Em Qualquer Lugar

Capítulo XVIII – O destino tira; e o que pegamos de volta?

1 ano depois — Férias de verão

Paula

Eu estava apreensiva e nervosa. O telefone tocava sem que alguém atendesse do outro lado. “Droga! Será que ninguém entende que telefone à uma hora dessas é importante?”

— Alô!

A voz do outro lado era abafada e sonolenta.

— Cacá?

— Paula?

— A Ana está aí?

— O que houve?

— Preciso falar com ela! Chama ela para mim.

— Ao que me consta, sou eu que sou seu amigo. O que houve?

— Para, Cacá! É sério. Chame-a para mim, por favor.

Acho que minha voz transmitia tanto desespero que ele nem titubeou.

— Alô, Paula! O que houve?

— A Aghata não entrou, realmente, em contato com você, Ana?

— Paula, se ela entrasse em contato, sabe que eu te diria… O que houve?

— As tropas de paz de lá foram bombardeadas…

Minha voz sumiu.

— Calma, Paula. Não sabemos se realmente ela está lá. Quando você soube?

— Agora mesmo; passou na televisão daqui. Estão anunciando toda hora, pois é um ato de guerra declarada. Não sabem até agora quantos feridos e quem estava nesse acampamento, mas era um dos acampamentos de auxílio médico.

Do outro lado da ligação estava mudo.

— Ana?

— Eu estou aqui, estou pensando, mas realmente não sei o que fazer…

— Eu vou pegar um avião e vou para lá.

— Paula, calma! Não acho que seja uma boa ideia. Se bombardearam as forças de paz, o país deve estar em forte conflito!

— Não me importa mais nada, Ana. O fato é que já não tenho a minha própria paz há muitos anos. Eu não vou suportar estar aqui no meu conforto, sem saber o que realmente está acontecendo com a Aghata. Diga ao Cacá para falar com meus pais para onde fui, se por acaso eu não entrar em contato durante quinze dias. Beijos.

Desliguei de súbito. Não queria dar tempo de Ana retrucar. Arrumei minhas coisas, entrei na internet e comprei uma passagem para dali a duas horas e meia. Ainda não tinham suspendido os voos, mas se a coisa ficasse muito ruim, em breve o fariam e eu não queria ficar aqui angustiada.

O voo demorou sete horas para chegar ao seu destino e eu estava um pouco apreensiva. Não tinha planejado nada e quando desembarquei no aeroporto, haviam muitos soldados do exercito circulando pelas dependências. Abri meu laptop e resolvi entrar na internet para fazer reserva em algum hotel, depois eu entraria em contato com a embaixada do meu país. Fiz minha reserva em um hotel de enviados, seria mais seguro e eu teria a possibilidade de saber o que estava acontecendo com mais facilidade. Perguntei no setor de informações do aeroporto sobre uma forma segura de me deslocar. Eles tinham uma agencia de táxi cadastrado e eu a contratei para me levar ao hotel. Não queria correr riscos desnecessários, pois eu ainda não sabia qual era a real situação.

Cheguei ao hotel e fiquei sabendo que o governo já havia cogitado a possibilidade de fechar as fronteiras. Eu tinha algum dinheiro guardado que me garantiria durante algum tempo e, assim que me instalei, perguntei onde era a embaixada de meu país, para minha grata surpresa era a menos de uma quadra do hotel. Na realidade, a maioria das embaixadas ficava nas cercanias desse e de mais três hotéis. Por isso, uma quantidade grande de enviados se hospedava por ali.

Resolvi comer algo. Já passava de uma hora da tarde e eu não havia comido nada a não ser aquela comida de avião. Depois do almoço fui direto para a embaixada. Estava uma confusão dos diabos. Parece que muitas pessoas tiveram a mesma ideia que eu e procuravam por parentes e amigos que se encontravam nas forças de paz. Um funcionário, que parecia estar desesperado, chegou no meio do saguão e pediu silêncio a todos.

— Senhores! Atenção, por favor! Gostaria de dar uma informação geral e peço silêncio para poder falar!

No saguão se fez silêncio.

— Nós ainda não temos notícias exatas de qual acampamento foi atacado.

Um murmúrio começou.

— Por favor! Silêncio! Vamos distribuir um formulário a todos os presentes para que preencham com seus nomes, onde estão hospedados, meios de contato e o nome do parente ou amigo que se encontra em algum acampamento de paz. Assim quando tivermos mais detalhes, contataremos com os senhores para darmos notícias específicas de cada amigo ou parente, individualmente.

— Como saberemos se vocês irão entrar em contato mesmo?

Alguém gritou e um burburinho se formou novamente.

— Senhores! Senhores, por favor! Nós estamos do mesmo lado, se lembram? Não temos por que esconder nada. Só queremos organizar melhor para que a informação chegue a todos!

E assim os funcionários da embaixada distribuíram os formulários e eu comecei a preencher o meu. Filas se formaram em frente ao balcão para entregarmos os formulários. Minha angústia só aumentava porque eu sabia que sairia dali sem saber de absolutamente nada. Voltei para o hotel para descansar. Quando cheguei ao meu quarto, abri as malas para arrumar minhas roupas no armário. A primeira coisa que vi foi a única fotografia que eu tinha dela. Peguei para olha-la mais uma vez.  Havia escaneado a foto e posto como plano de fundo do meu laptop. Depois que ela se foi, era a única coisa que eu tinha dela. Não me cansava de olhar. Ficava me condenando por ter sumido, naquela época, sem procura-la. Mas como eu saberia? Como, depois do que vi, eu poderia imaginar que ela tinha sido outra vítima? Eu não devia mais pensar no passado, senão não daria mais um passo em minha vida e eu tinha que encontra-la. No meu coração, sabia que ela estava viva. Não podia ter acontecido nada com ela! O destino não seria tão injusto; nem que eu levasse o resto da minha vida procurando por ela, eu a encontraria!

Acordei no dia seguinte e fui tomar café. O salão estava cheio, parece que o governo daria uma coletiva sobre a ação dos guerrilheiros e os repórteres estavam alvoroçados. Não havia mais nenhuma mesa disponível. Uma mulher alta, — se bem que qualquer um consegue ser mais alto do que eu — simpática, de cabelos castanhos claros e olhos cor de mel, ofereceu a sua mesa para eu sentar. Agradeci e me alojei na cadeira oposta a que ela estava sentada.

— Obrigada. — Eu disse.

— Não agradeça, o salão fica tão cheio nessas ocasiões que eu já até estou acostumada. De vez em quando, eu preciso de uma mesa para o café da manhã também.

— Está aqui pela coletiva? — Eu perguntei.

— Estou aqui desde que fui enviada pelo meu jornal, há quase um ano. Esses conflitos com a guerrilha e com os países fronteiriços são mais antigos que Adão e Eva.

— Então é comum ter esse tipo de ação da guerrilha contra as forças de paz?

— Não. Isso é o que o governo diz e quer que todos acreditem, mas, na realidade, os guerrilheiros junto com a população são quem mais se beneficiam com as forças de paz.

— E por que o governo quer que acreditemos nisso então?

— Porque a população sofre com um governo ditatorial que vende as riquezas naturais do país enquanto a população passa fome e toda sorte de dificuldades. Eles querem que pensem que foram os guerrilheiros. Mas se você disser que falei isso para alguém, eu nego.

Ela falava baixo e achei graça, pois eu podia ser qualquer pessoa, inclusive do governo.

— E se eu for do governo? Você poderia estar encrencada, viu?! — Ela esbugalhou os olhos, e eu sorri. — Calma, eu não sou do governo. Cheguei ontem aqui.

— E você veio por quê?

 Eu baixei meus olhos, parando de comer. A simples lembrança de que Aghata pudesse estar entre os atingidos pelo ataque, me angustiava.

— Tem uma pessoa que eu amo muito e que serve nos médicos sem fronteiras. Ela está aqui.

— Então você veio quando soube do ataque.

— É.

— Sabe que pode levar meses até você saber de algo, né?

— Meses?!

Eu fiquei chocada e, ao mesmo tempo, a minha ficha caiu. É claro! É um país ditatorial; é um país que não tem a menor vergonha de explorar a miséria do seu próprio povo! O que eu esperava?!

— Desculpe. Eu não fui muito sensível com você quando me falou que era alguém que amava. Talvez eu esteja ficando paranoica e louca nesse lugar.

— Não, não… Você está certa. Eu que não havia atinado direito para a situação, mas agradeço.

Olhei para ela e me dei conta que estava falando com uma completa desconhecida, nem sabia seu nome.

— Desculpe, não me apresentei. Meu nome é Paula.

Estendi a mão para ela.

— O meu é Astrid.

Ela estendeu a sua mão, sorrindo.

— Você é enviada de que jornal?

— The Last Minute. E você? Onde trabalha?

— Sou professora e pesquisadora da Universidade Wise.

— E qual o nome da mulher que tem seu coração?

Sua pergunta foi direta e ela sorria.

— Aghata. Mas por que você achou que era uma mulher?

Eu me considerava uma mulher feminina e também não achei que Astrid fosse lésbica, a ponto de perceber algo em mim.

— Você falou pessoa… e… usou o pronome no feminino. Assim fiz minha conexão, não esqueça que sou repórter. — Ela sorriu novamente.

— Isso te incomoda?

— De forma nenhuma. Depois de viver algum tempo nesse lugar, quem tem algum tipo de opinião formada sobre as convenções do mundo tem que reciclar sua forma de pensar! Mas eu nunca tive, realmente, esse tipo de preconceito. Tive muitas amigas e amigos gays, mas hoje não tenho muito contato. Minha vida aqui é escrever e enviar notícias.

— Então você não é gay.

— Não, mas eu acho que hoje eu sou é assexuada mesmo! – Gargalhou. – Estou há tanto tempo na seca que se uma cobra me cantar sou capaz de dizer sim… – Continuou a rir

Ri junto com ela, mas meu humor não estava muito para piadas.

— Astrid, se souber de algo importante nessa coletiva, você me fala?

— Minha amiga, minha vida é dar notícias, mas não ache que eles falarão algo interessante, verdadeiro ou que traga esclarecimentos a respeito do que aconteceu. Vou às coletivas porque tenho que manter informado o meu jornal, mas aprendi que eles passam para nós só o que convém. Algumas vezes, quando a gente pressiona, eles até deixam escapar algo. É disso que normalmente corremos atrás, mas eles têm assessores muito bons, nem sempre conseguimos. Mas pode deixar que se eu conseguir alguma informação a respeito, eu te digo. Você vai ficar hospedada aqui o tempo todo?

— Por enquanto, vou. Acho que é um lugar estratégico para captar informações.

— Você está certa. A maioria dos enviados se hospeda aqui. É um lugar mais seguro e próximo a tudo.

— Bom, acho que vou ao QG das forças de paz e depois à embaixada novamente.

— Já esteve lá?

— Já estive sim, mas tinham tantas pessoas procurando informações que eles fizeram um cadastro nosso para nos contatar. Sei que é balela, foi só para desopilar o saguão da embaixada.

— Bem, eu tenho que me adiantar também. A coletiva começa daqui a uma hora. Você estará aqui na hora do jantar?

— Devo estar sim.

— Meu quarto é o 415. Liga para lá, eu janto com você e te digo o que aconteceu na coletiva.

— Ligo sim.

Despedimo-nos e eu fui para o edifício das forças de paz. Estava uma algazarra na frente. Todos queriam alguma informação. Distanciei-me e comecei a observar a frente do prédio, do outro lado da rua. Eu era uma pesquisadora, não era? Então vamos ver se eu consigo observar algo que seja útil! – pensei.

Fiquei horas ali, vendo quem passava pelo bloqueio da multidão e quem não tinha autorização, até que consegui divisar algumas pessoas que faziam uma pequena fila no beco ao lado do prédio. Aproximei-me e fiquei naquela fila. Algumas pessoas conversavam e pude entender que aquela fila era para quem quisesse se alistar e participar do programa de auxílio. Não pensei duas vezes. Eu me alistaria.

— Qual o seu nome?

— Paula Nogueira Atanar. Respondi uma ficha com uma enorme lista com perguntas do tipo; de onde eu vinha, o que eu sabia fazer, o que eu pretendia, onde eu morava, enfim, eles me contatariam se minha ficha fosse aprovada. Eu estava ansiosa para isso. Seria a única forma de ter notícias realmente concretas de Aghata. Voltei para o hotel e me encontrei com Astrid. Mais tarde, eu veria que a única ação que realmente me enviaria para alguma notícia concreta a respeito de Aghata, foi me alistar nas forças de paz.



Notas:



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