Líberiz

Capítulo 1 – Tramas

Líberiz

Texto: Carolina Bivard

— Bert, quero que me anunciem ainda esta semana. Chega de espera! Sem grandes cerimônias. Tenho que tomar a frente logo, senão seremos massacrados.

— Sim, Alteza.

A pequena mulher fez uma reverência para sua dama, saindo do recinto. Tinha certeza que a paciência de Duquesa de Líberiz estava por um fio. A invasiva de Lorde de Cárcera, precipitara sua decisão. Deveria chegar, o mais rápido possível, até Dinamark e levar-lhe a notícia. O conde não gostaria nada da resolução da sua soberana. Ele preparava, há meses, as bases aliadas daquele ducado para receber com bons olhos a anunciação da Duquesa de Líberiz como sua real comandante.

Os ducados do Reino de Alcaméria nunca tiveram uma mulher como soberana, todavia o povo aclamava Lady Líberiz. O pai de Fira, Duque Virtus Líberiz, fez da segunda filha, o seu legado. Ninguém sabia o motivo pelo qual o Duque rechaçara o filho e o expulsara do reino. Viveu com o segredo que o acompanhou até o túmulo. Instruiu a filha, desde muito nova, a lhe proceder na regência do ducado. Embora soubesse que não poderia impor a presença dela ou mudar as leis, indiscriminadamente, sabia que as pressões do povo na aceitação da filha mulher, como legítima regente, fariam com que sua corte cedesse ao apelo.

Fira conhecia o poder que exercia diante do exército e do povo. O pai a treinara, desde sempre, e impusera a presença dela. A morte do pai, tão subitamente, a deixara arrasada, contudo, não poderia se dobrar ao luto, diante do ataque de Cárcera nas fronteiras e aos campos de cultivo de seu povo. A decisão da corte se estendia há mais de dois meses, diante da recusa dela em desposar um marido para ter no governo um homem.

— É ridículo! Não vou me casar com um borra-botas, só para ter um fantoche ao meu lado!

Esbravejou, dentro do quarto, sozinha.

— Merda! Dispensei Bert para levar a notícia para Dinamark. Podia ter deixado a cargo de Marrori. Pelo menos teria uma distração, agora à tarde, para me relaxar.

***

— Tem certeza que a soberana falou isso, Bert?

— Sim, milorde.

Dinamark se empertigou. Permaneceu mudo durante um tempo, olhando a grande estante da biblioteca de sua residência. Quando Bert chegou, para ter com ele uma conversa, sabia que trazia notícias de Fira. A pequena escudeira lhe era fiel.

— Me diga, Bert, como ela estava quando lhe enviou? Digo, como estava o humor dela?

— Nada bom, milorde. Ter escutado sobre a investida de Cárcera a revoltou. Ouvi esbravejando sobre a esperteza do Duque em se aproveitar da oportunidade de nossa indecisão para colocar alguém à frente do ducado de Líberiz.

— E ela tem razão, Bert. O fato é que temos alguns ambiciosos, querendo se valer de nossas leis para desposarem a nossa soberana.

— E podem forçá-la a isso?

— Não. Este é o impasse e a falha de nossas leis. Ninguém pode forçá-la. Ela pode desposar quem lhe aprouver e na hora que quiser. No entanto, nossas leis são claras ao dar a liderança a um herdeiro varão. Isso nunca foi questionado, pois quando algum Duque não tinha filhos homens, sempre casava suas filhas com alguém que melhor lhe convinha. Ou então, indicava um herdeiro, filho adotivo.

— Isto é uma vergonha pública.

— Ninguém faz de forma acintosa. 

— Milorde Líberiz não queria isso, não é?

Conde Dinamark não costumava ter conversas desse cunho com serviçais, mas queria instigar a escudeira de sua nobre para que lhe desse algumas informações. Continuou a falar numa aparente intimidade, estimulando a mulher a lhe contar mais coisas.

— Não. Não sabemos o que houve, mas deve ter sido algo bem sério para que milorde tenha rechaçado Damian, seu primogênito, e depois, ter feito uma luta interna para que se modificassem as leis. 

 — Se nosso soberano queria a mudança das leis, por que não a acataram? – Bert perguntava revoltada.

— Por ambição e orgulho, minha cara. Pura ambição e orgulho. Além de quererem que nossa soberana escolha um dos filhos deles, sempre se sentem diminuídos na presença dela. Acham que o que têm dentro das calças, vale mais que o que ela “não tem”.

— Ora, minha soberana é mais inteligente e sagaz do que uma dúzia deles juntos! São todos uns frouxos! Eu vi milorde Remis se borrando nas calças, quando disse a ela que Lorde Cárcera invadiu suas terras. Miava feito um gato, pedindo sua proteção e uma decisão. Pedia para ela decidir com quem se casaria, para que pudesse ter a ordenança dela no exército.

— Interessante… Então milorde Remis a abordou? – Dinamark coçava o cavanhaque diante da revelação. – Diga-me, Bert, por que Fira lhe condecorou com o título de escudeira e não de dama de companhia? Sei de seus… como posso falar? Anseios sexuais diferenciados. Não se sinta ofendida, sei que nossas leis permitem, todavia, também sei que não é bem quisto. No entanto, ela fez questão de ter você ao lado, mesmo sabendo que chocaria.

— O que está insinuando, milorde?!

— Eu não estou insinuando nada, Bert. Só estou curioso…  

— Não tenho nada com a minha senhora, se é o que pensa! Ela apenas é alguém que enxerga além do que as pessoas conseguem ver!

Bert respondeu indignada com o questionamento e alusão de seu interlocutor. 

— A verdade, Bert, é que se eu penso e questiono, outros o fazem. Sei que Fira é uma pessoa de mente aberta e progressista, porém ela ter posto você nessa função, tão abertamente, faz com que muitos interpretem de outra forma.

 — Ela é minha soberana e sou casada. Nunca macularia o nome de minha esposa!

Bert estava visivelmente alterada e Dinamark sorriu, obtendo a resposta que queria. Tinha certeza da sexualidade de Bert, mas queria saber a relação dela com Fira. As pessoas poderiam utilizar isso de forma enviesada para atrapalharem os planos.

— Não se irrite, Bert. Eu não tenho nada contra o que você ou ela gostem, mas sei de muitos que se utilizariam dessa informação para pressioná-las.

A escudeira, voltou ao seu estado de tranquilidade, entendendo o que o homem de confiança da sua senhora queria dizer.

— Acha que se ela fosse… se ela gostasse de uma mulher, eles a impediriam de assumir?

— O fato é que ela, por si só, já não pode assumir e precisará de aquiescência de todos.  Se ela gostasse de mulheres, poderia pender a balança para que não aceitassem. Sabe de algo dela nesse sentido?

— Não. – Falou resoluta. – Nunca soube de nada da minha senhora, milorde. Nem homem, nem mulher.

Ele sorriu disfarçadamente. A postura da escudeira tinha sido impecável. Não esperaria outra coisa, entretanto, queria ter certeza com quem estava lidando. Bert nunca falaria nada a respeito da Duquesa. Fosse para ele ou para qualquer outra pessoa.

— Muito bem. Diga para Fira que a encontrarei às dezenove horas. Jantarei com ela e discutiremos os termos. Sei que é teimosa, mas precisamos ter cautela e traçar uma estratégia bem elaborada. Não podemos enfiar os pés pelas mãos, agora que estamos prestes a conseguir. 

— Sim, milorde.

Bert fez uma reverência e saiu para levar o recado até sua soberana.

***

— Então, meu caro amigo insinuou que eu teria algo com você?

— Sim. – Bert respondeu, envergonhada.

Lady Líberiz sorriu de lado, antes de dar uma boa golada de vinho, vertendo quase todo o conteúdo da taça. Olhou para a escudeira e abriu mais o sorriso, vendo o rosto ruborizado da mulher.

— Vamos lá, Bert. Onde está o seu humor? Você não é uma garota ingênua, pelo que sei, e depois, o que acha que falam de nós por aí? Eu sou uma Duquesa vestida em calças, andando a cavalo e portando uma espada e você, minha escudeira. Ora, não precisa muita imaginação para saber o que pensam.

A escudeira arregalou os olhos em aflição.

— Mas, minha senhora, não é certo…

A escudeira escutou uma grande gargalhada soar no quarto. A Duquesa olhou divertida o rosto da outra ficar mais rubro. Bert estava há algum tempo a seus serviços e se encantava com a inocência dela.

— O que não é certo? Pensarem que eu tenho algo com você, ou que eu tivesse algo com você de verdade?

Bert arregalou mais os olhos diante das palavras de sua dama. Fira estava começando a se sentir esgotada com todos aqueles jogos e bufou, abanado a mão para a escudeira.

— Não se espante ou se aborreça com essas insinuações. São especulações e fofocas e não importa o que eu goste ou queira para mim, elas sempre existirão. Eu poderia me amasiar com metade do exército e passar a noite inteira amando uma mulher, ou simplesmente, ser casta como uma virgem prometida aos deuses, que falariam de mim. O fato é que eu não tenho um membro duro ou mole entre as pernas, Bert.

— Então, o que o senhor Dinamark insinuou…

— Ele vê o que os outros podem se utilizar para me neutralizar ou jogar comigo, mas tenho certeza que também enxerga como eu vejo as coisas. Só especulou para perceber sua reação e comprovar se era verdade o que os outros falam por aí. Queria ter certeza sem ter que me perguntar diretamente.

— Então eu caí na armadilha de milorde…

Bert falou desanimada, fazendo com que a Duquesa a olhassem complacente. A verdade é que Dinamark havia caído na armadilha de Fira. Ela queria saber o que o conde pensava a respeito disso, sem que ela se expusesse. Não diria isso para a escudeira, sabendo que a usara. Gostava da mulher e de seu jeito espontâneo, além de ter alguém que confiava, para partilhar algumas de suas aflições. Fira conhecia a esposa de Bert. Uma ruiva bonita e de modos simples. Por vezes, via nos olhos da companheira da escudeira o ciúme estampado, mas a mulher se continha diante da soberana. 

Fira não era uma mulher pudica. Ela havia tido seus casos, mas sempre fora extremamente reservada. Nunca alguém conhecido e nunca perto do ducado. A condição dela diante dos nobres, não permitia que se expusesse. Se tivesse algo com algum homem, logo estariam casando-a, para que este assumisse o título de Duque; se tivesse algo com uma mulher, fatalmente colocariam empecilhos para que assumisse o trono. Às vezes, pensava que o pai havia imposto uma condição difícil para sua vida. Depois de algum tempo pensativa, suspirou respondendo a escudeira, sem muito ânimo.  

 — Nada complexo. Não se sinta mal. Uma hora ou outra eu previa que haveria alguma confrontação nesse sentido. Deixe estar. Tenho muito a fazer, do que me fixar em fofocas sem fundamentos. Eu quero que faça um favor para mim, Bert; deixe meu cavalo selado.

— O da cocheira?

— Não. O do meu estábulo particular. Não quero que me vejam sair hoje à noite, depois que Dinamark for embora. E Bert… – lançou um olhar sombrio em direção a escudeira – sabe que só eu e você conhecemos o meu estábulo, não sabe?

O olhar gélido da Duquesa fez a escudeira tremer. Havia jurado lealdade e a jura era de coração, no entanto, conhecia as leis morais e pessoais de sua dama. Se acaso ela entregasse algo, mesmo que sob tortura, sua vida estaria acabada. A Duquesa a caçaria onde fosse e lhe arrancaria as tripas com as próprias mãos.

Tinha visto acontecer outras vezes, quando sua soberana fora traída pelos seus pares. Em uma delas, estava bem próxima para vislumbrar o rosto da dama, transformado em fogo e ódio. Estripara o homem, rasgando a carne, desde a virilha, até o pescoço. O que assustou a pequena escudeira, fora o olhar apático da Duquesa, ao terminar o feito. Deixara o corpo na floresta, com as vísceras para fora, para que os animais o encontrassem. Ele ainda estava vivo, quando o deixaram.

— Sim, senhora. – Falou simplesmente e saiu.

Não era segredo que todos os castelos eram dotados de quartos e estábulos particulares para atender seus reis, duques e nobres. Todos sem exceção, construíam esses locais para, caso fossem atacados ou se encontrassem numa situação perigosa, pudessem sair do castelo em segurança. No entanto, quem tivesse a informação da localização dessas passagens secretas de seus inimigos, tinha uma grande arma e uma vantagem na mão. 

Normalmente o nobre não confiava a ninguém o cuidado destas áreas para não serem traídos. Fira tinha uma conduta muito particular em relação a traições. Em casos como este, não costumava levar a pessoa a julgamento e tampouco demandava que alguém fizesse o serviço de acabar com o traidor. Ela julgava, e ela era o carrasco.  

***

Fira pediu para que servissem o pequeno banquete na sala de jantar particular. Assim que o conde Dinamark chegou, foi conduzido até o ambiente para encontrar a dama. A Duquesa se encontrava bebericando uma taça de brandy, numa poltrona próxima à lareira. Parecia concentrada, olhando a chama arder e o crepitar da madeira em brasa.

— Sempre pontual, milorde.

 Falou descontraidamente, anunciando que tinha seus sentidos afiados, fazendo o conde sorrir. Ele se sentiu idiota, ao achar que Fira não havia percebido a presença dele.

— Para milady, sempre serei pontual.

— Não seja adulador, Dinamark. – Riu.

— Fira, você tem que ser mais política. Não conseguirá nada com os nobres, se eles não pensarem que tem você nas mãos. 

O conde se dirigiu à mesinha de canto e derramou brandy em um cálice. Caminhou até a outra poltrona e jogou seu corpo, sem qualquer delicadeza. 

Dinamark chegara aos quarenta e três anos e seus cabelos começavam a misturar o branco com a cor castanha escura. Era filho de um grande amigo do pai de Fira. Brincou na infância com Damian, filho mais velho de Virtus Líberiz e, aos quatorze anos, quando Fira nasceu, viu seu amigo ser expulso do reino pelo soberano. Se revoltou na época. 

Seu pai disse que não poderia contar o que Damian fizera, entretanto, falara-lhe que se ele fizesse o mesmo que o filho do Duque, talvez tomasse uma atitude muito pior. Disse que o filho do soberano era digno de execução. Aquilo assustara Dinamark, pois sabia de determinadas revoltas do amigo e custava a crer que as palavras que escutara, certa vez dos lábios do próprio Damian, tivesse se concretizado nos atos dele. Mas pela repercussão, tinha certeza da sua desconfiança.

— Está calado demais, Dinamark.

Fira instigou, vendo o conde afundar o olhar nas chamas da lareira e perder-se em pensamentos.

— Estava revolvendo o passado, só isso. Às vezes, me sinto cansado.

— Está envelhecendo, então. – Riu jocosa. – Entendo que você poderia não se envolver em mais nada disso e agradeço a força que me dá. – Falou sincera.

— O que faria? Deixar que um xucro qualquer arrebatasse o “grande prémio”? Ah, Fira! Convivi com nossos pais, tempo suficiente, para ver o que pode ou o que não pode enfraquecer nosso ducado perante a coroa. – Tomou um gole do brandy. –  O rei dá liberdade a cada ducado para resolver os problemas entre nós, e o pior, deixa que nos engalfinhemos em disputas e invasões, contanto que lhes paguemos os impostos. Para a coroa, tanto faz que Líberiz esteja sob um ou outro comando, desde que o dinheiro chegue no centro-norte, alimentando-o e a seu exército metido a besta.

— É verdade, mas escutei que Cárcera está mais próximo da coroa do que nós. Meu pai morreu há meses, Dinamark, e é ridículo ter que esperar pela boa vontade de nossos digníssimos e estúpidos nobres.

— Se está reclamando, termine amanhã mesmo com o impasse. Case com algum dos imbecis e ponha uma corrente no pescoço, como um cachorrinho. – Gargalhou.

— Está bem. Então case comigo e coloco hoje mesmo uma coleira em você. – Respondeu à gargalhada.

— Se pudesse… Mas minha esposa me castraria, mesmo que dissesse que me separaria dela para ter um casamento de fachada com você. – Riu com gosto. – Gosto muito do meu amiguinho “aqui”, para me arriscar. 

— Ah, nem me fale isso! Estou longe de confusões. Diga a Mira que não tem a menor possibilidade. – Sorriu.

— Ela mandou lembranças e um bolo de maçãs para você. Mira sabe que é seu predileto.

— Como sua esposa fez minha noite melhorar! O bolo de maçãs dela é ótimo. Agradeça-a por mim.

Fira parou um pouco, antes de continuar a falar. Seu rosto voltou a ficar sério.

— Outro problema que temos em relação à coroa, Dinamark. Temos leis mais abertas do que o próprio reino e isso incomoda a muitos. Meu pai conseguiu deliberar a lei do divórcio, todavia somente agora, em alguns outros ducados ela foi sancionada.  Nem a coroa central assumiu essa lei.

— Vamos parar de nos esquivar do assunto. O que pretende fazer?

— Eu não vou fazer nada, mas você sim. – Sorriu e seu companheiro de bebida franziu o cenho. – Convoque uma Assembleia de urgência. Diga que a situação está se tornando insuportável e estamos enfraquecendo, o que não é mentira. Diga que Cárcera está se aproximando do governo central, através da princesa Cécis.

— Mas isto não é verdade.

— Quem disse que não? Eu sei por fontes seguras que o Duque Ivanir Cárcera está viajando, frequentemente, para o palácio da coroa. O rei, há um mês, insinuou que sua filha Cécis está em tempo de se casar. O que acha que Ivanir Cárcera quer com essas visitas?

Dinamark fechou o semblante, pois essa informação não havia chegado a ele. Fira sorriu de lado. Afinal, o amigo e aliado não sabia de tudo que acontecia em Alcaméria. Eram onze os ducados que faziam parte das terras de Alcaméria e a coroa central era governada por um rei fraco, libertino e esbanjador.

A primeira esposa, fora acusada de traição e enforcada. Havia dado ao rei, duas filhas mulheres. A segunda esposa sofreu um acidente duvidoso, quando andava a cavalo, e morreu deixando mais duas meninas. Agora, a atual esposa, acabara de dar à luz a outra garota.

— Então o rei Deomaz cansou de dar fim às suas esposas?

— É o que parece.        

— É um idiota. Na certa não queria mostrar fraqueza, ao casar a primeira filha com um qualquer.

— Eu não sei. Talvez seja mais uma questão política. Afinal, não é de bom tom que um soberano case a filha por obrigação. 

— E por que agora cede a este apelo? Deixe que Cécis case a hora que achar alguém que goste. O rei Deomaz não é tão velho e ainda tem uns bons anos pela frente. Ele não levanta a bunda do trono para qualquer coisa arriscada. Não coloca a sua vida em perigo, não é mesmo?

Fira mais uma vez sorriu de lado. Conversavam sem se encararem. Os dois olhavam a lareira, perdendo-se em suas divagações e conversas.

— O fato, meu caro amigo, é que as leis mudaram lá atrás, para que as filhas de soberanos não passassem mais por situações vexatórias, como desposar um velho caquético, ou serem estupradas em seu próprio leito, com aquiescência real. Passou a ser desonra para um soberano, mas as outras leis não acompanharam. Cécis é a primogênita e está na linha de sucessão, porém, como eu, não pode assumir.

— Por isso digo, mais uma vez; deixe que ela siga e case com quem escolher. Não há motivos para afobamentos.

Outra vez, Fira sorriu e balançou a cabeça. Espanou a vontade que teve de emitir a sua opinião. Conhecera Cécis, brevemente, e a impressão que tivera da princesa era que não parecia o tipo de mulher que se casaria tão cedo.

Podia estar enganada, pois na corte, até um cavalariço valia mais que qualquer nobre de um ducado. A princesa era arrogante e olhava a todos com soberba. Provavelmente, não achava que nenhum duque ou filho de duque estivesse à altura. Certamente ela se casaria um dia, mas com alguém que conseguisse arrebatar seu coração. O problema seria ela deixar que se aproximassem para isso ocorrer. 

— Você já a conheceu? – Fira perguntou.

— Não. Todas as vezes que fui a um sarau ou uma recepção em Alcaméria, Cécis não estava. Parece até que Deomaz esconde a filha.

— Esse não é o caso, meu amigo. Nós somos nobres em nossas terras, mas na corte, a guarda real vale mais que qualquer um de nós.

— Eu percebi. São uns esnobes. Todos da corte têm seus próprios guardas para lhes acompanhar; e a rainha tinha uma coronel que fazia a segurança. Num dia, pude perceber que ela tinha mais credibilidade e regalias que eu. – Respondeu Dinamark. – A ironia de tudo é que se permite ter mulheres no exército, mas a corte ainda preza pela “boa educação da mulher de família”.

Fira se perdeu em lembranças. Em certa ocasião, quando acompanhou seu pai à corte, conheceu a guarda pessoal de Cécis. Com toda a certeza a arrogante coronel Aneirin não se lembraria dela, todavia, Fira não esqueceria a forma como foi tratada pela figura orgulhosa.

— Não ache que foi um privilégio seu ter passado por isso. O fato é que eles podem ser assim. A guarda pessoal da corte é educada e treinada, desde cedo, para assumirem estas posições. Permitem mulheres no exército por serem mulheres do povo e não da nobreza. – Lady Líberiz olhou para ele – Cécis não aparece, porque não quer. Acha enfadonho ficar às voltas conosco. Despreza os nobres de ducado e por isso, não deixa que a conheçam mais intimamente. Não é uma exceção na família. As irmãs também são assim, mas, pelo menos, cumprem seu papel social. Dá para perceber que é à contragosto que estão alí na recepção, mas assumem. 

— Que bela família real que Alcaméria tem! Conhece a princesa, Fira?

Dinamark perguntou, fazendo uma careta de nojo.

— Sim, já a vi algumas vezes. Em uma delas, mal ficou na sala de jantar. Seu pai havia pedido para que estivesse presente. Ela estava visivelmente entediada e, depois de um tempo, pediu para se retirar. Precisava ver a empáfia com que falou.

— Já vi tudo. Uma metida engomada.

— O pior foi meu pai pedindo para que me entrosasse com ela e eu, sendo rechaçada pela guarda pessoal da princesa. Não imagina a raiva que fiquei da tal “guardinha”!

Dinamark riu com gosto. Conhecendo o temperamento de Fira, possivelmente ficara entalada com a mulher.

— Tenho certeza que você não esqueceu mais do rosto da “guardinha”. Ai dela, o dia que encarar você novamente.

Gargalhou da própria piada, levando Fira a rir com ele.  

— Você não faz ideia. Sabe que odeio engolir determinadas coisas. Pode ter certeza que nunca a esquecerei. Mulher petulante…

— Ela pode ser da guarda de elite, porém, é apenas uma oficial de exército. Deve ser daquelas mulheres musculosas e cheias de cicatrizes, que só chamam atenção pela aparência rude e por ter uma posição um pouco melhor.

— Está enganado novamente, meu caro. A coronel Aneirin tem uma beleza intrigante e exótica. Como tudo que cerca a coroa, não poderia ser diferente. Eles escolhem a dedo para que a guarda não destoe no contexto, quando tem que se apresentar em público. – Respondeu Fira, lembrando-se da coronel. – Bom, mas não estamos aqui para discutir as qualidades da guarda de elite de Alcaméria. 

— Tem razão, temos que nos adiantar. – Dinamark, falou preocupado. 

– Eu compreendo o medo que nossos nobres têm. Se modificarem as leis de Líberiz, eu assumiria, e diante das leis que já temos, poderia desposar uma mulher. Como ficaria a linha de sucessão, após isto?

Olhou o amigo de soslaio.

— Não quero lhe dizer o que fazer, Fira, mas seriam mudanças demais, minha amiga…

Falou sério, fazendo Fira gargalhar, diante da forma delicada com que o nobre expunha seus medos. Dinamark ruborizou, vendo que havia sido pego na armadilha que sua soberana armou. Ela queria saber a opinião dele, entretanto, sem dissimulações para encobrir o receio.  

– Não se preocupe com isso, meu caro. Não tenho intenção de escandalizar tanto. Também não penso na possibilidade de casamento, por agora. Nunca me apaixonei por ninguém, nem homem e, muito menos, mulher. 

Ele soltou um bocado de ar, como se relaxasse de seus temores, fazendo a Duquesa se levantar, rindo, dirigindo-se à mesa.

— Venha. Vamos jantar e discutir minha ascensão ao trono do ducado. 

— O que pretende?

— Que você fale na cara desses pulhas, exatamente o que lhe falei. Faça a Assembleia e diga que Cárcera está sondando o trono central, através de um casamento com Cécis. Eles espernearão e falarão para que eu me case com um deles, num casamento de conveniências. É o momento em que você diz que, neste caso, eu abdicaria do trono para que alguém assuma.

— Como? Você está louca! Eles poderiam considerar essa possibilidade!

— Calma, meu amigo. Deixe que eu termine…



Notas:

Espero que apreciem o novo site (e a história também). Não esqueçam de curtir nas carinhas ou de comentar, pois é assim que a gente sabe que está legal ou não.

Ando um pouco atribulada com um novo trabalho, mas pretendo postar uma vez por semana como sempre fiz. É compromisso, ok? Só ainda não sei qual será o dia melhor para mim. Acredito que às quartas, contudo até semana que vem ou a outra, poderei confirmar.

Uma bela semana para tod@s!




O que achou deste história?

12 Respostas para Capítulo 1 – Tramas

  1. Menina, eu disse que tinha certeza que a amaria, mas acho que estou com um pouco de medo dela! Doisa pra ver o que mais ela está maquinando. Boa semana pra nós

  2. Ahhhhhhhhhhhhhh, nao acreditooooooooo!!!!!!!!!! Biiii, vc voltou e o site tá bem lindo, adoro lilás!! Estava com saudades de seus contos de fqantasia maravilhosos!!! Já tö com a mente borbulhando de teorias
    Dinamark: Ainda nao sei se é confiável e esse irmao, aonde foi parar? Se voltar, será que Dinamark trairá a amiga?
    Essa Aneirin, será que quando veja a Lady como reagirá…eu qr q ficasse louca por ela, mas eu qr Cecis, a arrogante…rs. Tenho mts dúvidas…será q pra salvar o reino terao q se casar? Opsss kkkkkkk
    Irei pro 2 caqpítulo saber mais!
    Ameiiiiii o capítulo e amei o 1 capítulo….vamos dar 70×7 de novo??!!! VAMOSSS!!
    Beijossss

  3. Já amei o primeiro capítulo, aprecio demais como vc escreve, desenvolve a história e cada personagem.
    Um pouco perdida no novo site, mas daqui a pouco fica tudo certo. Vamos embora que agora tá tudo novo

  4. Olá! Tudo bem?

    A história — como todas escritas por você — já promete muitas emoções e surpresas. Parabéns pelo texto.
    Quanto ao site, ainda estou meio confusa em utilizá-lo. A ”home” poderia ser um pouco mais clara no quesito ”historias em andamento” e ”histórias concluídas”— que está dando o erro 404 quando acessada nas respostas de busca do Google —, mas acredito que com o tempo as coisas vão acertando-se.
    É isso!

    Post Scriptum:

    Não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente, mas o que melhor se adapta às mudanças.

    Leon C. Megginson,
    Professor.

    • Oi, Kasvattaja Forty Nine!
      Obrigada, pelo coment. Não sabe o quanto é importante para nós autoras. Agradeço de coração.
      Quanto ao site, optamos por uma home mais limpa, desta vez. É possível ver na aba superior “Publicações” Histórias Concluídas e Histórias Concluídas por autoras”. Quanto ao erro, verificamos com o Web designer e ele nos falou que é um delay do google, por termos mudado a pouco tempo o site na sua estrutura. Provavelmente em alguns dias isso se resolverá.
      Mais uma vez, obrigada pelo carinho, Kasvattaja Forty Nine!
      Um beijão pra você!

    • Valeu!, Pregui!
      Feliz, por vê-la aqui! Tô feliz também por estar postando novamente. Estava com saudades do nosso espaço. rsrs
      Hoje tem mais!
      Um beijão pra ti e boa semana!

  5. Sou suspeita para falar, porque sou uma grande fã.
    Seja bem-vinda novamente, Carol!
    E que Fira Líberiz conquiste muitos corações! Hehe…

    • Ih, Maga! Vamos ficar eternamente falando quem é fã de quem aqui. hahahaha
      Brigadão, Tattita!
      Cara, valeu muito todo o carinho e dedicação. Dessa vez, se não fossem vocês, o novo site não teria saído. Grata de coração!!
      Um beijão, minha amiga!

  6. Oba!! Site novo, história nova da Bivard rolando… Belíssimo!!
    Nesses dias turbulentos, nada como um alento de altíssima qualidade para alegrar nossos dias!😍😍😍

    • Oi, Neferzita!
      Que legal que você veio aqui! Coraçãozinho cheio de alegria! rsrs
      Olha, concordo contigo. Nesses dias turbulentos, amo me perder nas histórias e nas fantasias, senão, a gente enlouquece! rs
      Brigadão Nefer! Falei para Táttah e falo pra você, muito obrigada pela dedicação que tiveram para o site sair!
      Um beijão pra você e vamos seguindo na estrada com esperança. É o que nos cabe. rsrs
      Linda semana pra você, minha amiga!

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