Eras

Capítulo 23 – O passado retorna

Nos aproximamos da mesa.

— Essa aqui é uma amiga minha, que não via há muito tempo. – Apresentei a todos. – Eileen, esta é a rainha Chad de Kamar, e este é Belard, príncipe de Terbs. Acredito que se lembre, Arítes.

A rainha Chad e Belard a cumprimentaram e Arítes levantou, enlaçando minha cintura e estendeu a mão para cumprimenta-la.

— Como vai, Eileen? Ainda está alocada em Brósia?

— Sim. Ainda faço parte da guarda de segurança de meu pai em Brósia. Mas mandaram uma mensagem para que nos aquartelássemos aqui em Eras, pouco antes da guerra estourar.

Enquanto falávamos, Arítes me conduziu à minha cadeira, ainda me abraçando e beijou meu rosto assim que sentei. Gostei dessa ação, pois na minha cabeça, mostrava a todos nossa relação e principalmente a rainha de Kamar. Não sei porque estava vendo-a como uma adversária. Sentamos.

— Retornará quando, Eileen? – Arítes perguntou.

— Daqui a alguns dias, mas não permaneceremos muito tempo por lá. Antes dessa guerra ocorrer, meu pai havia pedido para o rei Astor considerar seu retorno. Diz que está velho e cansado e no último ano, depois que minha mãe faleceu, sente saudades daqui. Brósia traz a ele muitas lembranças de minha mãe.

— E você voltaria com ele?

— Sim. Eu nasci aqui e vivi até meus quatorze anos. Apesar de ter feito escola militar no quartel avançado de Brósia, não é o meu lugar. Tenho saudades também.

Não sei porque Arítes estava tão interessada na vida de Eileen. Ela implicava muito com a capitã, quando éramos amigas. Talvez fosse saudade da nossa adolescência.

— Me diga, Eileen, Brósia ainda extrai sal de suas minas?

Chad perguntou desviando o teor da conversa.

— Extrai sim, rainha.

— Me chame de Chad, por favor. Quando me chamam de rainha, penso naquelas velhas e gordas empacadas em seus tronos. – riu.

— Ora, Chad, envelhecer é natural, mas você é muito jovem ainda, além de ter uma incrível vivacidade. – Pontuou, Belard.

— Obrigada, Belard, mas não tira o fato dos anos terem passado e eu já ter um filho adulto. Enfim… – Voltou-se para Eileen. – Gostaria de estreitar relações comerciais com Brósia, apesar de ser distante de Kamar. Nós compramos sal de Tenara, que é um reino litorâneo, bem mais ao sul. O fato é que os preços estão subindo a cada ano, pois eles sabem que são os únicos que fornecem para Kamar. Chegou ao cúmulo de comprarmos sal mais barato de comerciantes de Eras, mesmo sendo intermediários.

— Eras compra em Brósia e em Tenara, Chad. — Falei. — Por isso eles não impõe preços absurdos. Apesar do sal de Tenara ser mais cristalino, por vir do mar e não de minas, não podemos deixar de comprar o sal das minas de Brósia. Assim, o valor comercial se equilibra. – Comentei, intermediando a conversa.

— Como sabe disso, Tália? Eu nunca me atinei para esse fato.

— Ora, Arítes, além de conversar muito com a minha mãe, sempre ouvia as conversas de meu pai com o conselho. Isso quando conseguia fugir de sua escolta.

Todos gargalharam e creio que deixei minha amada envergonhada.

— Então não gostava de minha escolta? – Perguntou aborrecida.

— Arítes, se ela não gostasse, não era sua namorada hoje, não acha? – Falou, Chad rindo. – Mas acredito que, nesse caso, ela estava correta no que fazia. Soube por meu filho, que o rei Astor já estava sendo envenenado há anos. Foi gradual esse envenenamento por aquela poção. Serbes queria que as mudanças acontecessem aos poucos para que se fizessem naturais ao pensamento de todos. Se Tália não se impusesse, talvez estivesse hoje casada com Belard.

Todos fizeram cara de nojo e logo após rimos de nossa reação.

— Desculpe, Tália. Você é uma mulher bonita, mas não me via casando com alguém que eu nem conhecia. Meu pai também foi envenenado e foi mudando ao longo dos anos.

Belard se pronunciou divagando, como se falasse para si e pensasse em tudo que ocorrera em Terbs também.

— Se não fosse por minha irmã, talvez eu mesmo tivesse tomado outro rumo…  outras atitudes diante de tudo que prezávamos.

A conversa fluiu para outros assuntos e quando terminamos de comer, Belard voltou a seu quarto; eu deixei Arítes, Chad e Eileen e fui para a sala do conselho. Queria conversar com Tórus, antes de chamar os outros dois conselheiros de Eras.

Caminhei pelo corredor, sendo cumprimentada pelos guardas que estavam de serviço nos corredores. Alguns faziam a reverência do exército, isso eu apreciava e retribuía, outros, confusos entre a minha posição no reino e a minha farda, faziam a reverência real. Me sentia incômoda, apesar de saber que era a prática natural deles. Não me revoltava mais. Sabia que era por convenção e muitos o faziam por respeito.

Abri a porta e vi Tórus esticar o braço para alcançar um pergaminho na enorme estante que ladeava duas paredes da sala.

— Atrapalho?

Ele me olhou, enquanto ainda estendia o braço em direção ao alfarrábio.

— De forma nenhuma, Tália. Alguma notícia do rei?

— Ainda não, Tórus. Gostaria de conversar com você, assuntos particulares, antes de falarmos sobre nossas ações governamentais.

— Claro. Vamos nos acomodar.

Nos dirigimos à mesa do conselho e eu iria sentar, displicente, em uma cadeira qualquer.

— Por favor, Tália, sente-se na cabeceira, na cadeira de seu pai. Como conselheiro, devo fazer a primeira intervenção nas suas atitudes. Se não se colocar nessa posição — apontou a cadeira – outros também não lhe colocarão. Você não precisa ser arrogante ou imperiosa, mas tem que mostrar a todos, de uma forma natural, que este é seu legítimo lugar. Entende o que digo?

Eu sorri para ele.

— Sim, claro.

Ele devolveu o sorriso.

— Então, vamos conversar.

Sentei-me na cadeira de meu pai e ele à minha direita.

— O que quer saber? Qual das atitudes que tomei diante de seu pai, deseja esclarecimentos?

— Destas atitudes, vou querer saber, mas primeiro, quero que me fale das atitudes diante de sua sobrinha. Ela, agora, é minha namorada e se tudo correr bem, em breve, será minha esposa. Por que se distanciou tanto dela, Tórus? Você é a única família que ela tem aqui em Eras. O único mais próximo e sei, pelo que minha mãe fala, que você amava sua irmã e durante a infância de Arítes, você foi sempre presente em sua educação, juntamente com Cétriz, seu pai.

Ele suspirou longamente e deixou o seu corpo amolecer na cadeira.

— Eu amo a Arítes, Tália, mas não podia deixar que nada acontecesse com ela, por minha causa. Por isso me afastei, dando a impressão que não a queria perto e que não a amava.

— Isto que ocorreu aqui, sei que levou anos para se delinear, mas ninguém percebeu. Desde quando você sabe o que vinha acontecendo?

— Penso, que há três ou quatro anos. Você devia ter uns dezesseis e Arítes uns dezoito. Veja bem, eu não sabia que Vergás era Serbes, mas eu e ele começamos a divergir em tudo. Um dia ele me ameaçou e ameaçou Arítes. Disse que eu estava do lado errado e que se me interpusesse, eu e ela sofreríamos, pois ele tinha o apoio de Serbes.

— Por que não procurou minha mãe?

— Porque ele disse que Serbes estava à par de tudo e mandou observar o rei. Astor estava mudando e foi quando ele falou que Serbes usara de magia para possuir as vontades de Astor e se eu falasse a alguém do comando, Serbes mataria o rei simulando um acidente.

— E por que tomou atitudes que compactuavam com ele? Você quis convencer meu pai a me dar em casamento!

— Eu fiz isso para tentar acordar o rei Astor, Tália. Eu conhecia o rei Badir e também sua família. Não podia contar a sacerdotisa-curandeira, pois ao meu menor descuido, ele ameaçava matar seu pai. Fiz o jogo que ele queria, pois se eu conseguisse que o rei Astor lhe oferecesse, sabia que Belard repudiaria, e Melorne, irmã dele, desconfiaria e investigaria.

— Mmm… entendo. Você queria que as coisas viessem à tona com as atitudes que ele mesmo tomava, sem que ele achasse que você era o foco.

Ele sorriu.

— Isso. Entenda, Tália, meu pai foi um grande homem. Guerreiro e sábio. Minha irmã era uma grande guerreira e uma mulher inteligente e Arítes herdou isso dela e do pai, mas meu pai como um homem sábio, me falou um dia: “você meu filho, tem a inteligência de um estrategista e a sabedoria de um homem de paz. Você verá nas suas palavras, a vitória sobre guerras, sem empunhar uma espada”. Ele sabia exatamente, o que cada um de nós éramos e no que cada um podia contribuir. – Sorriu. – Isso ainda na tenra idade, me fez pensar e ver que eu não era um homem diferente na nossa família, apenas tinha outro caminho e outra forma de conduzir as coisas.

Olhei diretamente para seus olhos e consegui ver a verdade neles. Pela primeira vez na minha vida, consegui vislumbrar com clareza, o dom que o povo das águas trazia de nossos ancestrais.

— E minha mãe? Como ela não enxergou isso em você? Eu enxergo agora, mas ela é uma mulher experiente.

— Enxergou, Tália. – Afirmou, olhando-me diretamente. — Tanto enxergou, que ao longo dos anos, nada fez para me depor do meu cargo. As situações é que eram confusas demais e lhe digo, sua mãe foi a minha maior aliada, mesmo sem ter a certeza absoluta da situação. Quando conversava comigo, tenho convicção que ela sabia que algo andava errado, mas não me via como uma ameaça.

— E agora, Tórus? Como fará para que Arítes volte a confiar em você?

— Da forma como deve ser. Conversando e mostrando a clareza de meus atos. Sei que talvez possa demorar, mas tenho fé que a Divina Graça venha a me abençoar mais uma vez, pois ela não me abandonou.

Olhei para aquele homem, que muitas vezes desconfiei, e não via mais nenhum vestígio de dubiedade. Estava calmo, como há muito tempo não via.

— Muito bem. – Inspirei. – Agora vou precisar de você, Tórus, para me orientar. Quero conversar com o conselho ainda esta tarde, pois preciso conduzir as conversações com Kamar e Terbs, antes que a rainha Chad e o príncipe Belard partam. Como falei, não tenho notícias ainda de meus pais e tenho que deixar as coisas alinhavadas entre nós e nossos aliados, para quando meus pais voltarem.

— Claro, mas antes, quero parabenizar pela ótima notícia que me deu e dizer que estou muito feliz. Já havia desconfiado que você e Arítes tinham se acertado, mas não haviam declarado ainda o relacionamento de vocês. E que ironia, precisou haver tensões políticas e uma guerra para que vocês enxergassem o amor que era tão óbvio e latente.

Ele sorriu abertamente e eu fechei meu cenho.

“O que era tão óbvio? Não tinha nada de óbvio entre eu e Arítes antes, ou tinha”?

***********

Conversei algumas horas com Tórus e depois me reuni com o conselho. Sem dúvida, dos três, Tórus era o mais articulado, o que mais entendia da situação em que o reino se encontrava, política e comercialmente, e também, o que tinha ideias mais interessantes. Parecia que Dêmer e Ivemart concordavam comigo, pois pontuaram uma ou outra coisa, mas ao final, apenas lapidamos o que Tórus trouxe em pauta.

Saí do conselho satisfeita com as resoluções que tomamos. Estava cansada. O senescal me comunicou que o castelo já se encontrava com quase todas as atividades normais e que o jantar seria servido às sete. Não faríamos nenhuma recepção para nossos convidados hoje e as pessoas estariam liberadas para jantarem no salão ou em seus aposentos, caso assim preferissem. No dia seguinte, daríamos um pequeno almoço de confraternização.

Queria um banho e procurar Arítes. Andava pelo corredor real para chegar ao meu quarto, quando escutei vozes e fui me aproximando. As palavras que ouvi chegaram aos meus ouvidos como pedras atiradas em um enorme gongo.

— Por favor, Chad, não fale nada e nem insinue.

— Você me conhece, Arítes, sabe que não faria isso. Não tenho nada com a vida de vocês. Eu e você não temos mais nada há mais de dois anos. Hoje eu amo outra pessoa, assim como você ama Tália, mas me escute. – Chad suspirou cansada. – Eu gosto de você como amiga querida e é um conselho que lhe dou: fale com ela. Não comece um casamento escondendo coisas.

— Está falando isso porque você não conhece Tália. Ela é ciumenta e ainda está assumindo responsabilidades que não caberia à ela nesse momento, e não quero incomodá-la com mais uma coisa. Sei que vai aborrecê-la.

— E por que não falou à ela antes?

— Porque eu tinha que conversar com você, primeiro. Não esqueça que você era uma mulher casada na época. Não queria ser leviana, Chad! Que imagem eu passaria de você, se isso viesse à tona?

— Imagem?! Pela Divina Graça, Arítes! Todos em Kamar sabiam que eu estava me separando e só não anunciei publicamente, pois tivemos o infortúnio de Gedrã adoecer. Mas todos já sabiam que eu e ele estávamos separados. Só não permiti que ele se fosse, porque não deixaria o homem que foi meu companheiro de anos, sem apoio, numa hora daquelas! Nossa separação já estava assinada e não permiti publicação, pois queria que Gedrã melhorasse primeiro. Não faça isso com vocês duas…

— Pois ela já fez, Chad!

Falei, ao mesmo tempo que corria por aquele corredor em direção ao meu quarto, com os olhos banhados em lágrimas e vermelhos de raiva.

“Como sou uma idiota… ingênua”!

— Tália!

Ainda a escutei me chamando.

— O que está acontecendo aqui?

Minha mãe acabara de chegar e viu, quando corri. A rainha Chad permaneceu calada, por alguns instantes, enquanto Arítes corria atrás de mim.

— Uma grande confusão, um infortúnio e uma decepção. Foi o que aconteceu aqui. — Chad falou para minha mãe, se aproximando e a abraçando. – Parece que na tentativa de fazer a coisa certa, acabei precipitando o que eu mesma temia.

— Você?

— Sim. É uma história um pouco complexa. Acredito que Tália está me odiando, vai estremecer com Arítes e você vai me matar.

Minha mãe colocou a mão nos olhos, apertando-os, como se tentasse dissipar alguma dor de cabeça que se avizinhava.

— Chad, o que você fez?

— Depois que for ver sua filha e lhe escutar, se quiser, conto minha versão. Isto, caso aceite um convite para jantar em meus aposentos. Não creio que venha a ser bem-vinda no salão de jantar, hoje.

Minha mãe se aprumou e olhou Chad diretamente, tentando decifrar suas palavras.

— Êlia, na realidade, gostaria de conversar com você. Não gostaria que me levasse a mal, depois que escutasse a versão de Tália. Sei que ela precisa de você agora. Para falar a verdade, acho que você é a única pessoa que ela vai querer ver. Não acredito que Arítes consiga falar com ela.

— Tudo bem. Depois que eu falar com Tália, eu te procuro.

****

Escutei novas batidas na porta. Não chorava mais e estava furiosa. Não abriria minha porta para Arítes naquele momento, nem que a “lua vermelha” despencasse do céu. Outras batidas soaram e escutei uma voz conhecida que acalentava meu coração.

— Tália, sou eu, sua mãe. Abra a porta, por favor.

Corri para atende-la e quando abri a porta me joguei em seus braços.

— Mãe! Quando chegou? Como está papai? Entra, vai. Não quero ver aquela traidora na frente!

Puxei-a e cerrei a porta atrás de nós.

— Traidora? De quem você está falando, Tália?

— De Arítes, lógico. Mas não vem ao caso, agora. Me responde; como está papai?

— Está bem e se recuperando. Ele perdeu sangue demais e as Senhoras da Natureza conseguiram fechar o ferimento. Ele acordou a pouco, mas terá que permanecer lá, uns dois dias para conseguir entrar em Eras de pé.

— A recuperação lá é mais rápida?

— Sim, muito mais. Aconselhei-o a ficar, enquanto eu vinha verificar como tudo estava por aqui. Parece que, quanto a guerra e ao que aconteceu a Eras, está tudo em ordem, mas pelo que percebi, outra guerra está para estourar. – Ela relaxou os ombros, deixando-os cair frouxos. — O que aconteceu entre você e Arítes? E não me diga que não quer falar sobre isso, porque estou prestes a casar vocês à força, para ver se entra algo na cabeça das duas.

— Mãe, não fui eu dessa vez e a hora que contar, vai me dar razão. Não posso ficar com uma pessoa que mente, oculta e me põe à parte de sua vida. Quando começamos, eu fiz uma pergunta simples e, apesar de meus ciúmes, eu entendi quando me revelou seus relacionamentos. Por que ela não confiou em mim? Agora quem não confia nela, sou eu.

— Acalme-se e me conta o que aconteceu.

Minha mãe escutou do início ao fim, sem se posicionar e quando terminei, ela ficou parada, me olhando, talvez pensando no que me dizer.

— Não vai falar nada?

— Eu estou pensando na ironia da situação. – Ela deu um pequeno sorriso de lado e sacudiu a cabeça. – Tália, eu entendo a sua irritação e até lhe dou razão. Mas… – Parou momentaneamente, olhando ao redor. Voltou-se novamente para mim. — O que mudaria em seus sentimentos, se Arítes tivesse lhe contado antes?

— Mudaria o fato de que eu teria ciúme e não raiva e muito menos esse sentimento de desconfiança e traição que está agora alojado em meu peito.

— Tudo bem, mas você a ama e isso não mudou. Ela não te traiu, pois não estava com você na época.

— Claro que traiu! Não me traiu com uma pessoa, enquanto estava comigo, mas traiu a minha confiança. Ela sempre vai esconder algo de mim? Que mais segredos essa mulher tem que eu não sei?

— Todos nós temos segredos, Tália, até você. Nem tudo que vivenciamos nessa vida, queremos revelar ou queremos que retorne à nossa própria lembrança.

— Olha, eu sempre escutei a senhora, mas desta vez, não dá! Eu estou muito magoada e o pior, não posso descontar na rainha Chad. Ficou claro que ela queria convencer Arítes a me revelar. Mais uma coisa para alimentar minha raiva de Arítes, pois cada vez que estiver perto de Chad, vou me sentir uma idiota! Pior ainda. Amanhã vou ter que ficar numa recepção junto com ela e por conta dessa porcaria de protocolo, ao lado dela, mais especificamente.

Minha mãe gargalhou. Será que ela desfazia da minha situação?

— Desculpa, Tália, mas essa situação é inusitada mesmo. Um dia, depois que isto passar, vou contar a você uma história minha e de seu pai. Mas não hoje. Ainda tenho que tomar um banho e falar com Chad. Gostaria apenas que pensasse sobre como seria sua vida sem Arítes. Consegue se imaginar sem ela e amando outra pessoa? Consegue, também, imaginar Arítes casada com outra pessoa?

Quando minha mãe fez estas perguntas, de forma crua, meu peito apertou como se o ar tivesse saído de meus pulmões.

— Não é justo, mãe. Eu estou sofrendo.

— Acha que Arítes também não está sofrendo? Talvez por coisas diferentes. Talvez pela consciência de ter errado com você e ter lhe magoado, mas eu a conheço e sei que ela também está em sofrimento. Sei que ainda não é possível apagar o que aconteceu, mas ela só poderá demonstrar que se arrependeu e que pode ser digna de sua confiança, se você permitir que ela se aproxime novamente. Pense nisso.

Minha mãe levantou da poltrona, se encaminhando para a porta. Eu enchi meus pulmões de ar e exalei forte.

— Agrrr! Você tem o dom de deixar mais pensamentos na minha cabeça, do que eu já trazia antes de falar com você. Tudo bem. Até sei que não viveria com outra pessoa e nem suportaria vê-la com alguém diferente de mim. Mas não posso vê-la hoje. Se conversar com ela, só faremos brigar. Eu me conheço e aí pode ser pior.

Minha mãe olhou para mim, enquanto abria a porta e sorriu.

— Nem espero isso de você. O que escutou, sei que deve doer muito.

Saiu. Eu pedi meu jantar no quarto e enquanto isso, minha mãe jantava com a rainha Chad no quarto dela.

****

A rainha Chad abriu a porta, após três batidas. Minha mãe a olhou num misto de incredulidade e impaciência.

— Logo Arítes, Chad?!

Falou, assim que entrou de rompante.

— Ei, calma! E por que não, Arítes? Por acaso, sou um oráculo para saber que Arítes viria, um dia, ser a noiva de sua filha?

— Ela é muito mais nova que você, Chad!

— Pelo visto, hoje é dia oficial de ofender a rainha de Kamar! – Falou irônica. — Ela tinha vinte anos e eu trinta e oito. Creio que ela já sabia muito bem o que estava fazendo.

— Seu filho tinha vinte anos!

— Dezenove! E eu vou fazer quarenta e dois. Olha, Êlia, esse papel de mãe dela, quem assumiu foi você. Eu nem sabia que ela era filha de Ravine, até conhece-la.

— E quando soube? O que fez?

— Já estávamos envolvidas e logo depois, ela parou com as diligencias para Kamar e nos distanciamos.

Elas se entreolharam e de repente, minha mãe começou a rir. Um sorriso fraco de resignação.

— Eu não acredito que isso tenha acontecido. – Balançou a cabeça, ainda sorrindo incrédula. – Qual o seu problema com os oficiais que escoltam as diligências, einh?



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