Nosso Estranho Amor

29. Feridas não cicatrizadas

Quando estávamos prestes a colocar a nissei no olho da rua fomos surpreendidas pela voz do meu “querido sogro”.

–A Débora não vai a lugar nenhum. Você pode ser minha filha, mas eu ainda sou o dono dessa casa. Eu que decido quem fica e quem vai… E eu quero que essa Giovanna vá embora! –Sr. Gustavo gritou. Percebi que ele odiava ser contrariado.

–Pelo que me conste a minha mãe possui os mesmos direitos, ela também é dona dessa casa, e sei que ela jamais expulsaria a minha namorada. Continue defendendo a Débora que cada vez mais estará me afastando do Sr. Acabará perdendo uma filha. –Ágatha não era de abaixar a cabeça e não vou negar que ficava muito orgulhosa dela.

–Lembrem que ainda há uma criança aqui. Resolvam esses assuntos pessoais longe do Enzo. –era a primeira vez que a Tainá se posicionava. Mesmo não indo com a cara dela, sabia reconhecer o quanto ela estava certa.

–Isso mesmo. Vocês nos dão licença que agora vamos resolver esses assuntos pendentes de maneira civilizada e no escritório. –dona Michele disse pegando pela mão a minha namorada e o meu sogro.

Mesmo sobre protestos, Ágatha foi conversar com os pais em uma parte isolada da casa, esperava de coração que eles pudessem se acertar. O Enzo estava assustado com toda aquela briga que presenciou e foi para o seu quarto. Não sou a melhor pessoa do mundo para dar conselhos, mas aviso apenas uma coisa: Quando forem brigar sempre façam isso longe das crianças, pelo amor de Deus.

Logo depois, a Dani e o meu cunhado resolveram ir fazer um passeio, o Alex também se retirou, o pai do Enzo estava trabalhando, a Alana resolveu ir lavar toda a louça do almoço, então na área externa só estava presente a Tainá, a Débora e eu. O clima era o pior possível. Tudo já estava ruim, o silêncio era perturbador, mas sempre podia contar com alguém para piorar as coisas.

–É Giovanna, agora você deve estar feliz. Fez pai e filha brigarem por sua causa. Como está se sentindo? –a Débora era insuportável a nível hard.

–Débora, não foi o bastante todo barraco que você armou há pouco? Ainda não tá satisfeita? –confesso que fiquei surpresa com a fala da Tainá, ela não gostava de mim.

–Até você vai ficar defendendo essa daí? Pensei que era minha amiga e que estava do meu lado.

–Eu não tô do lado de ninguém, mas o que você fez foi ridículo. Não é segredo pra ninguém que a Ágatha ama a namorada, mas você não tá sendo capaz de respeitar a relação. Não sei nem como teve a petulância de vir hoje sabendo que ninguém iria querer te ver. –Tainá respondeu voltando a mexer no celular.

–E eu não tô acreditando que vai ficar do lado dela. –Débora disse disparando faíscas com o olhar. –É Giovanna, parece que perdi a batalha por hoje, mas não a guerra. Ainda teremos revanche.

–É o que nós veremos. Com licença. –não ia ficar mais naquele local um instante sequer. Eu perderia a cabeça com a Débora e não seria justo mais uma confusão estourar.

Fui para a cozinha e acabei lavando o restante da louça enquanto a Alana ia conversar com o filho, depois também iria me desculpar com o menino, sabia que estava em dívida com o Enzo. Estava terminando de limpar o balcão quando Tainá entrou na cozinha.

–Giovanna, será que podemos trocar uma palavrinha?

–Não sei se é uma boa ideia. Já tive problemas com a Débora, acho que não precisamos de uma briga nova. –disse calmamente.

–O meu intuito não é gerar confusão, só esclarecer alguns pontos.

–Sendo assim, então pode falar. –respondi educadamente.

–Você deve lembrar perfeitamente que no aniversário dos gêmeos disse que gostava da Ágatha e coisas que não deveria jamais ter falado. A Ágatha é a minha melhor amiga, até no escritório somos sócias. Gostei dela por um tempo, mas ela sempre me enxergou como amiga, então respeito a decisão dela e o namoro de vocês. –estava perdida. Não sabia se acreditava ou não na Tainá.

–E por que você está me contando tudo isso? Por que agora do nada tá querendo ser simpática comigo? Poderia dizer que está até mais amistosa. O que pretende? –toda essa “bondade” estava me deixando muito desconfiada.

–Eu percebi a maneira fria que você me tratou desde que chegou, mas não te culpo. A Ágatha é sua namorada e minha melhor amiga, pelo bem dela, acho que devemos nos tratar mais cordialmente. Não vou mentir, eu não botava mesmo fé nesse namoro… Mas quando vocês terminaram a Ágatha ficou de mal a pior, sem querer falar com ninguém, até com os nossos clientes não era mais a mesma pessoa. Hoje quando vocês duas chegaram, li no olhar da minha amiga o quanto ela te venera, te ama. Não acha que essas razões são mais do que suficientes para tentarmos nos dar bem? –fiquei um tempo pensativa antes de responder.

–Mesmo que seja verdade… Você é muito amiga da Débora também. Como vou ter plena certeza de que não ajudará a sua amiga a estragar minha felicidade? Essa mulher não me suporta e vai fazer o impossível para ferrar com a minha vida como já ferrou no passado.

–A Débora teve caso de uma, no máximo duas noites com a Ágatha, ela não ficou satisfeita em saber que pra minha melhor amiga foi apenas sexo, ela queria muito mais, mas a Ágatha jamais iludiu. A Deb é sim minha amiga e jamais deixarei de ser amiga dela por sua causa. A diferença é que eu sei separar a amizade que tenho com a Débora e a amizade com a Ágatha. Não vou ficar de complô para estragar o seu namoro, até porque isso teria repercussões negativas na vida da minha melhor amiga.

–Disse tudo. Você é amiga da Débora e tenho certeza de que ela infernizará a minha vida, não tem como ser sua amiga…

–Não quero ser sua amiga, Giovanna. Apenas quero que possamos nos tratar educadamente, pelo bem da Ágatha. –tive minha fala interrompida.

–E como vou saber que você também não irá paquerar a minha namorada? –desconfiança era meu sobrenome do meio.

–Tem a minha palavra, além do mais, a Ágatha é passado na minha vida. Estou namorando e tô muito feliz com a pessoa que está ao meu lado.

Ali estabelecemos uma trégua, um acordo de paz silencioso se é que podemos chamar assim. Talvez a Tainá realmente não fosse má pessoa, mas só de ser amiga da Débora já seria motivo mais do que suficiente para não descuidar da minha namorada.

Apesar de todo o clima pesado no almoço, as coisas até que se “ajeitaram” depois, também ajudou o fato da Débora ter se mandado. Continuava evitando ao máximo o contato com meu sogro, ele com certeza seria uma pedra de tropeço no meu relacionamento, só não responderia à altura por ser o pai da minha namorada, caso contrário já teria falado muitas coisas que me vieram na cabeça. Débora, Gustavo e a Pietra (essa última não tenho certeza) me dariam muito trabalho, mas com jeitinho e muita paciência não deixaria que meu namoro fosse arruinado. Por nada desse mundo abriria mão da Ágatha, não sei se era amor ou obsessão o que estava sentindo, apenas queria viver um dia de cada vez.

Estava planejando naquele domingo ter uma noite de amor maravilhosa com a Ágatha, não queria mais ficar longe dela por nada. Só que o Enzo estava com muitas saudades de nós, então meus planos precisaram ser adiados quando o garotinho pediu para dormir com nós no apartamento da tia, claro que depois de obter a permissão dos pais.

Como professora e até como ser humano afirmo que o problema de lidar com crianças é porque elas são bastante imprevisíveis e espontâneas, não medem o que falam e nunca sabemos quando elas vão soltar alguma pérola, são bem espontâneas. Ágatha, Enzo e eu jantávamos tranquilamente até que o meu aluno soltou uma pergunta nada legal.

–Tias, quem é Pietra? Ouvi esse nome enquanto a chata da Débora falava besteiras. –não sabia o que responder, então a Ágatha tomou a iniciativa.

–Enzo, você mesmo disse que a Débora falava besteiras, essa Pietra é uma pessoa nada legal, sem caráter, não quero mais ouvir falar nela. –era só falar na minha ex que a Ágatha ficava insegura e já ia perdendo a paciência. Também não gostei do modo que ela se referiu a DJ, fiquei bastante incomodada.

–Tia Gi, você e essa Pietra foram namoradas? –eu não ia mentir.

–Nós namoramos meu lindo, mas isso foi antes de conhecer a sua tia…

–Enzo, eu já disse que esse assunto morreu. Pare de falar nessa mulher antes que você fique sem jantar! –Ágatha gritou para o meu eto e do sobrinho.

–Desculpa, não falo mais… E quem é Bianca? A Débora também falou esse nome na briga.

–Enzo, por favor, não insista. Alguns assuntos não dizem respeito a crianças. –falei tentando controlar aquela situação antes que a Ágatha surtasse.

–Eu só queria saber se… –o menino nem pôde terminar de falar.

–Será que você não pode ser menos intrometido e inconveniente?! Esse assunto está acabado e ponto final. Vá para o seu quarto agora mesmo. –Ágatha explodiu e eu notei o olhar de pânico do Enzo. Ele estava com medo da tia e isso não me deixou nada feliz.

–Tia, ainda tô com fome, não acabei de jantar… –insistiu em vão.

–Ficando no quarto de castigo e com fome talvez lhe faça repensar melhor nas suas atitudes e saberá a hora de parar. Não me faça repetir a mesma ordem duas vezes. –minha namorada voltou a gritar e o menino correu assustado para o quarto.

Nem preciso dizer o quanto essa atitude da Ágatha me deixou muito chateada e irritada. Tudo bem que o Enzo era levado, mas também era um amor de criança, não precisava ela ter agido dessa maneira.

O pior foi quando fomos deitar e ela começou a querer tirar minha roupa, mas eu não estava a fim de ceder.

–Gi, o que foi? Não tá querendo fazer amor comigo? –perguntou mordendo meu pescoço. Tive que fazer um esforço sobre-humano para não ceder.

–Ágatha, você acha legal a forma que tratou o Enzo? Concordo que ele fez algumas perguntas fora de hora, mas o menino só tem nove anos… É uma criança, não precisava ter agido daquela maneira.

–Falou bem. É uma criança, um motivo a mais para eu não querer ter filhos. Elas perguntam o que não devem e eu não tenho paciência. –de novo o posicionamento rígido da ruiva de não querer ser mãe e novamente fiquei triste mesmo sem deixar transparecer.

–Entendo amor. –disse lhe abraçando pelas costas. –Da próxima vez só tenta pegar leve com o menino ou então deixa que eu tento resolver a situação de forma mais pacífica.

–Tá bom, mas me responde uma coisa. Por que você teve que falar pro meu sobrinho que a Pietra e você namoraram? Parece até que sentiu um imenso prazer em relembrar desse relacionamento. –não acreditei no que ouvi.

–Como assim, Ágatha? Falei porque era a verdade. Não me diz que queria que eu mentisse para o Enzo. Acho que agora não é hora para ataque de ciúmes. –disse começando a perder a paciência.

–Não era mentir, mas era só não responder. E desde quando você e a Débora se conhecem? E o que a Pietra tem haver com essa história? E quem é Bianca? –resolvi me sentar na cama. Com certeza o assunto seria muito longo.

–Sério que agora tudo isso vai virar um interrogatório sobre o meu passado? Serei obrigada a responder? –perguntei já cansada só de imaginar o assunto que viria a seguir.

–Você disse que poderia fazer qualquer pergunta caso estivesse insegura e agora eu me sinto insegura e com ciúmes. O que custa responder?! –eu não estava com a menor vontade de falar sobre esse assunto, mas ia responder para evitar maiores atritos. As vezes aguentar a Ágatha não era tarefa fácil, mas não via minha vida sem ela. Então como já diz o ditado… Ruim com ela, pior sem ela.

–A Débora nunca foi minha amiga, mas tínhamos alguns amigos em comum, da época do ensino médio. Quando conheci a Pietra, ela estava presente e também se apaixonou pela DJ, e fez questão de demonstrar pra todo mundo. Só que quando chegou na hora de namorar sério, a Pietra escolheu a mim, não ela. A Débora ficou com mais raiva ainda porque toda a família da DJ gostou de mim, principalmente a Bianca, que não é apenas a irmã mais velha da Pietra, mas também é a melhor amiga dela… Não satisfeita, ela sabia o quanto minha família era homofóbica. Então em uma quinta-feira quando voltava do meu emprego, mal entrei na casa dos meus pais e fui recebida da pior maneira possível e precisei ir morar com a Pietra pois não tinha para onde ir. –terminei de contar todo esse desabafo com lágrimas nos olhos. Odiava tocar nesse assunto porque sempre me lembrava dos meus pais, e isso ainda era uma ferida aberta. Sentia muita saudade deles.

–Por que você tá chorando? É saudades da Pietra? –não acreditei na pergunta da Ágatha. Mesmo sabendo que estava mais para um ciúme tolo, não aguentei e explodi.

–Ágatha, por Deus, é sério que depois de tudo que já fiz para demonstrar o meu amor, você é capaz de acreditar que sinto algo pela Pietra? Se estou chorando não é porque quero dar pra minha ex, mas porque a Débora e todo esse assunto faz com que eu lembre da reação exagerada dos meus pais quando souberam que eu namorava com uma mulher. Você teve sorte que a dona Michele e o Seu Gustavo te apoiaram, mas meus pais me trataram como se eu fosse um monstro. Em um dia eu era a filha caçula e amada, a princesinha deles, no dia seguinte sou o pior ser humano da face da Terra. Todos os dia sinto falta do amor e carinho dos meus pais, mas tento não ligar. Agora você faz eu falar sobre um assunto que não gostaria… –dizia tentando enxugar inutilmente as lágrimas que teimavam em cair pelo meu rosto.

–Me perdoa Gi, eu não fazia ideia. Desculpa ter insistindo. Eu te amo e… –a Ágatha estava sem falas, e eu estava muito chateada, furiosa. Não queria ficar perto dela, não naquele momento.

–Ágatha, no dia que você se desculpar menos e realmente mostrar não só com palavras, mas sim com atitudes que me ama, talvez eu comece a acreditar. –disse saindo do quarto.

–Amor, pra onde você vai? –a minha namorada estava triste.

–Eu vou dormir no outro quarto, com o Enzo. Por favor, me deixa sozinha essa noite. Lembra do nosso acordo… Não quero te falar coisas pesadas que amanhã posso me arrepender.

Felizmente Ágatha respeitou a minha decisão e não me procurou. Enzo já estava dormindo. Recostei-me na cama e me permiti ser sincera comigo mesma. Eu amava a Ágatha, mas o seu temperamento infantil, inseguro e ciumento apenas me afastava e me fazia duvidar dos meus sentimentos pela ruiva, ela era uma verdadeira criança grande. A Ágatha tinha umas atitudes tão sem noção que na maioria das vezes eu tinha que agir como a adulta da relação aturando seus chiliques, com a Pietra eu estava bastante magoada pelas traições, mas ela parecia ser mais madura do que a minha atual namorada apesar de tudo, era a calmaria em pessoa, extremamente tranquila, do jeito dela é claro, nunca fomos de brigar muito. Surgiu ainda mais uma dúvida, se eu amava a morena ou a ruiva. No fim das contas chegava à seguinte conclusão de Sócrates: Só sei que nada sei.

Pela primeira vez depois de muitos anos minha mente voltou para o que ocorreu naquela maldita quinta-feira, e quase não conseguia dormir. Quando cochilava por breves instantes minha mente revivia os momentos daquele dia fatídico, só agora começava a me dar conta da saudade que sentia dos meus pais, uma ferida que pensava estar cicatrizada, mas apenas havia sido esquecida.

Oi meninas, tudo bem? Hoje não é dia de postagem, mas resolvi liberar um capítulo extra, espero que tenham gostado. Será que as dúvidas da Gi e o temperamento complicado da Ágatha abalarão esse relacionamento? Beijos.



Notas:



O que achou deste história?

Deixe uma resposta

© 2015- 2019 Copyright Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem a expressa autorização do autor.