O restaurante não estava muito cheio, era finíssimo, ela quem havia escolhido. O mètre cumprimentou-a pelo nome.

— Srta Yumi. — entregou-nos o cardápio e se retirou.

Sobrenome japonês. Sentamo-nos numa mesa um pouco afastada do público, ela parecia um pouco nervosa, acho que por causa do meu comentário anterior.

— Yumi é japonês? — Fiz a pergunta para tirá-la do silêncio.

— Sim, e, como muita gente já perguntou, respondo: sou filha adotiva de um casal de japoneses. — Soltei um sorriso. — Acha engraçado?

Vi certa irritação na fala e no olhar.

— “Não, acho muito louvável da parte de japoneses adotarem uma menina loura, tão diferente deles, fisicamente falando.

Ela pareceu compreender a razão de meu riso e ela mesma colocou um no rosto.

— É…não foi nada fácil para eles. Todo mundo questionava sobre isso. As pessoas sempre nos olhavam quando saíamos juntos.

Inclinei-me para me aproximar mais.

– A bem da verdade até posso ver algum traço oriental em você… Seus olhos são meio puxados, sua pele é branca. — Fui dizendo isso sem tirar os olhos dos dela.

O garçom apareceu pra nos atender e salvá-la de meu quase assédio. Ela pediu frutos do mar e eu, como sempre, ataquei de frango, xadrez no caso. Ela me perguntou sobre meu trabalho, me revelou saber muito sobre meus projetos, não vou disfarçar que fiquei com o ego lá em cima, mas eu não parava de ver naquele olhar uma profunda tristeza. Tinha que saber o que provocava isso nela. Perguntou-me, finalmente, se eu era casada, ao que respondi com um satisfeito e sonoro não. Se eu tinha filhos? Disse-lhe que tinha cinco lindos filhotes. Ela pareceu se assustar, até que lhe disse que eram os gatinhos mais lindos do mundo.

— Gatos? Como você pode criar gatos? Com essa vida tão movimentada de lugar em lugar!

Então foi minha vez de deixar um pouco de tristeza aparecer na voz. — Estão com a outra mãe dele… Tive que deixá-los quando nos separamos.

Ela me olhou com curiosidade. — Entendo…Também já fui casada, mas não tenho filhos de nenhuma espécie. — Riu com a última frase, mas deixou ficar a tristeza nos olhos. — Posso te perguntar uma coisa? Fique a vontade pra não responder… — Afirmei com um aceno de cabeça. — Ela te deixou por outra pessoa?

Eu respirei profundamente, pois era um assunto que eu havia enterrado, mas meus propósitos dependiam desta resposta e eu lhe perguntaria a mesma coisa — Sim… Por um homem.

E os dias foram se passando. Sempre que podíamos almoçávamos juntas, íamos a peças de teatro, cinema. Quando eu viajava, telefonemas só pra saber se estava bem. Eu também ligava, passava e-mails, recebia outros. Eu resistia sempre ao contato mais íntimo, evitava tocar-lhe além de um aperto de mão, abraço nem pensar. O que estava acontecendo comigo? Não sabia. A minha vontade era de levá-la pra cama e amá-la muito, mas algo muito profundo me impedia. Não sabia definir e ela se mostrava solícita, de vez em quando sentia seu olhar sobre mim, via neles o desejo, mas era muito rápido.

Tive que viajar por quinze dias e comecei a evitar as ligações dando desculpas falsas, não respondia os e-mails, mas morria de vontade de ouvir a voz, de saber se estava bem ou não. Sentia que precisava de mim, e o que eu fazia? Maltratava. Comecei a ter sonhos estranhos com ela, com Glória, com você. Enfim eu voltava de viagem. Olhei o celular e nenhuma mensagem. Entrei no chuveiro rápido, precisava de água, muita. De repente uma vontade avassaladora de vê-la, de explicar meu comportamento. Pensava nisso enquanto enxugava os cabelos, quando escuto batidas na porta. Quem seria a esta hora? Mal pude acreditar no que via. Ela estava me esperando abrir a porta, foi o que fiz. Não deixou que eu falasse e me beijou com fúria, com raiva, machucando meus lábios. Lançou-me na parede e continuou na minha boca, mordendo. Antes que alcançasse meus seios, eu a empurrei afastando-a. Senti o gosto de sangue na boca.

–Não posso… — Disse ofegante pelo tesão causado por ela.

Ela, nesse momento chorava.– Eu não sirvo, não é? Quem iria gostar de uma gorda!

Então quase gritei, impedindo-a de concluir a frase — Não diga isso! Não se atreva a se desprezar na minha frente, está ouvindo?! — Agora era eu quem a segurava com força, procurava-lhe os olhos que ela evitava mostrar. — Olha pra mim! — gritei e ela obedeceu. — Me diz o que vê em meus olhos!! Diz!!! — Cheguei os lábios bem próximos aos dela. — Diz que não vê o quanto desejo você desde o dia em que te vi… — Beijei-lhe o pescoço e voltei o olhar para ela. — Diz que não vê neles a batalha que travo pra não te comer inteira…

— E porque não come?… — Perguntou gemendo enquanto eu passava a língua por seus lábios indo até o cantinho da orelha.

— Por que você não quer só sexo… Não posso te magoar porque é especial. Não gostaria que acontecesse o que aconteceu com Glória. Não posso perder sua amizade… — Nessa frase eu já a despia, deixando seus seios a mercê de minha língua. Ela se contorcia, gemia profundamente.

Eu não quero ser sua amiga…

Quando ela pronunciou essa frase eu me afastei imediatamente e olhei-a dentro dos olhos, então percebi o que acontecia ali, nas minhas fuças.

A crise de riso foi incontrolável. Ela olhava pra mim confusa, mas irritada ao mesmo tempo. As fichas caíram e eram milhares. Como eu não havia percebido isso antes. Tinha me deixado levar pela Endless Love,  sentimental, sensível, e estava sendo enganada pela “coitadinha” da Srta Yumi. Ela estava me caçando, me levando pra armadilha. Eu, Fênix Loveless, predadora, estava sendo vítima de uma caçada mais que cruel.

— Quase deu certo, minha querida. Era só manter a boca fechadinha, mas a Glória não te deu essa dica, não é? Te disse tudo sobre mim! Te disse como agir! O que fazer! Mas não te disse como lidar com o sexo para não se deixar trair! Que pena… — Enquanto eu dizia estas palavras com o maior sarcasmo, ela se recompunha, muito vermelha — E então? Vai ficar calada, Srta Yumi? Devo dizer que fez um bom trabalho… — Também vesti minhas roupas. — Diz a Glória que valeu a força, mas, que quando precisar que me enganem, sei a quem procurar. Profissionais extremamente eficazes. Nem ela e nem você iriam conseguir isso, porque se deixam dominar pelo sentimento!!

Ela pegou a bolsa jogada no chão, olhou diretamente para mim e disse — Dane-se!

— O desejo é recíproco.

Ela mesma abriu a porta e saiu batendo-a com força. Fiquei a balançar a cabeça como se ainda não acreditasse em tudo o que aconteceu. Um alívio enorme tomou conta de mim, me senti leve, uma sensação boa de liberdade,  como se estivesse finalmente pronta para encontrar o meu amor.

— Desgraçadas! — era o mantra que eu cantava enquanto ia de um lado a outro. Era estranho tudo isso. Que prazer teria Luna em me fazer de idiota? Glória eu sei, mas ela… O que estaria por trás disso? Precisava descobrir o quanto antes.  Num impulso liguei para Glória…

— Alô… — a voz meio sonolenta atendeu.

— Preciso de você, amiga! Vem pra cá agora! — Fingi nervosismo.

— Aconteceu alguma coisa? Você está bem? — Ela estava preocupada, que doida.  Me odeia e me ama.

— Vem agora, por favor!

— Estou aí em meia hora. — Desligou.

Eu precisava bolar uma estratégia.  Tinha que ser perfeita ou não descobriria nada.  Tomei outro banho, pus uma roupa bem sexy e esperei.

Quando abri a porta encontrei uma Glória agitada.

— Que foi? Que aconteceu?

Me joguei em seus braços. — Me ajuda… —  boa atriz tem que lacrimejar nestas horas, fazer cara de choro, tremer, essas coisas. Tentei.

— Acho que estou perdidamente apaixonada pela Luna… Ela esteve aqui hoje e… — Parei fazendo drama. Ela olhou nos meus olhos, eu desviei. Ela puxou meu rosto pra poder ver o que tinha acontecido.

— Aquela vaca te comeu, não foi?! — pronto, o espetáculo estava pra começar.

— Não fale assim dela…Nós..fizemos amor! — Deus como eu estava sendo falsa… — Eu estou perdidamente apaixonada! Ainda mesmo com o que o que ela me contou… — Neste instante vi minha AMIGA empalidecer.

— Te contou o quê, aquela vagabunda??! — Estava irada e isso era muito bom, ia perder o controle a qualquer momento.

— Que você… Que foi você quem deu todas as dicas para ela me conquistar pra se vingar de mim, mas aí ela se apaixonou e não teve como não me contar sobre isso, mas eu não acreditei!! Você é minha amiga!

Ela parou e olhou pra mim comovida. — Deixa eu te contar tudo, meu amor…

Eu a olhei com olhinhos inocentes de quem sofre — Me ajuda a entender, eu amo a Luna! Não quero ser injusta com ela. Quero ter um relacionamento sério, construir uma vida com ela…

Ela suspirou e quase vociferou. — Não com aquela piranha, eu garanto! — Me puxou pra sentar no sofá, e eu era todinha ouvidos. “Fala miserável”, pensei.

— Primeiro quero que saiba que estou arrependida de ter ajudado ela com o plano sórdido de te destruir. Eu a vi pela primeira vez em Hong Kong. Estava numa das festas de negócios que rolavam lá depois que aprovávamos os projetos… Lembra que foi numa festa destas que você literalmente consumiu uma ruiva linda?

Me fiz de desentendida e depois de pensar lembrei. — Sim! O nome dela era  Cláudia.

— Pois bem, até aí eu não me dava conta de quem era ela, mas via como ela olhava você, como se quisesse esganá-la. Vi quando você saiu com a ruiva e ela te seguiu. Você subiu para um lugar onde eram reservados quartos para alguma eventualidade e ali, não faltava eventualidade, não é mesmo?

Me fiz mais uma vez de desentendida. — Isso é passado, Glória! Estou amando de verdade! — aprimorei minha farsa.

— Pois bem! Sua queridinha nada mais era do que a esposa de sua deusa ruiva! Segundo ela, você destruiu um casamento de mais de 4 anos. Como sei disso? Bom, eu consolei a coitadinha depois dela ter visto você em ação com a gostosa da esposa. Nunca vi tanto ódio. Então eu falei que sabia quem você era, que só queria se divertir. Bom, acabei ficando “amiga” dela. Foi quando me ofereceu um emprego em sua empresa. Fiz os contatos que ela precisava para a fusão com a sua e o  resto você sabe.

Levantei-me imediatamente do sofá. — Obrigada pela explicação “amiga”, e por ter me livrado de duas piranhas ao mesmo tempo, você e ela! Você, principalmente!! Ela eu até entendo, eu não conheço mesmo, fingiu o tempo todo e eu disse isso na cara dela hoje!! Sabe que nem sexo eu consegui fazer com ela??! Mas você não!! Você era minha amiga! A única pessoa que conseguiu me consolar da dor e agora, por consideração a isso, vou manter a relação profissional que temos. Esquece Mirian… Pra você só existe Fênix!! Acho que não temos mais nada a conversar.

Ela chorava copiosamente. — Você estava fingindo pra mim…

— Não foi o que você e aquela pilantra fizeram comigo? Estamos quites. Agora, por favor, saia… Preciso dormir

Ela saiu em silêncio. Fiquei um pouco ainda pensando. Senti uma dor incômoda, um cansaço, uma saudade. Lágrimas se soltaram de meus olhos como há muito não faziam. A máscara havia caído, e ali, no chão frio, jazia quase que sem forças, meu eu verdadeiro: Endless, a sobrevivente.



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