VOCÊ…

O banho era reconfortante. Oito horas de vôo. A água escorrendo pelo corpo me fazia lembrar você, nossa última noite. O toque do celular quase me derruba no chão tamanho o choque provocado por ele. Saí o mais rápido que pude e atendi. Tua irmã e pelo tom de voz sabia que era problema. Mal desliguei o telefone, me vesti de qualquer jeito, peguei a mala e parti novamente pro aeroporto. Não havia cansaço, não havia sono, não havia absolutamente nada que não fosse você em meu pensamento. Precisava chegar a tempo, esse era o objetivo, embora eu soubesse ser impossível.

Depois de quase doze horas eu estava de volta. Parti imediatamente para a clínica de Jorge. Estava tão ansiosa que nem prestei atenção em Marina e Silvia que estavam na sala de espera. Vieram ao meu encontro.

– Cris, se acalma.

Elas me cercaram, mas eu não podia ficar ali, eu queria ver minha mulher, meus filhos. Elas me seguraram mais uma vez.

– Eles são lindos, Cris… – Marina me dizia com lágrimas nos olhos.

– É… são sim… – Sílvia emendava.

– Onde ela está? – não recebi resposta.

Já ia para a sala de Jorge, quando este chegou e me levou pelo braço por um corredor que não conhecia ainda.

– Já viu seus bebês? – ele perguntou suave e me levou pra uma sala.

Havia vários bebês em incubadoras.

– Estes são os de vocês – olhei-os, nuzinhos, cheios de fios no nariz, nos bracinhos, na cabeça. Pus minha mão na boca pra abafar o soluço forte que veio. – Vem. – Jorge me puxou. – Olha, um menino e uma menina. – percebi a mão dele tremer um pouco quando falou.  – Em meu ouvido ela disse:  Giancarlo e Giovanna.

Quando Jorge apertou mais um pouco meu braço, parecia que ele me pedia força para suportar o que me diria logo após.

– Sua menina parece forte. É maior que seu garoto. Era ele quem estava enlaçado pelo cordão umbilical dela. Mais um dia e eu não poderia fazer nada. Mirian foi fundamental para a sobrevivência deles. Não quer tocá-los?

A pergunta me causou uma espécie de alerta, um arrepio pelo corpo como se uma energia percorresse todo ele e surgiu a primeira vontade de fazer o que já deveria ter feito há muito tempo.

– Quero ver minha esposa. – virei pra ele com um olhar que ele conhecia muito bem.

– Vamos, mas primeiro quero que venha até minha sala.

Fui caminhando tão calma que nem parecia que o estava fazendo.

– Vamos lá, Jorge, por que não vi minha mulher ainda?

No momento ele me pareceu constrangido e logo depois, abatido, então reparei na fisionomia daquele homem. As marcas no branco do pouco cabelo e nas rugas deixadas por muito trabalho. Seus olhos agora se desesperavam, mas lutavam como um touro para não ser derrubado. Havia cansaço, certa angústia, mas um brilho de quem ainda não acabou de lutar.

– Tivemos complicações no parto, Cris. Consegui estancar uma hemorragia interna, mas depois de duas paradas cardiorrespiratórias não consegui reverter o quadro de coma no qual ela se encontra até agora. E não posso prever quando acordará.

A notícia poderia ter me abalado muito e abalou, não queria pensar como um amputado da perna que pensa que pior teria sido se fosse a cabeça, mas precisava me agarrar nisso: ela estava viva. Isso era o que importava, pelo menos agora. Eu precisava me segurar em alguma coisa. Dois filhos prematuros e uma esposa em estado de coma. Precisava escapar um pouco e o corpo, já esgotado fisicamente, me levou ao descanso.

A luz fraca de um abajur, o cheiro sem distinção, a cor das paredes, tudo me dizia que não estava em casa, e, principalmente, a falta de teu calor perto de mim. Tudo me dizia que eu não havia sonhado. Olhei pro lado e Marina dormia desconfortável numa cadeira. Suspirei aliviada e agradeci a Deus tanto desprendimento, tanto amor. Éramos uma família de verdade. Lágrimas de gratidão vieram aos olhos.

Levantei devagar, meu corpo todo doía. Cheguei próximo a ela, acariciei seu rosto devagar para não assustá-la, mas ela acordou, me viu e abriu um sorriso imenso.

– Mais uma dorminhoca eu não aguentaria. – tentou sorrir, mas também não suportou a pressão e me abraçou forte. – Hora de lutar cunhada. – me disse suave no ouvido.

Estas palavras me lembraram de quem eu era. Por um momento, um breve momento, eu tinha me deixado abater, mas não era à toa que me chamava Forever Love. Nunca havia perdido uma batalha sem antes lutar muito. Segurei Marina pelos ombros e disse-lhe sem pestanejar.

– Não vou admitir derrotas. Cada dia, cada hora, cada segundo, cada milésimo de segundo, sem descanso, será pra trazê-la de volta.

– Só você pode fazer isso, Cris… e eu confio plenamente nisso…

Abraçamos-nos mais uma vez, quando Sílvia chegou.

– Ei choronas! – se juntou ao abraço. – Esse exército é forte.

Abriu minha mão e colocou nela, um terço. Segurou a mão de Marina que segurou a minha e eu, segurei a dela. Começamos uma oração. “O Senhor é meu Pastor e nada me faltará…”.

Lá estavam eles… Giancarlo… Cabelinho farto e encaracolado… Giovanna… Branquinha… Cabelos poucos e ruivos… Nossos bebês ainda estavam pequeninos, mas emanavam uma força, uma imponência incomum. Dormiam no momento, mas eu já estava ouvindo reclamações da enfermeira… “Essa menininha já está bem saidinha… imagina que já se mexeu tanto que soltou o catéter do soro?” e ria quase que orgulhosa de nossa filha. Eu também, e tive com Giovanna a primeira conversa séria, não esperava que fosse tão cedo. Ri diante da situação. Nossa menina… Nosso menino… Ela uma sapequinha… Ele, um lord… Xodó da enfermeira Esperanza, de origem ehola… “Guapo su niño… un caballero… sorridente… precisa vê-lo rir-se…” não imagina a cara dela enquanto falava, mas o meu coração ainda se comprimia. Queria você comigo, tendo estas experiências… Nem fotos eu tirei deles… Parecia que ainda estavam com você… Isso… Pra mim não haviam nascido ainda… Você os guardava e eu esperava você me entregá-los, como tinha de ser.

– Não vou me afastar dela!!!

Jorge passava a mão pela cabeça quase careca, levantou, rodeou a mesa onde estava, andou e me lançou um olhar como se pudesse me fazer mudar de idéia… – – Não posso te hospedar aqui, Cris!!!- soltou nervoso…

– Pode!!!  A clínica é sua… eu preciso ficar perto…por favor…

– Por Deus, Cris! é uma UTI! Implica em muitas coisas… a segurança de outros pacientes, toda a segurança do setor…

Me aproximei dele e olhei bem fundo em sues olhos…

– Me interne! A partir de agora sou interna… me desinfete…eu não vou sair daqui…me dê a mesma comida, o mesmo tratamento… me deixe internada com ela…ficamos doentes…pronto… só não me deixe sem ela…. amigo… – me senti cansada e me agarrei nos braços dele que me abraçou forte…

– O que não faço por vocês… Deus… que dê certo… está bem, Cris… regra da clínica, entendeu?! Depois não reclame… – e saiu sem que eu pudesse agradecer… “Valeu, Jorge…” disse baixinho…mais uma luta ganha.

E o tempo, sábio, foi tirando a cada dia uma experiência. Marina cuidando dos bebês, eu cuidando de você. A enfermeira que tirava seu leite para eles… A que vinha te banhar pra te seduzir na esperança que você voltasse. E se passaram quarenta dias.

– Eles já estão de alta… – Jorge disse sem me encarar… – Eles têm direito a um lar… com a mãe…

Eu me levantei irritada…  – A mãe deles está descansando!!!

Ele se virou, olhar indiferente…

–  Hora dela se levantar! Hora dela cuidar dos filhos!! Hora de vocês olharem para eles!!!

Depois de tantos dias, de tantas orações de tanto apoio recebido das enfermeiras que nos amavam….

– Jorge… por favor… – ele parecia balançado, mas foi enérgico…

– Vai levá-los amanhã… disponibilizei Esperanza para te acompanhar e ficar o tempo que for necessário…

Olhei pra ele desolada… – Não pode fazer isso comigo…

Ele pegou meu rosto com as duas mãos…

– Sim… faço com você…com Mirian…e, principalmente, com seus filhos… eles não podem ficar mais… merecem um lar… dê um lar a  seus filhos… –  me beijou a face e saiu sem dizer mais nada.

    Sensação estranha era entrar ali. Lembrei das manhãs felizes em que te encontrava dormindo e, de pé em pé, ia te alcançando até me deitar inteira sobre teu corpo, te beijando as orelhas e ouvir teu riso de cócegas e começarmos uma brincadeira sem fim de quem fazia mais rir uma a outra.  Não era nosso quarto, e nem estavas te fingindo de adormecida. Fios presos em teus braços, um tubo entrando em tua boca,  máquinas e seus barulhos irritantes. Minha vontade era te levar dali pra longe, pra nosso lugar favorito. Fiquei de teu lado esquerdo, você nunca gostou que eu ficasse no direito. Sentei na beirada da maca, segurei sua mão levando-a a boca, me inclinei com cuidado e, em seu ouvido, comecei a cantar uma canção (http://www.youtube.com/watch?v=4z1l3Mop0_A )… Canção que sempre cantava pra te ninar quando estava nervosa com os bebês… “Volta pra mim, meu amor…  Eles são lindos… os mais lindos que já vi… nossos filhos… Obrigada…” beijei sua testa demoradamente. Retornei a te falar no ouvido… “Lembra o que me disse na nossa cerimônia de casamento?… Nem que a morte nos separe… sei que está me ouvindo… sei, também, que está cansada… eu também… mas temos dois bebezões que estão crescendo rápido… precisam de teu peito e de meu carinho… não vou tocá-los até que volte pra mim, entendeu?… Não me deixa, Endless… somos uma família… meu amor…demorei tanto pra acreditar que podia amar…não me deixe… Deus está conosco, linda… sempre esteve… não nos abandona… eu te espero…mas não demora muito…preciso de vc pra saber o que fazer…pra ter chão de novo”. Sabia que adorava meu ehol, ficava louca quando recitava em teu ouvido nas noites de amor, ainda não havia tentado esta artimanha Te quiero mucho, mi mujer linda… Vuelve…

Las palabras nunca podran traducir todo lo que ya vivimos y lo que tenemos por vivir.

Tu sabes lo que sinto…Tu me sientes, como simpre…

Ahora, eres tu que te fuiste a una viaje larga, para reflejar, para tener la seguridad que tanto te amo y que nuestra vida es junta…

Tengo seguridad que volveras, mas fuerto, mas linda, mi Linda….

 Sepas que mi seguridad es tanta que no dudo que estaras lejos por poco tiempo…
Te cuento de los ninos… Linda, tu no imaginas como las piernitas se mueven… y tienen todos los deditos…

 Marina y Silvia los tocaron… no puedo… solo cuando nuestras manos, juntitas, puderen hacerlo, pues mi corazón me avisa que estas bien cerca de volver, recargada de energia.

Seap… no hay palavras, pero cuatro letras juntas…LFEL…”

A enfermeira me toca o braço, pois tenho que sair, mas não antes de me deixar tocar seu corpo, seu rosto, te beijar demoradamente a mão e a testa. As lágrimas rolavam não só de meus olhos, mas inacreditavelmente, dos dela também. Olhei-a, sem entender muito, pois já devia ter visto essa cena e passado por isso várias vezes. Chega perto de meu ouvido e me diz…

– Não sei por que, mas o amor de vocês é tão lindo que me emociona… Fé, Cris, é a única coisa que move o mundo… e o amor vence, acredite…

Fiquei estática, mas ela delicadamente me levou a porta, onde Marina, agora minha fiel escudeira e madrinha das crianças, me esperava. Olhei-a, não precisei falar nada. Ela sorria. E eu, esbocei o sorriso que você tanto gostava de ver no meu rosto. Lembrei-me disso e ri. Sim, ri porque sabia que você estaria me vendo. Pensamento louco, mas verdadeiro. E fomos ver os bebês.



Notas:



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