Nosso Estranho Amor

32. A visita inesperada de tio Damon

Já no final do dia enquanto caminhava rumo ao estacionamento uma mão macia me puxou para um canto mais escuro.

–Passei o dia todo com saudades e implorando pra que você não estivesse mais chateada comigo. Sei que desculpas não vão adiantar, mas pelo menos aceita esses chocolates e o buquê. Juro que estou tentando endireitar tudo, mesmo não sabendo se tô fazendo ou não da maneira certa. Só não quero te perder… –eu não tinha dúvidas de que iria dar uma chance para a Ágatha, reconstruir minha vida, sem falar que mesmo com todos os defeitos da ruivinha, não conseguia ficar aborrecida por muito tempo, ela era irresistível. A Pietra não ferraria com minha vida novamente. Não seria louca de trocar o certo pelo duvidoso.

–Não fala mais nada…

Apenas segurei os chocolates e o buquê, com a outra mão trouxe a ruivinha para perto de mim lhe beijando ardentemente. Um beijo repleto de saudades, desejo, luxúria e paixão. Minha vontade era de enfiar naquela cabeça o quanto ela era importante para mim, e se não conversava ainda sobre certos assuntos, é porque eles não me faziam bem.

Mesmo com beijos e carinhos ainda seguimos silenciosas até minha casa.

–Muito obrigada mesmo pelos chocolates, e essas rosas brancas são minhas preferidas. –disse lhe lançando um olhar apaixonado.

–Era o mínimo que podia fazer para conseguir que me perdoasse.

–Você pode fazer mais. Aprenda a confiar mais em mim e saiba lidar com seus ciúmes. Não me prometa nada, mas demonstre que está melhorando com suas atitudes diárias. Confio tanto em você que vou te contar o que aconteceu hoje, só não vai surtar. A Pietra foi até à escola para me provocar novamente, não gostou de saber que voltamos e acidentalmente conheceu o Enzo. –não gostei do silêncio que a Ágatha fez, então acabei completando. –Não vai falar nada? –estava com medo de que a minha namorada surtasse.

–Não há nada para ser dito meu amor. A Pietra ainda gosta de você, do jeito dela é claro, mas gosta… Ela, o meu pai e a Débora farão o inimaginável para nos separar, mas você me dar forças para não sucumbirmos. Agora só adianto um fato. Se a Pietra voltar a se meter contigo ou com o meu sobrinho não responderei pelos meus atos. –adorei a fala da minha namorada. Esperava que esse amadurecimento não fosse coisa de momento.

–Ninguém irá nos separar. –disse começando a tirar minha roupa. –O que tá esperando? Não vem tomar banho comigo? –perguntei rindo enquanto percebia o olhar depravado da minha namorada sobre o meu corpo.

–Vamos para o banheiro, mas o banho fica pra depois… –Ágatha disse também tirando suas roupas e correndo atrás de mim.

Depois dessa conversa, por incrível que pareça, não tivemos mais brigas, discussões e confusões de nenhum gênero. A Ágatha estava cada vez mais carinhosa, confiante, amorosa, e já se mostrava mais paciente com as perguntas indiscretas que Enzo fazia, creio que esse fato ocorreu porque consegui convencer a cabeça dura a procurar terapia. Não era o que eu planejava, mas minha namorada acabou se afastando de vez do pai dela e não lhe culpo por isso. Inicialmente ainda insistia para que ela fosse aos almoços de família nos finais de semana e feriados, mas a Débora sempre aparecia por lá a pedido do meu sogro e uma situação insustentável era estabelecida, o pai da Ágatha não fazia questão de esconder o quanto minha presença lhe desagradava. Então para evitarmos brigas não íamos mais à casa dos meus sogros. Agora os finais de semana eram reduzidos apenas a nós duas com muitos passeios românticos e fazendo amor é claro. Meu irmão não escondia também o desagrado por saber que estávamos juntas, ele nunca gostou da Ágatha mesmo, mas nem me importava… Estava vivendo minha própria vida, do jeito que queria. Só fiquei triste porque descobri por terceiros que a Rebeca estava grávida, seria tia e o Renan nem fez questão de me falar.

Em um sábado qualquer estava assistindo um filme de romance com a minha namorada até que fomos interrompidas pela campainha. Ágatha foi até a porta e voltou com um homem alto, calvo, gordinho e de olhos claros. Por frações de segundos fiquei sem reação.

–Amor, esse senhor pediu para falar com você. Fiz errado em deixá-lo entrar? –a ruivinha perguntou ao notar minha expressão surpresa.

–Fez muito bem, anjo! Tio Damon… O que lhe trouxe até aqui? –indaguei abraçando fortemente o homem mais velho. –Pensava que já havia viajado. –Não lhe visitei antes para não ter mais qualquer ligação com a Pietra, esperava que ele entendesse.

Depois de nos abraçarmos longamente e o homem apertar minhas bochechas, reclamando que estava mais magrinha e perguntando se estava me alimentando adequadamente, dormindo bem, o motivo de não ter ido lhe visitar, literalmente me matando de vergonha, lembrei-me de apresentar os dois.

–Tio Damon, essa é a Ágatha, minha namorada. –Amor, esse é o meu tio Damon, quase um pai pra mim. –os dois se cumprimentaram cordialmente, mas a ruivinha encarava o homem desconfiada.

–Não quero parecer chata, mas você não disse que sua família literalmente virou as costas, e só tem contato com o Renan? –a ruivinha indagou curiosa.

–A Giovanna é uma filha do coração, vi essa menina amadurecendo em muitos aspectos. –Damon falou educadamente.

–E de onde vocês se conhecem? –curiosidade era seu sobrenome do meio.

–Amor, o tio Damon é pai da Pietra. Independente do nosso namoro ter acabado, ele e a tia Marcela foram como pais pra mim em muitos aspectos. Não precisa ficar com ciúmes. –implorava mentalmente para que minha namorada não fizesse escândalo após essa revelação.

–Eu entendo e agradeço muito por ter cuidado tão bem da Gi em um momento delicado. Não vou me opor a nada. Minha linda, já vou indo, nos vemos amanhã. –Ágatha disse me dando um beijo na face.

–Ágatha, não precisa ir embora. Você não iria dormir aqui? –perguntei chateada porque minha namorada estava me contrariando. Eu queria que ela dormisse na minha casa e ponto final.

–Melhor não, prefiro deixar vocês à vontade. –a ruivinha disse pegando a bolsa. Despediu-se cordialmente do meu ex-sogrinho e foi embora.

Fiquei um pouco chateada com a partida da minha namorada, já tinha altos planos para aquela noite, mas ao mesmo tempo estava muito feliz por ver o tio Damon depois de tanto tempo, abracei-lhe novamente morrendo de saudades.

–Tio, não liga para o comportamento da Ágatha, ela é assim mesmo, meio grossa. Seu café ainda é com duas colheres de açúcar? –indaguei calmamente indo preparar o nosso café.

–Hoje prefiro café amargo. Gostei muito da sua namorada, além de linda, foi bastante educada. Ela está no meio de um fogo cruzado, descobre que sou seu ex-sogro, até que reagiu bem. –não entendi ao que o homem calvo se referia.

–Fogo cruzado? Tio Damon, será que poderia ser mais específico? –estava perdida.

–Filha, você e a minha moreninha namoraram por mais de cinco anos, minha filha te ama e você não fica imune aos sentimentos dela, mas mesmo assim Ágatha aceitou ser sua namorada. Não acha que o nome disso é coragem? A mulher que se envolver com você ou com a Pietra no meio de tanta confusão tá pagando pra ver. –tio Damon falava tranquilamente.

–Você tá insinuando que Pietra e eu devemos ficar juntas, que nunca seremos felizes longe uma da outra? –perguntei com medo da resposta.

–Eu não sei minha garotinha. Só sei que a Pietra errou muito feio por ter te traído, ela até tentou te reconquistar, mas a confiança fica abalada, não é mais a mesma coisa. –o homem comentava com seu forte sotaque americano. –Você também teve os seus erros. O que me deixa mais triste é saber que minhas duas meninas erraram, mas nenhuma das duas está lutando para consertar as besteiras, simplesmente se deram por vencidas. –tio Damon comentava de maneira tão firme que parecia saber o que dizia.

–O que tá querendo dizer? Se estamos separadas, não estamos mais nos magoando e nem correndo o risco de fazermos mais burradas. –continuava sem entender onde meu ex-sogro queria chegar.

–Vocês não conversaram sobre o fim desse relacionamento, muitas coisas não foram ditas e nem esclarecidas. Minha caçula emendou de cara logo em outro relacionamento sem parar pra pensar se sua atual namorada não pode ser afetada negativamente nessa história toda. –falava enquanto referia-se à Ágatha. –Minha filha do meio voltou a morar com a mãe fingindo estar com saudades, passa o dia todo trabalhando na construtora, as vezes ainda trabalha como DJ e tá se matando de estudar nessa pós-graduação que não tem nada haver com a vocação dela. Quase não dorme! Uma tá se afundando no trabalho e a outra em um relacionamento que funciona mais como uma válvula de escalpe. Estão fugindo de uma conversa que deverá acontecer mais cedo ou mais tarde. –adorava o tio Damon, mas acho que ele já estava se intrometendo demais na minha vida.

–Tio, com certeza não irá concordar com o que vou dizer, mas a Pietra fez a escolha dela quando me traiu. O que queria que eu fizesse? Passasse a vida toda chorando, perdoasse e fingisse que nada aconteceu? A decisão de pedir a Ágatha em namoro partiu de mim, sei o que estou fazendo, quero essa mulher na minha vida e ao meu lado seja da forma que for, mas também sou honesta o suficiente para admitir que gosto da sua filha. Não vou lhe enganar, as duas são muito importantes pra mim, e enquanto não sei quem amo verdadeiramente, vou namorando com a Ágatha. Não serei doida de trocar o certo pelo duvidoso. –falei com uma sinceridade absurda.

–Garanto que a Ágatha não faz ideia que você ainda gosta da sua ex-namorada. Acha certo o que está fazendo com ela? Reclama da Pietra, mas você também está agindo de maneira cruel e egoísta com a sua atual namorada. –o homem mais velho ponderou.

–Pode até ser, mas prefiro pagar pra ver no que isso vai dar.  A Pietra pediu para que viesse me ver? –indaguei mudando de assunto.

–Não, eu vim porque amanhã mesmo estou viajando novamente pro meu país, minha filha nem sabe que estou aqui. Parece que depois que o namoro não deu certo esqueceu de todos nós que continuamos te amando da mesma maneira. Nunca mais visitou a Marcela, a Bianca, as crianças…

–Desculpa tio, confesso que não fiz por mal. Só que a tia Marcela ainda não aceitou o término do nosso namoro, fica perguntando sobre casamento e outras coisas mais, faz vista grossa, a Bibi acaba embarcando na onda, ainda mais depois que aceitei ser madrinha da Natalie. Ao mesmo tempo que sinto saudades, não quero descuidar do meu namoro, a Ágatha é muito importante pra mim, vem tomando proporções gigantescas na minha vida e não quero que tenha motivos para ficar com ciúmes a toa. –falei terminando de beber meu café. –Mesmo que tivesse certeza do meu amor pela Pietra, não confio nela. Não sei o que o futuro me reserva, mas no momento quero aproveitar a relação, o namoro que tenho com a Ágatha.

–Entendo sua colocação, claro que não concordo, acho que deveria ficar longe da Pietra e da Ágatha, mas respeito sua escolha. Agora me conta como vai seu trabalho na escola, as novidades.

Passei a tarde toda conversando com o tio Damon sobre assuntos mais amenos quando de noite ele foi embora.

No dia seguinte fiquei com a minha namorada, por quem me apaixonava cada vez mais, só que a Ágatha achou de fazer perguntas no mínimo estranhas.

–Aquele homem é mesmo o pai da Pietra? Ele não tem jeito de brasileiro. –comentou do nada enquanto jantávamos.

–Sim, ele e a Pietra são americanos. A Pietra não tem tanto sotaque porque já tá no Brasil há muito tempo. –respondi sem dar tanta importância a esse assunto.

–Mas ele aparenta ser um homem de ar tão distinto, nobre, pra ter uma filha que é apenas uma DJ que fica tocando por aí… –minha namorada falava me deixando com raiva.

–A Pietra não é apenas DJ, ela estudou música na época que morou em Atlanta, canta e toca piano. Além do mais, a Pietra é engenheira civil. Aquela casa imensa, os dois carros, tudo o que ela tem, conseguiu por esforço próprio, não ganhou de mão beijada. –não entendia porque Ágatha estava tão interessada na vida da minha ex-namorada.

–Agora você vai ficar falando das maravilhas da sua ex-namorada, falando bem dela na minha frente? Esqueceu tudo o que ela te fez? –a ruiva indagou levantando bruscamente.

–Ágatha, você pirou? Foi você que começou a fazer perguntas da vida da Pietra, não eu.  Se tem alguém aqui que deveria ficar com ciúmes sou eu, não o contrário. Por que tá tão interessada em saber mais da Pietra? Daqui a pouco vou começar a achar que vai me trocar por ela. Lembra que você estava na cama dela, então bem ou mal você gostou. –rebati exaltada. A minha namorada era pavio curto, eu não ficava atrás, então imaginem o resultado.

–Isso foi antes de te conhecer, e eu não fazia ideia de que a Pietra era tão safada e mentirosa, odeio gente assim. Todo mundo da boate sabe que nunca nos demos bem, mas naquele dia não tinha mulher interessante e eu tava doida pra transar, aí uma amiga da sua ex nos apresentou e o resto você já sabe. –minha namorada falou já mais calma.

–Amiga… Mas que amiga…? Como era essa menina? –apenas queria saber se eu conhecia a dita cuja.

–Lembro muito bem, o nome da garota era Nicole. Pensa em uma garota doida, barraqueira, extremamente vulgar e oferecida. Ela tinha uns olhos castanhos e cabelo cacheado. Era até bonitinha, mas nada de outro mundo. –fiquei pálida diante de tal constatação. A Pietra pelo visto se dava muito bem com a minha antiga amiga, talvez fosse até mais do que amizade ali.

–A Nicole foi minha colega no ensino médio. Nós nos afastamos depois que a Pietra e eu começamos a namorar, ela e a Débora eram apaixonadas pela DJ. –começava a pensar que a morena havia me traído com as minhas próprias “amigas”.

–Gi, se eu fosse uma má pessoa, colocaria minhocas na sua cabeça e você teria uma visão pior da Pietra, mas ela e essa Nicole acho que nunca se envolveram. Essa menina maluca vivia enchendo a cara e brigando com vários ficantes, a sua ex aconselhava a menina a largar dessa vida, parar de beber, de se drogar, ter cuidado com doenças e gravidez indesejada, nada além disso. –confesso que a fala da Ágatha me surpreendeu e vi que nem a minha namorada ou minha ex eram pessoas tão ruins.

–Amor, vamos parar de falar no passado, assim fico com ciúmes. Vamos para a cama dormir? –indaguei lançando um olhar safado na direção da minha namorada.

–Nós vamos para a cama, mas com certeza não será para dormir. –Ágatha falou enquanto me imprensava na parede e começava a me beijar fazendo minha calcinha molhar.

Um fato novo para mim e talvez até assustador é que a cada dia me sentia mais dependente emocionalmente da ruivinha, mas dizem que dependência não é amor,  até quando estava no trabalho, as vezes me dispersava pensando nela, já dormíamos juntas todas as noites, praticamente estávamos morando juntas. A Ágatha me fazia sentir mais mulher, a sintonia entre nós no sexo era maravilhosa, o desejo era gritante. Fizemos amor em lugares inimagináveis: no próprio mato, em provadores de loja, no carro, em ruas movimentadas correndo o risco de nos flagrarem, no escritório da minha namorada e até mesmo no estacionamento da escola, jamais imaginei transar no local de trabalho, mas é como disse, a Ágatha me fazia perder o juízo e topávamos qualquer loucura juntas.

No fim das contas creio que nosso relacionamento estava maravilhoso, praticamente perfeito, porque desde o dia inconveniente em que a Pietra conheceu o Enzo, minha ex-namorada sumiu do mapa, não me perturbou mais, no fim acho que foi o melhor, e tio Damon não ficaria no Brasil para fiscalizar minha vida ou se meter onde não era chamado.

Creio que a DJ desistiu de me infernizar e estava seguindo sua própria vida, eu deveria ser passado na vida da Pietra, não via isso como algo tão bom, queria que pelo menos ainda fôssemos amigas visto que a morena foi o meu namoro mais longo, antes da Pietra nunca namorei mais do que cinco ou seis meses, após esse tempo os caras começavam a ficar ruim de cama ou eu enjoava, e também fui a primeira pessoa com quem ela morou junta e namorou seriamente, pelo que tia Marcela me contou… Os rolos da morena ainda duravam menos do que os meus, coisa de três meses, de uma forma ou de outra entre nós havia um elo que ninguém quebraria, mas esperava de coração que ela encontrasse alguém para amar e ser correspondida à altura, mesmo não ficando nada satisfeita com essa possibilidade. Por mais canalha que a Pietra tivesse sido comigo, não desejaria o mal para ela, até porque era muito grata quando ela me ajudou a sair da casa dos meus pais, e mesmo não sendo nas melhores circunstâncias, foi através dela que conheci a Ágatha.



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