Gringa Grudenta

15. A implacável Aglaia de Alter

NOTAS INICIAIS

Aviso de conteúdo: acefobia internalizada

Traduções e vocabulário nas notas finais.

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Assim que saem para o hall do aeroporto, Aglaia e Lumia são recebidas pelos abraços apertados de Manali, Jay e os pais de Lumia, Rebecca e Michel Castella.

– Parabéns, campeãs! – parabeniza um alegre Jay.

– Essa é minha menina! – Michel, deixando uma lágrima escorrer.

– Sabia que vocês conseguiriam! – adiciona Manali, enquanto Rebecca, sua melhor amiga de infância e companheira de anos em seus tempos de glória, abraça a filha apertado, um sorriso rasgado no rosto.

– Ai mãe! Vai me esmagar assim! – Lumia guincha.

– E eles que nos esperem nas Olimpíadas! – clama uma determinada Aglaia, com um sorriso largo enquanto envolve a mãe e Jay num abraço de uma só vez.

– Isso aí! – Lumia concorda e ela e Aglaia dão um high-five.

O grupo conversa animadamente enquanto caminham para a saída, onde Lumia, Jay, Michel e Rebecca se despedem de Manali e Aglaia, prometendo fazer alguma coisa juntos logo. Cada um dos grupos entra num carro diferente e seguem em direções distintas.

– E então, o que tem para fazer hoje? – pergunta sua mãe, dirigindo o carro.

– Ah, nada, eu acho. Estava pensando em dar uma passadinha na academia do clube e depois ficar o resto do dia deitada vendo desenho.

– Eu vou com você – diz Manali, sorrindo – tirei o dia de folga hoje.

Ela ainda não havia contado para ninguém sobre Crista. Pensa que deveria falar com sua mãe primeiro, com Jay e Lumia depois. “Lumia com certeza vai me zoar”, estremece Aglaia. A última vez que namorou alguém seriamente foi no seu segundo ano da faculdade e, antes disso, uma mulher pouco mais velha que conheceu quando se mudou para Crystal Town, para jogar no time local. Ainda mais anteriormente, namorou a própria Lumia, no começo da adolescência. Quando chegou nas Royal Foxes, Lumia sempre fazia piadas sobre seu nada sutil crush em Daisy Forest, a zagueira veterana e capitã grandalhona de pele negra retinta e espessos cabelos trançados. De alguma forma, a defensora nunca percebeu nada.

Talvez, possa falar com ela depois da academia. O sentimento de culpa de Aglaia por ter comido tanta pizza e mais aquela caneca de chocolate quente na noite anterior já começa a devastá-la.

Após uma hora na esteira, meia hora na bicicleta ergométrica e mais meia hora em várias sequências de diferentes exercícios de força, ao final das quais Manali já está ofegante de cansaço e implorando para finalizarem a sessão logo, Aglaia, que sente que ainda teria gás para mais, decide ter piedade da sua mãe. Após a ducha, as duas voltam ao carro de Manali.

– Uau… sinto falta de ter esse fôlego todo – comenta a mais velha, ainda respirando sofregamente – não quero nem pensar em como meus músculos vão estar amanhã.

– Desculpa – pede Aglaia, encabulada. Sua mãe ri baixinho e se vira para apertar sua bochecha – ai, mãe!

– Não precisa se desculpar, campeã – diz, e solta a bochecha da outra – e então, o que vamos ver hoje?

– Tem um desenho novo na Netflix que eu ouvi falar, Kipo and the Age of the Wonderbeasts – diz, animada – também podemos continuar Steven Universe. Ah, também tem Super Hero Girls, é bem divertido!

– E que tal Vikings? Tenho ouvido falar muito bem sobre.

– Ah… – Aglaia murcha – não é meu estilo.

– Não é desenho animado, não é? – zomba Manali.

– Ei! Eu assisto VÁRIAS series que não são desenhos! – defende-se Aglaia – tipo, One Day at a Time, Supergirl, Black Lightning…

– Tudo bem, tudo bem. Eu acredito em você.

– E não finja que você não amou A Silent Voice! Eu te vi chorando aquele dia! – Manali solta uma gargalhada aguda.

– Não acredito, me pegou no flagra!

Manali liga o carro e começa a sair do estacionamento.

– N-na verdade… tem uma coisa que eu queria falar com você – Aglaia sente a ansiedade subir em seu peito só de lembrar.

– Hm? O que é, que você ficou tão nervosa de repente?

– N-não estou nervosa! – nega – bom, é que…

Aglaia respira fundo

– Talvez… eu esteja interessada em alguém.

– Ah, que coisa rara – brinca Manali – alguém que eu conheço?

– N-não sei… você tem visto os jogos da Red Phoenix?

– Só quando elas jogam contra vocês.

– Ah…! Bom, lembra aquela garota em quem eu fiz falta e… hm… – ela ainda se sente envergonhada pelo o que havia feito – aquela garota que eu lesionei…

– Ah, a meio-campista nova delas? A que tem um cabelão e parece que é feita de sabão? Cristina, não é? – Manali tira os olhos da rua por um momento para dar uma encarada provocativa na filha – você machuca o tornozelo dela e depois fica caidinha nela? Eu entendi direito?

– Crista. E não foi… não, você tá certa, foi bem assim, sim – ela se rende.

– E então? Desde quando, isso? – Manali pergunta, num tom macio.

– D-desde ontem – ela diz, ficando vermelha por se lembrar do que houve. Se não fosse a sua… anormalidade, por assim dizer, elas realmente teriam feito sexo ? Numa praia pública, completamente aberta, ao ar livre? “Isso é COMUM para pessoas normais?!”, ela se questiona. Talvez devesse mesmo falar com Lumia sobre isso logo, não quer contar logo para sua mãe que algo como aquilo quase aconteceu.

– Hm? E o que houve ontem, hein?

– Eu-eu beijei ela – assume Aglaia, gaguejando – eu n-não sei o que deu em mim! Ela tava me provocando, e eu beijei ela, e eu gostei! Normalmente eu odeio beijar as pessoas, me sinto desconfortável, invadida, não sei explicar. M-mas não sei, acho que eu sou um pouco imatura c-com essas coisas também! N-não é como se a gente tivesse feito nada além disso, afinal!

– Oh meu deus, vocês fizeram sexo, não foi?

– MÃE! – guincha Aglaia – não, não fizemos!

– Você sabe que eu não tenho nada contra, não é? – ela ri – você já deve ter ouvido falar que eu tive uns… lances com a Jess depois que me separei do seu pai. Teve aquela vez que ficamos sozinhas no vestiário e…

– LÁ, LÁ, LÁ, LÁ! NÃO ESTOU OUVINDO! – Aglaia tampa os ouvidos com as mãos, arrancando gargalhadas da mãe – eu não quero ouvir suas experiências sexuais, mãe! E não rolou nada entre a gente, só alguns beijos!

– Alguns, é? Vou querer ouvir mais sobre isso depois. Para alguém conseguir despertar o interesse da minha filhotinha assim, deve ser alguém muito incrível.

– Ela é – diz Aglaia, de um jeito bobo, e ganha um olhar de julgamento da mãe – quero dizer, é uma ótima jogadora! Você viu nosso jogo, não foi? Ela tem uma técnica impressionante e está na seleção brasileira!

– “Ela tem uma técnica impressionante”? Vocês com certeza fizeram sexo.

– NÃO FIZEMOS! – Manali ri da cara vermelha de vergonha da filha – pela santa Abigail, mãe!

– Chegamos – ela anuncia, estacionando o carro. As duas sobem até o apartamento de Aglaia, onde continuam a conversa – mas afinal, sobre você estar interessada nela. Tem alguma razão para estar me dizendo isso?

– Ah… não. É só que eu sempre conto tudo pra você – Aglaia encolhe os ombros ligeiramente.

– Hm, que bom! Achei que ia me pedir conselhos amorosos. Eu sou péssima nisso.

– N-não estamos tão avançadas assim… mas enfim! Vou ligar a TV, você tem cinco minutos para escolher o que vamos assistir!

– Star Wars: A New Hope.

– Mãe, você já me fez assistir a série Star Wars inteira, duas vezes! E eu tava falando das opções que eu dei antes!

– Na verdade foi só uma vez e meia – replica Manali – você dormiu no meio da última vez. Mas tudo bem, vou pensar. Quer que eu faça um lanchinho pra gente? Eu tô morrendo de fome daquela malhação toda.

– Ah, quero sim!

– Deixa eu adivinhar: pão integral, queijo branco, tomate, peito de peru e alface?

– Pode por umas azeitonas também!

– Minha filhotinha é tão saudável! – brinca Manali, bagunçando os cabelos da filha e se dirigindo à cozinha. Aglaia a segue e pega algumas laranjas na geladeira.

– Vou fazer suco pra mim, você quer?

– É uma boa.

Com tudo pronto, as duas vão lanchar vendo Kipo and the Age of the Wonderbeasts.Claro, Manali não deixa de comentar duas ou três vezes como é impressionante o quanto o gosto da filha pouco mudou desde os seus doze anos de idade.

[…]

É o dia seguinte após a volta de Aglaia a Alter. Logo após o treino físico das Royal Foxes, fora para o apartamento de Lumia para almoçar com a amiga e Jay.

– Ah, gente… tem uma coisa que eu precisava contar pra vocês.

– Não dê spoilers de Kipo! – esganiça-se Jay, tampando os ouvidos.

– Eu não vou dar spoilers de Kipo! – ela replica, rindo – não, é só que…

Aglaia começa a refletir se quer tornar isso tão público, tão rápido assim, sem nem mesmo ter certeza do que está sentindo. “Mas são meus amigos mais próximos”, uma parte da mente dela diz. “E daí? Esse é o tipo de coisa que você precisa entender sozinha”, retruca outra parte.

– É só que…? – Lumia a chama de volta a realidade – anda logo, a gente não tem o dia todo!

– Ahn, é que eu… estava pensando em começar aulas de alemão – ela inventa – acho que seria bom aprender uma nova língua, não acham?

– Sim, concordo – assente Jay.

– Verdade, imagina se o Bayern de Munich aparece pra contratar a gente – Lumia finge uma cara de pensativa, arrancando risadinhas dos outros dois.

– E onde você estudaria alemão, Aglaia? Na universidade, algum professor particular?

– Ah, eu ainda não decidi… acabei de pensar- quer dizer, eu já estava pensando nisso há muito tempo, obviamente! Mas eu ainda não tive tempo de pesquisar sabem, dias muito corridos e coisa e tal…

Os dois amigos encaram a Aglaia com um quê de desconfiança.

– Bom, qualquer coisa podemos pedir indicações ao Stergios – sugere Jay, logo adotando um sorriso – tenho certeza que ele conhece ótimos professores!

– Ai que lindo, minha BFF vai ser bilíngue!

“Se eu virar bilíngue por causa dessa mentira esfarrapada, vou me considerar a melhor mentirosa do mundo”, pensa Aglaia, enfiando mais uma garfada de salada na boca.

[…]

Aglaia desliga a televisão. Ela e Lumia acabam de assistir a mais uma vitória da Red Phoenix, dessa vez por 3 a 1 contra a Alba United, com mais uma atuação fenomenal do quarteto ofensivo Kyveli-Carmen-Storm-Crista. No dia seguinte, as Royal Foxes terão um jogo contra a Crystal Castle, uma das paradas mais duras da Superliga – além de ser o ex-time de Aglaia.

Sua mãe havia sido comentarista nesse jogo e, talvez, Aglaia apenas esteja ficando paranoica demais, mas ela sente que Manali passou muito mais tempo que o normal se focando numa única jogadora: Crista. Okay, ela estava excepcional essa partida, deu nada menos que três assistências, uma para cada uma de suas companheiras de ataque, mas ainda assim…

Ela se pergunta se Lumia não percebeu algo.

– Uau. A Crista foi monstruosa nesse jogo – ela diz e assovia em admiração – será que ela aceita trocar pra nacionalidade alteriana?

– Ela foi – concorda Aglaia, mais uma vez deixando escapar um sorrisinho bobo.

– Não é à toa que a sua mãe não parou de falar dela – comenta Lumia, risonha – ganhou mais uma fã!

– Sim… – Lumia consegue ver as engrenagens do cérebro de Aglaia funcionando lentamente só de ver sua expressão – então, você não acha que ela falou exageradamente sobre isso?

– Ué? Não, por quê?

– Ah, nada não. Vamos dormir! Temos prova amanhã, melhor estarmos descansadas.

– Ah não Aglaia, eu já tinha conseguido esquecer! – choraminga Lumia – por que faz isso comigo, sua Cruella de Vil?!

Quando as duas garotas se deitam, Aglaia se lembra daqueles pensamentos que vem rondando sua mente, os quais só compartilhara com sua mãe. Ela quase chegou a conversar com Jay sobre isso mais cedo, pelo Messenger, mas mudou de ideia e desviou o assunto de última hora, pela segunda vez, inventando aquela desculpa do alemão.

– Ei, Lumia. Tá acordada ainda?

– Claro que tô, a gente deitou não faz nem um minuto.

– Tinha umas coisas passando na minha mente…

– Quer falar sobre?

– Eu quero, mas é meio complexo. É difícil explicar.

– Se tem alguém nesse mundo capaz de te entender, esse alguém sou eu – diz Lumia, toda metida.

– Sei não. Confio mais no Jay pra isso – brinca Aglaia. Lumia grunhe em resposta – você lembra quando você ficava tentando dar uma de cupido pra mim? Logo depois que a gente terminou?

– Ugh, não me lembre disso! Era vergonhoso! – Aglaia ri baixinho.

– Ah, hoje em dia eu acho até fofo. Mas na época era uma perturbação, ainda bem que você parou.

– O que tem isso, afinal?

– Eu tô tentando achar um jeito de explicar…

– Vai logo, eu não sei se eu não vou cair no sono do nada aqui.

– Tá, calma! Então. Você lembra que eu te pedi pra parar um dia, né? No nosso Ensino Médio.

– Lembro, o que tem?

– Você lembra o que eu disse?

– Lembro de você dizer que estava ficando muito incomodada e que não estava interessada em nenhuma das garotas que eu tentava te arranjar.

– Sim… é isso.

– Isso o quê?

– Eu estava percebendo que eu… não sei dizer, sou muito estranha nessas coisas, comparado com as outras pessoas. Eu sei que você e o Jay e os outros pensam que eu só sou tímida, mas não é isso. Não é esse o problema. Eu só não consigo me interessar por esse tipo de coisa, na maior parte do tempo. Eu vejo vocês dois saindo pra beijar, pra… transar com outras pessoas que às vezes nem são tão próximas assim de vocês, e pra mim isso é… bom, não é algo que eu fique confortável.

– Culpa sua que não quis transar comigo quando a gente namorava – provoca Lumia.

– A GENTE TINHA 14 ANOS! – retruca Aglaia exasperada, fazendo Lumia rir.

– É brincadeira!

– Enfim, eu… bom… – Aglaia sente lágrimas começarem a chegar aos seus olhos – eu realmente tentei… tentei muito, sabe. Com a Glynda, com a Dana… não dá, Lumia. Realmente não dá.

Ela seca as lágrimas com o lençol, esperando que a outra não tenha notado nada apesar da voz trêmula. Aqueles seus relacionamentos passados foram traumáticos para ela, mas Aglaia nunca conseguiu explicar a razão. Ela sente que nunca conseguiu ficar realmente interessada em Glynda e Dana da mesma forma que elas, nunca conseguiu acompanhar o ritmo delas, avançar com tanta rapidez; apenas achou que se tentasse muito, conseguiria voltar a sentir com elas o que havia sentido com Lumia tantos anos antes. Tentou ser como outras pessoas normais da sua idade, tentou o quanto pôde ficar confortável em situações íntimas com elas e tentou gostar, mas nunca deu certo. Talvez seja a razão de ambos os relacionamentos terem durado tão pouco. Ela até teve alguns “crushs platônicos”, como ela chama, mas nunca mais sentiu aquela paixão de novo. Às vezes pensa que se o que teve com Lumia tivesse acontecido alguns anos depois, com elas mais velhas, mais maduras, talvez teria conseguido se sentir confortável com ela para uma situação assim, mas agora nunca saberá.

– Eu já pensei que talvez eu tivesse… eu não sei nem como dizer isso…

– Aglaia – ela sente a amiga se levantar do colchão e se deitar ao seu lado na cama, a abraçando – está tudo bem.

Ela assente.

– Sofrido abuso… e não lembrasse. É a única coisa que eu consigo pensar pra justificar a minha esquisitice.

– Você falou com a dra. Miller sobre isso?

– M-mais ou menos – admite a loira – m-mas eu não acho que seja isso, não realmente. É só… uma coisa que não me interessa muito. Na maior parte do tempo.

– Aglaia, você é assexual? – pergunta Lumia.

– Assexual?

– É.

– O que é isso?

– Ah… você não sabe. Desculpa, eu achei que você sabia.

– Mas o que é?

– Você sabe que eu sigo e tenho muitos seguidores meio ativistas LGBT no twitter e no insta, né? Esse é um termo que eu já vejo ser mencionado há um tempo por muita gente e sempre me lembrava de você quando via, mas como você nunca falou nada, imaginei que você não era. Desculpa por ter assumido que você já sabia do que se tratava.

– Não se preocupa, só me diz logo o que é – pede Aglaia, desesperada de ansiedade. Ela já tem uma desconfiança do que pode significar e precisa que alguém confirme sua teoria, o mais rápido possível.

– São pessoas que não sentem atração sexual por outras pessoas. Assim, eu não sou assexual, e como eu nunca soube de ninguém próximo de mim que fosse, nunca me aprofundei muito nisso. Talvez seja bom você pesquisar melhor depois, mas isso é o que eu sei.

Aglaia sente vontade de chorar, mas dessa vez, não é por desespero, é pelo exato oposto motivo. Ela nunca havia considerado a possibilidade de que “não ter vontade” era uma opção.

– M-mas… eu… ai, isso é vergonhoso… quando a gente namorava, eu tinha… atração sexual por você – ela fica vermelha ao assumir e enterra a cara no travesseiro. Lumia ri baixinho, sussurra em seu ouvido “ei, tá tudo bem, eu não estou te julgando”, acaricia seus cabelos e conversa com a amiga até tranquilizá-la o suficiente para ela tirar a cara do travesseiro – eu… também tinha um tiquinho de atração sexual pela Daisy… por favor não conta pra ela, não quero que ela fique desconfortável comigo.

– Como eu disse, eu não me aprofundei muito nisso, mas eu acho que vale a pena você dar uma conferida. Não acho que uma pessoa só seja considerada assexual quando ela é o ápice da virgindade e repulsa a sexo, acho que tem mais nuances que isso. E não se preocupe Aglaia, é claro que eu não vou dizer nada pra ela.

– Até por que eu não sou virgem – replica Aglaia – e infelizmente não é por causa da Daisy – ela arranca risadinhas de Lumia.

– Seja como for… – Lumia acaricia a cabeça da amiga, tentando tranquilizá-la – eu não acho que isso seja uma questão de você ter sofrido abuso nem nada assim. Senão toda mulher traumatizada com homem seria lésbica, não é?

– É… – Aglaia pensa um pouco – mas eu sempre achei que era lésbica. Se for o caso, e eu for assexual, então eu não sou lésbica?

– Aglaia, para de fazer pergunta complicada, eu não sei – Lumia sorri gentilmente para a amiga, mesmo ciente que ela não vai ver por conta da escuridão – e só pra constar, você não é esquisita.

– E-eu vou falar com a Dra. Miller… e também pesquisar melhor sobre isso.

– Converse com Indigo Eliah depois. Elu que é nosse especialista nessas coisas de identidade.

– Vou fazer isso. Ah, e tem mais uma coisa…

– Diga.

– L-lembra q-que eu disse que eu sou assim, “normalmente”?

– Ai meu deus, você tá querendo dar pra alguém além da Daisy Forest!

– N-não! Quer dizer, não exatamente! Lá em Portugal… ai, você vai me zoar pro resto da vida, eu sei disso!

– Não vou, prometo!

– Promete mesmo? De mindinho, em nome da sua mãe, do seu pai, da nossa amizade e das Royal Foxes?

– Sim, Aglaia! Fala logo!

– Eu… beijei… a Crista.

– COMO É QUE É?! – o grito repentino de Lumia sobressalta Aglaia – MEU DEUS, MEU SHIPP É REAL! EU JURAVA QUE ERA SÓ UM CRACK SHIPP PRA TE FAZER PASSAR VERGONHA, MAS É REAL! MEU OTP! Pera aí, quando foi isso?! Onde?! Qual foi o contexto?!

Aglaia conta tudo, desde o momento em que tropeçara em Crista naquela praia à noite até quando foram parar naquele bistrô local, incluindo a parte em que Crista começara a beijar seu pescoço e agarrar os seus peitos no meio da areia.

– Pela santa Abigail, que safada! Ela ia fazer isso lá mesmo! – Lumia ri desvairadamente.

– S-sim… bom, eu… ai deus, isso é vergonhoso demais!

– Fala, Aglaia! Você sabe toda minha vida sexual de cabo a rabo, conta logo!

– É, mas eu nunca pedi pra saber! – reclama Aglaia – eu… estava um pouco excitada com aquilo. M-mas, eu não estava confortável, a gente se conhece há muito pouco tempo, e nem conseguimos nos comunicar direito, e ainda por cima num lugar público, e toda aquela areia em volta, imagina onde eu iria encontrar areia depois? Não tinha como.

– Ai meu deus, Aglaia! É tipo, o terceiro crush da sua vida!

– Eu… terceiro? – estranha a loira.

– E eu inaugurei a lista, me sinto tão honrada!

– Ai, Lumia – Aglaia revira os olhos, rindo de nervoso – eu te amo, sabia?

– Claro, quem não me amaria? Eu também me amo – Aglaia ri da graça da outra – mas sério, eu também te amo. E amei ter essa conversa com você.

– Eu também gostei de falar disso.

– Você não é esquisita por isso, ouviu? Se você falar isso de novo eu vou ser forçada a te dar um chute na cara – Aglaia ri – e se por acaso minha teoria estiver errada e você realmente tiver algum trauma sobre o qual a gente não sabe, a gente vai tratar isso, ok? Vai ficar tudo bem no final. Afinal, você é a Implacável, Inquebrável Aglaia de Alter e a melhor volante da porra desse planeta!

– Ai, não exagera – a risadinha de Aglaia se mistura a um começo de choro emocionado.

Por fim, as duas pegam no sono.



=====NOTAS FINAIS

Eu sou demissexual atualmente (não sei se sempre fui). A Aglaia também está no espectro assexual e as expências dela são inspiradas tanto em coisas que eu já senti ou passaram pela minha mente, quanto coisas que já ouvi de outras pessoas assexuais, especialmente aquelas que não tem muita consciência da própria assexualidade ou da existência do conceito de assexualidade, ou que elas contam sobre si mesmas antes de se reconhecerem ace. Já tive que explicar pra muita menina mais nova que elas não devem sexo a ninguém e nem precisam “se esforçar” para querer, para ser “normal”, nem nada assim, muitas vezes eu mesma me machuquei por não me lembrar/não ter consciência disso (inclusive na época q eu acho q eu era allo, que é o contrário de ace).

Especificamente, a Aglaia é gray-romântica (deu pra pegar isso no capítulo?) e alguma forma de assexualidade não-estrita. A princípio eu tinha pensado nela mais como uma demissexual, mas ás vezes eu acho que do jeito que eu construí a vivência dela, ela se assemelha mais a uma gray-sexual (atração sexual infrequente) do que uma demissexual (atração sexual somente quando há algum nível de conexão emocional). Quem for ace, me dê suas opiniões baseadas nesse capítulo.

Pra quem não sabe, “ace” é abreviação de assexual

Nota: Kipo é um desenho mto bom, assistam

Vocabulário:

Comentarista: a pessoa que acompanha o narrador, como um “narrador secundário”.

Assistência: quando uma atleta faz um gol, a atleta que criou a jogada para ela marcar o gol deu uma assistência. Por exemplo: vamos supor que a Lumia rouba a bola no meio-campo, corre para a linha de fundo, cruza na área e a Carmen faz um gol de cabeça, a Lumia deu uma assistência para a Carmen. Na posição que a Crista joga, dar assistências para as atacantes é normalmente a função mais importante.



Notas:



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