– Eva?!
Camila a chamava pela terceira vez. Eva ficou tão surpresa com a pergunta que, de início, não soube o que responder, depois sua mente começou a trabalhar procurando várias formas de respondê-la sem dizer a verdade. Não podia e não sabia como explicar a Camila que a amava como mulher.
– Eva!
– Sim.
– Nossa! Que houve com você? Te fiz uma pergunta e você ficou muda como uma estátua – riu.
– Desculpe me distraí pensando em… – calou-se, não sabia o que dizer.
– Pensando em… – incentivou Camila após alguns segundos.
– Pensando em qual será nosso próximo passo. Ainda não estamos seguras e…
Camila riu.
– Sim, eu sei disso, mas você ainda não me respondeu.
– Sim, é verdade. E qual foi a pergunta mesmo? – perguntou tentando ganhar um pouco mais de tempo.
Camila a observou por alguns instantes antes de continuar.
Eva sempre foi uma pessoa especial em sua vida, cresceram juntas, brincaram, brigaram, aprontaram, foram castigadas e isso tudo só fazia seus laços de amizade se tornarem cada vez mais fortes. Sabia que ela não tinha idéia do impacto que a notícia de sua morte causara nela, na sua conduta, na mulher que viera a se tornar depois disso e o que a lembrança daquele pequeno roçar de lábios no dia em que partira revolucionara em seu coração.
Naquela época, sabia que Eva era importante para si de uma maneira muito diferente das demais pessoas que amava e que a rodeavam. Sempre procurava estar em sua companhia e, em noites de tempestade, fingia ter medo dos trovões para que ela a deixasse dormir em sua cama e ali sentia-se o ser mais feliz do mundo.
Sentia ciúmes quando algum dos meninos com quem brincavam prendia a atenção da prima por mais que alguns minutos, queria estar sempre com ela e ter sua atenção. Quando Eva a beijou naquele dia, pouco antes de partir, soube que o que sentia pela prima era bem diferente de qualquer carinho que pudesse sentir por uma irmã, pois desejou outro beijo e sonhou com ele tantas vezes, enquanto crescia, que até tinha perdido as contas.
Saber que Eva tinha morrido foi para Camila como o fim do mundo. Ficou doente, passou dias terríveis em que se perdera no vazio que sentia, chegou a desejar a morte. Contudo, seu pai, depois de muito esforço, conseguiu lhe arrancar do torpor em que vivia.
Sempre esperou o regresso de Eva, pulava de alegria quando recebia uma carta dela antes daquela guerra explodir e ter de fugir com o pai. Chorava quando olhava a fotografia que ela lhe mandara em uma das cartas. Ainda era uma adolescente magricela e sem atrativos, nada parecida com a mulher que tinha ao seu lado naquele momento. Mas, aos seus olhos, estava cada vez mais linda e descobrir que tinha morrido sem antes se reencontrarem foi um duro golpe.
Olhou para Eva indisfarçadamente, os olhos castanhos e grandes que refletiam o fogo da lareira, os cabelos longos e lisos espalhados sobre o colchonete, a boca um pouco carnuda que, vez por outra, ela mordiscava em uma espécie de tique nervoso, as curvas por baixo do lençol e das roupas e sorriu com a certeza de que de todas as mulheres que conhecera em sua vida e com as poucas com quem tivera a oportunidade de ficar, nunca vira uma tão bela quanto ela.
– Perguntei por que, no dia em que você foi embora, me beijou.
Eva mordiscou o lábio tentando ganhar tempo, tentando escolher uma resposta que soasse verdadeira em sua voz, uma resposta que não fosse a verdade.
– Então, vai me responder ou não? – Camila insistiu.
– Eu… eu não sei. Nem imaginava que você ainda se recordasse disso.
– Como assim não sabe?
Eva sentou-se e Camila a imitou.
– Não sabendo – tentou mentir, mas Camila era a única pessoa para a qual nunca conseguiu mentir e agora ela percebia que, mesmo depois de tanto tempo, isso não havia mudado. – Ah, dane-se! Eu sei, sim. Só não sei se você gostaria da resposta.
Camila curvou-se um pouco em sua direção.
– Por que não experimenta falar? Só assim saberá.
Eva engoliu em seco, suas mãos estavam trêmulas, mas não desviou o olhar de Camila que a fitava fixamente.
– Já faz tanto tempo…
– Bastante – sorriu.
– Não sei se vale à pena revirar as coisas do passado. Eu era apenas uma menina e você também.
– Uma menina que me beijou.
– Sim.
– Meu primeiro beijo, sabia? – Camila sorriu ao falar e se aproximou um pouco mais de Eva, havia tomado uma decisão. Ainda não estavam em segurança e, talvez, não sobrevivessem para ver outro pôr do sol, então ela iria fazer o que sempre quis. – Com você, mas ainda assim o primeiro.
Eva sorriu também, um sorriso saudoso.
– Confesso, o meu primeiro também.
– Pensei que o seu primeiro beijo tivesse sido com o Felipe – Camila falou com um sorriso maroto, mas com um brilho sério no olhar.
– Felipe?
– Sim. Aquele loirinho que morava na esquina. Ele era louco por você, te perseguia.
– Ah, já sei. Não, não, nada a ver.
– Mas, ele disse, certa vez, aos meninos do campinho que tinha te beijado.
Eva riu alto, jogando a cabeça para trás, encantando a prima com a sua naturalidade. Nem de longe, parecia ser a mesma mulher que havia entrado em sua cela vinte e quatro horas antes.
– E ele estava com um olho roxo nesse dia? – perguntou, ainda sorrindo.
Camila forçou a memória um pouco, evocando as lembranças do dia em questão.
– Agora que você falou, estava.
Eva deixou escapar outra risada cristalina e Camila sentiu seu coração bater mais forte dentro do peito. Era linda.
– Por que o riso?
– Ele tentou me beijar, aquele moleque atrevido. Dei um belo soco nele – riu novamente, dessa vez acompanhada por Camila.
E permaneceram a se olhar fixamente, com sorrisos nos lábios, até que Camila disse de repente:
– Está bem! Já que você não quer falar, vou fazer algo que sempre quis. Aliás, algo que sempre quis repetir, mas de uma forma mais intensa – sorriu da mesma maneira que Eva se recordava que ela fazia quando pretendia fazer uma travessura.
– E o que seria?
– Isso – para surpresa de Eva, Camila diminuiu a distância entre seus corpos rapidamente e pousou seus lábios sobre os dela.
Surpresa, Eva tentou se afastar, mas Camila a impediu, puxando-a para mais perto, forçando a passagem de sua língua, mergulhando na boca dela com paixão. Gemeu de prazer ao ser correspondida por Eva que, diante daquele contato, abandonou qualquer outro pensamento que a pudesse afastar daquele sonho.
Eva a puxou para mais perto, desejando fundir-se a Camila, ser ela e dela. As línguas travando uma luta incessante, se digladiando, se acariciando.
Um sonho, era tudo o que tinham e, naquele instante, descobriam que a realidade era muito melhor do que haviam imaginado. Eva queria mais, muito mais de Camila, muito mais daquele sonho. Contudo, o som de um tiro as separou tão rápido quanto se uniram e, quando Rafael entrou apressadamente na cabana, ambas estavam posicionadas, cada uma em uma das janelas, com armas em punho e ofegantes.



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