Em Qualquer Lugar

Capítulo XIII – O mundo gira e olha o que acontece!

Ana Maria

Havia acabado de visitar o laboratório de genoma e tomava notas mentais para eu pesquisar algumas coisas que me foram faladas. Não sei por que, quase no automático, parei de frente a um mural com avisos, no corredor da faculdade e me distrai lendo-os. Meu olhar bateu bem em cima de um nome anunciado para dar uma palestra em um congresso na própria faculdade. “Paula Atanar”!

— Deus! Que coincidência! Não pode ser!

Fui até a secretaria e peguei o roteiro do congresso e eu li incrédula. “Em tanto lugar para ir, vim parar logo no lugar onde ela se escondeu”. Tomei uma decisão. Voltei à secretaria e me inscrevi no congresso em que ela palestraria. Queria conhecer, pessoalmente, a mulher que foi o céu e o inferno de minha amiga. No dia seguinte, cheguei ao congresso cedo, pois seria ela quem abriria. Assisti a sua palestra de abertura e me impressionou a sua competência. Continuei a observá-la atenta e entendi porque Aghata se apaixonou por essa mulher. Além de bonita e competente, ela era simples, despojada, delicada e era um belo paradoxo entre força e suavidade. Notei que ela me olhava com certa desconfiança. Ok! Também olharia com desconfiança alguém que reparasse, nos mínimos detalhes, todos os meus gestos. Mais uma vez, impulsivamente, resolvi que queria conhece-la. Quem sabe eu não poderia ser a fonte a por um fim em todo esse desastre. Certamente, eu não conseguiria, pois as dores eram muitas e muito profundas também. Eu não exporia a minha amiga à uma nova desilusão, se eu percebesse que não haveria a menor chance.

No coffee break, me postei bem próximo de onde ela estava para que ela me visse. Na certa, com toda insistência de meus olhares, ela viria falar comigo. Se isso não resolvesse, eu arranjaria uma desculpa qualquer para falar com ela. Meu coração estava acelerado, parecia até que era eu quem estava apaixonada por ela, mas descarga adrenérgica é isso mesmo. Estava nervosa e ansiosa para fazer o contato. Ela se aproximou e nos apresentamos, mas tudo foi muito rápido e superficial. Eu precisaria achar outra forma de me aproximar. Ao final das palestras eu me coloquei propositalmente entre a cortina e a parede em que ela se encontrava com seu amigo e, descaradamente, agucei meus ouvidos para escutar a conversa dos dois. Eles iriam a um pub próximo dali e, por sorte, eu sabia onde ficava. Tinha ido no dia anterior, indicado por um dos pesquisadores do laboratório. Disfarcei e fui para o tolete para deixa-los ir. Cheguei ao pub e logo os vi sentados em uma mesa de fundo. O amigo dela olhava para mim e falava alguma coisa para ela. Só faltava ela achar que eu estava dando mole para ela. Não me importava, os fins justificavam os meios, não é isso que dizem?

Ela me convidou para sentar e conversamos coisas amenas. Decidi dizer de que cidade eu era, pois sabia que isso ficaria explicito em breve pelo rumo da conversa. Notei que ela se contraiu à minha revelação. Aí estava a resposta que eu buscava. Ela fugia de seu passado, não queria se lembrar, nem ter contato com ele. Primeiro sinal de que ainda doía, portanto ela ainda não havia esquecido nem o que houve, nem o seu amor e dor. Mas o Cacá era extremamente simpático e amenizou o clima.

— Você é casada? — Ele me perguntou.

— Não, separada.

— Que bom! Quer dizer, que chato.

Eu ri de seu entusiasmo. Ele, para mim, era um menino. Disse que tinha 29 anos e eu tinha 37. Não tinha esse tipo de preconceito; além do mais ele era bonito e inteligente, mas não queria ser a conquista da noite. A Paula riu também e mandou ele se tratar, pois não podia ver mulher.

— Qual é, Paula? Tá queimando meu filme?

Eu ri mais ainda; o garoto era abusado e não se constrangia.

— Onde você está hospedada?

— No Raven Tower. Por quê? Vai me dar uma carona?

Ele estava me paquerando e eu estava gostando. Poxa! Também não sou de ferro. Já era meu terceiro drink e estava há um ano sem transar. Desde que me separarei há dois anos, tive dois caras ruins de cama e de conversa. Resolvi fechar para balanço, mas agora minha libido estava aflorando. Não podem nem me chamar de pedófila, porque ele é maior de idade. Comecei a esquecer do por que eu estava ali.

— Não vai dar, ele me falou desanimado. Estamos a pé também.

— Por que não vamos de táxi? — A Paula falou. – Assim, eu fico em casa que é no meio do caminho, e o Cacá te acompanha para você não ir sozinha. Não é mesmo, Cacá?

— É claro!  Muito boa ideia, Paula!

— Não quero dar trabalho, além do mais, se formos de táxi, não haverá necessidade de o Cacá me acompanhar.

— Claro que tem! Eu não ficaria sossegado de deixar uma mulher como você ir sozinha à uma hora dessas! Você não conhece a cidade e muita coisa pode acontecer…

— Tá decidido. Vamos de táxi e o Cacá te leva.

Eles tinham uma cumplicidade e tanto. A Paula preparava o terreno e o Cacá caia matando. E vocês querem saber de uma coisa? Eu amei tudo. Estava doida para dar uns beijos na boca desse garoto!

— Está bem. Eu aceito!

— Ótimo!

Os dois falaram juntos e eu ri muito. Outra coisa nessa história toda é que eu tinha gostado muito da Paula. Era uma mulher verdadeira, só que carregava um olhar triste e eu bem sabia por que. Não era supersticiosa, mas comecei a acreditar em destino, naquele momento, e pensei que, às vezes, ele era cruel. Foi cruel com ela e com minha querida amiga Aghata.

Cheguei ao hotel e chamei o Cacá para tomar mais um drink em meu quarto. Estava nervosa, pois não costumava fazer esse tipo de coisa. Pelo menos, não depois da época de faculdade, mas esse garoto estava me provocando um monte de coisas. Inclusive, perder o foco inicial da minha abordagem para com eles. Nesse momento, o pensamento em Aghata e Paula corria a léguas de mim. Passei uma das noites mais maravilhosas da minha vida. O Cacá sabia o que fazia mesmo! Nós chegamos, na hora do almoço, ao congresso, mais que sem graça. Mas a Paula era muito descolada e quando nos viu, veio ao nosso encontro com um sorriso aberto, nos sacaneando, porém sem sarcasmo.

— Como passaram a noite? Não me digam, realmente não quero saber.

Fez um gesto com as mãos, para que não falássemos nada e nós todos rimos.

— Não queria deixar vocês sozinhos no congresso, mas eu darei a palestra de encerramento, por isso não acompanharei o congresso à tarde, porque tenho que ajustar algumas coisas ainda.

— Não tem problema, Paula. A gente entende. Fica sossegada.

O Cacá falou.

— Ok! Então, eu vou terminar de preparar na minha sala. Vejo vocês mais tarde!

— Tchau!

Virei-me para o Cacá e ele a olhava, com certa tristeza no olhar.

— Há quanto tempo vocês se conhecem?

— Há pouco mais de cinco anos.

— Você gosta muito dela, não é?

— Eu a amo, mas não no sentido homem-mulher. Ela é minha melhor amiga, mas meu sentimento por ela é de irmão; ela é minha parceira de vida.

— Acho que ela sente o mesmo por você… Quantas vezes ela te ajudou a levar uma mulher para a cama?

Ele me olhou sorrindo, mas estava todo tímido também. Eu achei isso uma gracinha nele.

— Pra falar a verdade, quando morávamos na mesma cidade, sempre.

— Que dupla de canalhas vocês são!

Dei um tapa no ombro dele, fingindo indignação. Ele me abraçou por trás e beijou meu pescoço, me causando arrepios.

— Mas nunca quis dormir junto e acordar no dia seguinte para encarar a mulher com quem eu saí.

Entendi o que ele quis dizer, pois com os dois homens com quem saí depois de meu marido, eu mesma acionei o meu celular naquela função de troca de toque e disse que tinha uma chamada de emergência no hospital para ir para casa ainda de madrugada, pois não queria ver a cara dos indivíduos. Não me sentia confortável e não queria começar nenhum relacionamento com eles.

O Cacá me cobriu de carinhos e gentilezas o resto do dia. Eu até estranhava. Estava desacostumada com isso. O único homem de minha vida que tinha feito mais ou menos isso, tinha sido meu marido e, mesmo assim, ele não era muito cavalheiro. Foi até carinhoso no início de nosso casamento, mas depois que tivemos filhos isso esfriou, eu esfriei também, para falar a verdade. Não posso culpar só o Zé Mauro.

Vimos o resto das palestras e por fim, a Paula entrou e deu uma palestra de fechamento magnífica. Admirei-a mais. Realmente, a Aghata tinha deixado a sorte escorrer pelos seus dedos.

— E aí? Como fui?

— Ótima! Tem dúvidas ainda?

— Não. Era só para massagear meu ego.

Todos nós rimos, porque ela não falava de uma forma arrogante, falava para sacanear mesmo.

— O que vamos fazer? – Eu perguntei.

— Vamos jantar e depois vocês podem fazer o que quiserem, porque eu estou morta e quero ir para casa dormir.

— Qual é, Paula? Vai deixar a gente na pista?

— Vou. Vamos logo procurar um lugar para comer.

Ela sabia dar corte. Nem deixou margem para eu e o Cacá protestarmos.

— Amanhã eu saio com vocês, tá bom assim?

— Não. Mas sei que você é cabeça dura mesmo!

Ela estava de carro e nos levou para jantar num restaurante muito bom que ficava perto de um lago. Depois nos deixou no hotel e foi embora. Lá pelas tantas, eu e o Cacá, já estávamos esgotados da nossa maratona sexual e íamos dormir. Bateram em minha porta, coloquei um robe e o Cacá disse que ia abrir junto comigo, já que era muito tarde e não tinha sentido ninguém batendo à minha porta em um hotel àquela hora.  Eu concordei, pois achei muito esquisito mesmo. Quando abri a porta, levei um susto.

— Aghata!

— Aghata?!

— Cacá?!

Precisava desfazer aquela confusão, principalmente com o Cacá. Não esperava que a Aghata fosse chegar àquela hora e, muito menos, bater em minha porta. Tinha me afeiçoado ao Cacá, que droga! Me afeiçoado, não; estava começando a gostar muito de tê-lo por perto, e não queria que pensasse que eu o usei.



Notas:



O que achou deste história?

Deixe uma resposta

© 2015- 2022 Copyright Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem a expressa autorização do autor.