Comíamos em silêncio. Pedi algo que, simplesmente, se compusesse de frango.  Quando me satisfiz, encarei-te. Encaravas-me. Eu comecei a falar…

— Sei que você esperava que eu ficasse hospedada em seu apartamento por uns dias, mas houve uma mudança de planos. — Me posicionei melhor na cadeira, olhei firme em seus olhos que aguardavam a explicação. — Desde que te conheci, alguma coisa mudou em mim… não… muitas coisas mudaram e ao mesmo tempo. Você sabe o quanto foi difícil lidar com isso, mas consegui. Antes mesmo de nós combinarmos esta viagem, eu já traçava uma estratégia para mudar radicalmente minha vida. O boss tem escritórios em 6 dos 26 estados do Brasil e eu disse a ele que estava na hora de apostar no mercado internacional, que a empresa precisava de um braço aqui. Sugeri a Europa, um braço que pode alcançar a Ásia e a África que estão próximos. Bom, ele estranhou essa minha atitude, afinal me convidou várias vezes pra assumir um posto em outros estados no Brasil e agora eu queria dar um passo maior que a perna. — Eu ri nesse momento lembrando da conversa. — Posso usar pernas de pau se for preciso, eu disse a ele. — Você riu e meu coração parou. Tomei água rapidamente, você percebeu meu gesto e riu ainda mais. Eu deveria estar vermelha da emoção sentida. — Bom, encurtando a história, estou aqui, funcionária, trabalhando na Europa e perto de você. Love… — Chamei sua atenção limpando a garganta antes de falar. — Não posso ficar em seu apartamento por dois simples motivos: o primeiro é que não seria confortável, nem pra mim nem pra você, e segundo, eu preciso de um lugar pra morar porque não vim a passeio, vim para ficar. —

Você desviou o olhar neste momento. Engraçado como eu te conhecia. Estava travando uma batalha grande. Quando se assusta o racional trabalha mais rápido que o emocional. — Quero que saiba que estou feliz por você, Mirian. Estou orgulhosa de minha amiga. — Tentou segurar minha mão, mas eu retirei pegando o copo com água e tomando devagar.

— Eu também. Eu não vim aqui só por você, Love, não temos um relacionamento… Não ainda, mas eu quero muito te conquistar. Conquistar tua confiança, teu carinho, teu amor. Por isso, também, não posso me hospedar em tua casa. Não vim aqui achando que tudo ia ser como nos contos de fada que tudo dá certo desde o primeiro momento. É a sua amizade que tenho agora, mas como estou decidida a mudar minha vida, vou lutar para que essa amizade seja mais… um dia… Quem sabe. — Agora eu fui quem segurou sua mão. — E isso é o melhor começo.

Soltei sua mão e começamos a conversas amenidades. Comemos quase em silêncio. Quando estávamos saindo do restaurante te falei. — Hoje à tarde eu tenho uma vídeo conferência com o boss. Vou pro hotel descansar um pouco antes, mas às 18 já estarei livre. Será que a senhorita poderia levar esta turista de primeira viagem pra jantar e mostrar-lhe um pouco do mundo?

Você sorriu levemente. — Será um prazer, Endless…

Os dias foram se passando. Você me levou a lugares lindos, eu me emocionava, chegava às lágrimas por tanta vida, tanta coisa que não me permiti ver, nem mesmo no Brasil. Você me abraçava, me distraía e ria pra me tirar de vez do normal. Fomos ficando mais próximas. Você ficava mais solta, mais a vontade comigo. Nos ligávamos sempre antes de dormir. Quando você não me ligava sabia que não estava em casa. Deixava mensagem, me preocupava. Você retornava no outro dia, contando como foi a balada, do que tinha bebido e eu ouvia, pedia pra ir devagar. Na verdade queria dizer pra não beber. A bebida me deu trabalho demais na vida, mas sabia que não era problema pra você, então relaxava. E assim o tempo continuava a passar, até que um dia…

— Tortilla? — Fiquei te perguntando sobre isso o tempo todo.

— Fala menos e ajuda mais!

Você falou certa hora e me senti como menina levada. — Vou descascar as batatas e cortar as cebolas, certo?

E comecei as tarefas enquanto ouvíamos música ehola. Flamenco. Na hora das cebolas, as lágrimas vieram entre risos, seus e meus. “Lágrimas de crocodilo!” você dizia e se fartava de rir, quando o telefone tocou. Você atendeu em inglês(?). Não pude entender muito, mas pela tua expressão vi que era grave. Retirou o avental, jogando-o na pia. Apoiou as mãos nela.

— Tenho que sair, Endless.

Olhei pra você que não me encarava. Vi uma lágrima escorrer por sua face e não era de crocodilo. Lavei minhas mãos, dizendo que não tinha problema, a tortilla ficava pra outra vez. Arrumei tudo, guardei os ingredientes na geladeira e quando ia me despedindo você segurou minha mão.

— Obrigada…

Soltei minha mão e levei a sua aos lábios. — Fica bem.

Saí apressada, sabia o que estava acontecendo e não podia impedir. Em casa, meu coração se afligia cada vez mais. Passava das dez da noite, você não ligava e eu tinha medo de ligar pra você. Medo de saber o que já sabia… ELA…

Eu não aguentava mais esperar, corri ao telefone e quando ia tirá-lo do gancho ele tocou. Atendi rápida.

— Vem pra cá. — Sua voz num pranto. — Me ajuda…vem pra cá, Endless!

Você abriu a porta e agarrou-se a mim, num desespero que não conhecia. Eu dizia, calmamente em seu ouvido que estava tudo bem. Repetia, mas não questionava.

— Passou, vida… — Abraçava você com carinho, pondo todo meu amor, todo meu conforto, no abraço. Te senti fraca de repente. Apoiei seu corpo amolecido, você era maior que eu e alguns quilos acima do peso.

— Vem. — Te levei ao quarto.

Foi então que percebi que você estava, emocionalmente, exaurida. Neste momento me enchi de força para fazer o que tinha de ser feito. Te despi com cuidado como a um recém-nascido. Me olhavas com a dor e tristeza dos intimamente magoados. Pedias socorro, pedias alívio e te transmitia através de meu olhar seguro e cheio do sentimento por ti…

— Tua dor é minha dor.

Te levei pro banheiro e lavei teu corpo, enxuguei, deitei-o na cama de bruços. Alcancei o hidratante e massageei tuas costas devagar, mas firme. Teus braços, tuas pernas. Você suspirava. Quando terminei, te perguntei onde encontrar sua roupa de dormir. Te vesti, te cobri.

— Agora está tudo bem, meu amor. — Não segurei minhas lágrimas, não por mim, mas pelo teu sofrimento. Tentei levantar, mas tua mão, que se mantinha na minha, me segurou.

— Fica… dorme comigo. Não me deixa só… Nunca mais…

Beijei tua testa, meu lugar predileto, também precisava de um banho e o tomei. Peguei teu pijama emprestado. Grande, mas confortável. Deitei-me do teu lado e, assim que o fiz, teus braços e pernas me envolveram num abraço forte. Abraço de polvo. Sorri do pensamento. Meu polvinho querido. Estavas calma e eu também, a tormenta, finalmente, fora embora. Dormimos.



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