Em Qualquer Lugar

Capítulo IV – Grande surpresa!

Paula

Depois daquele sorriso lindo, estranhei a forma como ela se jogou na cadeira e se voltou para o computador. Mas as pessoas são estranhas mesmo e eu não liguei para isso, pois essa mulher poderia ser estranha à vontade lá na minha casa que eu não me importaria. Como a danada é bonita! Bonita, não. Ela é simplesmente “ma-ra-vi-lhooo-saaa”! Maravilhosa só, não. Ela é muito, mais “muuuuiiiito gossstooosaaa” mesmo! Paula… Paula… Para de pensar assim da mulher que pode subsidiar seu pequeno, mas interessante projeto como ela mesma disse. E depois, a mulher te esculachou há quinze dias e você já até esqueceu isso?

O fato é que ela era uma mulher inteligente, também. Fiquei ao lado da cadeira e coloquei minha mão sobre o espaldar, observando o Cacá explicar e ela interagir. Ela deu umas ideias interessantes para o projeto, mas nada mirabolante de forma que poderíamos pensar em executar. Depois ela afastou a cadeira, pediu para eu pegar outra cadeira e sentar para discutirmos o subsídio desse projeto. Ela falou isso mesmo?! Ela iria subsidiar o nosso projeto? Peguei uma cadeira e sentei ao seu lado e formamos uma meia lua em volta da mesa do Cacá. Ai ela começou a falar.

— Não posso custear um projeto muito caro. Dependendo do valor do projeto, eu teria que submetê-lo a câmara dos vereadores e ai dependeríamos de aprovação, o que levaria um tempo enorme. Mas se o fizermos em pequenas etapas, eu contaria apenas com os recursos da secretaria. Teríamos mais liberdade para tocar o barco.

— Vocês já tiveram muitos projetos embargados?

Eu perguntei. Ela me olhou, com um sorriso sarcástico nos lábios e respondeu.

— Quase todos.

— Que absurdo! — Foi o que o Cacá disse.

— Não me admira. — Foi o que eu disse.

Ela me olhou dentro dos olhos tão intensamente que eu cheguei a parar de respirar.

— Por que você não se admira?

Ela me perguntou e eu fiquei meio constrangida em responder, afinal ela era parte do poder e eu da massa.

— Bem…

Desviei meus olhos. Não sabia como falar sem ofendê-la. Ela podia até ter me ofendido antes, mas eu não era assim. Não gostava de magoar as pessoas.

— Pode falar. Eu juro que eu não ficarei chateada com você, afinal você é a ponta que recebe os recursos que nunca veem e é seu trabalho que fica prejudicado.

Ela deu o sorriso mais lindo que jamais eu tinha visto em outra mulher. Vocês imaginam como eu fiquei.

— É queeee… Bem…

Ela soltou uma gargalhada muito da gostosa e aí é que eu fiquei sem fala mesmo.

— Vamos… Fale. Por que você não se admira?

— Olha, eu não quero ofender, mas… Todo político que vem aqui, ele só quer ficar bem na fita. A gente já está acostumado e sabe que pesquisa, desenvolvimento cientifico e inovação tecnológica só é nome bonito para plataforma eleitoral. Bem lá no fundo, o governo quer ter a população, desprovida de recursos educacionais, de desenvolvimento tecnológico e com sede de cultura. Só assim podem manejar os recursos financeiros, sem que a população perceba para onde estão sendo escoados.

Pronto, falei. Só que naquele momento eu vi que meu chefe estava no laboratório caminhando em minha direção, furioso.

— Paula! Que absurdos são esses que você está falando para a Subsecretária?

Aí eu vi também o “lambe saco” do Gustavo, logo atrás do meu chefe com uma cara de falsa indignação. Fingido! Devia estar adorando eu me dar mal. Mas, de repente, eu caí de paixão. Isso mesmo que vocês leram, fiquei enlouquecida de paixão por aquela mulher. Coisa que não devia ser muito difícil de acontecer com ela, alguém enlouquecido de paixão por ela. Mas ela foi divina!

Ela levantou de supetão com cara de poucos amigos e interrompeu a bronca que meu chefe despejava sobre mim. A voz dela era rouca e ao mesmo tempo grave e firme. Parecia que estava rosnando. Um tesão!

— Sr. Roberto. Não entendo “o porquê” da indignação, afinal de contas estamos num país democrático onde as pessoas podem expressar sua opinião. Não vejo qualquer mal da senhorita Paula ter se colocado em uma pergunta que EU fiz.

Isso mesmo que vocês leram. Ela deu uma entonação mais forte ao eu, acho que para frisar bem a postura dela. Eu estava mais que radiante por dentro e o Cacá… Bem, o Cacá estava com a boca aberta, o meu chefe perdeu o rebolado e o Gustavo, esse foi o melhor, ele estava bem encolhido atrás do meu chefe. O mais engraçado de tudo é que eu queria saber de onde ela sacou o “senhorita”. Isso estava me dando convulsões de riso por dentro. Imaginava tudo, até uma velha de oitenta anos falando senhorita, mas impossível pensar que ela pudesse falar isso. Quantos anos ela teria? Seis, talvez sete anos a mais do que eu, não sei. Só sei que eu adorei o “senhorita” dirigido a minha pessoa. Não acabou por aí. Teve mais. O Gustavo saiu de trás do meu chefe, acho que para fazer aquela cena da turma do deixa disso e olhem só o que aconteceu!

— Aghata…

Ele nem terminou de falar.

— Quem é você para me chamar de Aghata? Eu não sei nem o seu nome, senhor!

A coisa estava realmente ficando quente e aí eu resolvi interceder, porque era bem capaz do ambiente virar um vulcão em erupção.

— Sra. Subsecretária… — Ela me interrompeu.

— Para você é Aghata. Para você e para o Carlos Eduardo.

Sua voz era suave quando falou, quase um suspiro de tão doce. Não perdi o rebolado e continuei.

— Tudo bem, Aghata. Eles não estavam aqui quando conversávamos. Interpretaram mal a minha resposta à sua pergunta.

Eu falava com calma e acho que isso se refletiu sobre ela. Ela se voltou para eles novamente, falando com mais calma.

— Sr. Roberto, me desculpe pela explosão. Eu tenho um temperamento muito forte e acabei extrapolando. Mas realmente não entendi o porquê da repreensão que o senhor deu a Paula.

— É… Eeeuuu…

Meu chefe tinha perdido o rebolado mesmo. E eu? Bem, eu estava até constrangida.

— Eu não escutei a conversa de vocês mesmo, pois cheguei aqui ainda há pouco… Apenas ouvi a ultima frase e não achei apropriado…

— Era apropriado e estava dentro do contexto, Sr. Roberto. De qualquer forma já fiz o que vim fazer. Eu já vou indo.

Ela se virou para mim e para o Cacá.

— Hoje vai haver uma recepção na casa do André e eu gostaria que vocês fossem. Quero apresenta-los a algumas pessoas, para consolidar o nosso projeto.

O Cacá estava com a boca aberta desde aquela hora, só que agora ele conseguiu abrir um pouco mais. Ela pegou um papel na impressora e pediu uma caneta. Eu peguei uma caneta no meu bolso do jaleco e entreguei em sua mão. Se não fosse impossível em detrimento ao momento, eu juraria que ela pegou a caneta da minha mão acariciando os meus dedos. Senti um arrepio enorme e uma umidade indecente entre as minhas pernas. Pronto. Agora eu me transformava em uma lésbica tarada.

Ela anotou algo no papel e perguntou nossos nomes. Meu chefe estava estarrecido, o Gustavo estava raivoso.

— Paula Nogueira Atanar.

— Você quer levar alguém com você, Paula?

— Não, não tenho ninguém para levar.

— Qual o seu nome todo, Carlos?

— Carlos Eduardo Dutra Travesso.

— E você? Quer levar alguém com você?

— Não há necessidade.

— Sr. Roberto, o seu nome, por favor. — Ela pediu calmamente.

— Roberto Figueira de Menezes.

— E o senhor? Deseja levar esposa?

— Sim, se possível. O nome dela é Adélia Ferreira de Menezes.

Ela rasgou o papel em duas partes e se virou para mim me entregando uma delas.

— Esse aqui é o endereço. O traje é esporte fino e o horário, às 20 horas. Deixarei o nome de vocês na porta.

Segurou as minhas mãos entre as suas suavemente para me cumprimentar e eu tremi inteira. Virou-se para sair.

— Sr. Roberto, eu não gostaria que se atrasassem muito.

Foi a única coisa que ela falou quando passou por ele. Entrou de forma tão suave e saiu como um furacão. Depois de tudo aquilo e a pegadinha dela na minha mão, eu estava de quatro por aquela mulher.

Meu chefe se aproximou de mim e de Cacá com raiva e perguntou por que não o tínhamos avisado da visita da Subsecretária.

— Mas nós não sabíamos! Ela não avisou nada e a portaria não nos ligou dizendo que ela havia entrado, quando vimos, ela já estava aqui dentro do laboratório!

— E por que não me chamaram nessa hora?

O Cacá se adiantou para responder. Ele achou que as coisas estavam caindo demais sobre a minha cabeça.

— Porque ela entrou e já foi vindo em direção à nossa mesa, foi pedindo para mostrar o sistema. Você viu como ela é persuasiva, né? Ficamos meio sem jeito e mostramos logo o sistema para ela.

Eu confirmei o que o Cacá tinha dito e meu chefe acalmou.

— É. Eu entendo o que vocês querem dizer. Ela realmente tem um gênio… – Meu chefe coçou a cabeça e falou. — Já que ela chamou vocês também para esse jantar, não acho prudente se atrasarem, einh? Vocês estão dispensados por hoje para cuidar da aparência. Cacá, vê se corta esse cabelo e faz essa barba. E você, Paula, compre alguma coisa decente para vestir, parece que você só tem essas calças jeans surradas… Eu encontro vocês lá.

Ele saiu do laboratório com o Gustavo a tiracolo e eu olhei para Cacá, indignada.

— Calça jeans surrada! Ele quer que eu venha trabalhar de que? De longo?!

O Cacá abriu um sorriso de orelha a orelha.

— Ele ficou puto pelo esporro dela e ainda por cima ela convidou a gente e só convidou ele porque não tinha jeito. Você reparou? Hehehehehe.

— Ela foi ótima, não foi, Cacá?! Eu “tô” apaixonada por essa mulher.

— Cai dentro.

— Tá doido?

— Ué! O máximo que pode acontecer é você levar um não.

— Não é o máximo que pode acontecer. A maioria das pessoas não é assim como você. As pessoas são preconceituosas e se ela não gostar de homossexuais, perdemos o projeto, o Roberto me põe à disposição e ainda por cima vou ter que arrumar outro lugar para trabalhar que me aceite. Fora de cogitação!

— Qual é! Não “tô” falando para você virar para ela e dizer: “Estou querendo te levar pra cama”. “Tô” dizendo para você sondar a possibilidade. Chegar junto e jogar charme, não é isso que mulher faz? E vê se tem alguma ressonância.

— Cacá, há muito tempo atrás eu aprendi que não se deve misturar trabalho com prazer. É assim que eu vivo e muito bem.

— Tá bem, então vai ficar solteira e sonhando com a gostosona que eu sei que você fica…

— Fico, nada.

— Fica, sim.

— Para, Cacá.

Dei um tapa nele, mas no fundo sabia que ele tinha razão.

— Vamos embora, Paulinha, que a gente recebeu o resto do dia de folga.

— Já “tô” pegando minhas coisas.

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