Eras

Capítulo 9 – Os passos para uma nova “era”

— É tudo que eu mais quero!

Respondi efusiva.

— Então, está feito. Provavelmente, algum esquadrão acompanhará e montará patrulha na margem da floresta, para manter a área segura, mas não passarão dali.

****

Acordei no primeiro dia de testes impaciente, aflita até. Vesti uma calça de couro marrom macio e uma camisa ajustada de couro, no mesmo tratamento que deram ao tecido da calça. Não podia dificultar meus movimentos e ao mesmo tempo, tinha que proteger, minimamente, meu corpo de escoriações sofridas pelos ataques. Tomava um desjejum leve quando escutei batidas na porta.

— Entre. – Gritei. – A porta está aberta.

Arítes veio a meu encontro. Trajava o uniforme oficial de campanha.

— Por que está vestida assim?

— Vou fazer o teste também.

— Você ainda não se recuperou. Pode se machucar.

Ela riu à minha observação e me irritei com isso.

— Tália, se toda vez que me machucar não quiser fazer o que tenho que fazer, poderia morrer num campo de batalha. Não me importa se não passar de patente, mas no mínimo, tenho que mostrar que sou aguerrida. É bom…

— …Para a imagem, já sei. Estratégia.

— Exato. Os que estão abaixo de mim, me respeitarão por essa atitude, sabendo que sobrevivi a um atentado, há pouco mais de oito dias.

— Trate de ficar inteira, então. Ainda terá que me escoltar ao lago.

— O quê?

Nesse momento, percebi que minha mãe não havia comentado nada com ela sobre meu tempo de reclusão. Fazer o quê? Dei um vacilo, oras. Ninguém é perfeito, certo?

— Nada. Só sonhando com um pouco de liberdade. Já está na hora?

— Já. Vim dar boa sorte. — Ela me deu um beijo. — E vim dizer para não se espantar com a quantidade de gente que irá assistir.

— Como assim?

— Bom. Não sei se você sabe, mas a filha do rei e da rainha vai fazer um teste para o exército e parece que o povo quer ver.

— Você está me assustando…

— Fica calma. É só curiosidade do povo.

Segurei minha respiração. Isso não iria ser nada bom.

****

— Pela Divina Graça!

— Calma. Só se concentra e lembra dos treinamentos. Esquece que tem gente em volta.

— Gente em volta? Tem uma multidão em volta, Arítes!

— Quem manda ser popular, — ela gargalhou. — você tem que se ater apenas a arena. Antes, dê uma olhada na tribuna e veja seu pai. Ele está sorrindo.

— Falei com ele ontem no café da manhã e no jantar. Ele estava feliz. Foi tão bom vê-lo me apoiar.

— Então. Agora só veja a arena.

****

Fiquei animada no primeiro dia. De manhã, derrotei um soldado e diria até que com facilidade. Foi rápido e o rapaz, não soube bem como o derrubei. Na espada, não foi diferente e no arco, bem, nesse quesito o menino era sofrível.

À tarde, os juízes avaliaram a minha habilidade e me colocaram para lutar com um sargento. Minha aptidão, pela avaliação deles, estava além de um cabo. Passei no primeiro dia.

No dia seguinte, a minha rotina não foi diferente. Acordei, tomei café, falei com minha mãe e depois Arítes chegou para me dar um beijo de boa sorte. Ela me escoltou até a arena e naquele dia soube que a Tétis iria prestar o teste para capitã e Arítes que não tinha feito o teste no dia anterior, iria prestar para coronel. Parece que enquanto eu lutava, elas estariam ocupadas também e não teria os olhos amorosos de Arítes para me incentivar.

Passei pelo subtenente na parte da manhã e cada vez mais escutava o “zun-zun-zun” do povo falando de minhas habilidades. Parece que eu estava causando boa impressão. O que mais me incomodava era que não podia falar com ninguém ligado ao exército, ao longo das provas.  Ou seja, as pessoas que me eram mais queridas, como minha mãe, Arítes e meu pai, não podiam falar comigo enquanto não davam os intervalos. Eu não ficava nervosa na hora. Parecia que começava a tremer depois que tudo acabava. Era como se a mim, não importasse quantas pessoas estavam ali me observando e sim, o fato de ter que colocar em prática, tudo que aprendi ao longo dos anos com o mestre de armas e, também, no último mês com minha mãe e Arítes.

Soube por outras pessoas, que Arítes havia passado no teste para coronel e faria o teste para general à tarde. Fiquei radiante por ela e triste por não poder lhe falar. Também gostei de saber que Tétis havia conquistado a patente de capitã. Pelo que soube, ambas tentariam lutar pela patente logo acima, na parte da tarde. Não abriram mão.

À tarde, havia mais pessoas e comecei a sentir o peso dos olhares. Era como se o povo não esperasse a minha ascensão e mais pessoas chegavam para ver a filha do rei com seus próprios olhos. Passei pelo tenente, Tétis passou pelo tenente-coronel e Arítes passou pelo general de esquadrão.

****

Na manhã do terceiro dia, tomava meu desjejum em meu quarto, como nos outros dias de teste. Eu estava com medo. Ontem não havia sido fácil o combate com o tenente e logo após o término dos combates, no último que era o arco, fui aplaudida pelo povo. Não sabia se eu ficava orgulhosa ou se eu temia essa expectativa.

Bateram à minha porta.

— Entre.

Vi minha mãe entrar, seguida de Arítes e Tétis.

“Que droga! Não posso nem dar um beijo na minha namorada”.

Foi o que pensei quando vi Tétis entrar.

— Bom dia, minha filha.

— Bom dia, mãe.

— Princesa. – Tétis fez a reverência real.

Arítes pousou a mão direita espalmada no peito fazendo o cumprimento do exército.

— Tenente…

Eu sorri para todas. Estavam mexendo comigo, logo no dia de hoje. O dia que julgava que iria cair.

— Vão zombar de outra pessoa.

Falei com falsa repreensão e todas riram. Abracei minha mãe, Tétis, mas quando fui abraçar Arítes, me demorei um pouco mais. Ela me aconchegou num abraço reconfortante. Isso era o que precisava.

— Muito bem, vejamos. – minha mãe chamou nossa atenção. – Tetis e Arítes, não desistam. Não percam por vontade própria. Gostaria que vocês, se tiverem realmente condições, galguem patentes maiores. E Tália, minha filha, estou orgulhosa de você. Hoje vai ser o pior dia, pois a multidão está avolumando, mas deve saber que, o que já fez, fez bem. Se passar por hoje, ótimo! Se não passar, você está numa posição maravilhosa e além do que todos esperavam. Fique tranquila.

— Tália, é a primeira vez que alguém que nunca esteve no exército, conseguiu galgar tantos postos. — Arítes falou empolgada.

— Por isso quero que fique calma, pois o alto comando me procurou ontem à tardinha. Questionaram se seria prudente você entrar em posições maiores, caso conseguisse.

— Como assim?

— Temos a lei que ampara e discorre sobre pessoas comuns poderem fazer os testes, mas nunca havia acontecido algo assim e, se estão preocupados, é porque veem que há a possibilidade de você conseguir progredir para patentes maiores. O que os preocupa, é que você não tem experiência e nem uma formação militar.

— Mas eu estudei com a senhora ao longo dos anos…

— Mas não vivenciou. De qualquer forma, não tem como mudarem as regras agora. Não irão fazer, assim que, não se preocupe. Só quero que saiba que, independente de hoje vencer ou não na arena, você esteve ótima e seu pai está radiante, assim como eu.

— Por que papai não veio me ver?

— Ele não pode, filha. O rei não pode demonstrar preferências. Ele não pode falar com nenhum dos candidatos que escalam postos mais altos. Também faz parte da regra. Está agoniado com isso.

— Mas por que você pode?

— Não é obvio?

— Ah! Tá. Entendi. Você é a comandante.

— Isso. Mesmo assim, por ser sua mãe, eu não tive acesso aos sorteios e não sei quem irá ser seu oponente.

— Acho justo. — Falei

Minha mãe sorriu.

— Bom. Hoje a luta de Arítes virá primeiro que a de vocês e não haverá testes concomitantes. Vamos nos adiantar.

Tétis me desejou boa sorte; minha mãe me deu um beijo antes de sair, mas Arítes permaneceu ali. Entenderam que ela faria minha guarda até a arena quando eu estivesse pronta, e se foram. Olhei para Arítes e ela veio a mim me abraçando. Depositou um beijo terno e me embalei no conforto de seus braços. Até ontem estava confiante, devo admitir, mas hoje estava com medo. Tremi sob seu abraço.

— Ei!

Ela sussurrou com seu rosto aninhado em meu pescoço.

— Oi. – respondi debilmente.

— Tudo ficará bem. Você foi ótima e devo dizer que esperava por isso. Depois que começamos a treinar, percebi o quanto eu fui tola ao longo dos anos, pois também achava que sua inclinação para os treinos com o mestre de armas, era um capricho seu. Eu lhe deixava no treinamento e ia para meu regimento. Me perdoe por minha incredulidade.  Fui infantil.

— Não importa mais. Minha mãe também nunca achou que eu tinha chegado tão longe nos meus treinamentos e ela normalmente tem o controle de tudo que acontece aqui. Eu também contribuí para essa minha imagem, com minhas atitudes rebeldes.

— O mestre de armas está radiante. Ele chegou a gritar ontem quando você derrotou Mardox. – Sorriu.

— As pessoas não dão muito valor a Deitônio. Ele sempre foi aplicado e depois de uns anos, não me dava mole. Puxou muito por mim, mas acho que se sente desprestigiado no exército. Foi um grande mestre de armas na época de meus pais e hoje o relegam a cuidar da sala de armas.

— Não o desprestigiamos, apenas ele já tem muita idade. Deixamos com uma tarefa importante para o exército e que não o puxaria demais.

— Mas não dão valor e não é ouvido. Isso é como uma aposentadoria por invalidez, mas que ele ainda teria condições de contribuir com sua experiência. Simplesmente não é escutado!

Fui dura na minha opinião, afinal, Arítes faria, daqui para frente, parte do alto comando. Se passasse por hoje, seria “general de exército”.

Arítes ficou em silêncio, durante um tempo. Suspirou.

— Acho que nossos narizes ficam enfiados em nossas calças eventualmente, não? Mas não creio, que a partir dessa semana, ele não seja lembrado, não é, mocinha?

Sorriu e beijou-me, rapidamente, resignada por entender que ela mesma fazia julgamentos preconcebidos em algumas questões.

— Vamos, pois eu estou prestes a enfrentar um general do exército.

— Como está sua cabeça e sua perna? Sinceramente, achei loucura sua e devo dizer que achava que não passaria.

— A minha cabeça sarou logo, durante estes dias. O que me incomoda é a perna, pois ontem pelo esforço, voltou a abrir o ferimento. Nada extenso. Só um pequeno sangramento em uma pequena parte que abriu novamente, mas incomoda muito. Acho que dessa vez fico na arena e não porque abri mão.

— Arítes, se é uma coisa que aprendi com você, minha mãe e com o mestre, é que uma luta não se ganha pela força e sim pela habilidade, agilidade de movimentos e antecipação. A força é apenas um dos ingredientes.

— Eu sei, Tália, mas agora lutarei com um grande general e não me espantaria nada se acaso fosse Galian para lutar comigo, pois do jeito que as coisas estão, nem sabemos quem está por trás desse levante. Sua mãe não está podendo participar dos sorteios pela proximidade comigo e com você. Às vezes me pergunto se não vão escolher diretamente quem irá lutar conosco.

— Não teriam coragem de fazer isso. Galian é o comandante-general e segundo no comando supremo.

— Mas ele foi eleito por sua mãe, quando ela se afastou. No exército, sua patente é de general de exército e não comandante-general.

— Bom, vamos ver se têm coragem de se expor dessa forma. Colocar Galian para lutar com você, é o mesmo que admitir que estão com medo de sua ascensão.

Fomos para a arena e Arítes se despediu de mim para se arrumar e esperar pela escolha de seu oponente. Ficamos, eu e Tétis, atrás do recuo dos candidatos. Não tinham mais espaço para acomodar as pessoas e colocaram os candidatos em uma área comum. Mardox se aproximou e abraçou Tétis, beijando-a. Olhei e me dei conta que nada sabia da vida da tenente. Tenente não, ela agora era tenente-coronel… por enquanto.

— Parabéns, princesa. Devo admitir que me pegou de surpresa.

Mardox me cumprimentou, sorrindo. Não era um sorriso de desdém ou escárnio. Era aberto e suas palavras pareciam sinceras.

— Obrigada, Tenente Mardox.

— O que ele quer dizer, Tália, é que a subestimou e está arrependido.

Tétis gargalhou diante do rubor que estampou no rosto do tenente. Abraçou-o mais forte e lhe beijou o rosto, novamente.

— Tudo bem. Eu assumo que fui leviano, mas vamos pensar friamente. Quem consegue chegar tão longe, sem um treinamento metódico que assumimos quando ingressamos no exército?

— Mas eu tive um treinamento metódico, tenente. Desde meus 13 anos treino, sistematicamente, todas as manhãs na sala de armas com o mestre Deitônio. Com exceção dos domingos, nunca falhei um só dia, a não ser, quando adoentada.

— Pois é, princesa. Todos sabíamos, mas nunca nos passou pela cabeça, que o fizesse todos os dias e muito menos, que levava tão a sério.

— Então, essa foi a parte leviana de seu pensamento. – Respondi sorrindo. – E você? Não quis prestar os exames?

— Não achei que estivesse em condições. Passei esse ano inteiro, tirando serviço, no posto de vigia ao sul do reino. Sabe que estamos em alerta. Isso me impossibilitou de treinar devidamente e nem participava dos exercícios do regimento. As guarnições de vigia serão trocadas esse ano e tentarei me preparar para o próximo ano.

Assenti com a cabeça.

— Como está na fronteira? Sem imprevistos?

— Ao contrário do que os boatos falam, nada de excepcional aconteceu por lá. Tudo calmo, com a benção da Divina Graça.

Escutamos um clamor do povo. Olhei a arena e Arítes entrava.

— Parece que o povo gosta e respeita Arítes.

— Perdoe-me, princesa, mas é difícil alguém não gostar dela. É uma pessoa que não se furta em ajudar, quando é necessário, além de ser uma ótima oficial. É sempre gentil com o povo e é simples, sem pompas. Diferente de alguns… As pessoas observam.

— Mardox!

Tétis ralhou com o noivo.

— O que foi, Tétis? Vai me dizer que não percebe?

— Deixe-o, Tétis. Sei que o tenente não falou envenenando. Apenas emitiu sua opinião.

— Mas a opinião, às vezes, Tália, deve permanecer conosco.

— Mas, às vezes, deve ser exposta para nos precaver.

— Olha!

Tétis me chamou a atenção, apontando para a arena. Entrava na arena o general Gwinter. Ele era uma muralha. Alto e forte. Temi por Arítes, pois ele era o segundo general mais respeitado do exército e conhecido por sua severidade com as tropas.

A luta começou e Arítes havia escolhido a lança como arma para o combate. Ele avançava impiedoso sobre ela. Arítes defendia seus golpes e, em muitos momentos, apenas se esquivava. Foi atingida algumas vezes, quando na defesa do golpe, a lança resvalava sobre a outra. A luta se estendeu durante mais de vinte minutos e sentia que os dois já estavam extenuados. Estava assustada, pois a cada golpe desferido pelo general, parecia que Arítes ruiria, mas ela sempre conseguia escapar, abrandando a força da lança que caía sobre si. Em um dado momento, o general avançou inclemente, numa sucessão de golpes e Arítes, recuava de costas tentando escapar do ataque. Suas costas tocaram o alambrado e Gwinter arremeteu um golpe em sua cabeça. Ela esquivou pelo lado, fazendo a lança do general se partir no alambrado. Quando o general recuperou, voltando-se para ela, Arítes acertou um golpe em suas costelas, fazendo com que ele se curvasse levemente. Ela não lhe deu tempo de recuperar, desferindo sobre sua cabeça, derrubando-o. Fim de combate.

O povo aplaudiu e ovacionou numa emoção contagiante. Eu gritava de alegria e abracei Tétis e Mardox, eufórica.

Trinta minutos depois eles entravam novamente na arena. Não narrarei o combate, pois quando vi que, logo no início da luta, ele cortou a mesma perna que Arítes tinha a lesão, quase morri. Arítes caiu. Fim de combate.

Deram um pouco mais de tempo para tratarem os ferimentos dos combatentes. Para sorte de Arítes, a disputa do arco não exigia tanto do esforço físico. A habilidade era o que prevalecia.

— O que faz aqui, Tália?

Ela me perguntou, alarmada. Eu havia passado para a área de combate.

— Não se preocupe, pedi permissão. Queria saber como estava. Ainda está sangrando… – Olhei a sua roupa manchada na coxa.

— Seria um corte superficial se não tivesse pego, parcialmente, em cima do outro.

Fiquei a seu lado e ela escolhia as flechas que usaria. Eu iria ajuda-la, mas lembrei que não poderia tocar nas armas, com o risco de a desclassificarem.

— Pegue as flechas de duas penas para a prova sobre o cavalo. Terá que abrandar a tensão da corda do arco nos alvos mais próximos, mas são mais precisas em alvos de longa distância e em movimento. Eleve também seu cotovelo. Você o deixa baixo em relação ao ombro, isso também faz perder a precisão. Que a Divina Graça esteja com você.

Pisquei um olho e sorri, antes de sair.

A primeira bateria de lançamentos foi fácil para os dois. Estavam parados e os alvos fixos. Quando passaram por esse embate sem perderem nenhum alvo, viria a parte com os cavalos. Os alvos estavam bem perto quando passavam cavalgando, mas percebi que Arítes tentava posicionar o cotovelo conforme lhe falei. Sentia que ela passaria no teste, pois o general optou pelas flechas mais seguras, as flechas de três penas. Eu sabia que, se Arítes não errasse nas distâncias mais curtas, ela conseguiria vencê-lo, pois estas flechas de três penas, perdiam em precisão à longa distância, principalmente, se o arqueiro não estivesse estável na montaria. Ele a subestimou. Eu tinha certeza que ele optou por essas flechas, por achar que ela erraria antes de alcançarem uma grande distância nos alvos ou antes da prova dos alvos em movimento.

“Jogou com a arrogância, general, e irá perder por isto!”– Pensei.

A cada bateria, os escudeiros afastavam mais os alvos e senti que o general Gwinter começava a se demorar para disparar a flecha. Quase retorcia o tronco, em cima do cavalo, perdendo o tempo de disparo. Ele estava começando a ter dificuldade com a flecha de três penas. Fazia muita tensão no arco, mas a flecha começava a perder velocidade antes de alcançar o objetivo. Já Arítes, disparava com maior facilidade. Mais uma bateria e o general é que iniciaria. Observei a sua postura. A cabeça estava mais baixa e seu tronco, levemente inclinado à frente, enquanto cavalgava. Eu amava o arco e, durante estes dias, pude perceber que muito poucos tinham técnica que se igualasse a minha, modéstia à parte.

“Ele vai errar agora”.

Como imaginei, disparou a flecha baixa demais e ela perdeu altura antes de alcançar a metade do trajeto. A flecha caiu antes de chegar o alvo em movimento. Fiquei exultante, mas ainda faltava o disparo de Arítes.

— Vamos, Arítes. Você consegue.

Falei para mim mesma, enquanto observava ela avançar com o cavalo pela trilha de testes.

— Você está com o cotovelo baixo, Arítes, e a cabeça também. Levanta.

Na verdade, eu falava para mim mesma. Tétis me observava.

— Você é uma ótima arqueira. Espero treinar com você no exército. A minha técnica é horrorosa e por mais que eu treine, não consigo melhorá-la.

Eu sorri, sem tirar meus olhos de Arítes. Os segundos estavam parecendo minutos, enquanto o cavalo dela ganhava chão.

— Ela corrigiu a postura… vai passar no teste.

Sussurrei as palavras como se o vento pudesse leva-las até minha namorada e, logo depois, me dirigi a Tétis.

— Se quiser, nas nossas horas vagas, podemos treinar…

Antes mesmo de terminar a minha frase, a flecha saiu do arco de Arítes com perfeição e eu abri um largo sorriso, apreciando o deslizar no ar, como se estivesse em câmera lenta. Atingiu o alvo em movimento. A multidão em volta gritou aclamando. Abracei Tétis pulando como uma boba. Fim de combate.

Apesar da avaliação do alto comando do exército decidir oficialmente pelo vencedor, sabia que não poderiam dar a vitória ao general. Arítes havia ganho o combate corporal que valia mais pontos e mais o arco. Ninguém conseguiria justificar uma negativa da vitória dela. O que me preocupava era que, o fato dela ter passado no teste, faria com que ela fosse elevada a patente de “general de exército”. Muito provavelmente, despertaria o ciúme em alguns, admiração em outros e ainda, despertaria ira naqueles que estavam tramando contra o reino.

Não pude ir cumprimenta-la. Agora começaria a bateria dos meus testes e de Tétis.

Não delongarei falando mais os inúmeros testes que sucederam, Só direi que Tétis derrotou um coronel alcançando a patente, mas caiu diante do general de esquadrão. Estava muito feliz e entendi que ela não acreditava chegar a tanto. Quanto a mim, derrotei um capitão e a muito custo, um tenente-coronel. Só consegui a vantagem pelo arco. Sentia que não passaria no dia seguinte. Não me achava em condições de derrotar um coronel.

Me recolhi cedo e recebi as três maiores incentivadora de minha luta, em meu quarto, pela manhã.

 — Ei! Agora vocês três são inseparáveis, é?

— Meu amor! – Minha mãe me abraçou e tinha um sorriso do tamanho de uma montanha nos lábios. – Você está tremendo, filha?

— Muito! O que a senhora acha?

Nós quatro gargalhamos.

— Tália, agora é onde você está mais confortável. Você é que está deixando os oficiais nervosos.

— Tudo bem, Arítes, mas isso quer dizer que eles estão querendo me exterminar agora. Como você acha que está o orgulho de todos?

— Entre as pernas… Bem lá no fundo!

Tétis soltou a frase sem piedade, arrancando risos de todas nós.

Apesar de minha mãe ter rido conosco, ficou séria logo depois.

— Na verdade, meninas, apesar de estar exultante com nossa conquista, isto que ocorre é exatamente o que não deveria acontecer. Reconhecimento não deveria ser disputado e sim, conquistado serenamente. O fato de Tália, Arítes e você terem chegado onde chegaram, não deveria despertar desconfianças ou revoltas. Deveria ser motivo de uma alegria natural, não por serem quem são, mas simplesmente por terem feito seus deveres e sacrifícios para isso, como qualquer outro. Essa é minha preocupação diante de tudo que tenho sentido no reino. Bem, só mais um passo e veremos o que faremos mais adiante. Boa sorte, filha.

Minha mãe me beijou e se despediu de nós. Tétis me deu boa sorte também e saiu, pensativa.

— Sua mãe tem razão. Essa disputa está mostrando o quanto estamos nos distanciando de nossas crenças na igualdade.

Arítes me abraçou apertado e me beijou com um carinho infinito.

— Depois que passarem os testes, veremos o que faremos. Mas por agora, estou concentrada em não levar uma surra daquelas.

****

Ainda não havia escolhido o “takubi” para a luta corpo-a-corpo e minha mãe não entendia. Não era só ela e Arítes que tinham estratégia. Observei todos os dias de testes e comprovei, o que sempre vi, ao longo dos anos. Apesar do takubi ser uma arma tradicional eriana, em que qualquer um, desde a tenra infância conhecia, os soldados quase não o utilizavam, pois preferiam treinar com armas tradicionais de qualquer exército.

— Qual arma escolhe para o combate, Tália?

O general Galian perguntou, dando início ao teste, como foi em todos os dias. O desafiante, no caso eu, escolhia a arma de combate.

— O takubi.



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