Novamente, eu e minha fiel escudeira estávamos entrando numa lanchonete para mais um dos meus encontros. A diferença era que esse seria às escuras. Ao menos para mim, pois eu não fazia a mínima ideia de como seria a tal de Maria de Jesus.

– Ju, vou sentar no balcão e você naquela mesinha do canto.

– Qual o plano de fuga?

– Não tenho nenhum pronto, mas vou resolver. Se ela for muito feia, vou chegar e falar que sou sua namorada!

– Deixa de ser superficial! Vou pra lá antes que ela chegue!

Como sempre, estávamos uma hora adiantada do horário. Camila sentou e ficou observando. Logo a lanchonete começou a ficar movimentada. Foi entrando um pessoal que estava saindo da igreja que ficava em frente à lanchonete. Duas moças entraram e sentaram próximas a mesa onde estava e ficaram me olhando e cochichando uma com a outra.

Logo, apareceu uma moça muito magra, um pouco maior que eu, a pele morena clara e o cabelo castanho, com óculos fundo de garrafa. Veio em minha direção, sorrindo tranquilamente. Em seu peito ostentava um crucifixo e na outra mão carregava um livro enorme que mais parecia uma bíblia.

– Oi! Você deve ser a Juliana?

– Oi, sou eu sim!  Você é a Maria?

– Sim. Como você está?

– Tô bem e você?

– Muito bem, agora. Pois vou cumprir com os planos do meu senhor!

Fiquei calada tentando absorver o que ela estava dizendo. Ela se sentou e repousou o livro sobre a mesa que, aliás, era uma bíblia mesmo.  Ela sorriu e novamente começou a falar.

– Acabei de sair da igreja, o lar do meu senhor. Lá eu me sinto em paz.

– Imagino que sim.

Olhei por sobre o ombro dela e vi Camila lá no balcão olhando para Maria e segurando a vontade de rir, pois a mulher era quase uma freira. Usava uma saia longa abaixo do joelho e meia calça com um sapato fechado. Se ela não tivesse me mandado um e-mail falando que era lésbica eu nunca iria imaginar, pois me parecia religiosa demais. Olhei para o crucifixo que ela estava segurando sobre o peito.

– Você tem alguma religião, Juliana?

– Acredito em DEUS, mas religião não.

– Hum.

– Além do mais, algumas religiões condenam as pessoas como eu.

-Sim, você está certa. Acho esse comportamento um pecado.

Espera aí! Repassando a última frase dela, tentando processar a informação: “esse comportamento um pecado”. Mas ela não é lésbica? Tem algo muito errado nisso.

– Mas você não é, Lesb…?

– Não termine sua pergunta! Essa palavra pecaminosa! Não sou!

– Mas por que marcou um encontro comigo?!

Ela olhou para o alto, mirando o teto como se estivesse enxergando o céu e me respondeu, suavemente.

– Vim cumprir a missão que meu senhor Jesus passou. Sou Maria de Jesus, a salvadora dos seres humanos.

Acho que eu devia estar meio lerda naquela hora porque as informações estavam difíceis de processar. Pelo que entendi, estava frente a frente com a salvadora da humanidade. Tive vontade de rir na hora, achando tudo muito surreal. Vi Maria me estender a bíblia. Confesso que nunca abri uma.

– Você já leu?

– Alguns versículos, sim.

O que não era de todo mentira! Ainda lembro daquele salmo 23: “O senhor é meu pastor e nada me faltará…”, mas era meu avô que lia para mim quando era criança.

– Leia Coríntios 6:9!

Meio desconfiada peguei a bíblia e procurei pelo versículo indicado. Quando li me deparei com tal citação “Ou não sabeis que os injustos não herdarão o reino de Deus? Não vos enganeis: nem impuros, nem idólatras, nem adúlteros, nem efeminados, nem sodomitas…” Espera aí! Efeminados… O que ela estava querendo me mostrar com isso?

– Leu?!

– Sim…

– Entendeu?!

– Na realidade, eu não entendi.O que você está querendo com isso?

– Te mostrar que você está pecando e precisa pagar os pecados para ir para o paraíso. Minha querida, a bíblia diz que pessoas assim, que não seguem a ordem natural de se envolverem com o sexo oposto não alcançarão o céu.

– E você já foi ao paraíso, por acaso? Pra ver que só os religiosos estão lá?!

– Não, mas a bíblia diz muito!

– Hum…

– Você devia se arrepender, ainda há tempo! Vá para a igreja.

– Espera aí! Quer dizer que você marcou um encontro comigo só para tentar me convencer que, se eu não mudar, vou queimar no “mármore” do inferno?

– Você pode entender como quiser. Não gosto nem de pensar no sofrimento eterno que pessoas assim como você terão quando morrerem.

– Não me interessa o que você pensa! Acredito que DEUS não vá me julgar por amar de um modo diferente. Não acho que isso é questão de escolha, e sim, é uma condição. E sinceramente, sou feliz assim.

– É o que você pensa, pois DEUS quando criou o mundo fez um casal com sexos diferentes, o feminino e o masculino. Para que todos pudessem ter alguém e dividir a vida para poderem se reproduzir.  Este mundo está acabando! Eu ouvi a profecia de que este mundo não passará de 2020. Você precisa se converter, ainda está em tempo e eu estou aqui para te ajudar.

Enquanto ela tecia argumentos para que eu me convertesse e saísse do caminho “pecador”, segurava o meu braço de uma forma carinhosa. Eu já estava prestes a levantar e ir embora.

– Eu sei que, no mundo de hoje, é difícil ter um caminho certo para se seguir. Vá à igreja e saia deste caminho de perdição.

– Para! Já chega! Já disse que é assim que sou e é assim que sou feliz.

– Se você não vai por vontade própria, te obrigarei! Farei de tudo pra cumprir a minha missão e salvar moças inocentes como você!

– Tente!

Quando a desafiei, a louca segurou o meu braço fortemente e começou a falar com outras pessoas que estavam na lanchonete. As duas moças que haviam entrado e sentado na mesa próximo a mim se levantaram e, algumas outras pessoas, que não sei de onde surgiram, também e começaram a fazer um círculo em volta de mim.

– A segurem!

Tentava soltar meu braço. A mulher era magra, mas tinha uma força descomunal. Logo, fui segurada por duas outras moças e senti as mãos de Maria de Jesus repousar na minha cabeça como se estivesse me exorcizando. Eu vi Camila em pé, olhando para a algazarra que tinha se formado lá e, depois se encaminhando para o dono da lanchonete, entregando o celular e fazendo alguns gestos confusos apontando para onde estávamos. Já estava jurando que ia matá-la se ela não me tirasse daquela encrenca.

Maria forçava minha cabeça para baixo, fazendo meus olhos se voltar para o chão e não me permitindo enxergar o que acontecia à minha volta. Eu tentava me soltar, me debatendo com toda a minha força, mas as duas mulheres que me seguravam eram mais fortes do que eu.

Já estava ficando agoniada por estar no meio de um tanto de gente orando e falando coisas sem nexo. Escutava a oração de Maria de Jesus:

– Senhor, perdoa esta alma, ela não sabe o que faz, purifique esta jovem mulher e que ela volte para o caminho da luz. – Com uma mão repousada em minha cabeça e a outra segurando sua bíblia. – Senhor, nosso pai todo poderoso, perdoe essa alma inocente! Ela está sendo influenciada por aquele lá de baixo. Senhor, ela não sabe o que faz. Ajude-me a convertê-la para o caminho da luz.

– ME SOLTA!

Eu já estava prestes a dar uns sopapos na cara daquela mulher maluca, mas logo senti um baque forte que me levou ao chão. Quando percebi, Camila estava puxando pelos cabelos as duas mulheres que estavam me segurando, as obrigando a me soltar.  Bateu a cabeça das duas, uma na outra, e já foi pra cima de Maria de Jesus. As duas rolando no chão, enquanto a roda dos fanáticos religiosos olhava meio incrédulos a figura de Camila dando umas tapas em Maria. Fiquei um bom tempo sem reação. Alguém do lado de fora gritou:

– GENTE, A POLÍCIA!

Então a algazarra começou. O grupo de fanáticos religiosos começou a sumir. As duas moças que estavam me segurando tentaram fugir, mas eu coloquei as minhas pernas no caminho fazendo as duas caírem. Não ia deixar barato por elas terem me segurado, enquanto a louca profetisa do fim do mundo tentava me exorcizar! Começou a briga entre elas e eu, enfiava minhas mãos puxando os cabelos de cada uma, enquanto elas gritavam. Senti duas mãos me puxarem pela cintura, me tirando de cima delas. O policial gritou:

– Vai todo mundo pro xilindró!

– Ei! Eu não fiz nada! Sou inocente! – Tentei falar para o policial.

– Todos somos, lindinha. – Disse sarcasticamente o policial.

Olhei para Camila, que estava algemada e com os lábios sangrando, e Maria de Jesus que estava com a blusa toda amarrotada com os cabelos desgrenhados e o nariz sangrando. Senti uma satisfação enorme em ver o nariz daquela louca sangrando, achando bem feito a lição que Camila lhe deu.

O policial me algemou e indicou a direção da viatura. Camila e Maria de Jesus também estavam indo, as duas, numa discussão verbal.

– Se você encostar um dedo na Ju de novo, eu quebro essa sua cara, sua louca!

– Você deve ser uma transviada como ela! Você vai queimar no inferno! DEUS vai te castigar por ter batido em mim, uma das suas profetisas. Tenho certeza que ele te castigará como castigou aqueles que humilharam Jesus Cristo.

– Vocês duas fiquem caladas! – Ordenou o policial, colocando nós três dentro de uma viatura, as outras duas de algum modo conseguiram fugir.

Fomos para o departamento de polícia em silêncio, não era muito longe da lanchonete.  Os policiais nos levaram para uma cela, colocando eu e Camila dentro de uma e Maria de Jesus na outra.  As celas estavam vazias, mas não era um lugar muito agradável de ficar.  Maria de Jesus começou a rezar e a falar uma língua estranha ou sei lá o que era aquilo, como se estivesse fora de si mesma. E a Camila começou a gritar:

– EU QUERO UM ADVOGADO! EU TENHO DIREITO A UMA LIGAÇÃO!

– Sossega, Camila.

O engraçado daquela situação era que eu não estava brava com a Camila por ter me metido nela, na realidade, eu estava achando divertido. Nunca tinha sido presa.

– Veja por um lado bom.

– E desde quando ser presa tem um lado bom, Juliana?!

– Ora, pense comigo, sempre fomos consideradas as certinhas. E as certinhas não são presas.

– Tá bom, mas aquele trouxa do dono da lanchonete nem nos ajudou! Eu falei pra ele chamar a polícia e ele deixa a gente ser presa!

– Ah! Então foi você que pediu a ele pra chamar a polícia?

– Foi. Achei que aquele povo ia te sequestrar, sei lá! Foi a única solução que arrumei na hora. Desculpa.

– Tudo bem!

Novamente o silêncio entre a gente, ela estava constrangida pela situação em que estávamos. Mal se passaram dez minutos e um policial veio nos chamar.

– Vocês duas, venham comigo!

Saímos da cela e eu imaginei como aqueles filmes de TV onde os presos assim que saem da cela estendem as mãos para serem algemadas. Eu estendi as minhas para que o policial algemasse.

– Não precisa, moça. Vocês estão liberadas, mas o delegado tá querendo falar com vocês!

Fomos caminhando para a sala do delegado, guiadas pelo guarda. Quando entramos na sala, atrás da mesa se encontrava um senhor meio careca, com um bigode estilo Leôncio do Pica Pau, que nos recebeu.

– Então vocês são as moças que estavam na lanchonete no meio daquela confusão.

– Sim, senhor delegado, somos nós. Mas foi aquela louca lá dentro que começou a confusão.

Camila que respondeu.

– E por que começou a confusão?

– Foi um encontro.

Eu disse meio constrangida. Como dizer para o delegado que estava marcando encontros pela internet?

– Que tipo de encontro?

– Um encontro como qualquer outro.

– Certo! Vocês estão liberadas. O senhor dono da lanchonete prestou depoimento e disse que vocês foram as vítimas e que estavam se defendendo. Ele retirou a queixa contra vocês. Podem ir.

Não ficamos nem meia hora na prisão, para o meu alívio e o de Camila. Saímos de lá e fomos caminhando de volta até o meu carro que estava estacionado na praça. E, para nossa sorte, não era muito longe. Quando entramos no carro, olhei para Camila com a boca um pouco inchada.

– Sinto muito, Ju.

– Não se preocupe. Você está bem? Tá doendo muito?

– Não. Tá muito inchado?

– Não, só um pouquinho!  Mas agorinha passa.

– Ju, se eu soubesse que aconteceria isso, não teria marcado esse encontro. Desculpa! Juro para você que nem imaginava. Olha, se quiser, desmarca o próximo encontro.

– Amanhã, a gente conversa sobre isso. O próximo é só na sexta. Deixa isso quieto, vamos embora.

Fomos para o meu apartamento e ela continuava um pouco transtornada pelo encontro desastroso que tivemos.

– Camila! Olha, não precisa ficar assim, não. Adorei você ter me defendido! Além do mais, somos recordistas! Nem ficamos meia hora presas.

Olhei para o relógio que apontava 23h.

– Poxa, Ju! Não suportei ver aquela mulher começar a gritar as coisas que gritou, como se você fosse um bicho e te exorcizar como se você não fosse deste mundo. Foi dolorido! Por isso, que eu pulei em cima dela, queria fazer ela engolir aquela bíblia.

– Calma, Cami. Deixa isso pra lá, mas que deve ter sido uma cena bizarra de se ver, isso deve ter sido.

– Bom, eu não gostei muito, mas adorei sentir os ossos do nariz daquela maluca quebrando no meu punho.

Ela deu um olhar malvado, me mostrando os punhos cerrados em sinal de raiva. Foi inevitável não cair na risada, quando lembrei dela rolando com a Maria de Jesus no chão da lanchonete. Ela agiu como uma gata brava defendendo os seus filhotes. Dei um beijo no rosto dela e a abracei!

– Você só me mete em confusão, mas eu amo você. Muito! Obrigada, por me defender.

-Ai! Para de rir, Ju.

Abri a geladeira e preparei uma compressa de gelo para ela colocar na boca inchada.

– Não consigo! Tô lembrando de você, puxando aquelas duas malucas que me seguravam pelos cabelos e depois pulando pra cima da Maria de Jesus. Nossa! Muito hilário! Você fez o que eu estava com vontade.

– Ah, você perdeu! Ela tem o rosto macio de se bater.

– Rosto macio de se bater? E como é isso?

– Daquele tipo que você bate e não quer parar de bater!

Nós caímos na risada e fomos para meu quarto dormir, estávamos exaustas. No dia seguinte, teríamos um descanso dos meus encontros desastrosos. Agora, era só decidir se ia ou não no último encontro.

 

 



Notas:



O que achou deste história?

9 Respostas para CAPITULO 05

    • pior que tinha me esquecido mesmo rsrs to meio avoada essa semana! publiquei esperando liberar só! Ah prometo que publico outro capitulo essa semana rsrs só pra compensar o atraso!

  1. Gente, um desastre atrás do outro! Coitada dessa moça! Ser parte de um exorcismo?
    Mas, foi muito engraçada a cena, consegui imaginar a situação! Kkkkkkkk….

    • Fico feliz que conseguiu imaginar, também consigo imaginar os pratos que a Diana descreve em solarium com seu apoio rsrsrs.

  2. Jesus ri demais…
    ?????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????
    Só mais um pouco
    ??????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????
    ?????????????

  3. Indiaaaaa!! Esta história é hilária, mas este capítulo se supera! Eu morri de rir. Demais! Diz que vai rolar um extra pra gargalhada continuar rs. Excelentes Encontros!!

    • Ow, que honra, um comentário seu Nefer, obrigada e novamente obrigada por revisar pra mim. Bjus!

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