Nightingale

Capítulo 41 – Todo o tempo do mundo

POV Erika

Eu fui direto para o quarto, tirei meus coturnos, peguei minha bolsa e, com ela em cima da cama, achei uma muda de roupas pra trocar. Eu precisava urgentemente de um banho e era exatamente isso o que eu faria. Quando me levanto da cama e olho pra porta Alex está parada ali me encarando, provavelmente não a muito tempo.

– Senta – ela fala, mas é um tom calmo e não uma ordem, por isso eu volto a sentar na cama e ela caminha até parar bem a minha frente – As coisas hoje foram…..estranhas – ela diz de braços cruzados olhando pra mim.

– Porque me falou pra sentar? – eu pergunto, claramente ignorando o assunto que ela estava tentando puxar.

– Porque é irritante eu tentar falar de algo sério olhando pra cima – ela responde a minha pergunta com um sorriso cara-de-pau, era a única definição que eu tinha para aquele sorriso – Agora escuta. Eu entendi que a sua relação com a sua mãe é…conturbada…. Mas…olha Erika eu queria muito mesmo ter gritado com a sua mãe por causa do tapa que ela te deu – ela diz com uma expressão culpada e ergue a mão direita pra tocar de leve meu rosto que já não estava mais vermelho, mas ainda tinha um pequeno arranhão perto da boca – Eu só queria te dizer que acho que você se saiu muito bem falando com ela. Que acho que você foi muito madura naquela conversa, eu não teria sido, mas estou feliz que você foi.

Penso em algo pra responder, mas simplesmente não me vem nada a cabeça. Então só faço algo que já estava com vontade de fazer desde que ela me tirou de perto da minha mãe antes. Eu a abraço. Puxo ela pela cintura pra perto de mim fazendo-a ficar em pé entre as minhas pernas e simplesmente deixo meu rosto descansar no peito dela. Naquela hora eu era só uma criança precisando de carinho e Alex era tudo o que eu precisava ter pra isso. Ela me abraçou de volta com uma mão no meu cabelo e apoiando o queixo no topo da minha cabeça.

– Obrigada – eu falei finalmente, de olhos fechados e num tom baixo – Obrigada por estar aqui comigo.

Ela ergueu meu rosto com as duas mãos e sorriu, um sorriso que eu não pude deixar de retribuir, mesmo que o meu saísse meio triste ainda. Ao invés de beijar minha boca ela beijou minha testa e eu fechei os olhos de novo. Alex então deu um beijo perto do meu pescoço e suspirou.

– Olha, eu vou tomar um banho primeiro enquanto você só descansa um pouco – ela falou ainda sem se afastar de mim – Depois, enquanto você toma seu banho, um bem demorado eu espero, eu vou preparar alguma coisa pra gente comer. E isso não está em discussão, hoje você só vai me ouvir e obedecer.

– Sim senhora – eu respondo com o mesmo tom de brincadeira usado por ela a pouco e a deixo se afastar – Vou pegar toalhas pra nós duas, ainda sei onde ficam as coisa por aqui.

Ela foi pro banho e eu fiquei deitada na cama pensando. Deveria ser perto das 15h e, pela primeira vez, eu pude tentar pensar. Não fazia nem 24h que eu tinha passado por um dos melhores momentos da minha vida naquele vestiário antes da minha segunda luta. E logo depois eu tinha voltado a reviver todos os piores momentos pelos quais eu passei, além de ter entrado completamente em mais um desses. Ter as lembranças tão vivas novamente não era fácil. Eu tinha fugido de tudo aquilo ao atravessar diversos estados e, na minha cabeça, eu não conseguiria me imaginar encarando tudo isso novamente.

Mas aqui estava eu, na minha cidade natal, num dos lugares que mais me lembravam do meu irmão, enfrentando a ira da minha mãe e me impondo perante a todos que um dia eu conheci. E tudo por causa dela, da garota baixinha que estava no banho nesse exato momento. Eu sentia que estava em débito com ela por isso. Alex tinha feito tudo o que fez por mim, tinha me dito com todas as palavras possíveis, mesmo sendo as de uma musica, que me amava. Pra logo depois ser arrastada para esse tornado que tinha se tornado a minha vida. E eu nem sequer havia verbalizado tudo o que eu sentia por ela, ou como estava sendo bom pra mim ter ela ali.

Beth tinha razão em me repreender por eu não ter dito nada e olha que ela estava fazendo isso sem saber da musica que Alex tinha cantado pra mim. A nossa conversa ontem antes de dormirmos me fez pensar que não era justo com a guitarrista ela ter que encarar tudo quando mal havíamos nos acertado. O problema era que, apesar de querer muito entender, eu não tinha ideia de por onde começar a tentar compreender o que estava acontecendo comigo no momento.

Se eu antes já estava confusa por gostar dela, agora eu estava ainda pior por causa de tudo o que aconteceu. Eu não via meus pais a anos, mas eu nunca deixei de amá-los…..ter perdido meu pai tinha me deixado muito mal, mas não era como quando perdi o Phill. Talvez porque ele nunca tenha cuidado tanto de mim quanto meu irmão, mas junto a isso eu tinha Alex comigo e o simples fato de ela estar aqui comigo era o bastante pra fazer tudo ficar melhor.

Quando saiu do banho ela passou por mim me dando um selinho e foi pra cozinha me mandando ir logo para o banheiro, antes de eu fechar a porta ela disse algo sobre Beth ter dito que só voltava mais tarde e eu só concordei. A minha mente estava uma bagunça e eu não sabia o que fazer. Eu queria agradá-la…..eu queria…fazer ela se sentir bem aqui comigo……mas eu simplesmente não conseguia pensar em como. Eu não me sentia bem comigo mesma no momento e, sinceramente, não sabia como Alex estava conseguindo ficar aqui perto de mim.

Decidi começar por algo mais simples pra minha cabeça enquanto eu deixava a água quente escorrer pelo meu cabelo, pescoço e corpo. Eu tinha que começar por algo….. Como nunca tive um relacionamento…..nem nada que chegasse minimamente perto disso, fazer isso se tornava mais complexo do que eu gostaria. Pra começar eu teria que aprender a lidar com as reações que ela provocava em mim….ok, lista mental então:

1 – Aceitar que Alex Lancaster mexe comigo a um nível nunca antes visto por mim……Certo: Aceito isso.

2 – Decidir se continuo a tentar manter as coisas mais normais aos meus padrões ou se tento me deixar levar pelo que ela provoca em mim…….ai é difícil, melhor ir passando de um a outro devagar.

3 – Colocar o que eu sinto por ela em palavras que eu consiga dizer pra ela…..Isso também não é nada fácil pra mim….passando pro próximo tópico então.

4 – Estabelecer o que eu quero…..ou o que pretendo querer…. ou preciso ter….Aaah! …. Só estabelecer o que Alex e eu temos ou o que pretendemos vir a ter……Mas pra isso vou precisar dela também….então deixa pra depois.

5 – Mostrar pra ela que ela é importante e que eu a quero na minha vida de verdade….é…isso não vai ser tão difícil, mas também não será simples; principalmente no momento atual.

Desliguei o chuveiro, me sequei e me troquei no banheiro. Sai de lá com uma regata larga e comprida e um short curto que não chegava nem na metade das minhas coxas. Quando parei pra me olhar pensei nas palavras de Alex ontem a noite…..será que aquilo não seria provocar ela demais? A guitarrista já tinha deixado claro pra mim diversas vezes que gostava do meu corpo….expor as penas assim talvez fosse provocação….será?

Me encarei no espelho: cabelo molhado com algumas gotas ainda pingando; regata cinza sem estampa e velha por cima de um top azul marinho, meu rosto tinha a marca de um dos anéis da minha mãe perto da boca, uma fina linha vermelha, perto da sobrancelha havia uma marca roxa da ultima luta. Todo o meu tronco tinha marcas roxas daquela luta, principalmente as costelas. Eu também tinha marcas assim nas canelas, parte inferior da lateral das coxas e antebraços. A pura verdade: eu não me achava atraente. Mas e Alex…..ela acharia?……resolvi descobrir.

Fui pra sala terminando de secar meu cabelo, olhei pra cozinha e Alex estava de costas olhando alguma coisa dentro da geladeira; ela estava com um short curto, mas perto da metade das coxas e uma camisa de malha de um verde bem claro que tinha mangas curtas, mas era um tanto larga pra ela. Dei a volta na bancada e encostei o ombro na parede na entrada da cozinha, fiquei só olhando pra ela tentando entender o que sentia ao fazer isso.

– Oi – falou ela rindo quando se ergueu e me viu – Não te ouvi chegando – ela falou, não ouviria mesmo, eu estava descalça e o piso de madeira não fazia barulhos.

Notei o olhar dela passar por todo o meu corpo antes dela encarar minhas pernas e se virar de frente para a pia e o fogão. Sim, tinha sido provocação.

– Desculpa – falei com um sorriso culpado – Eu deveria ter posto uma calça ou algo assim – completei indo na direção dela, eu não conseguia ficar muito tempo longe dela se era possível estar perto.

– Não, quê isso – ela falou rindo e balançando a cabeça negativamente – Suas pernas são lindas – ela completa se virando pra mim e ficando encostada na pia.

Paro na frente dela rolando os olhos e Alex ri disso; ela ainda é incrivelmente cara-de-pau, não que eu esperasse outra coisa da Alex. Mas então nós começamos a nos encarar e o clima entre a gente muda drasticamente. Nessa hora eu penso no quanto eu queria dar a ela o que ela quer, mas eu sequer entendo direito o que ela quer. Mal entendo o que eu quero. Só sei que não quero me afastar…

É; às vezes é um tremendo saco ser nova nessas coisas de relacionamentos…eu odeio não saber o que fazer.

– Eu vou terminar nossa comida num instante – ela diz respirando fundo e se virando – Porque não vê o que podemos beber?

– Alex? – eu a chamo me sentindo uma idiota…ela esta tentando se controlar…isso é nítido…e eu não sei como reagir.

– O que? – ela pergunta sem se virar e continua a fazer o que esta fazendo.

– O quão ruim está sendo pra você se segurar nesse momento? – eu pergunto cruzando meus braços e a vejo se apoiar sobre a pia; as mãos segurando as bordas do mármore, a escuto suspirar antes de um período de silêncio que me deixou inquieta.

– Erika eu…..Eu não fico com alguém a mais de dois meses – ela disse finalmente, mas ainda sem me olhar – Só que mesmo antes disso….Eu não sinto atração real por alguém desde….praticamente desde que eu te conheci. O que é incrivelmente estranho pra mim, mas eu não estou reclamando – ela finalmente se vira me encarando – Acontece que nos últimos dois meses eu passei a entender que…a parte física da coisa não é tão importante assim. Isso tudo é claramente novo pra você – ela disse com um pequeno sorriso – Dá pra notar só pelo seu beijo, Erika. E isso por si só já é um motivo pra que eu queria ir devagar. A situação em que nos encontramos no momento é claramente uma placa de pare pra mim. E eu não me importo porque sei que vai valer a pena.

Por alguns segundos eu só consigo encarar ela pensando “Como ela pode ser tão perfeita nessas horas?Como pode simplesmente ignorar a si mesma e ao que quer só pra…..não me apressar???”. Me afastei até encostar as costas na bancada de mármore.

– Quando você me olha nos olhos parece que pode ler a minha mente e a minha alma. Quando sua mão me toca me causa arrepios e sensações que eu nem sequer consigo começar a entender. Quando ouço sua voz minha mente é capaz de ignorar o resto do mundo só pra te escutar. Quando sinto seu cheiro parece que tudo se acalma e eu me sinto em paz – falo tudo de uma vez encarando o piso de madeira escura – E eu não tenho ideia de como lidar com essas coisas. Mas eu sinto que é injusto com você te fazer se segurar tanto – continuo num tom mais baixo e ergo o olhar pra ela – Eu só não….não sei como levar adiante as coisas.

– Talvez só não seja o momento pra isso Erika – ela fala se aproximando de mim e tocando meu rosto – Eu não começo nada ainda pelo exato motivo de saber que você pode nem sequer entender o que estou fazendo ou prestes a fazer. Eu quero esperar que você entenda mais um pouco disso, que você conheça um pouco mais sobre o que estamos tendo aqui…..Às vezes é torturante sim porque…eu sei o que quero e tenho bem na minha frente, mas ainda não tenho confiança de que posso pegar…. Mas eu posso ter paciência, eu tenho todo o tempo do mundo pra isso.

– Ainda acha cedo demais pra estabelecer o que temos? – pergunto num tom sério com meus braços ainda cruzados; ela sorri e coloca as mãos nos dois lados da minha cintura.

– Só uma coisa precisa ser estabelecida no momento – diz Alex com um olhar sério me encarando, então ela se aproxima ainda mais – Eu pertenço a você e…não acho que isso vai mudar. Isso porque, pra você, eu consigo dizer sem medo de estar mentindo que eu te…

– Eu te amo – interrompi a frase dela completando-a e os olhos a guitarrista se arregalaram levemente em surpresa ao me ouvir dizer aquelas três palavras.

– É….era isso mesmo o que eu ia dizer – ela falou tentando sorrir, Alex não sabia se eu tinha apenas completado a frase dela ou falado aquilo por mim mesma.

– Não se segure tanto – falo descruzando os braços e colocando-os ao redor do pescoço dela – Se eu sentir que é rápido demais, ou que não estou pronta eu vou te parar – inclinei o rosto até minha testa encostar na dela e fechei os olhos me sentindo relaxar quando ela abraçou a minha cintura, poderia ser precipitado, afinal, eu não tinha experiência nenhuma nessa área, mas o que eu sussurrei depois saiu antes mesmo de eu pensar a respeito – Eu acho que te amo Alex – falei de olhos fechados e senti a respiração dela falhar antes dos lábios dela cobrirem os meus por alguns segundos.

– Eu vou esperar você ter certeza – ela sussurrou beijando meu maxilar e então descendo os lábios para o meu pescoço – Só saiba que eu já tenho. Amo você – ela sussurra pra mim com um sorriso antes de voltar a beijar meu pescoço.


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