Eras

Capítulo 20 – Mais segredos

Eu descansava na tenda de Melorne, já algumas horas. Dormi, mas parecia que a tensão não me deixava relaxar. Quando vi uma sombra entrando pela abertura, olhei a silhueta e me alegrei.

— Oi. Belard me falou que estava aqui.

Sorri ao vê-la bem.

— Agora que chegou, acho que teremos que nos adiantar.

— Teremos um pouco mais de tempo. – Segurou minha mão e sentou no catre em que eu estava deitada. — Kamar deverá passar o estreito apenas de madrugada. Os batedores de Terbs falaram que Natust está moderado nos ataques e Eras não está sofrendo nada, por enquanto. Acho melhor entrarmos em Eras quando a noite cair.

— Tudo bem. Vem aqui comigo.

Afastei meu corpo para que ela se deitasse a meu lado.

— Como foi com o exército de Kamar?

— Bem. Eles desviarão e se Natust não perceber a demora, é grande a chance de pega-los desprevenidos.

— Não confio.

— Não podemos nunca confiar, Tália. Planejamos, mas sempre temos que ficar alertas.

Ela havia deitado e eu me juntava a seu corpo.

— Comeu alguma coisa?

— Sim. Belard mandou servir algo, quando cheguei.

Abracei-a pela cintura, dando pequenos beijos em seu rosto. Ela se desvencilhou e me olhou.

— Tália, a gente precisa conversar. Eu tô preocupada com quem está lá dentro. Fiquei pensando naquilo que falou sobre Serbes estar em Eras. Por que falou isso? Sentiu alguma coisa?

— É só uma impressão minha. Nada demais.

— Tália, se tem uma coisa que aprendi com você, e sempre me dei mal quando não acreditei, foi em suas intuições. Me diz, por que falou aquilo?

— Não sei bem. Quando estávamos conversando sobre o que iríamos fazer, eu tive uma sensação ruim, quando pensei nessa possibilidade. Depois, quando você teve aquela conversinha com a “Espada Macha” e eu te toquei, eu senti muita confusão nos meus sentimentos, mas senti também uma… – dispersei momentaneamente tentando arrumar palavras para o que eu havia sentido. — … uma energia estranha, não era boa e também não vinha da espada ou de você. Vinha de fora. Era como se tivesse se aproximado de nós, naquele momento.

— Entendo. E acha que veio de Eras?

— Não posso falar com certeza, mas vinha direcionado do norte e Eras estava ao norte de onde estávamos.

Arítes recostou sua cabeça no travesseiro, olhando o teto da tenda com uma expressão sisuda em seu rosto.

— Não podemos entrar voando, Tália. Esse louco pode nos abater com uma flecha, para nos pegar desprevenidas e tentar pegar a “Espada”.

— Quer entrar pela passagem de minha mãe? Teremos que passar pelo descampado anterior ao castelo. Ele poderia nos ver, de qualquer forma.

— Não, se contornarmos a vegetação pelo lado leste. Poderíamos voar e assim que a vegetação terminasse, galoparíamos. Lá, ela se aproxima mais do castelo e a passagem é beirando. Devem ter sentinelas ali, mas o exército está concentrado do outro lado.

— E você quer fazer assim que a noite caia?

 — Sim. Nos esconderia mais.

****

Quando nos aproximamos do castelo, encobertas pela escuridão da noite, eu, Arítes, Tuli e Miray apeamos e caminhamos no máximo silêncio, para tentar entrar nas muralhas pela passagem sem que nos vissem. Soube que conseguimos, quando chegamos na proteção entre o escarpado e a muralha leste, sem que o alarme soasse. Continuamos em silêncio, até sairmos na estrebaria particular de minha mãe e meu pai.

— Será que eles conseguirão ficar aqui?

Perguntei, me referindo aos nossos cavalos alados, sabendo que eles não gostavam de ficar presos.

— Vão sim. – Falou Miray. – Eles sabem que poderemos precisar deles.

— Podemos deixá-los no jardim particular de meus pais. Assim tem um local agradável para eles. – Pontuei, alisando o pescoço de Épona. – É só passar aquela porta ali. – apontei.

Tuli abriu a porta e sem que mandássemos, eles trotaram através da passagem. Arítes me sorriu. Sabíamos o quanto era difícil, para esses seres, ficarem presos em um lugar pequeno.

— Vamos. – Tuli falou. – É aquela porta? – apontou para a segunda.

— Não, a do lado. Aquela é do quarto de meu pai e acho que é melhor entrarmos pelo de minha mãe. Às vezes, papai recebe conselheiros no quarto.

— Não acho que ele esteja no quarto, Tália, mas é melhor nos precaver mesmo.

Arítes falava, enrolando uma tira de couro no pomo e punho da espada, fazendo deles uma coisa só e escondendo o desenho e a pedra do pomo.

— Não quer identifica-la. – afirmei.

— Não. Lógico que a energia dela já deve ter alertado Serbes, estando ele dentro do castelo ou não. Mas talvez assim, o engane durante um pouco mais de tempo, quando a gente se encontrar.

— Se ele percebe a energia dela, vai saber que está por perto. – Falei.

— Mas não vai saber com quem está, se tiverem outras pessoas junto.

Olhei para ela, irônica.

— Confortador, Arítes. Assim, em vez dele matar você diretamente, mata todo mundo junto, só para saber com quem “ela” está.

Arítes parou o que fazia, me olhando assustada.

— Estou brincando com você, Arítes. Não acho que ele faria uma sandice destas. Iria denunciá-lo.

Sorri, mas logo depois, fechei meu sorriso vendo que todas me olhavam sério.

— Ele faria?

Perguntei temerosa.

— Claro, Tália. Se ele conseguir a espada, que importaria se fosse denunciado? – Miray falou como se fosse algo óbvio. – Para Arítes, a espada só tem o poder mágico, quando estiver sofrendo um ataque, pois ela não tem conhecimentos da manipulação energética, mas para qualquer pessoa que saiba usar magia, ela é uma fonte de energia enorme. O que importa para ele a guerra, se com a espada poderia dizimar nossos exércitos de uma só vez? Esse é um dos motivos da espada estar aqui em Tejor e estar sob a proteção de vocês. Supostamente, não teriam pessoas aqui, com poderes tão grandes.

— Merda! Odeio quando vocês me dão essas notícias, assim, de supetão!

— Calma. Não sabemos se ele está aqui. – Tuli pontuou.

— Mas sei, com certeza, que ele virá agora que a espada está aqui. – Falei. – Eu disse para a gente escondê-la antes.

— Não havia tempo, Tália, e sem ela, poderíamos nos encrencar. Eu e Tuli temos conhecimentos mágicos, mas não sabemos o poder que ele tem.

Suspirei.

— Tudo bem. A primeira coisa é procurar minha mãe.

— Não. A primeira coisa é achar um uniforme para Tuli e Miray.

— Como assim, Arítes?

— Elas são estranhas aqui dentro, e depois disso que conversamos, eu não pretendo sair do quarto antes de falar com a comandante. Não suportaria saber que algo aconteceu a alguém por minha causa.

— Também não é assim, Arítes…

— É sim! Eu não vou a lugar nenhum, com nenhuma de vocês!

— Tudo bem. Calma, Arítes! São só suposições.

— Suposições possíveis, Miray.

— Calma, todo mundo. — Falei. – Vou ao seu quarto e pego de Tétis seus uniformes de… não, espera.

Saí rápido, em direção do quarto de minha mãe e entrei em seu quarto de rouparia. Sorri. Lembrava que minha mãe havia guardado todos os uniformes, de todas as patentes dela, até se tornar comandante. Talvez ficasse um pouco grande nas duas, pois minha mãe era maior que elas, mas em vista do que estávamos passando, ninguém repararia. Escutava os barulhos, lá fora, nas muralhas. A gritaria era grande e pelos sons, nosso exército estava jogando contra o exército de Natust, bolas de rocha em chamas embebidas em óleo. As catapultas deviam estar trabalhando bastante hoje e minha mãe devia estar lá, articulando a investida. Voltei para a estrebaria.

— Pronto. Uniforme de tenente e uniforme de capitão.

— Onde arrumou isso, Tália?

— Na rouparia de minha mãe, Arítes. – Sorri.

Arítes me deu um enorme sorriso.

— Eu adoro a comandante! – Ela falou.

— Não se apaixone. Ela não te daria ideia. – Brinquei.

— Que pena. – Ela mexeu comigo. – Mas não tem importância. A filha me serve.

— Ah! Sua sem vergonha! – Ri.

Nos descontraímos, enquanto as meninas se aprontavam. Ela me abraçou e me deu um beijo rápido.

— Não trocaria você por ninguém, Tália. Eu te amo, além do maior tesouro que o mundo possa me dar.

— Bom. Como achamos a Guardiã?

Tuli falava com reverência e tive a impressão que minha mãe era admirada além dos limites de Tejor. Falamos para elas como chegar as muralhas. Miray e Tuli, sabiam a aparência de meus pais, pois em Tir, elas eram responsáveis pelos oráculos e sempre os viram através dele.

****

A confusão era grande no passadiço das muralhas e logo elas avistaram minha mãe e outros oficiais, delegando funções. Tentaram se aproximar, mas foram impedidas por um guarda, pouco antes de se aproximarem.

— O que querem com a comandante?

Miray olhou em volta e não viu meu pai. Apressou-se na resposta.

— Trago uma mensagem do rei Astor.

— Qual a mensagem?

— Ele disse que quer reforçar a “proteção” no lado leste e que não quer que a “indulgência” seja o fator de comprometimento da segurança.

Assim que o sargento da guarda passou o recado, minha mãe olhou para as duas e se voltou para o sargento.

— Obrigada, sargento. Diga a Galian, caso pergunte por mim, que não quero que ele deixe o passadiço por esse lado. Estou contando com ele e diga que fui ver a área central, para saber se Terbs se aproxima.

— Mas tenho que lhe acompanhar, senhora. Não posso deixa-la desprotegida.

Minha mãe sorriu de lado, mirando nos olhos dele. Ele pigarreou.

— Sei que a senhora se defenderia muito melhor do que eu pudesse fazê-lo, mas são as normas. – Falou, visivelmente envergonhado.

— Sei que as normas existem por bons motivos, mas saber avaliar quando aplica-las, sargento, também faz parte das instruções. O perigo está aqui. Vou apenas verificar o perímetro e acho que a proteção de Galian e Hian, nesse momento, é mais importante. Eles irão me substituir por alguns minutos.

O homem se perfilou.

— Sim, senhora.

Minha mãe se aproximou de Miray e Tuli. Elas fizeram a reverência do exército e minha mãe anuiu.

— Aconteceu algo com minha filha e Arítes?

Minha mãe perguntava com os olhos atentos as vestes das duas e na aparência.

— Não, Guardiã. Só necessitamos de seus conselhos para saber como vamos agir. Elas estão em seu quarto e não sabíamos se Arítes, portando a “Espada Macha”, poderia aparecer.

— Hum, entendo. Esperem aqui e você, — apontou Tuli – se abrigue na escada do baluarte. Seus cabelos denunciam.

Minha mãe foi até a guarda.

— Sargento. – Chamou.

— Sim, comandante.

— Vou falar com Astor, mas não quero que fale onde estou. Só se for realmente inquirido e apenas se os generais perguntarem. Quero somente um descanso rápido, antes de retornar. Estarei no quarto do rei. Entendeu?

— Sim, senhora.

Ela se virou e seguiu para o baluarte, onde Tuli e Miray a esperavam.

— Quem são vocês?

— Meu nome é Tuli e sou filha de Bridma, “Senhora do Fogo” e esta é Miray, filha da “Senhora da Floresta”.

Minha mãe descia, seguida por elas.

— Desculpe a rispidez, mas não temos muitas pessoas em Eras que são do clã do fogo e muito menos no exército. Assim que, todos conhecem os filhos do fogo que compõem nossas guarnições.

— Entendo. Eu que peço desculpas, senhora. Realmente não nos atinamos para isto.

— Não tem problema. Nessa loucura, só alguém muito atento para reparar, mas não vamos facilitar. Venham. Tem um caminho mais resguardado para chegar ao meu quarto. Me acompanhem.

****

Quando vi a porta se abrir e minha mãe passar por ela, me adiantei.

— Filha, está tudo bem? – Ela perguntou, me envolvendo num abraço.

– Sim… mais ou menos. As coisas estão diferentes do que pensamos.

— Eu sei, mas se você e Arítes estão inteiras, o resto ajeitamos.

Contamos a ela tudo que passamos e fizemos de uma forma sucinta e objetiva, para não demorar na sua atualização. Ela se levantou e ficou de frente para a porta dos seus jardins, como sempre. Ficou momentaneamente muda, observando os arbustos, o pequeno chafariz e as flores entre os caminhos do espaço.

— Eles são os cavalos alados de que falou?

Perguntou maravilhada, reparando nos cavalos entre as árvores e plantas. Sorria, apesar de vermos os clarões dos ataques no céu e escutarmos os barulhos da batalha que se desenrolava.

— Sim. – Sorri também. – Mas eles estão com um encantamento para ninguém ver suas asas…

Minha mãe olhou para mim e depois se voltou, novamente, para os cavalos.

— Então o encantamento acabou, pois eu estou vendo perfeitamente. – Falou.

Olhei na direção e me perguntei se ela não estava fantasiando, pois eu mesma não conseguia ver.

— A senhora consegue enxergar, Guardiã? – Miray perguntou.

Minha mãe pendeu a cabeça de lado, continuando sua contemplação e falou.

— Perfeitamente.

— Então, acho que Bonan gosta muito da senhora, Guardiã.

Minha mãe se virou para Miray com olhos risonhos, mas logo assumiu sua postura rígida.

— Se a “Divina Graça” quiser, teremos tempo para isso. Por agora, temos que saber nosso próximo passo. Tuli, siga com Tália e Arítes para o santuário da Senhora da Floresta que tem aqui no castelo. Certamente Serbes sabe que estão aqui, em algum lugar, e a “Espada” não pode cair nas mãos dele. Ele irá procurar em todos os lugares, ou mandará seus asseclas. Mas quero saber tanto sua identidade, quanto quero dificultar sua ação, até Kamar chegar. Não conseguiremos pará-lo, se não soubermos quem ele é. Mas também não seria prudente ele saber de vocês nesse momento.

— A senhora acha que ele está aqui?

— Eu tenho quase certeza, Tália. Todas as minhas ações contra Natust, até agora, foram neutralizadas. Seria muita precisão tática, para qualquer general de qualquer exército. Nossa vantagem é que ele tem tanta certeza da “espada” estar aqui, quanto nós temos dele estar.

— Mãe, ele pode achar que é a senhora…

— Talvez. Certamente procurará aqui, em meus aposentos…. Bom. Gostaria que Miray procurasse Tétis. Ela está arregimentando a guarnição do portão principal, mas já está há mais de doze horas no comando. Vou enviar alguém para substituí-la e quero que ela siga com Astor, para protege-lo, junto ao exército de Kamar. Ele não vai gostar nada disso, mas tem que falar a ele, que preciso de alguém que me conheça o suficiente e, entender minhas manobras, para auxiliar a rainha Chad.

— Tirar o rei daqui? Por que, comandante? – Arítes perguntou.

— Sou vulnerável com Astor e Tália por perto. Serbes, certamente sabe disso. – Minha mãe virou de frente para Miray, Tuli e Arítes. – Vocês estão me compreendendo?

— Mãe!

— Tália, por favor. Eu sei que você é responsável e competente, mas me conheço para saber que não tomarei decisões, com vocês dois em meu pensamento. É minha fraqueza e não sou capaz disso! – Ela falou enfática. – Vocês têm um papel em Tejor e Tir. Eu sei disso. Só não posso pensar que esse papel, não será executado com segurança…. Que vocês não estejam seguros. Seu pai, é um general tão competente quanto eu. Lutei com ele e sei das suas habilidades. Nunca deixou de treinar, também. Muitas vezes treinei com ele, na nossa sala de treinos. Isso não tira o fato dele ser o meu marido e você minha filha! Ele sempre soube de tudo relacionado a você. Foi revelado a ele, há anos atrás e todo o cuidado que teve, foi exagerado, sim, mas porque a amava demais e eu também.

— O quê?!

Os ombros de minha mãe caíram e baixou sua cabeça, desolada.

— Perdoe-nos, Tália. Nós erramos com você. Eu e ele.

— Do que está falando, mãe?

— Quando a “Senhora das Águas” chegou a nós, você tinha só oito anos. Ele se desesperou. Te amávamos tanto… Saber que talvez, e aí não era uma certeza, nem para a “Senhora das Águas”, mas talvez você fosse a “Guardiã a Indulgência”, colocou em nós uma carga enorme. Se você fosse a “Guardiã da Indulgência”, juntamente com a “Protetora”, seriam as peças principais dessa guerra. Isso nos deixou mais aflitos. Para mim, era uma obrigação que não quis assumir, de maneira formal. Não queria que tivesse o peso que tive, na infância, com uma carga a mais da educação, sobre o que estava por vir. Optei pela formação de seu caráter e, por te amar muito, não quis uma educação rígida, que formaria uma Guardiã. Já falei isso com você. – Encheu seus pulmões e exalou fortemente. – Seu pai entrou em desespero. Na cabeça dele, você era a filha que ele educaria como foi educado, para servir ao reino, apenas com a certeza de que teve bons conceitos na vida, mas não queria pensar na possibilidade de te perder na “Guerra de Sangue”. A ele foi falado que havia a possibilidade de você perecer e que Tejor poderia sucumbir.

Ela se deixou cair na poltrona à nossa frente e se afundou. Eu estava perplexa e olhei à minha volta. Parecia que nem as filhas das “Senhoras” sabiam disso.

— Tália, por favor, sei que deve estar com raiva de mim, mas te peço, confie mais uma vez. Depois você pode me insultar, ou brigar comigo e seu pai, mas por favor, confie em mim.

— Mãe, eu não conseguiria lhe insultar, até porque, nem sei o que pensar. Só não entendo…

Minha mente estava em um turbilhão. Eras poderia cair? Se esse homem nos pegasse, Tejor poderia deixar de existir?

Minha mãe se levantou e segurou meus ombros, fazendo com que eu a olhasse.

— Eu prometo que contarei tudo a você, quando isso terminar. Agora eu preciso que vocês fiquem no santuário e preciso que seu pai se vá. Ele está aflito por não ter você a seu lado. Prendemos Vergás e não parece que ele seja Serbes. Ainda está na masmorra, mas aqui dentro tem alguém atrás de vocês. Quando soube pela sacerdotisa do lago, hoje mais cedo, que talvez Serbes estivesse em Eras, fiquei apreensiva com a volta de vocês. Agora temos que resolver isso.

— Sinto muito, comandante, mas não acho que nos escondermos no santuário, enganará esse homem. Ele é um mago.

Minha mãe se virou para Arítes.

— Sei disso, Arítes. Ele irá atrás de vocês no santuário. Não tenho dúvidas disso. Vocês terão que colocar a espada na cripta da Senhora da Floresta. Ela, há muito tempo, encantou a cripta, pessoalmente, para receber a Espada. Só Tália, e com a sua aquiescência, — apontou para Arítes. — poderá remover a Espada de lá, e sob a aura de amor e desprendimento. Quando ela for posta na cripta, ninguém poderá tirá-la, nem mesmo vocês, se estiverem contrariadas ou com algum sentimento vil.

Eu escutava a tudo atônita. Certamente teria uma conversa séria, mais tarde, com minha mãe. Não tinha tempo agora.

— Vamos. – Falei, voltando-me para a saída. — Depois a gente conversa, mãe, mas acho difícil tirar papai daqui. Duvido que ele vá ao encontro de Kamar. Boa sorte, pois a ele você não manipula tão fácil.

Falei magoada. Estava muito sentida com minha mãe. Me senti usada e quando atravessei a porta, escutei sua última frase.

“Me perdoe, filha. Eu te amo demais e me perdi…”

Quando olhei para trás, Tuli e Arítes me acompanhavam a passos largos. Muitos soldados passavam correndo por nós. O castelo estava em polvorosa e as pessoas pareciam loucas, correndo de um lado a outro.

— Tália… Tália. Diminui o passo, por favor. O que você está fazendo?

Arítes segurou meu braço e colou seu corpo ao meu, lado-a-lado.

— O que estou fazendo? Indo para o santuário, como minha mãe mandou.

Falei ainda num tom contrariado em minha voz.

— O castelo está cheio de soldados, correndo de um lado para outro. Acha que não vão nos perceber? – Ela sussurrava.

— Se você ficar agindo como se estivesse se escondendo de alguém, claro que vão nos perceber. Somos parte desse castelo, Arítes. O que vão achar? Que estamos nos movimentando em prol da batalha, lógico.

Ela se aprumou. Puxei para que ela ficasse entre eu e Tuli, para esconder a espada. Fomos em direção a escada da ala oeste. Descemos até o nível da área dos empregados. Passamos pela cozinha e depois seguimos na direção do grande jardim aberto, que se estendia ao largo dos muros que balizavam o escarpado norte do castelo.

A porta ficava encrustada numa parede de pedra, após a alameda de árvores que marcavam o caminho até o santuário. Poucos soldados circulavam por ali. Só alguns que faziam a vigilância dos muros dos escarpados, apenas por precaução. Coloquei a mão no puxador. O trinco estava fechado. Me desesperei. Olhei Arítes e ela foi até uma redoma que se encontrava na lateral da construção e era encoberta pela vegetação. Afastou algumas plantas rasteiras. Retirou a cúpula da redoma e pegou uma chave coberta de poeira. Olhou a chave em sua mão.

— Agora entendo porque Bonan perguntou se eu ainda prestava tributos. Acho que sou a única que vem aqui e não visito o santuário há um ano.

Colocou a chave na fechadura e quando entramos…

— O que está fazendo aqui, general Arítes? Não devia ter se juntado a nós no passadiço quando chegou?

 A mão do general Hian estava sobre o ombro de Arítes, segurando-a firme. Arítes nos olhou, segurando o punho da “Espada Macha”. Coloquei-me ao lado dela passando minha mão por sua cintura, encarando o general, e Tuli deu um passo atrás, se distanciando, em prontidão.

 — Chegamos ainda há pouco e estamos terminando nossos tributos as Senhoras da Natureza. E o senhor, general Hian? Não deveria estar no passadiço?

Falei com propriedade. Nunca havia falado com tamanha arrogância. O general olhou meu braço em torno da cintura de Arítes, desconfiado. Seu rosto estava sério e, no minuto em que elevou seu olhar para me encarar, abrandou o cenho e em seus lábios apareceu um pequeno sorriso.

— Claro, princesa…



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