Eva trancou-se em seu escritório e fingiu estar trabalhando durante boa parte da noite. Havia conversado por longo tempo com o tenente Morales, após saber que este interrogara Camila sem a sua permissão. O repreendeu e disse em alto e bom tom, que era ela quem mandava e ele devia obedecer. No fim, o tenente saíra de sua sala quase soltando fogo pelas ventas de tão furioso, mas ela pouco se importava com isso.

Analisava seu plano pela terceira vez consecutiva quando ouviu uma batida na porta e, antes que pudesse responder, esta se abriu dando passagem ao Coronel Castilho. Como sempre acontecia, sua barriga entrou primeiro na sala e logo ele deixou o corpo pesado repousar sobre uma cadeira em frente a mesa de Eva que não desviou os olhos do papel em que rabiscava para fitá-lo.

Com um tom ameaçador na voz, ele começou a fazer uma série de perguntas.

– Me explique, de uma vez por todas, o que está acontecendo aqui! Por que você não deixa o meu pessoal fazer o seu trabalho? Por que mandou prender o tenente Morales? Por acaso está louca? E…

Eva soltou a caneta, dobrou o papel em que rascunhava o desenho de uma rosa sem permitir que o Coronel vislumbrasse seu conteúdo e, o olhando friamente, disse:

– Também é muito bom revê-lo, Coronel. Estou emocionada com a sua presença em minha humilde sala, aliás, também o fiquei ao ser informada pelo Tenente Morales que fui incumbida de cuidar do seu departamento na sua ausência – sorriu cinicamente.

O Coronel passou a mão na barba bem aparada e a olhou com desprezo, enquanto falava:

– Você é uma mulherzinha desprezível, Torres.

– Ah, obrigada – ela lhe dedicou outro sorriso cínico.

Ele continuou:

– Mas se há algo que ninguém neste prédio pode negar é que é muito capaz e executa seu trabalho de forma eficaz e correta. A palavra que melhor descreve isso é “implacável”. Você é assim e nenhum dos meus subordinados seria merecedor da responsabilidade de cuidar daquele departamento assim como você o é. No entanto, as ordens que deixei ao Tenente Morales eram de que você só fosse informada disso se algo de real importância acontecesse.

– De fato, aconteceu.

– E por que recebi informações de que você enlouqueceu e não permite que o Tenente faça o trabalho dele? Pode me explicar?

Desde que fora incumbida por seu tio para organizar o resgate de sua prima, Eva sabia que perguntas daquele tipo surgiriam por meio do Tenente Morales e, conseqüentemente, do Coronel Castilho. Por isso, havia preparado um documento especial. Aparentemente, a pasta que ela estendeu ao Coronel era mais uma das tantas que ela analisava todos os dias, mas não era.

Ele pegou a pasta e a folheou, enquanto perguntava:

– O que é isso?

Ela limitou-se a dizer-lhe:

– Leia.

Castilho obedeceu e ela aguardou, por alguns minutos, que concluísse sua leitura. O coronel parecia estar salivando tal qual um animal diante das informações contidas na pasta e Eva o observava com certa expressão de triunfo que não passou despercebida por ele quando ergueu o olhar.

– Isso está correto? Todas estas informações foram confirmadas?

Ela o fitou séria, sem deixar que o olhar triunfante a abandonasse.

– Quase todas já foram confirmadas.

– Certeza?

– Absoluta! Coordenei pessoalmente as investigações. Por isso, não permiti que o Tenente interrogasse os prisioneiros, mas ele desobedeceu minhas ordens e o resultado disso foi a morte de um deles. Mas, creio que já sabe disso – ela pronunciou a última frase com certa ironia na voz.

O coronel a olhou desconfiado e fez um movimento afirmativo com a cabeça, mas a expressão em seu rosto contrariava aquilo que seu corpo dizia. Eva sabia que ele estava mentindo e que, com toda a certeza, Morales ainda não havia relatado tudo que realmente acontecera.

– Onde estão esses prisioneiros? – ele quis saber.

– Há alguns minutos, ordenei que fossem levados para interrogatório e que fossem postos em salas separadas.

– Então, o que estamos esperando?

Ele ergueu-se da cadeira de maneira intempestiva e já se encontrava no corredor quando ela conseguiu alcançá-lo. Andavam a passos rápidos e Eva percebeu a euforia do coronel diante da possibilidade de ser ele o homem que poria fim a rebelião liderada por Silas Herrera.

– Você sabe o que isso significa, não sabe?

– Sim – ela respondeu secamente.

– Se uma dessas mulheres for mesmo a filha de Herrera, poderemos pegá-lo! Obteremos informações importantes, o prenderemos. Quem sabe, possamos negociar a libertação da filha em troca da rendição do próprio Herrera? Uma armadilha, claro.

Ela parou de repente, dizendo que iria pessoalmente buscar a prisioneira cujas informações estavam contidas na pasta que o coronel trazia apertada entre as mãos.

– Está bem. Mas não demore, quero ver essa mulher o mais rápido possível.

Resmungando um “sim”, ela se encaminhou para a ala direita do subsolo e adentrou na cela em que Camila estava.

Na penumbra do ambiente, seus olhos se cruzaram e pensou ter visto, por alguns segundos, um brilho de reconhecimento no olhar da prima. Mas, logo descartou essa possibilidade, pois havia quase quatorze anos que Camila a tinha visto e não poderia contar com a vez em que se cruzaram no acampamento de seu tio já que ela, Eva, estava usando uma pintura militar no rosto para evitar sua identificação.

Fechou a porta e sentou no catre imundo, a um canto da cela, sob o olhar cheio de ódio de Camila.

– Sente-se – ordenou.

Camila manteve-se de pé e recostou-se a parede fria com braços cruzados.

– Já disse que não sei nada sobre o General Herrera e suas tropas. Se soubesse, não contaria a vocês! – cuspiu as palavras com evidente desprezo na voz.

Eva cruzou as pernas e não conseguiu esconder a expressão de admiração no rosto. Mesmo diante daquela situação, estava emocionada. Era a primeira vez, desde que partira com sua mãe, que conversava com a prima. Fugindo da sua tradicional máscara de seriedade, ela deu um meio sorriso. Mais uma vez, captou um brilho diferente no olhar da prima.

– Não temos muito tempo, então preste bastante atenção ao que vou lhe dizer, pois a partir deste momento entregarei, em suas mãos, minha vida e meu trabalho.

A confusão era evidente no rosto de Camila, mas esta não se pronunciou e deixou que Eva continuasse seu monólogo.

– Sou uma agente dupla. Espiono o exército para o General Herrera e…

Camila riu alto, enfiando as mãos nos bolsos da calça. Um sorriso de desdém bailava em seus lábios quando perguntou:

– Então, é essa a tática de vocês? Mandaram você até aqui para fingir ser uma rebelde infiltrada no exército na esperança de que eu conte tudo o que sei? Se pensam que sou tão idiota a este ponto estão enganados. Não sei de nada! Não contaria nada se soubesse!

– Você não é idiota, afinal, a filha do General Silas Herrera herdou sua força e inteligência.

O riso de Camila morreu instantaneamente ao ouvir que aquela mulher sabia quem era seu pai e, nesse instante, provou o sabor do medo. Não o medo por si, mas medo pelo o que viesse a lhe acontecer e, conseqüentemente, o que isso faria ao seu pai. Ele não suportaria outra perda.

– De onde você tirou esse absurdo? – tentou disfarçar.

Eva sorriu.

– Não tente me enganar, Camila. Sei muito bem quem você é. É por isso que estou aqui neste momento. Não temos muito tempo para explicações, então vou ser rápida. Trabalho há anos para as FL e, atualmente, ocupo um cargo importante na Agência de Inteligência. Você pôde perceber, pelo que viu aqui na outra noite, o meu poder. É por me encontrar nessa posição privilegiada que fui incumbida por seu pai para tirá-la daqui junto com seus companheiros.

Camila deu alguns passos furiosos pelo espaço minúsculo da cela.

– Eu não acredito – falou e repetiu algumas vezes.

– Não precisa acreditar agora. Só estou lhe avisando para que, quando chegar a hora, você saiba o que está se passando e quem está do seu lado. Portanto, prepare-se, pois em alguns minutos você estará fora daqui.

Eva ergueu-se e aproximou-se da porta chamando pelo guarda que a abriu imediatamente e saiu.

– Soldado, algeme a prisioneira e leve-a para o interrogatório.



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