O problema da Camila era que quando ela coloca uma coisa na cabeça ninguém tira. Agora, ela decidiu que eu tenho que desencalhar. Só falta querer fazer um outdoor com uma foto dizendo que estou à procura de uma namorada. Melhor nem pensar nisso, ultimamente era só pensar que acontecia.

Ela é tão desaforada que me ligou às seis horas da manhã.

– Você prometeu que ia aos quatro, independente do que acontecesse em qualquer um!

– Não prometi nada, Camila. Deixa de ser inconveniente que eu ainda estava dormindo!

– Eu ainda tô na cama, Ju, e não vou deixar você desistir, tá bom?

– Camila?

– Oi!

– Vai ver se eu to lá na esquina penteando macaco!

Desliguei o telefone na cara dela. Tenho mania de dormir com o celular do lado do travesseiro. Acho que todo mundo faz isso, atualmente. Ninguém vive sem o celular, agora, o meu tinha que trocar de dois em dois meses… O penúltimo consegui estraçalhar debaixo da roda do carro. Tinha acordado atrasada, saí com o celular na mão, deixei alguns papéis que estavam na bolsa cair embaixo do carro e quando me abaixei para pegar os papéis me apoiei em uma das rodas. Coloquei o celular no chão para apoiar com uma mão e a outra pegar os papéis e esqueci de pegar o celular quando levantei. Quando saí com o carro escutei algo sendo espatifado pela roda, saí do carro novamente para ver e, para meu imenso desespero, meu celular estava todo quebrado. Não sobrou um pedaço para contar a história, nem o chip. Meus colegas do serviço dizem que deviam criar um celular à prova de Ju.

O pior é que não adianta. Já fui à benzedeira, fiz reza brava, paguei prenda… Minha má sorte não tem cura. O jeito era me aceitar como era.

Camila me ligou de meia em meia hora, o dia inteiro, até me convencer de que deveria ir nesse encontro. Lembrou-me que a próxima era Noeli, a ruiva linda de olhos azuis, a advogada.

Sem chance de tirar essa ideia da cabeça da minha amiga, o jeito era ir mesmo. E foi o que aconteceu.

Novamente chegamos uma hora mais cedo. No restaurante, ela escolheu duas mesas que ficaram estrategicamente posicionadas uma de frente para outra, mas de forma afastada e a mesma estratégia de fuga. Quando achasse que o encontro não estava legal, iria ao banheiro e ligaria para ela.  Noeli chegou quinze minutos adiantados, o que me agradou bastante, mas algo na forma que ela entrou no restaurante me chamou a atenção, parecia que ela contava os passos. Não sei!

Cabelos curtos e ruivos; acredito que, ela seja maior que eu uns dez centímetros. Outra coisa que me deixou intrigada foi quando me levantei para apertar a mão dela. Ela, meio que me avaliando, segurou minha mão e, em um gesto comedido, limpou a sua mão em uma espécie de lencinho que segurava na outra mão.

– Boa noite, Juliana. Que bom poder encontrar com você!

– Boa noite, Noeli. Digo o mesmo a você!

Antes de sentar na cadeira ela meio que abanou o tal lencinho na cadeira. Achei meio bizarro esse gesto dela. Talvez houvesse alguma sujeira na cadeira que eu não tenha visto antes. Mas aí me lembrei do elogio “asseada”. Caramba será que ela tem TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo)?

– Desculpe, é que estava meio empoeirado aqui.

– Tudo bem! Gosta de comida italiana?

– Não muito, prefiro comida japonesa. É mais saudável.

Bola fora da Camila de novo, a mulher tem o corpo perfeito. Devia ser do tipo que não comia nada que tivesse muitas calorias. Capaz que ela até perguntasse a quantidade de calorias do prato que iria pedir.

– Então, vamos pedir? – Ela perguntou meio desconfiada.

– Bom… É um restaurante italiano… Importa-se?

– Não… Fique tranquila, querida! Eu peço alguma salada.

Estendeu o braço e chamou o garçom, o que me fez lembrar de Sarah me pedindo para comprar uma cerveja para ela.  Ao menos Noeli era bastante educada. Ela se sentou corretamente na cadeira, costas retas, pernas juntas e a mão pousada em suas pernas, meio que evitando encostar-se à mesa.  Olhou-me atentamente… Nada me tirava da cabeça que ela estava me avaliando.

– O que você faz?

– Sou médica, e você?

– Psicóloga, porém trabalho na parte organizacional. Sou gestora de RH. Pensei que você era advogada.

– Por que pensou que eu era advogada? Interessante você ser psicóloga, achei que fosse outra coisa! Atualmente atendo na clínica São Gonçalo, sou uma das sócias de lá!

– Hum… Interessante… Bom, acho que devo ter lido no seu perfil…mas deixe para lá.

-Tudo bem!

De onde a Camila tirou que ela era advogada? Estou achando que ela veio aqui para criticar meu trabalho, tem um jeito meio arrogante, como se olhasse todos por cima.“Interessante” isso não é elogio que se preze.

– Boa noite, senhoras. O que desejam?

O garçom chegou bem na hora. E agora? Vou pedir massa ou a acompanho numa simples salada? Melhor pedir uma salada.

– Olha, eu quero uma salada simples… Vocês servem aqui, né?

– Sim, senhora!

– Os vegetais que usam nela são naturais?

O garçom parou para pensar um pouco. Coitado… Com coisa que ele soubesse a procedência da salada.

– Sim, acho que sim!

– Acha ou tem certeza?

– Tenho certeza, senhora! São adquiridas na horta do seu Fernão. A senhora pode até ir lá, é tudo fresquinho.

Ela fez uma cara meio enojada.

– Olha, então, quero uma salada de folhas com uma pitadinha de azeite, mas fale para o cozinheiro lavar muito bem a minhas folhas.

Com coisa que ela ia lá conferir se eles estão lavando mesmo!

– Tudo bem, senhora… E você, Juliana?

– Oi, Paulo, pode trazer o mesmo pra mim.

Como sou freguesa frequente deste lugar, conhecia praticamente todos os garçons. Ele sorriu para mim e foi providenciar os pedidos.

– Pelo jeito você vem aqui frequentemente!

– Sim…

– Hum…

– Você bebe?

– Raramente!

– Gostaria de me acompanhar em algum vinho?

– Claro.

Novamente ela ergueu o braço chamando Paulo, conversou sobre alguns vinhos com ele e, a cada marca que ele falava, ela sacudia a cabeça negativamente não apreciando nenhuma das marcas de vinho de mesa de segunda categoria. Esqueci de falar que o restaurante era bem simples. Adoro lugares assim e como a Camila ama massa como eu, somos freguesas do seu Genaro que sempre me tratou como uma filha.  Depois de olhar a carta de vinhos completa, preferiu pedir um suco de uva natural e novamente pedi o mesmo pra mim.

Ela começou a fazer um discurso da vida dela dentro da clínica como médica e os desafios da profissão. Então, logo eles trouxeram os pratos e talheres para nos servir a salada.

Ela pegou os garfos, avaliou, e em um tom como se tivesse falando consigo mesma.

– “Nem de prata são!”

E, acreditem se quiserem, de dentro da bolsa dela apareceu um spray, acho que com algum tipo de desinfetante, passou nos talheres e esfregou com um tipo de toalhinha descartável, que também tirou da bolsa.  Colocou de forma ordenada na mesa e logo o garçom trouxe a salada, em uma bandeja o que eu comecei a duvidar que ela teria coragem de comer.

Não sou muito fã de salada, mas não queria fazer feio para ela. Acabei me lascando. Olhei por sobre o ombro dela e Camila estava apreciando um prato de macarronada e me olhando com um risinho no canto da boca; fez um gesto de legal com o dedo e eu fiz um gesto suave negativo com a cabeça. Enquanto Noeli ficava entretida separando os tipos de folhas da salada, meio que avaliando se foi lavado ou não. Dispôs também de forma organizada a salada no prato. Então, vieram os copos de suco e ela rodeou o copo com a toalhinha novamente antes de beber.

Olhei novamente pra Camila que, naquela hora, enfiava um garfo cheio de espaguete na boca e fazia a expressão de prazer tão comum no rosto dela e eu olhei amedrontada para minha salada. Comecei a me servir de qualquer jeito, até que não seria o fim do mundo comer uma saladinha, até que era bonitinha. Começamos a comer num silêncio que, para mim era constrangedor a cada vez que ela levava a salada na boca, logo vinha com o guardanapo limpando a boca.

Maldita Camila! Só pode ser castigo, né? Essa cupida minha não tá com nada.

– Noeli, com licença. Preciso ir no banheiro.

– Você vai ao banheiro?!

Perguntou-me meio assustada!

– Vou sim, por quê?

– Você não terminou de comer! Além do mais, deve estar cheio de bactérias, germes, entre outras coisas! Eu, se fosse você, não ia ao banheiro agora.

– Estou um pouco sem fome… Não se preocupe.

Levantei e quase fui correndo para o banheiro com a bolsa. Entrei em um dos reservados e liguei para Camila.

– Plano de fuga… Agora!

– Calma! Parecia que estava indo tão bem… O que foi?

– Ela é maluca… Tem TOC…

– O que é isso?

– … um transtorno compulsivo, no caso da nossa amiga ela tem compulsão por limpeza. Camila, ela é pirada! Acredita que ela anda com um desinfetante na bolsa.

– Mentira! Você tá brincando, né?

– Não!

Ela caiu na gargalhada… Tentou se concentrar… Ficou alguns segundos calada.

– Volte pra mesa que agorinha apareço por lá.

– O que você tá pensando em fazer?

– Deixa comigo que vou dar um jeito dela ir embora!

– Ok!

Saí do banheiro, olhei para o lado onde a Camila estava e ela tava revirando a bolsa dela.  Cheguei à minha mesa e Noeli ainda estava entretida comendo.  Quando sentei:

– Ao menos, você lavou a mão, né?!

– Sim, lavei sim!

– Me empresta sua mão aí…

Estendi minhas mãos pra ela… E ela bateu o spray nela e esfregou com o lencinho. Sorriu como se agora eu estivesse limpa do jeito que ela gosta.

– Agora pode comer!

Xinguei mentalmente, milhares de vezes, a Camila por me meter nessas encrencas. E mal pensei nela, ela me apareceu com o olho vermelho e fungando. Parou do lado de Noeli e de um jeito meio escandaloso gritou.

– JULIANA… Menina, que saudade de você! Quanto tempo…

E fungando como se estivesse resfriada, passou a mão no nariz e limpou na roupa. Eu meio perdida levantei e ela me abraçou.

– Oi… Camila!

– E aí, quem é sua amiga?

– Noeli, essa é Camila. Camila essa é Noeli.

Minha querida amiga estendeu a mão para apertar a de Noeli que ficou extremamente assustada com a possibilidade de pegar na mão de Camila. Mas pegou para ser educada e logo limpou no lencinho.

– Posso me sentar com vocês? É que to sozinha.

– Pode sim.

Noeli quando ouviu minha resposta pareceu que ia sofrer um infarto.

– Me desculpem, é que estou muito resfriada!

Continuou fungando e limpando o nariz com a mão. Quando ela fez isso tive que me segurar para não rir.

– Você pode me emprestar esse lenço seu?

Cara de pau… Ainda teve coragem de pedir o lenço chique da Noeli emprestado que meio a contragosto emprestou pra ela. Que limpou o nariz e passou no rosto.

– Aqui, obrigada!

– Não imagina… Pode ficar, tenho outro!

Deu um sorrisinho amarelo para Camila que deu de ombros e continuou falando pelos cotovelos como sempre.  Noeli já estava com a cara desesperada e a situação piorou quando Camila começou a ter uma crise de espirros, espalhando germes por toda mesa. Noeli desesperadamente ergueu a mão e chamou o garçom.

– Feche a conta, por favor!

A vontade de rir foi tanta que eu me engasguei com o suco e Camila me deu um chute na perna para que eu não risse.

– Já vai?

– Lembrei que tinha uma coisa muito importante pra fazer!

– Mas a nossa conversa tava tão “interessante”…

Novamente recebi um chute na canela.

– Sinto muito… Prometo entrar em contato novamente com você… É uma urgência mesmo.

Levantei-me para me despedir, porém ela fez um gesto me contendo.

– Não precisa… fique aí!

Camila também se levantou para se despedir… Pelo que vi foi o auge do desespero de Noeli, que quase correu… Acredito que se a Camila se aproximasse mais dela, com certeza, ela teria corrido.

– Nãooo … Fique tranqüila… É… Camila, né?

– O seu lenço?

– Pode ficar!

A mulher catou a bolsa e sumiu que nem fumaça… Até pagou a conta. Fiquei olhando para porta até ela sumir. E, sem aguentar mais, cai na gargalhada.

– Camila, sua doida…. Não acredito que você fez isso! E de onde você tirou que ela era advogada?

– É você, tá certa… Ela literalmente correu… Cada doido que me aparece! Olha ela tem cara de advogada, e na foto dela ela tava de terninho…Eu tive certeza que era advogada!

– Não é que te aparece, Camila, e sim que você arruma pra mim, né?!  E onde já se viu falar que a pessoa tem uma profissão só pela cara…só você mesmo!

– Tá bom… Eu não tenho culpa, não sou vidente! Como eu ia adivinhar?!

– Mas bem que você tentou adivinhar a profissão dela né? Ah! Quer saber? Chega! Tô com fome.

Chamei Paulo e pedi um prato de macarronada.

– Ju…

– Oi?

– Como será que ela faz pra beijar na boca?

Foi inevitável não rir… Às vezes ela tinha cada ideia… Depois ela fez uma cara mais maliciosa ainda.

– Imagina!! Será que na hora de colocar a boca lá… Ela passa álcool pra desinfetar antes?

– Não sei…

Nós duas começamos a ter uma crise de riso… Então veio ela com mais uma.

– Acho que ela se masturba com um vidro de desinfetante!

– Ai Camila! Para… Ainda estou brava com você.

– Ah, me perdoa vai!

– Só se você me dispensar dos próximos encontros!

– Nem mortinha… Já disse que uma das quatro vai ser sua alma gêmea então… Não desista.

Fiz uma cara resignada… Ao menos estava me divertindo como há muito tempo não me divertia, queria ver como seria o próximo plano de fuga que minha amiga iria inventar. Então nem questionei.  Passamos a noite inteira rindo do incidente com a médica compulsiva por limpeza. E, novamente, marcamos para que eu fosse buscá-la no serviço no dia seguinte para o próximo encontro.

 

 



Notas:



O que achou deste história?

6 Respostas para CAPITULO 04

    • Até segunda feira né rsrsrs vou pensar se sexta adianto um capitulo caso o Brasil ganhe rsrsrs, que bom que se divertiu com esse capitulo!
      Beijos!

  1. Já estava me perguntando como ela iria se livrar dessa …e vem uma ótima ideia da Camila kkkk.

  2. Kkkkk
    É cada pretendente que a amiga arruma para a Juliana.
    Foi hilária o plano de fuga acho que a Noeli nunca irá se arriscar com a Ju em um novo encontro.
    Bjus e até o próximo capítulo

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