Líberiz

Capítulo 3 — Planos em andamento

— Fale logo, Dinamark. Que exigências são essas que a Assembleia fez?

Fira estava cansada da viagem, entretanto não podia esperar para saber a decisão dos nobres. Conseguira chegar duas horas antes do amanhecer e poderia descansar um pouco até o meio da manhã. Teria tempo para elaborar uma contraproposta, se acaso o que deliberaram não lhe agradasse. 

— Eles deixarão que assuma o ducado como herdeira legítima, mas, quando casar, terá que dar à luz a uma criança feita em seu próprio ventre. Querem assegurar a continuidade da linhagem de Líberiz. Que o sangue da criança seja de seu sangue.

O espanto se fez no rosto de Fira, contudo não levou muito tempo para que gargalhasse com o que escutara.

— Eu não acredito que eles realmente ficam especulando sobre do que eu gosto ou não, entre meus lençóis! – Continuou rindo. – Querem assegurar-se de que eu não me case com uma mulher. – Gargalhou mais alto. – Será que é a única coisa que pensam, em vez das questões políticas que nos cercam? Pelos deuses, Dinamark, é lógico que eu aceito!

— Aceita?!

Neste momento, era Dinamark que se assombrava com a reação da Duquesa. Apesar de não ter certeza sobre as preferências de Fira na cama, achava que ela ficaria furiosa, pela forma como os nobres propuseram. 

— Lógico! Você acha que eu seria o quê? Uma dirigente casta e virgem?! Viveria e morreria para o trono?

— Não, claro que não! Só que é uma situação inusitada e, há de convir, embaraçosa.

— Eu estou pouco me importando se é embaraçosa ou não, perante os nobres. O povo e o exército não saberão a respeito dessa condição. Essa é a minha exigência. Apenas isto e nada mais.

 Dinamark sorriu. Ela era uma mulher realmente fenomenal. Teve a certeza de que Virtus Líberiz orientara a filha excepcionalmente bem, para lidar com as mazelas políticas.

***

Na manhã seguinte, Fira Líberiz colocou um bonito vestido. Não estava suntuosa, porém trajada com elegância. Na face, estampava um enorme sorriso. Não conseguia se conter. 

— Pelos deuses! Como eles são obtusos. – Balançou a cabeça, ao se mirar no espelho. – Tenho que acabar logo com essa indecisão e colocar meu plano em andamento.

***

— Pelo poder conferido a esta Assembleia, depois das condições aceitas pela filha do Duque Virtus Líberiz da linhagem de Agnus Líberiz, “O Primeiro”, decretamos que o ducado, a partir de hoje, esteja sob as ordens e deliberações da Duquesa Fira Líberiz.

  A aclamação no salão real foi calorosa, embora numa audiência pequena e sem muitas pompas. Fira não queria alarde sobre sua ascensão. Para ela, naquele momento, quanto menos exposição, melhor. Muita ostentação poderia atrair curiosidade sobre a sua governança e sobre ela própria. Tinha que fazer andar o plano que circundava na sua mente há tempos. 

Deixou que algumas semanas passassem, entretanto, fora pega de surpresa, quando chegaram murmúrios da corte sobre um possível noivado entre Cécis e Cárcera.

— Tem certeza, Dinamark?

— Infelizmente, não. São fofocas e burburinhos, porém nada foi declarado, oficialmente.

Fira foi até a porta e sua escudeira estava de prontidão do lado de fora.

—  Chame Jonot, Bert. Vá e o traga o mais rápido que puder.

Fechou a porta e virou-se para o conde que a olhava interrogativo. 

—  Eu quero que as fronteiras de Líberiz sejam todas vigiadas, não só na fronteira com o ducado de Cárcera. Teremos que nos precaver em todas as fronteiras. Se Ivanir Cárcera se casar com Cécis, temo que os outros ducados não se neguem a um pedido direto da coroa.

—  Você acha que ele faria uma investida tão acintosa?

—  Não tenho dúvidas, Dinamark. Ivanir nunca escondeu a sua sede de poder e nunca aceitou as rejeições de meu pai, em relação a enlaces comerciais entre nossos ducados. Ele tem raiva de nós e, mais que isso, tem inveja. Um grande ego ferido é muito mais perigoso do que qualquer outra coisa.

— Lorde Cárcera sabe jogar, além de ser um homem de aparência agradável. Provavelmente, não teve problemas em se aproximar da princesa.

— A verdade é que eu não conheço Lorde Ivanir, pessoalmente. Nunca o encontrei na corte, em qualquer evento da coroa. Nas ocasiões em que meu pai e eu fomos à corte, ele sempre deu desculpas para declinar dos convites. Por isso, quando chegou a notícia até mim de que ele estava indo constantemente ao palácio real, tentei investigar.  

— Se a coroa quiser se voltar contra nós, depois que ele desposar Cécis, não teremos chances.

— Ele não será estúpido de pedir algo ao rei, por agora. O rei terá que se comprometer oficialmente com ele. Vai esperar o anúncio do noivado ou até mesmo o casamento. Só quero colocar vigias, para que saibamos sobre tudo e  todos que passam pelas nossas fronteiras.

 — Muito bem. Vamos manter nossas fronteiras vigiadas. – Decretou Dinamark.

***

Algumas semanas depois, em uma noite fria, Fira cavalgava pelas terras do conde Avar. A noite caíra, há pouco tempo, e não podia enxergar os campos de plantio com clareza, mas se sua memória não falhasse, estavam descuidados. O conde era um dos nobres de Líberiz que mais se interpunha nas decisões que tomava, porém, desta vez, se regozijava por ele ser tão desleixado e sem nenhum apreço para com seu próprio povo. Chegou em frente a uma grande construção em pedra que havia sido abandonada anos antes. Era um pequeno castelo em que o dignitário perdera todas as posses para o ducado, pois o conde de Avar não lhe dera apoio na comercialização de suas colheitas. O homem teve que abandonar as terras que agora estavam improdutivas, e a floresta crescia ao redor. Há pouco tempo, um forasteiro havia arrematado as terras, em um leilão, por uma bagatela.

— Como Avar pode ser tão relapso?! Não sabe nem quem se instala em seu condado.

Falou para si, enquanto esperava que a ponte levadiça fosse aberta, permitindo a passagem sobre o fosso para o interior. Cavalgou para dentro e esperou que recolhessem a ponte, antes de apear.

— Como vai, Duquesa?

A voz feminina saía num tom baixo, quase inaudível.

— Já disse para não me chamar assim, quando venho aqui.

Retrucou impaciente, recebendo um sorriso de lado da mulher à sua frente. Ela fez um gesto para que Fira se acalmasse. Não tinha o objetivo de provocar a Duquesa, naquele momento tenso.

— Vamos entrar. Temos muito a conversar. — Falou a mulher. 

Atravessaram os corredores e chegaram à sala de visitas.

— Lady Rogan, quando arrematou esse pedaço de terras, foi esse o nome que deu para fazer a compra?

— Sim. Foi com esse nome. Tenho até uma dinastia e uma história desgraçada de família que, agora, estão nos registros de linhagem e nascimento do reino de Madeleine.

— O escriba que subornou é confiável?

— Quem é confiável quando a gente consegue subornar? É claro que não deixei meu rosto à mostra, de forma que ele não pode me identificar. Além do que, Madeleine é bem distante.

— Ótimo. Agora me conte como ocorreu o sequestro da princesa.

— Além do que planejamos, não ocorreu nada de diferente. A princesa, arrogante como sempre, saiu apenas com a guarda pessoal. Foi sequestrada e a sua escolta voltou para relatar que eles foram abordados por muitos homens e que não conseguiram combater os sequestradores.

Rogan deu de ombros, tentando minimizar o que fizera. Fira reparou a postura da mulher que vinha lhe acompanhando nessa empreitada. Sabia que, para ela, não era simples. Traições a coroa nunca eram fáceis de se encarar, principalmente para alguém que tinha ética e era tão próxima da coroa como ela era. A Duquesa observara Lady Rogan durante as conversas que mantiveram, anteriormente. A vida sexualmente libertina que levava, em nada condizia com o grande sentido de honra que trazia consigo.

Fira permaneceu calada, enquanto Rogan colocava vinho em taças e chamava uma serviçal. A menina entrou no recinto e a mulher lhe pediu que trouxesse o jantar. A garota saiu, deixando as duas sozinhas novamente.

 — Tínhamos combinado de usar os nomes de Lady Dotcha quando estivéssemos aqui.

— Lady Dotcha… Interessante o nome.

Rogan sorriu ao falar. Não se cansava de implicar com a Duquesa. Pensava que nunca mais conseguiria provar o sabor dos lábios dela, o que a deixava entristecida. Gostara, de verdade, da presença de Fira durante todas as semanas que antecederam ao sequestro, quando se encontravam. Lady Líberiz demonstrava ter uma personalidade forte. Se o plano delas desse certo, Cárcera seria acusado do sequestro, livrando Lady Cécis e a coroa de Alcaméria de um destino cruel.

Na concepção de Rogan, que convivera tantos anos escutando as fofocas e falcatruas políticas dentro da corte, previa um destino sombrio para Alcaméria. O problema é que o rei Deomaz nunca se importou. Apenas usufruía da tranquilidade que os impostos dos ducados lhe concediam, sem deixar de ser um homem ambicioso. Ele apreciou o assédio de Ivanir Cárcera e da proposta de casamento dele em relação à filha mais velha. 

Cárcera era um ducado próspero, mas as leis que o regiam eram as mais conservadoras e retrógradas do reino. Se um dia Ivanir assumisse o trono, Alcaméria cairia em tempos de trevas. Certamente, a escravidão retornaria e leis liberais desapareceriam. Esta fora uma das razões que fez Rogan decidir o seu destino. Havia um preço por isso. Depois de concluído, ela teria que assumir outra identidade e deixar a vida da corte para trás, deixando a sua terra natal.

Dessa vez, Fira não ficara raivosa com a investida da mulher. Durante as semanas em que se falaram, começou a entender como a personalidade irreverente de Rogan mostrava preocupação com os assuntos políticos que envolviam o reino. Na mesma mão que ela lançava uma provocação para irritar Fira, logo depois revelava uma ideia para resolver um impasse ou problema.

Fira se sentou numa poltrona, relaxando da tensão que vinha lhe acompanhando há dias. Fechou os olhos e passou a mão no pescoço para dissipar as horas de cavalgada até aquele castelo. Retesou o corpo, quando sentiu mãos apertarem os nós que trazia na musculatura de seus ombros. Sobrepôs sua mão nas de Rogan, pegando-as e retirando de seus ombros.

— Calma! É sempre tão reativa assim? Só quero ajudar a aliviar sua tensão.

— Sim. Sempre sou reativa, principalmente sabendo que alguém pode me apunhalar no momento em que eu relaxar. – Fira declarou.

Rogan se moveu, irritada, para ficar de frente a Duquesa e abriu os braços, mostrando seu corpo.

— Então, faça uma inspeção. Pode procurar uma adaga escondida. Pelos deuses, mulher! Deixe que eu tire um pouco dessa tensão que acompanha você, constantemente! – Bufou.

Fira a olhou desconfiada. Rogan sempre agira com deboche ou insolência, mas nunca descontraída e relaxada. – “Vamos ver se ficará tão relaxada assim.” – Levantou da poltrona e passou suas mãos pelo corpo à sua frente, procurando qualquer objeto que ela pudesse utilizar como arma. Era evidente que Fira não fazia isto para procurar nada, mas pensou que, como a outra vivia lhe atormentando, seria divertido atormentá-la um pouco.

A expressão da Duquesa estava séria, mesmo quando subiu as mãos pelas pernas vestidas em couro e chegou até a interseção das coxas.  Resvalou as duas mãos por entre elas, demorou-se alguns segundos para, logo depois, subir através do abdômen e alcançar o vão entre os seios. Regozijou-se ao ver que Rogan, na sua prepotência, prendeu a respiração, momentaneamente.

— Tudo bem. Vi que não traz nada com que possa me atacar, mortalmente. Se quiser e tiver habilidades, pode tentar me relaxar. – Provocou, sorrindo de lado.

Os olhos de Rogan se estreitaram. Lady Líberiz a havia desafiado. – “Ah, milady! Hoje não sairá daqui sem que tenha passado por minha cama. Isso é uma promessa!” – Pensou, enquanto imaginava formas de dobrar aquela mulher tão interessante. Fira Líberiz era a pessoa mais desafiadora que Rogan já havia encontrado.

— Prometo lhe relaxar bastante, hoje. Tem a minha palavra.

A serviçal entrou na sala, acompanhada de outra, cortando a conversa das duas. Traziam nas mãos bandejas contendo iguarias. Rogan e Fira se encaravam e na face de cada uma continha um toque de provocação e um sorriso debochado. Deixaram que as serviçais colocassem tudo na mesa e saíssem. Fira abriu mais o sorriso para depois desfazer o momento que as envolveu.

— Não vai me convidar para comer? – Perguntou descarada.

— Evidente que sim, milady. Perdoe a minha falta de educação, mas sua beleza e a sutileza com que conduziu a situação toda, me deixaram paralisada.

Rogan falou num tom zombeteiro e fez uma reverência teatral, apontando a mesa de jantar. Fira gargalhou, diante das palavras e do tom jocoso da outra.

— Devo admitir que me divirto com você. Gostaria que um terço das cabeças de minhoca que rondam pelo meu castelo tivessem um décimo de sua ousadia. Certamente, Líberiz seria um ducado de muito respeito no reino.

— Agora me senti verdadeiramente honrada. Isto foi o mais próximo de um elogio que dispensou a mim, desde que começamos a nos falar. E ainda vai me dar a honra de jantar? Estou me sentindo nas nuvens.

— Deixe de desfaçatez, Rogan. – Fira respondeu displicente, enquanto se sentava à pequena mesa. – Você não colaborou muito desde que nos conhecemos.

— E muito menos você. – Respondeu Rogan, já sentada à mesa, se servindo de uma porção de legumes assados. – Não pense que não sei que, na semana passada, você foi me espionar. Vigia todos os meus passos, Lady Dotcha. – Sorriu ao pronunciar o nome fictício da Duquesa. – Confiança é uma coisa que passa longe de seu estilo de vida, não é?

Fira deixou transparecer curiosidade no rosto. Realmente, seguira todos os passos de sua recente sócia, e confiança era algo que aprendera a não nutrir por qualquer pessoa. Mas aquela figura, sentada à sua frente, era enigmática demais para ela. 

Todos tinham um preço e todos tinham a sua vaidade, no entanto, parecia que a única coisa que conseguia extrair da mulher de cabelos curtos, era uma incrível propensão à vida de orgias. Estava num impasse. Queria lhe fazer uma pergunta, mas não queria dar margens à outra para se enfronhar em sua vida.

— Me mate uma curiosidade, Rogan. Por que procura esses lugares? Você é uma mulher bonita e de personalidade forte. Conseguiria facilmente se relacionar com uma mulher decente. – Falou com tranquilidade.

— Então, foi realmente a sua presença que eu percebi naquela taberna, há uma semana. Por que me espiona, Fira?

— Não me chame de Fira aqui, já disse!

Rogan a olhou, diretamente. Seu rosto assumira uma expressão séria. Nunca se importou com o que pensassem dela, mas não gostava de ser vigiada constantemente. Fira riu de lado.

— Nada pessoal. Entenda que eu tenho que cuidar para que nada saia errado, nessa missão. Se eu pudesse, teria executado o plano pessoalmente, mas com certeza o desfecho seria outro.

— Você não poderia sequestrar a princesa Cécis, pessoalmente. – Afirmou Rogan.

— Poderia. Só que teria que matá-la, pessoalmente, também. – Sorriu levemente.

— Eu não falei que não teria condições de executar a missão, só disse que não poderia fazê-lo, seria arriscado para você. Imagine se a princesa escapasse? De qualquer forma, penso que nunca confiar em alguém deve ser um terrível desgaste.

— E você confia em alguém? – Fira interrompeu a linha de raciocínio da outra. – Acredito que não, pois se confiasse minimamente em alguém, não procuraria mulheres em tabernas de terceira categoria para suprir sua carência. Lá você encontra de tudo. Desde assassinas, mulheres do exército, prostitutas…

 — Tem razão. Encontro de tudo. Inclusive mulheres decentes do povo, também. Pessoas que não tem o falso moralismo que existe na corte.

A Duquesa elevou uma sobrancelha de forma inquisitiva.

— Eu conheci muitas mulheres nestas tabernas, – continuou Rogan – mais fiéis e honradas do que a maioria das pessoas que conheci na corte. Ali não existe uma relação comercial. Também escutam coisas que carregam para o túmulo, se não forem torturadas ou muito bem pagas. Na corte, basta que vejam pequenas vantagens e logo soltam a língua.

Fira a encarou, pensando nas palavras que acabara de escutar. Rogan tinha razão. Ela mesma não confiava em ninguém que a cercava no castelo de Líberiz. Nem mesmo em Dinamark, a quem poderia chamar de amigo, ela confiava plenamente. Mas esta afirmativa não respondia à pergunta que havia feito inicialmente. Não matara a curiosidade que tinha.

— Então, é por isso que prefere se meter nesses lugares?         

— Em parte, sim. No entanto, não é só por isso…

Encarou a Duquesa, estreitando os olhos. Não compreendia onde Fira queria chegar, mas agarraria a oportunidade que ela lhe dava. “Vamos ver até onde chega para matar a curiosidade.” – Pensou.

— Me responda você, lady Dotcha. Já foi para a cama com alguma mulher decente, como você mesma falou?

Fira sorriu, levemente, e baixou o rosto, focando na comida em seu prato. Pensava que Rogan tinha um jeito interessante de responder às perguntas. Nunca fazia diretamente se a comprometesse. Da forma como fez o questionamento, colocava Fira à prova e, ao mesmo tempo, deixava a resposta no ar.

— Vejo que lhe incomodei com este assunto. Não estou criticando como leva a vida, Rogan, apenas gostaria de entender.

Rogan devolveu o sorriso que Fira lhe dava. A Duquesa não abriria a guarda, por mais que estivesse interessada em saber sobre as atitudes dela.

— Passará a noite aqui? Me espantei por ter chegado à noite, principalmente pelo sequestro ter ocorrido há alguns dias.

— Eu fiquei envolvida, exatamente, nas questões que cercaram o sequestro. Precisava saber sobre as repercussões por todo o reino e não pude me ausentar durante alguns dias. Você também está tendo trabalho com isso. De qualquer forma, saí de Líberiz sem muito alarde. Dispensei a minha escudeira, afirmando que sairia cedo para passar o dia na casa de uma amiga.

— Uma amiga? O reino pegando fogo e vai passar o dia com uma amiga?

— É. Essa é uma amiga muito particular. Quando digo que vou até lá, todos ficam cismados e receosos, e eu me divirto com isso.

— Agora me pegou. Não consegui compreender.

— Você conhece a curandeira Merida?

— Sim. É só uma velha senhora… – Rogan parou de súbito e começou a gargalhar. – Não acredito que você joga com o medo e crendices do povo!

— Pois é, minha cara, não sabe o que o medo faz às pessoas.

— Mas ela é só uma velha curandeira!

Rogan exclamou, ainda rindo, abismada com a troça que a Duquesa pregava nos seus súditos. Fira a acompanhou na risada.

— Ela é uma velha senhora e curandeira, sim, mas você não sabia que ela faz magia e mexe com as forças do submundo?

Fira falava, dando um tom assombroso às palavras, fazendo Rogan rir mais ainda da desculpa que ela utilizara. Já escutara essas histórias em relação à Merida, mas depois que conheceu a curandeira achava que essas fantasias eram apenas para assustar crianças. 

Foi diminuindo o riso e olhava para Fira, vendo que a companhia dela era muito mais agradável do que desejava. Não queria criar um laço de empatia e cumplicidade com a Duquesa; no máximo, passar uma noite de bom sexo e isso ela estava empenhada em conseguir. 

— Então os súditos de Líberiz acham que existe uma mulher que compactua com criaturas tenebrosas e do mal?

— Acha que é só em Líberiz? Definitivamente não, minha cara. Já escandalizei o reino inteiro, contando que sempre vou até ela quando estou precisando de ajuda. – Gargalhou.

— Bom, pelo menos não terá que sair de madrugada para chegar antes do amanhecer no castelo. Nos dará tempo de repassar os próximos passos e, ainda tenho que cumprir a minha promessa.

— Que promessa? Não lembro de nenhuma promessa que me fez, mas se o fez, então devo cobrar.

Rogan abriu um largo sorriso. Conseguiu pegar a Duquesa.

— Muito bem. Então vamos discutir logo nossa estratégia e como vamos seguir com o plano daqui por diante. Depois eu falo sobre o que estou lhe devendo.

Rogan mudou de assunto rapidamente, chamando atenção para os planos que tinham. Terminaram de comer, em meio a conversas sobre o que fariam, e a anfitriã se levantou, pedindo para Fira acompanhá-la. Caminharam pelos corredores até que Rogan chegou a uma porta trancada e retirou uma chave do bolso. Abriu a porta e deixou Fira entrar. Parecia uma pequena biblioteca com estantes vazias. Havia uma mesa pequena e duas cadeiras.

— Desculpe, mas não acho que precisemos mais do que isso. Não vou gastar dinheiro à toa, decorando um lugar que, em breve, será esquecido. – Rogan se justificou para Fira.

— Não se preocupe com isso. – Encarou a sócia. – Então, ainda está de pé a ideia de eliminarmos a princesa Cécis?

— E por que não estaria? É a melhor solução.

Fira reparou no olhar de Rogan. Sabia que não era fácil para ela e queria ver até onde chegaria. Tinha tomado uma decisão que afetaria não só a vida dela, mas de Alcaméria inteira. Se a princesa Cécis morresse do jeito que planejaram, todos culpariam Cárcera; e Alcaméria estaria livre de um mal.

Após uma hora de discussões, Rogan chamou a serviçal e perguntou sobre os aposentos que mandara preparar para Lady Dotcha.

— Está tudo arrumado, milady. Quer que eu acompanhe Lady Dotcha até seu quarto?

— Não. Está dispensada. Pode deixar que eu a acompanho.

Ao escutar a conversa de Rogan com a serviçal, Fira deixou que seus olhos passassem do pergaminho que estava analisando em suas mãos, para o rosto da anfitriã. A mulher de cabelos negros e curtos estava impassível e séria. Viu que ela observava outro pergaminho. Depois de alguns segundos, reparou que Rogan bufava, largando-o em cima da mesa, passando uma de suas mãos pelo pescoço. Estava visivelmente abatida.

— Vamos nos recolher, pois estou cansada também. Esses dias foram loucos, correndo para lá e para cá. – Falou Rogan. – Mandei preparar um banho para você. Provavelmente, quer relaxar numa água morna.

— É verdade. A cavalgada foi bem acelerada e cansativa. Quero tirar a poeira de cima, antes de dormir.

Rogan a fitou com o cenho empertigado. “De fato, ela é muito interessante”, pensou. Fira era cercada de mistérios. Quando ela contou como os nobres permitiram que assumisse o ducado e também, a reação que teve perante a exigência, Rogan pensou que se enganara na impressão que tivera da morena.

— Não tem medo de andar por essas estradas sozinha à noite? Apesar de Líberiz ser um ducado tranquilo, nada impede que viajantes atravessem as terras. Digo isto porque os condados nem sempre são tão seguros. O condado de Avar, por exemplo, é um lixo!

A Duquesa sorriu, levemente. Seu pai a levara, tantas vezes, para além dos muros de Líberiz, que nem se importava mais com este sentimento de insegurança.

— Não cavalgo como uma donzela, Rogan. Há de convir que um cavaleiro num galope apressado não costuma ser presa fácil.

Rogan sorriu, intimamente. Sempre pensara assim, mas não via, costumeiramente, mulheres com a mesma atitude e mesma linha de pensamento. “Essa mulher me intriga e me confunde”. Rogan continuava em suas avaliações sobre a Duquesa, regozijada com o estilo de Lady Líberiz conduzir a vida. Levantou-se de súbito, deixando os inúmeros pergaminhos de lado.

— Vamos. Também tive dias atribulados. Deixarei você no quarto para se refazer e farei o mesmo. Daqui a pouco, poderemos tomar um vinho ou uma sidra, se acaso estiver bem.

Não deixou margens para a Duquesa contestar. Caminhou para o corredor, andando em direção a ala dos aposentos. Lady Fira não objetou. Seguiu-a calada, pois desejava muito se refazer e tirar a sujeira de seu corpo. Chegaram em frente a uma porta e Rogan abriu, deixando que a morena passasse na frente.

Não era um quarto enorme, mas via-se conforto além das possibilidades de muitos senhores de terras. Havia uma cama grande e lareira para aquecer o cômodo nas noites frias. Tinha também uma sala contígua, que deveria ser a sala de banhos e uma mesa com cadeiras para pequenas refeições no quarto. As duas poltronas que ladeavam a lareira, mostravam que o aposento fora preparado para receber alguém importante.

— Você mandou decorar este cômodo?

Rogan sorriu, vendo o espanto no rosto de Lady Fira. Ela tinha feito tudo para receber a nobre Duquesa e, também, para não ser pega de surpresa, caso alguém do condado viesse visitá-la. Quem compraria uma área daquelas e deixaria o castelo sem nada dentro? Se teria que disfarçar sua estadia ali, tinha que ser muito bem-feita.    

— Não queria que me instalasse como uma senhora de terras? O castelo deveria espelhar uma boa posição econômica, não é mesmo? – Sorriu. – Só não desperdiçarei recursos com lugares que não serão utilizados.

— Certo. Se alguém do condado de Avar vier lhe ver, terá condições de sustentar a farsa. Bom trabalho.

— Agora vou me banhar também. – Rogan se despediu.

***

Fira encontrou uma bata para dormir em cima da cama. Detalhe de interessante delicadeza e preocupação, vinda de sua anfitriã. Rogan estava querendo impressioná-la. Sorriu, tentando avaliar as intenções de sua sócia. Foi até o quarto de banho e viu uma banheira com água quente e apetrechos para o seu banho. Não quis mais pensar no desenrolar de todo esse desvelo, vindo da mulher de cabelos negros. Retirou sua roupa e entrou na banheira de água acolhedora. Tomou o banho com calma.

Após se secar, caminhou para o quarto, levando um susto ao se deparar com Rogan, sentada numa das poltronas.



Notas:

Oi, Pessoal!

Como falei antes, ainda não formalizei um dia certo para a postagem, mas também falei que não deixaria passar da semana, e assim espero que consiga. 

Abraços fortes e agradecimentos pelo carinho! Bom fim de semana a tod@s!




O que achou deste história?

6 Respostas para Capítulo 3 — Planos em andamento

  1. Carol nós que temos que agradeço por vc nos dar a honra de lê algo que escreve, amo o jeito q escreve e desenvolve uma história parabéns 👏👏 por essa mente brilhante.

    Minhas suspeitas é que essa misteriosa mulher de codinome Rogan seja a princesa, mas vamos aqui esperar pelos acontecimentos.

    Bjs Boa semana de muita paz

    • Nossa, Blackrose! Assim fico encabulada, mas vaidosa. hi hi hi.
      É vamos ver no que dá, porque tem muito chão pra essas duas correrem. Se acham que vai ser de boa, elas estão enganadas. rs E o ducado de Líberiz e o reino, vai ser muito sacudido!
      Beijão e obrigada pelo carinho!
      Boa semana!

    • Oi, Anônimo!
      Então, eu queria confundir mesmo. Acho que deu certo. rs
      Mas ainda tem muita água pra rolar. Muitos personagens pra revelar e entrar na história. Vamos que vamos!
      Brigadão pelo coment e carinho!
      Um beijão pra você!

  2. Oiee!!
    Feliz día de las enamoradas!!
    Nossa,errei feio!!! Me precipitei …tudo bem!!
    Essas duas são fogo de palha, vejo que terei muitas surpresas!! Desconfiada e essa Rogan…
    Como Cris foi capturada tão fácil? A guarda pessoal dela era bem durona e k deixava ninguém chegar perto….
    Ainda estou curiosa pelo irmão….ele aparece ou é alguém já comentado?
    A relação dessas duas doidas será só erótica e de guerra?
    O que acontecerá qndo conhecer Ceci?
    Essa Rogan tem atitude de um coração ferido…
    Bem, veremos essa estória cheia de mistérios…adorando!!!!
    Beijos pra vc e sua esposa!!
    Fique com Deus!
    Beijos de luz!!

    • Brigadão, Lailicha!
      Fiz um almoço romântico e ganhei um vaso de tulipas vermelhas! Foi bem legal!
      Olha que você está dando spoiler. rs Te falei da ideia dessa história uns anos atrás e acho que ficou na sua mente. he he he. Bem verdade que te falei só a ideia e que muita coisa mudei, como você viu. rs Ainda bem. hi hi hi.
      Veremos o que a história vai dar.
      Um beijão pra você também e fica na paz!
      Beijos pra Mocita!

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