Nosso Estranho Amor

Em um determinado dia estava com a Pietra no meu quarto, não pensem bobagem… Apenas estávamos compartilhando a página de uma rede social que abordava sobre a importância da doação de órgãos. Estávamos em um clima contagiante, conversando alegremente quando a Ágatha aparece no meu quarto e novamente tira suas conclusões precipitadas ao ver a DJ do meu lado sorrindo para mim.

–Agora entendo porque te liguei tantas vezes e você sequer me atende. Estavam relembrando os velhos tempos de quando namoravam? Já sei… Amorzinho, você é tão defensora dos bons costumes, mas está me colocando chifres novamente? Não esquece que a Pietra já te traiu. Bem que falam que chifre trocado não dói. –nesse dia em especial estava muito esperançosa para deixar a ruiva acabar com o meu otimismo.

–Ágatha, meu celular passou o tempo todo dentro da minha bolsa. Ele tocou algumas vezes mesmo, mas serei sincera, não fiz a mínima vontade de atender. Nossas conversas terminam sempre em briga e eu já me cansei disso. No momento apenas estou usando minha força para encontrar um doador compatível para a minha mãe, mas esse assunto não deve te interessar.

–Tô vendo que está tão empenhada, mas não parece que tá empenhada para resolver o problema da sua mãe, mas sim para que a Pietra te coma.

–Você tá na minha casa e no meu quarto. Não vou permitir que me desrespeite dessa forma dentro da casa dos meus pais. Fala logo o que você quer e vá embora. –disse firmemente, porém sem perder a minha calma.

–Vim avisar que estou viajando e passarei cerca de um mês fora da cidade. O meu escritório conseguiu fechar um contrato com uma empresa estrangeira, de lá vou visitar o meu avô, ele tem apresentado alguns problemas de saúde. Eu viajo amanhã a tarde. Na verdade quero esquecer as nossas brigas. Por favor, passa essa noite e amanhã comigo. Pretendo voltar o mais rápido possível para celebrarmos o nosso casamento. Eu te amo, Gi! –disse se aproximando de mim e juro que não consegui engolir essa história de contrato e visita de avô.

–Ágatha, antes eu desconfiava que você tinha transtorno bipolar, mas ultimamente ando tendo mais certeza de que você é louca, é pirada. Você acaba de dar esse seu showzinho de ciúmes e vem dizer que me ama? Pega esse amor que você diz sentir por mim e enfia naquele lugar. Se você passará um mês fora então nos falamos por telefone.

–Não terei muito acesso a telefone ou a redes sociais. Sei que tenho esse meu jeito pirado como você mesma diz, mas eu te amo sim, é a única certeza que tenho. Por favor, fica comigo só essa noite.

–Eu te amo, Ágatha… Só que não consigo acreditar no suposto amor que você diz sentir por mim. Suas atitudes demostram o contrário. E eu não vou com você pra lugar nenhum.

–Meu amor, por favor, te peço…

–A Giovanna já disse. Ela não vai a lugar nenhum com você. Vá embora daqui e nos deixe em paz. –só nesse momento lembrei da presença da minha ex-namorada no quarto.

–Tenho certeza que você está feliz, Pietra. Eu vou, mas eu volto. Você deve estar toda contente por estar conquistando o amor da Gi e da família dela enquanto eu me saio como a egoísta, louca e insegura da história, mas nós duas sabemos da verdade e um dia ela irá vir a tona. Se você amasse tanto a Giovanna falaria a verdade, mas não sou eu que vou interferir nesse assunto… –Ágatha me deu um selinho e simplesmente foi embora, fiquei completamente perdida com as suas palavras. O que ela queria dizer com tudo isso?

Por longos segundos fiquei completamente absorta com as atitudes da Ágatha. Ao mesmo tempo que sentia uma certa raiva dela, a ruiva me atraía de maneiras inimagináveis e muito loucas, mas também estava gostando de ter a Pietra ao meu lado, ela era a minha calmaria no meio de toda a tempestade, minha válvula de escape.

–Caramba, essa sua noiva é muito perturbada da cabeça, ela precisa ser internada em um manicômio urgentemente, não faço a menor ideia do que ela tava falando. –Pietra comentou rindo, mas eu não via a menor graça.

–Você dobra a língua pra falar da Ágatha. Ela é minha noiva e não vou permitir que você fale mal dela. –Pietra se etou com a minha resposta

–Vocês têm um relacionamento abusivo, ela te envenena, e não consigo entender como ainda és capaz de defender esse ser.

–Pietra, já tá ficando tarde. É melhor você ir embora. –pensava que a Pietra ia reclamar ou algo assim, mas ela respeitou o meu espaço e foi embora.

Ágatha, Pietra, Pietra, Ágatha… Duas mulheres gatas, lindas, tão diferentes, de personalidade forte, e que mexiam com a minha cabeça, meu sexo, meu coração, eram capazes de confundir todos os meus sentimentos. Minha mãe estava certa quando disse que eu era muito apaixonada por uma delas, e amava a outra, mas essa era a questão. Eu ainda não era capaz de perceber quem era meu amor de verdade, mas tinha certeza absoluta de que pertencia a alguma delas, meu coração gritava no meu ouvido quem era meu amor, mas ainda sim tinha dúvidas. Valeria a pena?

Com a viagem da Ágatha resolvi me afastar das duas, pensava que desse jeito meus sentimentos se acalmariam, só que eles continuavam mais confusos.

Mesmo tentando me afastar, todo dia ligava para a Ágatha e minhas ligações eram redirecionadas para a caixa postal, coincidentemente, algumas das suas redes sociais também não eram usadas há muito tempo.

O jeito foi me concentrar no estado de saúde da minha mãe que permanecia do mesmo jeito. Estava em mais uma das minhas tentativas frustradas tentando falar com a minha noiva quando a porta do meu quarto foi aberta abruptamente.

–Eu já te falei mais de mil vezes que não gosto que entrem no meu quarto sem permissão. –falei impacientemente sem desgrudar os olhos da tela do meu celular esperando por algum sinal da ruivinha.

–Calma aí maninha! –Renan disse sem se importar e deitando na minha cama. –A Pietra está aí e quer falar com você. –só de ouvir esse nome meu coração acelerou.

Deixei o Renan falando sozinho e fui descendo as escadas, louca para ver a morena. Encontrei-a na sala trajando um vestidinho de alcinhas e reparando que os incríveis cabelos pretos estavam cada vez maiores, e a Pietra usava uma maquiagem que realçava mais ainda os olhos azuis. Fiquei surpreendida com o seu estilo.

Quando a vi não pude deixar de lhe dar um caloroso abraço. Estávamos sem nos ver há quase duas semanas.

–Como você tá diferente… –não escondi a surpresa. –Acho que nunca te vi de vestido na vida ou maquiada desse jeito. –falei com um sorriso tímido.

–As vezes as mudanças são bem-vindas. –nessa hora demos um sorriso cúmplice. –Vim te convidar para comermos um salgadinho na praça. Não é muito longe daqui.

–Pietra, te peço desculpas, mas a situação da minha mãe continua bastante complicada, não ando com clima para saídas.

–Confia em mim! Tenho uma notícia para te dar que vai te deixar muito feliz. Prometo que te conto tudo na pracinha.

–O nome disso é chantagem. Já sei que se não aceitar sair contigo não terei descanso, mas vou te cobrar um preço muito caro se tiver me tirado de casa sem motivo.

Sem mais conversa acabamos indo para a pracinha que ficava a alguns quarteirões da minha casa. Confesso que esse pequeno passeio até que alegrou mais a minha noite e me fez esquecer dos problemas.

–Já te disse que você fica mais linda durante a noite? É como se o verde dos seus olhos se iluminassem mais do que o normal. –Pietra falou pegando nas minhas mãos e se aproximando… Sabia que isso seria perigoso.

–Você sempre falava isso no início do nosso namoro, e também dizia que quando tivéssemos um filho queria que a criança tivesse o olho tão verde quanto o meu. –lembrei nostálgica.

–O tempo passou, mas fico muito feliz por saber que ainda estou presente na sua memória, você será uma ótima mãe. Por falar nisso, os filhos da Dani são lindos, você vai adorar conhecê-los. Qualquer dia vamos na casa da nossa amiga e verá que é verdade o que digo. –agora a morena já acariciava e beijava minhas mãos.

–Pois é Pietra. Já estamos conversando há um bom tempo e você ainda não me disse qual seria a tão maravilhosa notícia que alegraria meu dia. Não me leva a mal, mas creio que não há motivos para você segurar as minhas mãos e ficar com o corpo quase colado no meu. –disse lembrando da minha noiva e me afastando bruscamente da DJ.

–Acho que deve ser isso que as pessoas chamam de corte rápido Tramontina. Voltando ao assunto principal, quero te dizer que finalmente o destino está conspirando ao seu favor. O médico da Graziele falou que foi encontrado um doador compatível com a sua mãe, só estão resolvendo alguns procedimentos burocráticos, mas é provável que nos próximos dias a notícia seja repassada para a sua família e o transplante seja realizado o mais breve possível. –não pude acreditar no que ouvi. Meus olhos instantaneamente se encheram de lágrimas, só que agora era de felicidade, isso quer dizer que não perderia a minha mãe. Não haveria notícia melhor.

–Mas como…? Quem foi essa alma caridosa que doou o rim pra minha mãe…? É doador vivo ou morto? Preciso agradecer. Essa pessoa não tem noção do quanto estou feliz e serei imensamente grata. Meu Deus do céu! A partir de hoje serei mais assídua na missa, acredito em milagres. Pietra, você conhece essa pessoa? Preciso muito conversar com ela. –dizia em meio ao choro de tanta alegria.

–Lembra da campanha que começamos por meio das redes sociais? Através dos compartilhamentos reencontrei uma amiga de infância, ela aceitou realizar os exames pra ver se era compatível, provavelmente deu positivo, só que ela prefere ficar no anonimato, não gosta de exposições.

–Entendo. Amiga de infância, é? Sei… –não escondi meu desagrado.

–Sim, uma amiga que é casada com um dos melhores amigos da Bianca e tem três filhos. Não há motivos para ficar com ciúmes, Pinguim. –Pietra disse sussurrando e mordendo o lóbulo da minha orelha, carinho que me fez soltar um leve gemido.

–Pois fique sabendo que não estou com ciúmes. –respondi tentando me manter indiferente. –Pietra, quero te agradecer de coração por toda ajuda que você me deu. Sem você, a sua amiga não saberia do problema da Grazi e minha mãe não teria uma nova oportunidade. Como posso te pagar por tudo? –perguntei sinceramente. Sei que a partir desse dia teria uma dívida eterna com a morena.

–Deixa eu te dar um beijo e prometo que estaremos quites…

Ainda de olhos abertos vi os lábios da morena se aproximando da minha boca, imediatamente o rosto angelical da Ágatha veio na minha mente e não permiti que aquele beijo acontecesse. Por incrível que pareça, depois de tanto tempo, essa foi a primeira vez na vida que não tive vontade de beijar minha ex-namorada. Talvez minha mente começasse a clarear.

–Pietra, o que rolou na minha casa naquele dia foi um momento de fraqueza, mas não vou permitir que beijo ou algo a mais entre nós aconteça. Vou ser muito grata por tudo que fez pela minha mãe, mas você sabe que estou com uma pessoa…

–Sim, você está com uma pessoa egoísta, mentirosa, obsessiva, manipuladora e infantil, em outras palavras, você está vivenciando uma relação abusiva. Todo mundo é capaz de perceber menos você que faz vista grossa. Além do seu emprego, parece que vai desistir do sonho de ser mãe. Já perguntei, mas volto a perguntar. O que ainda vai precisar acontecer para que você tome uma atitude e saia dessa? –Pietra perguntava naquela sua calma costumeira, mas sabia que por dentro estava explodindo de raiva.

–A Ágatha tem sim os defeitos dela, mas ela me ama, e eu também não fico imune, sinto algo por ela, me sinto feliz quando estamos juntas. Ela tem essa fachada toda para não demonstrar o quanto se sente frágil e vulnerável, ela me transborda… –fui sincera ao extremo.

–Já entendi. Não preciso continuar a ouvir você falar coisas que apenas embrulharão meu estômago. Apesar de tudo, sei que você não fica imune a mim, seu coração vibra quando estamos perto, você não esqueceu de mim completamente. Naquele dia, quando nos beijamos, seu corpo ansiava pelo meu para que fizéssemos amor, e se o sexo não rolou foi porque a sua consciência pesou, não por falta de vontade. Giovanna, dá mais uma chance para nós. Sei que é difícil de acreditar, mas juro que serei outra pessoa. –depois dessa confissão meu coração acelerou um pouco, mas aí eu pensava na Ágatha e ele também acelerava mais ainda.

–Não é nem questão de confiança, Pietra. Consigo sentir que você realmente está se tornando uma nova pessoa, só que eu tenho a Ágatha na minha vida agora… –não sabia explicar direito o que estava sentindo.

–Você tem medo dela fazer algo de mal com você e a sua família? Ela é advogada, mas você sabe que nossas famílias também são influentes. –Pietra parecia sem entender.

–Parece que você e nem ninguém entende o que quero dizer. Você e outras pessoas têm uma visão distorcida da Ágatha. Não consigo ter medo dela porque ela apenas me faz bem mesmo que seja de uma forma doida. –disse sorrindo lembrando de alguns momentos malucos que passamos juntas. –Não estou com a Ágatha por medo ou pressão, mas sim porque gosto daquela ruivinha, sou completamente apaixonada por ela, não me imagino sem ela, faço qualquer coisa pela minha noiva. –respondi com um sorriso bobo.

–Por essa revelação eu não esperava. –Pietra parecia chocada. –Então o que sou pra você? O que represento na sua vida, Giovanna? Se você quer se vingar pelo mal que te causei com as traições saiba que está conseguindo porque eu ainda te amo. Seja sincera!

–Esse é o ponto da questão, Pietra. Eu gosto de você, mas de uma outra maneira. Não sei explicar, você e a Ágatha me completam de um jeito diferente. Não creio que possamos amar duas pessoas ao mesmo tempo, sinto que gosto muito de uma das duas, mas meu amor pertence apenas a uma de vocês. –a Pietra pediu sinceridade, então estava dando o que ela queria.

–É simples então. Fica com quem você ama. –respondeu confusa.

–Não é tão simples assim justamente porque não sei qual de vocês eu amo. Se pudesse fazer uma escolha nesse momento ia querer ficar, namorar com as duas. –falei para o eto de Pietra.

–Eu te amo muito, Giovanna. Se for preciso, mesmo que doa em mim, aceitaria te dividir com a Ágatha, e ela não precisaria saber. –pelo visto a Pietra estava muito desesperada para fazer uma proposta dessas.

–Você não precisa se humilhar dessa forma. Além do mais, a Ágatha jamais aceitaria que eu ficasse com você, e não quero enganá-la de jeito nenhum. Nunca faria com ela o que você já fez comigo, dói demais. –disse apertando minhas mãos em uma atitude nervosa.

–No seu subconsciente você está usando a Ágatha para se vingar de mim e querer me ferir de alguma forma. Em qualquer caso você já estará enganando ela nos seus pensamentos caso faça amor com ela e lembre de mim. –Pietra disse inconformada com minha decisão.

–Na verdade isso nunca aconteceu, quando fazemos amor é um momento só nosso, é divino, mágico, avassalador…

–Giovanna, você sabe que sou uma pessoa extremamente paciente, mas acho que você já tá indo longe demais. Não quero saber dos seus momentos íntimos com a advogada, já basta os seus gemidos que fui obrigada a escutar enquanto estava presa no seu guarda-roupas.

–Eu sei, por isso te peço desculpas. É que a conexão entre a Ágatha e eu… –neste momento fui interrompida.

–Eis o problema. Você só está levando em consideração os seus sentimentos e os sentimentos da Ágatha, tá pouco se lixando para os meus sentimentos. No fundo creio que você gosta de mim pela história que tivemos e tudo mais, por gratidão, mas o amor verdadeiro deve ser apenas da ruiva. Eu estou sobrando nessa história. –Pietra disse com lágrimas nos olhos e claro que me etei, raramente via essa mulher chorar, na verdade ela só chorava quando aparecia alguma barata na casa, e era choro de pânico. O eto foi maior quando lhe vi pegando a bolsa e levantando do banco.

–Ei! Para onde você vai? Você prometeu para o meu pai que me deixaria em casa. Vai quebrar sua palavra? –perguntei tentando dispersar aquele clima ruim, mas obviamente foi em vão.

–Você é bastante grandinha para saber o caminho da sua casa. Sei que fiz uma promessa para o seu pai, mas não estou com estrutura emocional para te levar.

–Pietra, você é muito especial para mim. Tenho um sentimento forte por você, juro que ainda não sei identificar o que é, mas nunca pense que quero me vingar, não é meu objetivo te ver sofrer.

–Pinguinsinho, você é a pessoa mais linda e fofa que conheço. –Pietra voltou se aproximando e beijando minhas mãos. –Só te peço que não me procure por enquanto, preciso de um tempo para aquietar as minhas ideias.

–Eu entendo. Só gostaria de saber se posso visitar a Natalie e o Mateus, ainda mais a Nat que é minha afilhada… –falei meio sem jeito.

–Por mim sabe que não há problemas. Os meus sobrinhos te amam e sou adulta o suficiente para saber separar as coisas, pode visita-los sempre que quiser e quando a sua noiva deixar. A única coisa que te peço é que evite fazer as visitas nos horários em que você sabe que estarei presente.

–Obrigada pela compreensão Pietra. –disse controlando as lágrimas que queriam invadir meus olhos.

–De nada. E só um último conselho, dessa vez falando como amiga. Espero que você consiga perceber rapidamente quem é que você ama antes que eu siga com a minha vida ou até mesmo a sua noiva. As oportunidades não são eternas e você pode acabar sem uma Pietra ou uma Ágatha na sua vida. –com essas palavras minha ex-namorada me deu um beijo na bochecha e se afastou.

Cheguei até a minha casa com uma imensa vontade de chorar, me sentindo o pior ser humano do mundo por ter machucado a Pietra, mas compreendo que precisava ser verdadeira com ela e com os meus sentimentos, aí vocês podem me perguntar. Por que eu era tão covarde e não conseguia ser sincera com a Ágatha da mesma forma? Porque pelo que conheço da minha noiva, ela iria terminar a nossa relação e seguir com a vida dela, e eu não queria isso para minha vida, só de imaginar a ruiva com outra pessoa ia querer matar a minha noiva e a vagabunda que estivesse com ela. A Pietra já ia se distanciar, não permitiria que a Ágatha também se afastasse e eu ficasse sem a minha ruivinha explosiva. Egoísmo da minha parte? Muito provavelmente.