Acordei tarde no outro dia. Não me levantei. Não tinha vontade. Ficaria ali a vida inteira, longe de tudo, de todos. Peguei o celular: 10 chamadas não atendidas. Coloquei ele do meu lado na cama, uma vontade de chorar me assolou novamente e deixei vir. O cel vibrou novamente, resisti, não queria falar, parou. Fui ver quem ligava: o boss, mais lágrimas. Estava perdida, não sabia mais em quem confiar, não sabia mais o que queria da vida, só queria descansar.  Novamente o celular me dizendo da realidade. Iria atender, talvez o boss pudesse ajudar, era o único agora.

— Alô… — Falei com voz meia chorosa, ouvi um miado e levantei rápido com o coração na mão. Outro miado, desta vez mais forte. — Filhota? Give? — Então ouvi mais miados misturados. Comecei a chorar feito criança. — Meus filhos! Meus amores! Que saudades! Mamãe ama vocês, viu?

E o miado ia aumentando a cada palavra minha. Meu peito parecia que ia explodir de tanta felicidade, e de repente, me lembrei da razão de estar viva e me enchi de coragem e amor. Eu era deles e eles eram meus, como eu pude ter esquecido isso? Por pura covardia. — Meus amores, quero falar com mamãe Love — Ouvi um barulho discreto de algo sendo desligado e sua voz em meu ouvido. — Eles querem te ver,  entra no skype.

Não conseguia processar o que você me dizia, maravilhada, abobalhada. Levou um tempo enorme antes de entender o que você me pedia. — Tá… — Palavra única que pronunciei.

Há um tempo tinha instalado o programa por exigência do boss. Posicionei a webcam, você me forneceu o endereço,  e a imagem que vi parou com qualquer coisa que eu pudesse assimilar. Lá estavam eles, os seis. Give, os tri-gêmeos,  Branca e Plita. Eles me olhavam e eu os olhava. Estavam lindos. Falei com a Give,  minha princesinha vestida a caráter com uma tiara de pedras brilhantes,  os gêmeos com chapéus coloridos (uma cor para cada um), minha Branca com o laço cor-de-rosa e minha Plita igual, todos miando. Fiquei conversando com eles, enternecida ao extremo, quando meu Lelo avançou pra tela, sempre ele…

— Não, meu filho! Não faz isso, não lambe a tela! Mamãe Love não gosta! Não faz! — não adiantou, ele já estava com o focinho grudado lá.

Foi quando a cena mais linda aconteceu: você, suas mãos, suas pernas, afastando nosso Lelo da tela. Minha vontade de te ver aumentou muito, te pedi, mas você negou.

— Não, acho que já basta, eles mataram a saudade de você.

— Espera! Por favor! — Pedi, mas foi em vão, você desligou.

Liguei como uma louca pra casa, pro seu cel, deixei mensagem no MSN, no mail, no cel, no fixo, enchi sua caixa de mensagens de todos os tipos, até que, finalmente, você cedeu.

— Oi…

Tua voz, o timbre inigualável e tão conhecido como se minha vida toda eu houvesse escutado esse som, diferente, mas tão meu e tão cheio do sentimento que queria pra mim desde sempre. O meu eterno, o meu nunca abandonado, o meu tudo.

— Oi, vida… — ouvi teu suspiro.

— Tive que te ligar, te mostrar pra eles. Estavam inquietos. Senti que era você, a única pessoa que poderia acalmá-los. Eles sentem tua falta.

Nesse momento arrisquei uma pergunta. — Só eles?

Demorou alguns segundos para responder. — Não. — Um fio de voz me respondeu e foi o suficiente para eu perceber que queria minha família de volta e lutaria como um deus para tê-la.

— Me diz, Love… — Senti que queria me falar algo.

— Tenho duas notícias para te dar.

— Me conta, o que aconteceu?

— Eu e Roberto nos separamos.

Queria ficar triste por você, mas a esperança de retomar a luta e conquistá-la de vez não deixou. — Sinto muito. — Disse mesmo assim.

Você riu meio sarcástica. — Mesmo?

Precisava dizer algo urgente, mas nada me vinha à cabeça, além do fato de que você estava livre . — Como… Por quê?

Você me interrompeu meio brusca. — Ele não aguentava mais uma pessoa em nossa cama, em nossa vida, e eu… Eu buscava nele aquela pessoa que lembra de colocar absorvente em minha mala quando precisa, que me faz chá de hortelã ou leite queimado antes de dormir, que leva nossos filhotes ao veterinário, pra passear e tem a enorme paciência com nosso Lelo que comeu dois pares de sapatos italianos dele. Alguém que suporta meu edredom, mesmo no calor… Que ama meu abraço de polvo que quase sufoca, que me suporta os maus humores da TPM… Que me trás flores azuis quando me sente infeliz, que lava meu cabelo com cuidado, mesmo molhando o banheiro todo… Que me ama como sou…

Nesta parte tua voz estremeceu. Um aperto no coração foi inevitável

— Quero minha família de volta, Love… — disse em meio às lágrimas. — Quero teu amor! Quero te dar a segurança do meu…

— Vai ter que me convencer primeiro, Endless… Ainda mais agora que a família vai aumentar… Mirian…

— Sim, minha vida, fala, achou outro filhote, não é? Como ele é? Ou ela?

— Eu não sei, só vou saber daqui a seis meses.

Não consegui me sustentar nas pernas e, não fosse a cama estar próxima cairia no chão. — Grávida… Você está grávida? — não me respondeu.

— Haja o que houver, vou estar te esperando. Não demora. — desligou sem que eu pudesse replicar qualquer coisa.

Ainda não havia digerido bem todas as informações que recebi. Meu corpo estava como se tivesse recebido uma descarga elétrica, agitado, em alerta, trabalhando em rotação ultra-avançada. Precisava agir agora mesmo ou enlouqueceria. Liguei pro boss, queria comer meu fígado quando disse que voltaria para casa.

— Sua casa é a China!

Perturbou-se e disse-lhe que minha casa é o mundo, mas gostaria de pousar mais em casa e que tinha motivos sérios.

— Como vai ter um bebê?! Está grávida?! — meu boss delicado como sempre.

Não entrei mais em detalhes, já tomara a decisão e ele sabia que seria difícil me dissuadir, ainda mais que ele não tinha mais poder de decisão depois que sua querida Luna assumiu o controle da empresa e transferiu-se para a Austrália onde fica a matriz da mesma levando Glória junto. Menos mal. Acho até que vão se dar bem uma com a outra. Ri de meu descaramento, mas logo voltei os sentidos para você, precisava concentrar-me. Depois de uma semana resolvendo todos os detalhes da mudança, estava voando para meu lar, para a minha vida.

Em casa. Não posso descrever aqui com palavras as sensações que senti ao entrar no lugar de onde nunca quis sair. Meu lugar, o cheiro, meu cheiro, seu, dos filhotes. Tantas lembranças. Larguei as malas no chão, um silêncio até ouvir os miados invadindo a sala. Lelo foi o primeiro a chegar, apanhei-o do chão, não podia falar, o choro não deixava. Foram chegando e me agachei, deitando no chão para agarrá-los, todos em cima de mim, e a sessão almofada começara. Chamei o nome de cada um. Estavam lindos. Ficamos nessa brincadeira até eu ouvir a voz de minha irmã, Marina.

— Fez boa viagem?

Me surpreendi. — Marina? — Ela não estava com a cara muito boa. — Aconteceu alguma coisa? — me ergui rapidamente. — Onde está Cris?

Ela baixou a cabeça. — Viajou hoje de manhã. Pediu pra tomar conta dos filhotes enquanto você não chegasse.

Senti o chão sair de meus pés. — Pra onde? — as palavras saíram sem meu controle.

— Não sei. — Marina mais uma vez fez a cara triste. — Ela pediu licença do trabalho.

A cabeça funcionava incessantemente. Medo, dor, desespero. Corri pro nosso quarto e teu cheiro estava no ar. Em cima da cama havia um papel. Quando o vi foi como se tivesse achado a cura para todo meu tormento. Abri-o, estava em branco com teu cheiro impregnado nele. “Onde você está, minha vida?” perguntei intimamente. Comecei a sentir falta de ar e fugi pra fora da casa. O mar… Precisava do mar, ele me acalmaria para poder pensar melhor.  Chegando lá eu o vi… O coração desenhado na areia uma flecha atravessando-o. Ajoelhei-me e deixei a dor entrar de vez, levando meu coração a pulsar mais devagar. “Preciso me acalmar… Preciso me acalmar”.

Uma brisa soprou mais fria e era como se tua voz viesse por através dela me dizer palavras de consolo. Quis ouvir sua voz. Respirei profundamente um ar que respirei por toda a minha vida. Teu ar. Você.

Teus braços em meu corpo resgataram meu ser do escuro. Tuas pernas trançadas às minhas, faziam parte de meu caminho sólido até o amor. Tua respiração em minha boca transformava minha existência em algo de maravilhoso e eterno. Eu estava viva. Acomodei-te a mim, segura, presa na liberdade de meus sentimentos. Tua voz ressonava em meu cérebro, num timbre afetuoso e sincero. “Preciso de você… Vem me buscar…”. De repente não sentia mais teu contato, só um frio ameaçador, uma tristeza e solidão infinitas. Meu mundo havia sido destruído e eu só podia chamar teu nome, nada em mim se movia, nem meus olhos, só meus lábios a te chamar desesperadamente. “Love!!”, me vi gritando até que Marina apareceu no quarto me sacudindo.

— Mirian, o que foi?!

Um sonho, meu sonho. Não iria terminar assim. Quero a sensação de ter você de volta, mesmo sem nunca ter tido você de verdade. Olhei Marina que estava assustada me observando. Então calmamente eu lhe pedi.

— Me conta tudo. — Ela continuou me olhando.

— Tudo o quê? — Perguntou meio desconfiada.

— Tudo o que ela fez de ontem pra cá. Onde foi, com quem falou, tudo. Não esquece nada. — Fiquei esperando ela começar.

— Bom, ontem pela manhã ela falou no telefone com alguém do trabalho, tava dando instruções porque ia se ausentar por um tempo. Depois ligou pro veterinário, aprontou as crianças e saiu com elas dizendo que voltava antes do almoço. Assim que ela retornou com os bichanos me pediu ajuda para arrumar as malas. Não estava muito bem, estava pálida, sentiu vertigens e parecia enjoada. Depois me disse que você estava voltando da China e que hoje preparasse algo para você comer. Quando perguntei da viagem ela… Ela…

Senti meu peito doer na hora. — Ela? — Incentivei-a a continuar.

— Ela caiu num pranto solto e não disse mais nada.

Absorvi toda a informação. Você estava frágil. Os sintomas te aplacavam e me corroíam por dentro, por não estar do teu lado. Marina se retirou.

Precisava me acalmar. Meu coração se apertava o tempo todo. Tua presença era forte, sentia tua necessidade e eu me perguntava o tempo todo como você estava, se estava se cuidando, então uma pergunta maior e mais dolorosa se formou em meu pensamento… “Por que não fiquei e lutei por você?” Marina entrou com uma xícara de chá. Olhei pra ela agradecida, ela sentou ao meu lado, repousou a mão na minha.

— Sinto falta de quando conversávamos sobre tudo.– Disse um pouco triste. Baixei o olhar, ela o ergueu de novo, olhou bem dentro de meus olhos. — Quando éramos crianças, você era meu escudo, me sentia protegida. Você brigava com meio mundo pra me proteger e foram muitas vezes, até mesmo adulta você me protegeu… Parece que nasceu pra isso, mas também precisa de proteção — Ela dizendo isso, me permiti o pranto. Ela me trouxe pro seu colo e ficou acariciando meus cabelos. — Você me ensinou a aceitar as fraquezas, mas nunca se entregar a elas e foi o que fiz: aprendi a me entender, aceitando os defeitos, mas não permitindo que eles atrapalhassem minha felicidade. Sei que está com medo de falhar, de não conseguir, mas não vai desistir porque teu coração é mais forte. — Neste momento olhei pra ela. — Segue teu coração, minha irmã.

Disse e me deixou sozinha. “Segue teu coração…” as palavras ficaram poderosas, abrindo-me as páginas do passado, me levando para o dia em que nos vimos pela primeira vez depois de meses nos comunicando pela net e tel.

ANOS ATRÁS…

Finalmente no chão, eu pensava, depois de horas intermináveis dentro da “caixa voadora”. Passado o temor do vôo, agora vinha a aflição do encontro. De quando em quando tentava engolir o coração que insistia em vir a garganta a cada passo que eu dava dentro do aeroporto. Foi quando, meio estabanada que sou, deixei cair a valise do notebook que se abriu deixando uns papéis se espalharem. Apressada para por tudo em ordem e levantar-me, ao fazê-lo dei um esbarrão em alguém.

— Desculpa… eu… — Lembrei que estava num país diferente e tentei sem muita eficiência falar o inglês, foi então que ouvi o riso… Aquele riso. Meu corpo inteirinho estremeceu. Olhei pra você e meus olhos sorriram através dos óculos. — Ora, se não é a dona do riso mais gostoso do mundo.

Dessa vez pareceu que foi você a vítima do estremecimento. O sorriso foi se desfazendo e a análise do que via começou a fazer efeito. Meus olhos ainda sorriam esperando tua reação. Havia me preparado psicologicamente para qualquer situação e você parecia sem saber o que dizer ou fazer. — Não sei você, mas eu estou mortinha de fome. Comida de “caixa voadora” não me agradou muito. Tem algum lugar por aqui onde se possa comer?

Segurei sua mão e ela estava fria. Soltei-a devagar. De repente você pareceu cair das nuvens. Senti certo constrangimento de sua parte. — Acho que ainda não fomos apresentadas pessoalmente. — Soltei para desfazer o clima.

— É verdade… Cristiane, muito prazer. — Ergueu a mão, eu apertei, olhando em seus olhos, te passando toda a segurança que angariei durante os últimos dois anos. Estava preparada e já havia me conscientizado da mudança que promovi em minha vida. Agora era tudo ou… tudo.

— Mirian, a sua disposição. — Então você reparou que só trazia a valise do notebook e perguntou.

— Onde está sua bagagem?

— Despachei para o hotel onde ficarei hospedada. — Você franziu a testa totalmente surpresa.

— Não vai ficar hospedada estes dias em meu apartamento?

— Não vai dar.– Vi algo na sua expressão que lembrava decepção.– É que não vou ficar apenas por alguns dias, mas prefiro falar disso depois que comer alguma coisa ou desmaio aqui mesmo. — sorri divertida.



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