fazia parte do quarto da duquesa, pois pelo que entendeu, o quarto dela era contíguo ao seu. Bateu na porta e segundos depois, Bert abria para ver quem perturbava o desjejum da sua dama. A escudeira fez uma reverência, cumprimentando a princesa.

— Gostaria de ter uma palavra com a Grã-duquesa Líberiz, Bert. Pode me anunciar?

— Claro, milady! Um momento.

Bert se voltou, e antes que fechasse a porta, Cécis escutou a voz de Fira falar.

— Deixe que a princesa entre, Bert.

A escudeira voltou a abrir a porta, dando passagem para a princesa. Cécis entrou e procurou Fira com o olhar. A duquesa estava sentada à mesa, cercada de alguns alimentos e de pergaminhos. Além dos pergaminhos, um livro de capa de couro estava aberto em sua mão. A duquesa lhe sorriu abertamente, repousando o livro junto com os pergaminhos e Cécis se dirigiu a Bert.

— Poderia nos deixar à sós por uns momentos, Bert. Preciso ter uma palavrinha com Lady Fira em particular.

A escudeira olhou para sua patroa, esperando que Lady Líberiz a instruísse. A duquesa desfez o sorriso, sem compreender a atitude de Cécis. Meneou a cabeça para a escudeira afirmativamente, dando-lhe permissão para sair. Assim que a porta se fechou, Cécis a atacou lhe perguntando:

— Que raios fez com a filha de Pátiz?!

Fira a fitou contrariada, estreitando os olhos. “O que aconteceu com todo o carinho que recebi dessa mulher ontem à noite?” Com estes pensamentos, Fira respondeu cínica.

— Bom dia, princesa! Eu não creio que tenha dormido vestida ontem, porque eu estava lá e sei que não dormiu com as roupas.

A duquesa foi incisiva, demonstrando contrariedade na atitude da princesa. Cécis fechou os olhos, inspirando fundo. Teve consciência que perdera a cabeça, mas estava abalada desde a informação que sua guarda pessoal lhe dera. “Será que ela não sabe de nada?”  

 — Me desculpa, Fira, mas acordei hoje com Pátiz batendo em minha porta desesperada, falando que a filha dela havia sumido e que precisaria ir com urgência para Alcaméria. O que acha que passou pela minha cabeça?

— Sei… – Fira se levantou e seu semblante estava pesado. – Agora entendo. Acha que eu mandei alguém atrás da garota para dar sumiço nela, é isso? – Encarou firme os olhos negros que a observavam.

— Fira, conversamos sobre a família dela. Nós estamos numa situação estressante e compreendo que talvez tenhamos que ser mais beligerantes.

Suspirou. Viu que acusou antes mesmo de relatar o ocorrido. 

— Me desculpa. – Deixou cair os ombros. – Só queria… a notícia me pegou de surpresa, só isso. Acho que fui muito reativa. – Olhou Fira suplicante.

A duquesa não esperava ser recebida, logo pela manhã, como se tivesse sido atingida por uma carroça. Balançou a cabeça, espanando a situação e voltou-se para a porta atrás da cadeira em que se sentava.

— Sente-se. Coma um pouco. Vou pegar uma roupa mais confortável para você. 

Se retirou por minutos e quando voltou. Cécis estava sentada, mas não tocara em nenhum alimento. Lady Líberiz estendeu-lhe uma calça e uma camisa. 

— Você trouxe botas? Creio que as minhas ficarão um pouco grandes em você. Quando vesti as que me emprestou lá no castelo de pedras, me apertaram os pés como o inferno.

— Trouxe somente um par de Alcaméria.

Respondeu Cécis com um sorriso envergonhado. Parecia que Fira já tinha deixado a pequena discussão de lado, pois se sentou e voltou a comer a fruta que estava à sua frente. Cécis se levantou, tirou o vestido e colocou a roupa que a duquesa lhe dera. Apesar de estar de costas, sentiu que os olhos de Fira estavam cravados sobre ela.

— Vou chamar a costureira para que venha tirar suas medidas e mandaremos fazer algumas roupas para você.

— Obrigada. Fira, eu quero me descul…

— … Não, Cécis! Eu fiquei chateada, mas já passou. Sei que nós temos uma história que nos permite este eterno desconfiar, só esperava que numa situação dessas, você me abordasse de outra forma.

— Desculpa. Este tipo de coincidência não contribui muito para… Enfim. A mulher está voltando para Alcaméria para tentar encontrar a filha. 

— Suponho que vá relatar a dispensa ao comando e enviarão outra pessoa para a sua segurança. Isto não é nada bom para nós.

— Não. Apesar de tudo, me mantive com a cabeça no lugar e disse que não queria ninguém. Ordenei que ela não enviasse nenhum substituto.

— Bem, se ela obedecer, será muito bom. De qualquer forma, quero mandar um convite para os duques Louis Gerot e Derek Kendara para que venham nos acompanhar em uma tarde de jogos. Mandarei um recado discreto para os dois. Esta semana também farei uma recepção para você conhecer os meus condes. Sei que não a agrada, mas infelizmente esses salamaleques são necessários.

Fira começou uma conversa mais formal sobre as ações que precisariam fazer, entretanto, no íntimo, ainda se ressentia pela forma da princesa lhe abordar. 

— E se os seus condes reclamarem que você não os chamou para essa tarde de jogos? Sabe que nada passa por ninguém. Tenho certeza de que eles devem manter espiões aqui na cidadela, assim como os duques mantém seus espiões em Alcaméria. 

Fira sorriu diante da assertiva de Cécis. Mal sabia ela, que a duquesa queria despertar os seus condes para uma situação constrangedora.

— É aí que você entra.

Abriu mais o sorriso, tentando soterrar lá no fundo a mágoa. 

— Veja bem, Cécis. Você nunca teve uma imagem de menina boazinha no reino. Eu quero afastar meus condes xeretas. Aqueles que me dão sempre dor de cabeça e afastar também, meu conde mais chegado.

— Você quer que a gente invista contra Alcaméria sem o apoio de seus condes?

— Lógico que não. Eu quero que eles façam o que nós queremos e não que eles opinem no que faremos. Eu vou ser clara com você, Cécis. Meu ducado não é o mais unido deste reino. Depois que assumi então… resolveram que podem mandar aqui em Líberiz com os membros velhos e flácidos que tem entre as pernas. Deu para entender? Eu tenho que colocar estes homens no lugar deles e, neste exato momento, estamos aqui tramando a derrubada do rei. Isto seria um prato cheio para uns dois ou três inescrupulosos de meu ducado tramarem contra mim. Tenha certeza de que não se importariam se o seu pescoço também fosse pendurado na forca.

— Ai, merda!

Cécis se levantou, ficando de costas e colocando as mãos na cintura. 

— E eu que achei que Líberiz fosse o melhor ducado de Alcaméria. – Bufou se voltando para Fira. – O que quer que eu faça?

Fira gargalhou diante da reação de Cécis. Já se encontrava mais relaxada.

— Seja o que sempre foi, ou melhor, o que acham que você é. Voluntariosa e intempestiva. A desculpa para só chamar estes dois duques, seria que você gostaria de lhes agradecer o apoio para chegar aqui, mas que não gostaria de mais ninguém. Eu afirmarei isso com meu conde mais chegado. Ele é um bom aliado, mas não concordaria com o que estamos fazendo. Quero afastá-lo de nós, por enquanto. Depois faremos a recepção e é provável que ele venha falar conosco. Tome cuidado com ele. É inteligente e muito perceptivo. Certamente tentará se cercar de você e conseguir informações, mesmo que sutis. O nome dele é Dinamark.

— Eu o conheço.

— O conhece? – Fira perguntou, estreitando os olhos. 

— Sim. O conheci em uma recepção em Alcaméria, um ano atrás. Veio até mim, mas era um pouco escorregadio. Não conversei com ele por muito tempo, mas vi que era bem relacionado na corte.

— Sim, ele é. Me deu suporte quando meu pai morreu, mas sei que é muito bem informado e não me conta tudo. Agora você acaba de me dar a certeza de que não o quero por perto. 

— E por quê?

— Quando estava lutando com a Assembleia para assumir, seu nome veio às nossas conversas e ele me perguntou sobre você. Na ocasião, ele me disse que não te conhecia e isso não tem muito tempo. Como vê, Cécis, preciso articular para que eles façam o que queremos, mas não saibam o que fazemos.

— Certo. Ficar atenta e ser desagradável é o meu papel. Devo dizer que não será muito difícil, principalmente a parte do desagradável. Odeio essas recepções, mesmo. – Falou displicente, levando Fira a sorrir. – Quanto ao duque Derek Kendara, não acho que ele venha. Provavelmente mandará o filho Ranaz. Soube que está doente e tudo relacionado ao ducado está dispensando ao filho.

Fira gargalhou diante do relato da princesa, fazendo Cécis a olhar sem compreender a reação.

— Você não sabe mesmo, não é?

— Não sei o que?

— Percebi que não sabia de nada, depois que conversamos com Ranaz na recepção. Derek não está doente. Está encrencado com a mulher. – Gargalhou novamente. – E com vergonha de se expor. 

— Como assim? 

— Derek era amigo de meu pai. Ele gosta de homens.

— O quê?! 

— Isto mesmo que escutou. – Fira sorriu. – Quando se casou, o fez para manter a dinastia e por que Alcaméria ainda não tinha as leis de casamento entre iguais. Nunca escondeu da mulher, e ela nunca se importou. Lady Kendara só queria o status de duquesa, no entanto, também não aceitava que ele expusesse a imagem dela. O que ocorreu foi que, no último verão, a esposa dele veio passar uma temporada na casa de campo que eles têm aqui no meu ducado. Ela e Ranaz retornaram antes do tempo e o pegaram em uma pequena festa com três rapazes no leito real.

— Pelos Deuses, Fira! O que está me dizendo é verdade? Como Ranaz encarou isso?

— Ranaz retirou a mãe das vistas do duque. Ela estava furiosa. Eu não conheço o rapaz muito bem, mas pelo que sei, sempre teve conhecimento do acordo entre os pais e do que seu pai gostava. O problema é que Derek sempre foi discreto e dessa vez… – Fira encolheu os ombros antes de continuar. – Enfim, a duquesa quis que o filho tomasse uma posição, mas parece que ele é tranquilo e viu que tinham se precipitado no retorno. Não soube de mais nada, mas pelo que percebi na sua festa em Alcaméria, parece que Ranaz está tomando à frente do ducado, nessas situações. Pelo visto a duquesa ainda não perdoou o marido pelo que aconteceu. 

Cécis se juntou a Fira, rindo da situação. Achava inacreditável o que acabara de escutar. 

— Então poderemos contar com o ducado de Kendara. Derek não quererá que algumas leis sejam derrubadas. Pelas leis antigas, ele poderia ser acusado pela mulher e ser enforcado pelo que fez.

— Sim. Mas você conhece bem o filho dele? Eu não conheço Ranaz muito bem para falar se ele não gostaria de derrubar o pai.

— Não acredito. Ranaz é um homem de bem e quando fala do pai, se refere a ele com muito carinho, pelo menos é que percebo, mas vai saber…

— De qualquer forma, enviarei uma mensagem bem direcionada a Derek. Ranaz poderá até vir, mas quero o duque de Kendara conosco. – Sorriu. – Coma que eu não fui uma boa cicerone por estes dias.Vou mostrar a você algumas belezas de Líberiz. Mas antes, enviarei as mensagens.



Notas:

Oi, pessoal!

Mais um capítulo de Fira e Cécis. As coisas estão se complicando. O que será que elas farão daqui para frente?

Bom restinho de semana a tod@s e bom fim de semana!




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4 Respostas para Capítulo 17 – Aliados

  1. Oie, Carol!!!
    Tudo bem??Saudades!!
    Voltei, espero que receba essa msg. Tive alguns problemas nos anteriores, again kkk. Mas resolvi.
    Eita, gostando do que tá rolando em Libertiz, coisa tA FICANDO mt boa!! E entre elas tb, apesar das duas negarem, mas Cécis do que Fira….
    Ranaz, espero que seja um bom rapaz. Sempre desconfiei de Dinamark
    Vamos lá.Logo me verá no próximo caps
    Beijos

    • Oi, Lailicha!
      Que bom que voltou! Estava com saudades. Aliás, eu voltei também. Fim de ano foi meio complicado pra mim. rsMas a história vai continuar e agora espero que semanalmente!
      Um beijão pra você e sua esposa!

  2. Nada tá fácil nessa situação delas, é muita coisa envolvida, mas o melhor é que elas sempre arrumam um jeito para deliciarem dos prazeres da vida.

    Bom final de semana pra vc Carol 😘

    • Blackrose, como está?!
      Fim de ano foi muito corrido e acabei me enrolando, mas voltei para continuar a saga das meninas.
      Que tenha um excelente 2023, para você e os seus!
      Beijão!

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