Em Qualquer Lugar

Capítulo XIV – Porque eu tinha que perder…

4 anos depois

Aghata

Depois que eu me dei conta que deixei o grande amor da minha vida escapar, eu abandonei tudo. Briguei com o André, me inscrevi em um programa de auxílio para levar a medicina a povos carentes e sem esperança de vida. Uma das coisas que mais me entristecia era o fato do André ser uma das pessoas responsáveis por eu ter conseguido muita coisa na vida e, ao mesmo tempo, ele ter colaborado para eu perder o que mais foi precioso para mim. Só colaborado, pois eu sabia que grande parte da responsabilidade era minha. Fui eu quem se deixou levar por ele. Não justifica, mas eu confiava nele em tudo. Uma das poucas pessoas que eu ainda mantinha contato e considerava era a Ana. Essa sim! Ajudou-me e me apoiou em tudo que decidi fazer, depois daquele dia fatídico. Auxiliou-me a tirar um pouco da sombra que se fez dentro de mim, depois que perdi a Paula. Dela eu tinha saudades e resolvi me encontrar com ela em uma cidade de interseção em nossos caminhos. Chegaria em dois dias e tinha reserva no mesmo hotel que ela. Passaríamos quase quinze dias juntas. Eu estava, realmente, precisando disso; estava ansiosa para vê-la.

*****

Cheguei ao hotel e fiz meu check in. Perguntei sobre o número do quarto da Ana Maria Fragoso, pois ela estava me esperando e o rapaz da recepção, com muito custo acabou me falando. Havia chegado de madrugada, mas queria fazer uma surpresa para ela. Provavelmente, ela iria me esculachar por acordá-la àquela hora e eu já ria de antecipação. Bati à sua porta e fiquei esperando ela levantar. Escutei uma conversa dentro do quarto e fiquei imaginando se eu não estaria sendo intrometida. E se ela encontrou alguém para aquecer sua cama? Já ia me retirar quando a porta abriu e… Fiquei branca! Pasma! Estarrecida!

— Aghata!

— Aghata?!

— Cacá?!

Eu olhei para a porta do quarto e quase enfartei! Meu coração batia forte e meu sangue pulsava em minhas têmporas. O que o Cacá estava fazendo ali no quarto da Ana Maria e com aqueles trajes?

— Aghata, vai para seu quarto que eu te explico depois. Cacá, entra que eu preciso conversar com você.

— Ah, não! Você não vai me deixar do lado de fora, sem entender o que está acontecendo!

Impedi que ela fechasse a porta e entrei; o Cacá me olhava igual a uma assombração. Não era para menos, se eu fosse ele me olhava com uma raiva de fazer gosto. Quando entrei, a Ana passou do desespero para a calma em um segundo, falando para que nos sentássemos. O Cacá ia falar alguma coisa e ela disse para ele escutar que ela explicaria tudo, mas que não a interrompêssemos. Assim, ela conseguiu nossa atenção e nosso silêncio.

— Muito bem. O que acontece é o seguinte Cacá. A Aghata é minha amiga, desde a faculdade e, há mais ou menos quatro anos que não a vejo por acontecimentos que permearam a história dela e da Paula.

— E a minha também!

— Calma e não me interrompa!

O Cacá engoliu a fala. A Ana Maria, quando queria, saiba se impor com uma aura de autoridade que até eu calava minha boca. Ela suspirou para retomar a calma e a sua linha de raciocínio.

— Ela caiu no mundo depois daquilo, deixou tudo e a todos. Quando eu soube que vinha para cá por conta de umas pesquisas em genoma humano, entrei em contato por email com ela e pedi para me encontrar aqui. Vim para cá, visitei o laboratório e, por pura coincidência, li o anúncio do congresso. Bem, eu reconheci o nome da Paula e como nunca a conheci, resolvi me inscrever, para ver quem era a mulher pela qual minha amiga se apaixonara…

— Apaixonara? Ela acabou com a vida da Paula, naquela época!

O Cacá falava furioso, defendendo a Paula e vocês querem saber de uma coisa? Eu gostei. Gostei de saber que a Paula não passou por tudo sozinha, gostei de saber que ela tinha um bom e fiel amigo.

— Fica quieto, Cacá! Deixe-me terminar e aí você poderá tirar as suas conclusões.

Ela falou, novamente, com aquela aura de autoridade e ele se calou.

— Bom, como eu disse, eu queria ver quem era a mulher pela qual minha amiga se apaixonar. Acabamos nos conhecendo e eu, realmente, vi que a Paula e você eram pessoas que não mereciam ter passado por tudo que passaram, sem saber a verdadeira história.

— Então, você armou pra gente? Você armou para mim?

— E você é onisciente? Anda lendo pensamentos e tem certeza plena dos sentimentos de uma pessoa?  O que aconteceu depois, entre eu e você, aconteceu por eu estar atraída por você e, pelas suas reações, você também estava atraído por mim! Não fiz nada sozinha.

Nunca pensei ouvir isso da boca de uma mulher. Esse tipo de frase de efeito, eu sempre ouvi de homens. Quase gargalhei. Minha amiga era demais mesmo.

— Não pretendia aparecer com a Aghata. Iria falar com você primeiro, mas esse ser! — Ela apontou para mim. — Cisma em estar nos lugares errados e na hora errada. Cacá, me diz com sinceridade. Você acha que se ela estivesse de acordo com tudo que se passou naquela época, ela desistiria da secretaria e de tudo no mesmo dia? Ela foi passada para trás pelo André, também! Brigou com ele, logo após aquela entrevista que ele armou as pressas e, depois, ela rasgou os papeis de sua admissão na secretaria. Ela não compactuava com aquilo. Nem sabia o que ele estava aprontando! Foi procurar a Paula e você mesmo a escorraçou; a Paula sumiu e ela caiu numa depressão de fazer gosto que só eu vi!

Eu estava de cabeça baixa e ele me olhou, mais ameno.

— Depois daquilo tudo, apesar dos esforços da Aghata tentar falar com a Paula e com você sem sucesso, ela se inscreveu em um programa de auxilio a povos carentes e vive de um lugar para o outro, sem rumo. Essa é, hoje, a vida da Aghata.

Cacá estava abalado também. Baixou a cabeça, mas ainda estava com raiva.

— Então, você se aproximou de nós para resolver os problemas da Aghata com a Paula?

Ele perguntou quase num sussurro. A Ana suspirou, novamente, e sentou ao lado dele.

— Confesso que me aproximei por isso, mas não fiquei com você por conta disto.

Ela quis afagar o seu cabelo e ele levantou, bruscamente.

— Vou me vestir.

Ele estava de robe. Pegou as suas roupas em cima de uma poltrona e se encaminhou para o banheiro. Mais uma confusão tinha se formado, por minha causa. Para mim, as coisas tinham ficado um pouco pior. Estava achando que, em qualquer lugar que eu fosse, eu disseminava dor. Eu e Ana não nos falamos, mas quando o Cacá saiu, abri minha boca pela primeira vez.

— Então, ela está aqui?

— Está, Aghata, mas não a procure. Eu mesmo tenho que pensar em tudo isso, direito.

Cacá havia saído sem olhar para nós; nem falou com a Ana.

— Desculpa, eu estrago tudo mesmo!

— Você não estraga nada, Aghata. Eu  errei me aproximando dos dois, sem falar quem eu era. Mas, por outro lado, pelo menos ele ouviu o seu lado das coisas.

— É. Mas você estava se divertindo e eu atrapalhei. Ele é bom mesmo, ou você estava só se divertindo? Ele arrotava que era bom horrores, naquela época em que eu o conheci.

— Minha amiga! Acho que eu virei papa-anjo! Me apaixonei!

A gargalhada ecoou pelo quarto.

— Então o cara é bom mesmo?!

— Uma delicia! A “passa morta” que eu tinha lá em casa não chega nem aos pés!

Rimos muito, nos abraçamos, mas fomos dormir, pois estávamos exaustas. Ela, por conta do Cacá, e eu pela viagem. Combinamos de tomar café juntas.

Acordei quase na hora do almoço. Estava muito cansada da viagem e, depois do meu encontro com o Cacá, acho que minha adrenalina não me deixou dormir muito rápido. Liguei para a Ana e ela tinha acabado de tomar banho também. Marcamos no restaurante do próprio hotel.

— Você acha que o Cacá vai ligar?

— Não sei, Aghata, agora está por conta dele.

Seus olhos estavam pesados.

— Você estava gostando dele?

— Estava começando a gostar… Muito…

— Eu sinto muito!

— Não sinta tanto. Apesar de ter sido só dois dias, eu me enrolei também. Quando comecei a me envolver, devia ter contado.

— Você não tinha como saber a reação dele.

— Mas eu sabia que ia dar “craca” de um jeito ou de outro, e a honestidade é o melhor caminho, sempre.

— Que belo par nós estamos formando, einh?

Ela sorriu para mim e começamos a contar como nossas vidas correram, durante esse tempo.

Paula

No dia seguinte ao congresso, esperei o Cacá aparecer e ele nada. Sei que ele é homem e que estava com a Ana, mas poxa! Custava avisar que não viria nem para o almoço? Acho que estava ficando velha, porque nas minhas áureas épocas com ele, eu nem me importava. Quando saía com mulher ele só chegava à segunda feira, no trabalho. Sorri nostálgica, já terminando o almoço. Escutei a tranca da porta e me voltei sabendo que era o Cacá que entraria. Minha casa era toda aberta na parte de baixo, com uma grande varanda que dava para o jardim e uma cozinha americana. De fechado, só tinha o lavabo. A sala de jantar e o living room eram apenas separados por desnível. Ele entrou e quando eu ia sacanear, reparei em seus olhos tristes e  ombros baixos. Quando andava, dava para ver que estava bêbado. Tampei a panela e baixei o fogo para ir de encontro a ele e ampará-lo.

— Ei, cara! Na época que a gente andava junto, você só ficava bêbado quando não pegava mulher! O que houve?

Ele me olhou e começou a chorar, falando coisas sem nexo. Assustei-me, pois nunca tinha visto o Cacá tão arrasado quanto agora. Só o vi assim, quando aconteceu aquilo com nosso projeto. Ele me abraçou e chorou mais.

— Eu sou um idiota mesmo. Tanta mulher e fui me meter logo com ela. O pior é que eu gostei dela, Paula! Por que ela fez isso?

Não sabia do que ele estava falando, mas me pareceu que ele levou um “toco” daqueles. Ele sempre saía com mulher e nunca se interessava, acho que agora se interessou e ela não. Só podia ser isso.

— Vamos. Vou te levar para o quarto e você vai tomar um banho, comer alguma coisa e dormir.

Ele me acompanhou sem resistência. Deixei Cacá no banheiro de seu quarto e desci para fazer um prato para ele. Tinha feito espaguete à bolonhesa que era sempre o que comíamos, quando estávamos juntos, e ele chegava tarde. Subi e ele estava já de banho tomado e deitado.

— O que houve, Cacá?

— Eu tô ruim agora, Paulinha. Me deixa comer e dormir; depois a gente conversa.

 Deixei-o sozinho e fui almoçar; ele parecia que estava mal mesmo.

Quando chegou a noite, eu estava lendo um livro, sentada na varanda e ele desceu as escadas já refeito. Sentou em uma poltrona chaise à minha frente, sem me encarar.

— Paulinha! Quando você se apaixonou pela Aghata, você achava que ela era uma pessoa íntegra, não foi?

Apesar do assunto me incomodar, eu sabia que ele estava me perguntando por alguma coisa que tinha acontecido com ele.

— Foi, Cacá. Eu acreditei nela.

— E por que você acreditou? Quero dizer. Alguma coisa ela tinha que você sabia que era bom…

— Eu me enganei, Cacá. Só isso.

— Eu não acredito, você sempre conseguiu perceber se as pessoas prestavam ou não. E você gostou, também, da Ana.

— O que tem a Ana? O que aconteceu para você chegar daquele jeito?

— Não muda de assunto. O que você achou da Ana?

— Como o que eu achei?

— Você achou ela legal?

— Achei, mas isso não tem nada a ver com eu achar legal e, realmente, ela ser legal. Como você mesmo lembrou, eu achei a Aghata legal também.

— Como eu te disse antes, não estou certo se fizemos o julgamento correto à respeito da Aghata. Soube que ela largou tudo e foi clinicar em países pobres. Entrou para um programa comunitário.

— O que está havendo com você agora, Cacá? Você viu o que ela fez…

— Não. Eu vi uma entrevista e o André falando junto com o Gustavo. Ela não se pronunciou em nenhum minuto.

— Mas estava lá e consentiu que isso acontecesse.

— E se ela não sabia como todos da cidade comentaram depois? Ela não assumiu a secretaria e brigou com ele! Talvez, você esteja se martirizando durante anos por não ter conversado com ela!

— CHEGA, CACÁ!

Descontrolei-me. Não queria mais ouvir uma coisa que já me machucava há anos e que, sinceramente, não acreditava.

— Essa conversa já deu!

— Cara, você continua a mesma teimosa! Vê se pensa um pouco e, talvez, você pare de sofrer!

Eu levantei e fui subindo as escadas.

— Não tô afim.

— Eu vou sair.

— Boa noite!

— Teimosa!

— Irritante!

Cacá bateu a porta e eu não estava entendendo o por que dele estar com aquela conversa. Se ele queria mexer comigo, conseguiu. Não parava de pensar na possibilidade de ter jogado fora minha felicidade se, realmente, tivesse sido um grande mal entendido. Pela primeira vez me permiti pensar em como e onde estaria Aghata. Mas esses pensamentos doíam também, pois tudo que senti naquele dia e tudo que passei dali para frente, retornaram tão vivos quanto estar respirando naquele momento.

Tranquei-me no quarto e deitei para que o sono viesse, mas, simplesmente, não conseguia. Virava-me de um lado para outro e as lembranças das coisas boas que passei com Aghata e da sua traição, povoavam minha mente como fantasmas. Levantei com a impossibilidade de dormir e fui à cozinha para fazer um chá. O que Cacá disse começava a fazer cosquinhas na minha consciência. Seria possível que eu estivesse tão enganada com o que aconteceu naquela época? Eu não queria admitir, mas estava começando a amolecer com a mínima esperança de Aghata não ter sido tão canalha comigo. A verdade é que gostaria muito disso e pensar que eu poderia ter errado em meu julgamento chegava a ser um conforto, mesmo que isso tenha me afastado tanto. Mas eu não poderia me dar a esse luxo, pois o tempo não retornaria e eu me machucaria mais ainda.

Ana Maria

Chegamos de uma visita ao parque municipal; já era noite. Quando fui pegar as chaves do meu quarto, o recepcionista avisou que tinha um senhor chamado Carlos Eduardo me esperando no bar do hotel. Meu coração deu um salto e minhas esperanças retornaram. Não estou falando em relação à Aghata, estou falando em relação a mim mesma. A Aghata, se pudesse ajudar, eu ajudaria depois. Desculpem-me, tá! Mas, pelo menos, naquela hora eu gostaria de ser um pouquinho egoísta, queria pensar em mim primeiro, porque o garoto mexeu comigo mesmo! A Aghata  era uma pessoa muito perceptiva e sorriu para mim me dando força. Disse que iria para o quarto e que eu avisasse se não precisasse esperar para jantar. Ela deu um beijo em meu rosto e eu fui ao encontro do homem que estava fazendo meu coração bater mais forte.

Eu o vi sentado em uma mesa, com a cabeça baixa. Aproximei-me e acariciei seu cabelo. Fiquei feliz que ele não tenha me repudiado. Rodeei a mesa e me sentei a sua frente.

— Ei!

— Oi!

— Presumo que você não esteja muito bem, principalmente, por ter que lidar comigo e com a Paula.

— Ela é minha amiga e eu sinto que a estou traindo!

— Então, conte para ela.

— Contar o quê? Que eu estou gostando da amiga da mulher que a sacaneou?

— Então… Você gosta de mim?

Seu olhar era de pura confusão. Parecia estar avaliando seus próprios sentimentos.  Estava deixando uma carga muito grande em cima dele. Resolvi aliviar a sua barra e, ao mesmo tempo, ajudar nessa situação.

— Vamos fazer o seguinte. Vamos falar  com a Paula, juntos.

— Vamos contar toda a verdade? E se ela achar que você foi desonesta, se achar que não deve te escutar?

— Calma, Cacá! Não estou superestimando a minha habilidade de convencimento, mas eu posso dizer que sou uma pessoa bastante persuasiva.

Olhei para ele e sorri. E ele abriu um largo sorriso para mim.

— Então, você é muito persuasiva, né?!

Ele segurou a minha nuca e me puxou para um de seus beijos maravilhosos, dos quais eu já estava sentindo falta.  Fiquei quase sem folego!

— Acho que você também tem um poder de convencimento ótimo!

Meu coração estava feliz. Achei que nunca mais ia encontrar um cara legal e inteligente com o qual eu pudesse me relacionar. Estava quase resignada quando o Cacá apareceu e fiquei apreensiva pela sua diferença de idade com relação a mim, mas só nas primeiras horas, é bem verdade. Nunca fui uma mulher preconceituosa com relação aos outros, então por que seria com relação a mim? E depois, a diferença de idade não era tanta assim, era?

— Vamos jantar?

— Eu gostaria de chamar a Aghata, senão ela vai acabar jantando sozinha. E depois, acho que você tem muito para saber do que aconteceu, verdadeiramente, naquela época na versão dela e o que ela passou depois. Assim você poderá tirar as suas próprias conclusões.

— Está bem.



Notas:



O que achou deste história?

Deixe uma resposta

© 2015- 2022 Copyright Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem a expressa autorização do autor.