*

 

Um mês tinha se passado, desde que chegaram ao castelo. A comandante já não demonstrava cansaço e falta de equilíbrio, todavia ainda sentia dores provenientes do veneno. Entretanto, assim que conseguiu ficar de pé com firmeza, não perdeu tempo em se inteirar sobre a rotina do lugar e já conhecia quase todos os soldados por nome e rosto.

O mesmo não se passava com os locais.

Eram pessoas sisudas e maltrapilhas, que tinham por hábito observar a passagem dela em silêncio, raramente demonstrando algum gesto de respeito. Enzio pedia desculpas por isso com frequência. Não eram raras as vezes em que ele chamava a atenção de alguém por não cumprimentá-la corretamente.

Porém, Lenór fazia questão de dispensar as cortesias, principalmente, sabendo que não eram sinceras. Seu jeito de expressar isso pareceu agradar algumas pessoas, que adquiriram o hábito de lhe falar diretamente, deixando de lado as cerimônias.

Vanieli, por outro lado, tornou-se objeto de admiração rapidamente. Sua simpatia, claramente contrastante com a seriedade de Lenór, arrastava olhares atenciosos e plantava sorrisos nos rostos esquálidos, ajudada pelo fato de que a maior parte da população do Castelo, pertencia ao Clã Kamarie.

O casal logo percebeu que o alimento ali era escasso, tanto para os populares como para o exército. Lenór indagou sobre isso a Enzio, enquanto caminhavam pela cidade em uma tarde abafada, cujo calor intenso anunciava a chuva que se aproximava no horizonte.

Estavam no início da estação das chuvas. Apesar da proximidade com o deserto, elas nunca falhavam daquele lado do abismo.

— Nosso solo costumava ser muito bom para o plantio, mas poucas pessoas se dedicavam a agricultura. — Começou Enzio, dispensando um cumprimento de cabeça para o homem pelo qual passavam. — Como sabem, o comércio era a principal fonte de renda do Castelo do Abismo. Não havia nada que não pudesse ser encontrado por aqui. Porém, depois que Lorde Caldes faleceu e o estreito que nos conectava ao deserto ruiu, as pessoas foram embora e tivemos de aprender outro ofício para sobreviver. Naturalmente, cultivar a terra foi a escolha principal.

Ele apontou para a direção das muralhas onde, do lado externo, havia lavouras minguadas.

— Parecia que estava tudo indo bem, mas depois de um tempo a plantação tornou-se débil, se é que posso chamar assim. As pessoas começaram a adoecer e houve novo êxodo da cidade. Até mesmo nossa água, que vem de uma nascente na floresta, deixou de ser boa. Usamos algumas pedras de fogo para retirar o cheiro e sabor ruim, todavia um pouco permanece.

Caminhando ao lado de Lenór, Vanieli prestava atenção à conversa. A água do lugar era mesmo ruim e, tanto ela quanto a esposa, vinham tendo problemas estomacais por isso.

— Eu gostaria de ir até essa fonte. — Lenór falou, observando o incômodo do feitor.

— Ninguém vai lá há anos, senhora. Não acho que seja uma boa ideia.

— Por quê? — Ela interrompeu os passos.

Desconfortável, Enzio tentou desconversar, contudo, Lenór não permitiu que ele fugisse da resposta.

— Me poupe de obrigá-lo a falar, homem. Não vai ser agradável se tiver de fazer isso.

Ele trocou o peso entre as pernas. As palavras dela foram suaves; embora tivessem o sentido de uma ameaça, o tom que usou não foi percebido assim. De todo modo, Enzio já tinha entendido que ir contra aquela mulher não era recomendável.

— Espero que entenda, Comandante, que não tive a intenção de ofendê-la ao querer mudar de assunto. É que muitos acreditam que falar sobre essas coisas, acabam por atraí-las. Não sou diferente dessas pessoas.

Estavam no meio de uma praça, onde meia dúzia de bancas expunham, desde frutas com aparência duvidosa até algumas peças de tecido feitos de lã local. Pouca gente se arriscava a cruzar a floresta para adquirir mantimentos para revenda no Castelo. Praticamente, tudo que ali estava exposto, era oriundo do próprio Castelo.

— Sem rodeios, Enzio. — Lenór pediu, chegando mais perto dele. Consequentemente, Vanieli fez o mesmo, tão curiosa quanto a esposa.

— Bem, — ele começou, fazendo uma pausa para buscar as palavras certas, contudo, não havia um jeito de florear ou diminuir o peso da realidade que estava prestes a dizer — é que todos que entram naquela parte da floresta nunca mais são vistos.

— Como assim? — Vanieli saiu de seu silêncio.

O homem limpou a garganta e explicou:

— Quando as plantações começaram a morrer e a água tornou-se ruim, enviamos homens até a nascente. Quando eles não voltaram, mandamos outros e estes também não retornaram. Um grupo se voluntariou para ir investigar o que estava se passando. Eram dez e somente um retornou. Bem, não sei se posso dizer que ele voltou inteiramente. O rapaz nunca mais foi o mesmo…

— O que ele viu? — Lenór quis saber.

— Criaturas.

Enzio pronunciou a palavra deixando à vista uma expressão que denunciava suas incertezas sobre a veracidade do que dizia, visto que ele mesmo nunca pôs os olhos nessas tais bestas.

— Ravis, este é o nome dele, afirmou que eram monstros e que retalharam seus amigos. Ele nunca negou que fugiu, se escondeu e assistiu a morte dos companheiros. Contou que esses monstros perceberam sua presença e o perseguiram até que alcançou os limites da mata. Depois daquele dia, ele nunca mais pôs os pés na floresta.

Os olhos de Lenór cruzaram com os de Vanieli. O mesmo pensamento passou pela mente de ambas quando Enzio falou em “criaturas”.

— Desde então, evitamos ir até àquela parte da floresta, Comandante. Existiram muitos corajosos que quiseram provar que tudo que Ravis disse ter visto, não passava da ilusão de uma mente perturbada. Entretanto, é fato que nenhum dos homens que o acompanharam naquele dia retornou, e o mesmo aconteceu com todos aqueles que decidiram seguir seus passos.

Lenór sorriu de lado.

— Interessante. Me apresente esse tal Ravis, qualquer dia. Gosto de histórias de monstros.

O jeito que falou, deixou o rosto moreno de Enzio pálido como uma vela. Todavia, ela mudou de assunto, como se a conversa que tiveram não passasse de uma anedota.

Recomeçaram a andar, porém Vanieli não os seguiu. Em vez disso, ela caminhou até as bancas do pequeno mercado. Havia notado a presença de Adel em uma delas.

— Algo interessante? — Questionou, ao se aproximar.

Com um sorriso, respondeu o cumprimento da mercadora de ervas, enquanto Adel dizia:

— Não tanto, Damna. Porém, é realmente impressionante o sortimento de ervas que se tem por aqui. — Mostrou o saquinho que a mercadora havia acabado de lhe entregar. Folhas secas em formato estrelado balançaram ao fundo dele. — Estas darão um bom chá para as dores da comandante.

— Você é muito prestativa. — Vanieli não conseguiu evitar o sarcasmo. — Sou grata por cuidar tão bem da minha esposa.

Encarou os olhos castanhos dela por um momento longo. A presença da mulher lhe incomodava profundamente, principalmente, após descobrir sua verdadeira identidade. Sentia que algo nela estava “errado”, porém não conseguia identificar o que era.

Todavia, Adel não passava muito tempo em sua presença. Era comum encontrá-la em seus aposentos, um pouco antes dela e Lenór se recolherem ou pela manhã. Nessas ocasiões, ela costumava pedir um momento de atenção para a comandante e as duas se afastavam para ter conversas rápidas e sussurradas, as quais Lenór nunca fez questão de lhe repetir.

Fora esses momentos, Adel passava a maior parte do tempo longe de suas vistas e das de qualquer outro.

— É uma honra poder serví-las, Senhora. — Adel respondeu com um sorriso singelo, fingindo não perceber sua ironia. — Precisa de algo?

— Na verdade, não. Estou apenas olhando as mercadorias.

— Neste caso, irei retornar para o castelo. — A falsa serva se despediu com uma reverência breve e humilde.

Vanieli a observou se afastar com uma sobrancelha arqueada. Odiava quando não alcançava as respostas que desejava e estava certa de que a sensação de desconforto que a daijin lhe trazia, iria perdurar por bastante tempo.

Depois disso, ela entreteu-se com os tecidos expostos em uma das bancas. Todavia, não chegou a comprar algo. Em vez disso, participou de uma conversa interessante com os donos das bancas, sem que ninguém viesse a interrompê-los. Como era fim de tarde, o movimento de clientes era quase inexistente. Não que fosse melhor durante o resto do dia.

— O que estão fazendo? — Vanieli questionou, ao perceber que alguns homens preparavam uma fogueira no centro da praça.

— Hoje é Noite de Fogueira. — Contou o mercador de tecidos.

— Isso, se o tempo permitir. — Complementou a esposa dele, mirando o horizonte, onde as nuvens se tornavam cada vez mais negras.

Vanieli seguiu seu exemplo, resvalando o olhar pela mercadora de ervas, que balançou as pernas do alto do barril sobre o qual sentava. Era uma mulher de aspecto bondoso, cuja a idade avançada ainda não podia ser discernida em seus traços. De todos, foi com ela que Vanieli mais simpatizou.

— É a única diversão que temos por aqui. — Prosseguiu o mercador de tecidos. — Os rapazes que trabalham na construção da ponte adoram essas noites.

Ele mostrou um sorriso de dentes ligeiramente tortos, convidando-a:

— Deveria aproveitar esta noite também, Damna. Um pouco de alegria nunca é demais. Certo?

A resposta de Vanieli foi um sorriso simpático, antes de começar a se despedir deles. Enquanto isso, a mercadora de ervas deixou seu assento para lhe entregar um saquinho com folhas secas e amareladas.

— São para os seus hematomas, Damna. — Disse ela. — Faça uma infusão e depois ponha uma compressa sobre eles, irão desaparecer mais rápido.

— Eu agradeço. — Respondeu a moça. — Quanto custa?

— Não precisa se preocupar com isso. — A mulher balançou a mão em negação. — É um presente.

Um tanto sem graça, Vanieli voltou a agradecê-la e a mercadora a encarou, como se estivesse se decidindo sobre algo.

— Lamento que uma Damna, como a senhora, tenha de passar por isso… — Disse ela, em tom baixo e humilde.

— A que se refere?

A mulher juntou as mãos na túnica surrada. Retorceu-as, ciente de que tinha ido muito longe na conversa.

— Desculpe, Damna, às vezes ela fala demais. — Disse a vizinha de banca da mulher, que já reunia seus parcos produtos para encerrar o dia. — Deixe para lá!

Todavia a mercadora de ervas, decidiu que não ia “deixar para lá” e falou:

— Sinto se pareço intrometida, Damna, porém as pessoas já andam comentando por aqui. Ainda não havia tido a oportunidade de conhecê-la, contudo, quando a vi, soube que era verdade o que dizem.

Vanieli arqueou uma sobrancelha.

— O que andam dizendo? — Quis saber, já irritada com os rodeios. Exigiu: — Fale de uma vez!

Acuada pelo tom severo na voz dela, a mulher falou, notando o balançar de cabeça negativo das pessoas em volta, todavia já era tarde para voltar atrás.

— Sinto muito, Damna. Sempre que a vêem, a senhora tem um novo hematoma na face ou em outra parte visível do seu corpo. Entenda, somos pessoas humildes, mas nenhum homem ou mulher do Castelo faria algo assim com seu cônjuge.

Deixando de lado o ar de reprovação, a esposa do mercador de tecidos também resolveu dizer o que pensava:

— Sua esposa passa por nós, como se fosse um poço de nobreza. Mas veja seu rosto, Damna! Aqui existe gente de todos os clãs, porém nós não brigamos. Há tão pouco para compartilharmos… Nossas vidas já são difíceis o suficiente para nos metermos em rusgas sem sentido. Por isso, não nos importamos tanto quando a notícia do seu casamento chegou.

O marido dela, que enfiava os tecidos expostos na banca em cestos, deixou a tarefa de lado para participar da conversa. Ele cofiou o bigode farto, que mais parecia um bicho estranho no meio de uma face magra e melancólica.

— Na verdade, alguns comemoraram, sabe? Todo tipo de gente passava pelo castelo no passado. Nos habituamos a certas coisas, deixamos de nos importar com outras. Tem gente aqui que ama um igual, e tem gente que ama alguém de outro clã, mas essas pessoas nunca poderiam se casar por causa das leis do reino. Então, vocês mudaram isso. Só que, agora, percebemos que as relações entre os clãs em outras partes do reino são realmente complicadas e nem mesmo um casamento pode mudar isso.

Eles fitaram o rosto sério de Vanieli tornar-se quase sombrio. A moça finalmente estava compreendo o motivo das pessoas daquele lugar olharem para Lenór com desconfiança. Eles não enxergavam uma mulher no Comando da Guarda Real ou uma mulher que havia desposado outra. Em vez disso, acreditavam que ela não respeitava o voto de união.

Não fora à toa que o Rei Mardus optou por um casamento para acabar com o conflito entre os Clãs Kamarie e Azuti. Se havia algo em que o povo de Cardasin acreditava e respeitava acima de qualquer coisa, era na força de um voto de união.

Um casamento era uma benção, mesmo que fosse arranjado. Uma esposa devia ser fiel e obediente ao marido. Devia honrá-lo a qualquer custo, entretanto, o mesmo se esperava dele. Relações extraconjugais, de ambas as partes, eram condenadas, assim como maus-tratos físicos.

Aos olhos daquela gente, Lenór tinha se tornado a escória.

— Estão muito equivocados em suas conclusões. — Vanieli declarou.

Embora a ideia que faziam sobre o seu casamento a irritasse, não podia culpá-los. Afinal, estava bem ciente de que não tinha a melhor das aparências, graças ao treinamento pelo qual estava passando.

Rall fora gentil, apesar do pedido de Lenór. Ele lhe ensinou movimentos básicos, porém eficientes. E quando Lenór se sentiu mais confiante no domínio do próprio corpo, passou a lhe ensinar. Elas treinavam por horas, todas as noites.

Como a própria comandante afirmou, era uma professora rígida. Não por acaso, Vanieli tinha tantos hematomas. A dor era algo com o que a Kamarie não estava acostumada. Era realmente penoso e desgastante, entretanto, ela não desgostava do treinamento. Pelo contrário, lhe agradava o modo como Lenór a obrigava a ultrapassar seus limites. Sentia que dava, de fato, os primeiros passos em direção à liberdade que tanto almejava.

Tinha decidido que queria estar ao lado da esposa como a igual que ela insistia em enxergar nela. Por isso, só paravam de treinar quando Vanieli já não tinha forças para continuar de pé. Mas verdade fosse reconhecida, os treinos não eram tão longos, já que a moça não possuía um condicionamento físico primoroso.

Ela se cansava rápido e, apesar da rigidez, a comandante acabava por poupá-la com uma desculpa qualquer. A princípio, isso irritou Vanieli, por achar que a esposa não estava lhe dando crédito. Porém, logo percebeu que Lenór estava sendo gentil com ela, reconhecendo suas limitações e lhe dando o tempo adequado de adaptação à nova rotina.

O mesmo não ocorria com os soldados do Castelo. Estes logo perceberam que a nova comandante não estava ali para matar o tempo, enquanto desfrutava a companhia da esposa. Lenór deixou muito claro para eles, que aquele grupamento se tornaria a elite da Guarda Real e fazia questão de acompanhar o treinamento diário, entre outros serviços, como a troca da guarda nas muralhas e patrulhamento.

Por vezes, ela mesma assumia os treinos. O que, no início, foi uma piada para os homens, até alguns deles provarem o sabor da areia na arena de treinos e entenderem que, se queriam ter alguma chance contra ela, deviam lhe prestar atenção. Coisa que o capitão Elius reforçava sempre que possível.

— Lenór Azuti pode não parecer, mas é uma das pessoas mais gentis que conheço. — Vanieli declarou. — Com certeza, não poderia ter me casado com pessoa melhor, homem ou mulher. Não dêem ouvidos a tudo que se diz por aí.  Se repararem nos braços dela, verão as tatuagens dos nobres guerreiros palatins de Barafor e esta é a razão destes machucados. — Ela apontou para a própria face.

O incômodo cresceu entre os mercadores, mas apesar da firmeza, Vanieli pronunciou as palavras com gentileza. Ela tinha muito mais para falar, entretanto, percebeu a aproximação de Lenór em companhia de Enzio e do engenheiro da ponte.

— Estava à sua procura. — Disse a comandante, parando ao lado dela e cumprimentando os outros com um ligeiro inclinar de cabeça.

Alheia ao que se passava, ela estranhou quando Vanieli enlaçou seu braço e fez um carinho nele, dizendo:

— Sinto muito, me distraí jogando conversa fora com essas pessoas. Veja! — Mostrou o saquinho de ervas. — Ganhei isto. Me disseram que vai ajudar com os hematomas.

Lenór inspecionou o conteúdo do saco e aprovou.

— Não imaginava que existisse algo assim por aqui. Se a memória não me falha, essa planta só cresce às margens do Lago Tanahal, em Primian. Quem lhe deu?

— Fui eu, Comandante. — Apresentou-se a mulher, com ligeiro receio, após as declarações de Vanieli.

— A senhora teria um pouco mais? — A comandante quis saber.

A mulher balançou a cabeça, confirmando.

— Que bom! Por favor, preciso de mais dois saquinhos deste.

Ela retirou algumas moedas da algibeira e depositou nas mãos da mulher, que se afastou para pegar as ervas. Voltou-se para Vanieli, explicando:

— Com essa quantidade, Rall poderá preparar um bom unguento. É bem melhor que compressas. Essas marcas vão sumir quase como se fosse magia.

Ela falava com Vanieli tranquilamente, todavia percebia o incômodo que a sua presença causava. Infelizmente, já estava se habituando a isso.

A esposa aproveitou a deixa para dizer:

— Estava justamente explicando a eles que você anda me ensinando daiq… daiquir… Nossa, que pronúncia difícil!

Lenór desmanchou a seriedade para rir baixinho.

Dairquirtua. — Pronunciou devagar.

— Isso que você falou! — Vanieli fez um gesto brincalhão. — Estava contando que você está me ensinando uma arte marcial de Barafor.

— Impressionante. — Disse Mestre Draifus, entrando na conversa. — Você deve ser boa com as mãos, Damna Vanieli. Esta é uma arte voltada para o combate direto. Poucos soldados a praticam em Barafor, atualmente. Preferem a espada ou qualquer coisa que mate o adversário mais rápido. Não me surpreende que seja uma praticante, Daimini Lenór.

— Tem movimentos parecidos com a primeira arte marcial que aprendi, então não foi difícil me identificar com ela quando entrei para o exército. — Explicou a comandante. — Todavia, o dairquirtua é uma arte simples, que se baseia em apenas dois movimentos. Ao dominá-los, é possível avançar rapidamente no resto. Em apenas duas semanas de treinos, Vanieli já consegue executar treze dos trinta e cinco golpes que compõem essa arte.

— Em breve, vou tomar o seu lugar entre os palatins! — Disse Vanieli em tom jocoso e sinceramente orgulhoso.

— Claro, claro! — Lenór respondeu com um sorriso, então a provocou: — Você só precisa parar de cair de cara no chão antes.

— É um mero detalhe! — Retrucou a esposa.

Elas ainda eram estranhas, todavia a convivência e os treinos começavam a minar as barreiras que envolviam cada uma. Depois que Lenór expressou sua opinião sobre a magia e fez questão de deixar claro a Vanieli que a respeitava e aceitava sem receios, tornou-se mais fácil para a Kamarie conversar com a esposa sem demonstrar desconfianças sobre a natureza das suas intenções. Lenór se mantinha reservada, porém estava se esforçando para formar um laço de amizade com Vanieli.

— Aqui está, Senhora. — A mercadora retornou com os dois saquinhos de ervas.

A comandante estendeu a mão para pegá-los. Contudo, em vez de entregá-los, a mercadora a tomou, atrevida. Os olhos da mulher recaíram sobre o anel partido no dedo de Lenór. Ela passou o polegar sobre o aro prateado, ligeiramente constrangida por ter se deixado levar pela curiosidade.

— Que os deuses consolem seu coração, Comandante. — Ela sussurrou, em meio a um riso nervoso.

Entregou os saquinhos e, Lenór, após um momento contemplativo, reencontrou suas forças para agradecer. Sua perturbação foi percebida por todos, entretanto a comandante se recuperou rápido.

A conversa se estendeu por mais alguns minutos e a fogueira no centro da praça foi acesa antes mesmo da noite chegar completamente. Animado, Mestre Draifus convidou o casal para ficar um pouco. Notando que Vanieli parecia interessada, Lenór aceitou o convite.

Não tardou para que a praça ficasse lotada. Um trio de músicos assumiu lugar junto ao fogo; alguém trouxe vinho e uma espécie de baile se formou.

— Está gostando? — Lenór indagou para a esposa, certa de que a resposta seria positiva.

— Não é todo dia que participo de algo assim. Pelo menos, em Daquir, a música e a dança são reservadas para grandes festividades. — Ela deu de ombros, afastando as memórias da sua província natal.

Chegou a acreditar que não sentiria falta do seu antigo lar, porém pensava nele com mais frequência do que gostaria de reconhecer. E a saudade se tornava maior ao recordar da mãe.

— Então, sim, estou adorando! — Afirmou, ofegante pela dança recente.

A mercadora de tecidos a tinha arrastado para a dança em volta da fogueira, momentos antes, enquanto Lenór limitou-se a observá-la, entretida em uma conversa com Enzio.

— Que tal dançar um pouco, também?

— Dispenso. — Lenór recusou.

— Dançou comigo no nosso casamento. Qual o problema de fazer isso agora?

— A diferença é que naquele dia não podia dizer “não”. — Lenór retrucou, reparando nos muitos olhares sobre as duas.

Vanieli chegou mais perto dela.

— Sabe, é por causa desse seu jeito que eles pensam mal de você. Só estou tentando fazer com que percebam que você não é diferente deles.

— Deixe que pensem o que quiserem. Não estou aqui para agradar a todos. — Deu de ombros.

— Você é…

— … uma mulherzinha horrível. Já sei! — A comandante concluiu a frase dela, com o indício de um sorriso.

— Na verdade, ia dizer que é muito irritante.

—  O que faz de nós um casal odioso, já que você também sabe ser bastante molesta.

Mesmo não querendo, Vanieli riu daquela pequena troca de farpas.

— Eu não conheço os passos. — Lenór admitiu, por fim. — Nunca tive a oportunidade de dançar em Cardasin, exceto, no nosso casamento. E, isso, porque Mardus me fez ensaiar uma dezena de vezes na véspera.

Constrangida, Vanieli recordou do que a mãe lhe contou.

— Eu sinto muito, esqueci da sua perna.

Um dar de ombros relaxado foi o jeito de Lenór dizer que estava tudo bem. Vanieli recuperou-se rápido da indiscrição e explicou:

— Acham que as rixas entre nossos clãs são tão violentas que, mesmo casadas, isso não ficou para trás. Pensam que você me agride.

— Não deixa de ser verdade. Se você não se dedicar, pode acabar com algo pior que um olho roxo e a vaidade maculada. — A comandante sorriu, despreocupada.

— Estou falando sério, Lenór.

— Eu também. Uma dança não vai mudar a forma como essas pessoas me enxergam ou ao nosso casamento.

— Mas pode ajudar. Essas pessoas só precisam ter uma ideia da Lenór que eu estou aprendendo a conhecer. Não é necessário ser uma dança e você também não precisa distribuir sorrisos por aí. Só acho que devia tentar ser um pouco menos a “Comandante Azuti” e ser um pouco mais a Lenór que me oferece a capa quando percebe que estou com frio, que sempre pergunta a Adel como ela está se sentindo e tem um sorriso carinhoso e largo para Gael.

— Hum… Tanta observação pode ser um perigo, sabia? Cuidado para não se apaixonar. — Lenór brincou, arrastando um sorriso desconcertado na face da esposa.

— Engraçadinha! Sabe bem que não corro esse perigo.

Os ombros da comandante subiram e desceram devagar, enquanto ria. Mas a leveza do riso desapareceu rápido e ela voltou a mostrar-se séria.

— Eu entendo seu ponto, sabe? — Vanieli afirmou. — Acho até, que comecei a compreender um pouco da sua personalidade. Você é boa em dar ordens e em estar no comando. No entanto, não é tão boa em se relacionar com as pessoas. É por isso que está sempre desconfiando de quem se aproxima de nós. É por isso, também, que ainda é reticente em confiar em mim plenamente.

— Você confia? — Lenór se mostrou descrente.

Vanieli fez um gesto suave, como se isso a ajudasse a organizar os pensamentos. Olhou para a fogueira e depois para a esposa, que ainda lhe prestava atenção.

— Honestamente? Eu não sei. — Suspirou devagar, olhando em volta e se certificando de que estavam mesmo longe de ouvidos curiosos. — Nós não conversamos muito sobre o que houve na floresta. Eu agradeço por ter me dado esse tempo.

Passou a mão nos cabelos, desconfortável, porém continuou:

— Eu sinto coisas, às vezes.

— Premonições? — Lenór nomeou, interessada no rumo que a conversa tomava.

— Você pode chamar assim, se quiser. Eu prefiro chamá-las de impressões. Normalmente, surgem quando há perigo por perto. Pessoas com intenções duvidosas também me causam algum desconforto.

Ela se abraçou, mais para conter o nervosismo pelo assunto do que pelo vento frio que as envolveu.

— E qual sua impressão sobre mim? — Lenór indagou.

Os olhos de Vanieli buscaram o fogo, outra vez.

— Me sinto segura ao seu lado. Quando você diz que irá cuidar de mim, sei que é verdade. Para mim, é o suficiente.

O silêncio que se seguiu tornou-se acolhedor para ambas. Porém, Vanieli decidiu interrompê-lo para voltar a defender seu argumento.

— Eu sei que é pouco tempo para nos conhecermos. E que posso estar sendo boba, como você mesma costuma me acusar. Contudo, quero tanto quanto você, que este casamento funcione da forma e tempo que planejamos, e que nossos planos se concretizem. Teremos um bom problema nas mãos, se começarem a espalhar boatos de que o nosso casamento é uma relação violenta. Imagine se isso chegar à capital. — Passou a mão na face, deixando a mente vagar pelo cenário sugerido. — Tudo o que os nossos clãs querem é um motivo para se destruírem. Você teria uma boa ideia disso se estivesse em Cardasin há dois anos.

A comandante permaneceu em silêncio, observando o vai e vem de pessoas, enquanto ponderava sobre o assunto. Não precisava ter estava em Cardasin durante o conflito a qual Vanieli se referiu, para compreender seus receios. Ela já tinha tido experiência suficiente com a miséria e ódio humanos.

Enquanto o momento se arrastava, Vanieli se perguntava se havia ido longe demais. Ela baixou a vista para o chão, fitando as botas da esposa e o modo como ela descansava o peso do corpo na perna sadia.

— Uma dança não irá mudar as coisas. — Lenór tornou a afirmar, como se estivesse lendo seus pensamentos.

— Você tem razão. — Vanieli se empertigou. — Foi um ideia boba.

Desprezando a afirmação, Lenór ofereceu a mão para ela.

— Deixemos isso de lado, por um momento. Eu realmente apreciaria dançar um pouco com a minha esposa, se ela tiver um pouco de paciência para me ensinar os passos.

Vanieli fitou a mão dela, deixando um sorriso bordar os seus lábios. A segurou, percebendo os calos pelo uso constante da espada.

— Sem fingimento para os outros, apenas uma “amiga” ensinando outra a dançar. — Lenór estabeleceu. — Às vezes, não vale à pena nos desgastarmos para atendermos as expectativas alheias.

— Tudo bem. — Vanieli concordou, conduzindo-a para perto do fogo.

Ela pousou a mão na cintura de Lenór, explicando o que deveria ser feito, antes de iniciarem os primeiros passos.

— Honestamente, a ideia de saber fazer algo que você não sabe, me parece bastante agradável no momento. — Confessou.

Minutos depois, reclamou com a esposa:

— Você mentiu, Lenór! Dança tão bem quanto eu.

A comandante riu, repetindo o movimento dela, enquanto a música se tornava mais suave.

— Eu não disse que não sabia dançar. Apenas afirmei que não conheço os passos das danças de Cardasin.

— Mas é boa demais nisso, para quem nunca dançou uma ravirah.

— Você é uma boa professora, devia se orgulhar. — Lenór retrucou, com um sorrisinho charmoso.

Vanieli deu uma pirueta e inverteu suas posições, notando que a dança das duas chamava bastante atenção. Quando a melodia findou, elas se encararam ofegantes e risonhas.

Um sujeito magricelo passou por elas com uma bandeja, que ostentava apenas dois copos. Vanieli rejeitou o vinho e Lenór pegou um dos copos, a fim de matar a sede. O homem murmurou algo, que foi abafado pelas vozes numerosas em volta e se afastou. Ele esbarrou em Vanieli e desapareceu entre as pessoas.

A comandante levou o copo à boca, mas antes que o vinho lhe tocasse os lábios, Vanieli o afastou. Ela fez o movimento parecer natural, embora tivesse sido brusco. Mesmo assim, percebeu a estranheza de quem estava por perto, então mostrou um sorriso brincalhão para Lenór, que a fitava com curiosidade. Chegou mais perto dela e a beijou, deslizando a mão pelo seu braço até lhe tomar o copo.

Foi um gesto suave e rápido, não mais que um roçar de lábios. Ela envolveu o corpo da esposa, fingindo não perceber o olhar escandalizado de algumas pessoas. Sussurrou no ouvido de Lenór:

— Há algo errado com o vinho.

Libertando-se da expressão de surpresa, Lenór se afastou. Mostrou um sorriso largo, deslizando a mão pela cintura de Vanieli e a conduziu para longe da fogueira, despedindo-se das pessoas através de gestos.

 

**

 

Lenór depositou o copo sobre a mesa no canto do aposento, enquanto Vanieli fechava a porta. Elas não trocaram sequer uma palavra durante o caminho, nem mesmo para responder o cumprimento dos guardas na entrada do Castelo.

A comandante focalizou o líquido no copo com uma expressão grave e a esposa se aproximou devagar. Vanieli olhou para o pequeno baú no centro da mesa, cujo interior abrigava meia dúzia de pedras azuladas, capazes de detectar a presença de veneno nos alimentos.

— Não vai verificar? — Ela indagou.

— Você não deixaria suas convicções de lado para me beijar, ainda mais em público, se não tivesse certeza. Não é mesmo? — Lenór piscou, provocadora.

Ela deixou um sorriso irônico à mostra e, por um momento, Vanieli esqueceu as impressões negativas, o medo e o vinho para responder a provocação:

— Vai dizer que não gostou?

A esposa foi até a janela e a abriu, deixando o vento frio e alguns respingos entrarem no quarto. Havia começado a chover um pouco antes de entrarem no castelo. Ela descansou a mão sobre o parapeito com um sorriso arrogante.

— E o que havia para gostar? Mal senti seus lábios.

— Ora sua… — Vanieli semicerrou os olhos.

A comandante ainda sorria quando voltou para junto da mesa e tornou a encarar o copo. Vanieli a imitou, incomodada. Ela sabia o que sentiu, quando aquele homem esbarrou nela; estava certa de que havia veneno naquele copo. Contudo, sentia a necessidade de confirmar. Então, ergueu a tampa do baú e pegou uma pedra.

— Eu preciso ter certeza. — Disse e jogou a pedra no líquido.

Pousou as mãos trêmulas na mesa, torcendo para estar enganada, porém o vinho começou a efervescer confirmando as suspeitas.

— Deuses, havia dois copos naquela bandeja… — Comentou, sentando na beirada da cama e escondendo o rosto entre as mãos por um instante. — Achei que depois do que houve em Verate e, posteriormente na floresta, teríamos uma trégua.

Observou Lenór começar a retirar a couraça. Ela não era obrigada a usá-la dentro dos muros da cidade, como ocorria aos soldados de serviço, mas gostava de se apresentar com a indumentária oficial completa.

— Inocente. Eu sei! — Ela resmungou em resposta ao olhar de Lenór. — Não pode me culpar por ter esperanças de uma estadia calma neste lugar.

— Só estou pensando. — Defendeu-se a comandante.

— Que tal compartilhar seus pensamentos comigo?

— Apenas me perguntava o que as nossas mortes estariam encobrindo.

Rall tinha razão em suas observações iniciais. Os moradores do castelo temiam as noites de lua cheia. Ela tentou puxar assunto sobre isso com o mestre do castelo, mas interrompeu-se ao primeiro sinal de desagrado. O único que tentou lhe dar uma pista sobre o assunto foi Mestre Draifus.

O construtor parecia bastante contrafeito ao lhe contar histórias, que ele julgava fantasiosas até se deparar com a realidade delas. Segundo Draifus, o Castelo do Abismo vivia sob um manto de incertezas. Havia espíritos zangados na floresta e eles não queriam a construção da ponte, entre outras coisas.

O engenheiro contou que, após seis meses de trabalho, a ponte deveria ter avançado oito metros sobre o abismo. Contudo, a realidade era que esse avanço não passava de três metros, visto que foi preciso reconstruí-la do zero algumas vezes.

Draifus narrou que, em uma noite enluarada, os tais espíritos da floresta vieram e destruíram a ponte diante de seus olhos. Ele recomeçou o trabalho e na lua cheia seguinte o mesmo ocorreu. Era desgastante, para dizer o mínimo, mas Draifus era bastante obstinado e não estava disposto a sair dali sem concluir o trabalho para o qual fora contratado.

As histórias sobre os espíritos iam muito além da interferência na construção, todavia Lenór acreditava que a maior parte delas era oriunda de crendices.

A comandante parou diante do espelho na parede oposta à janela. Deixou de lado os muitos questionamentos que se fazia à respeito das histórias de Draifus e encarou seu reflexo pálido. Sua pele costumava ter um tom azeitonado, mas após ser envenenada, não demonstrava o mesmo viço. Não era para menos. Tantos dias se passaram desde aquele dia na borda do abismo e ela ainda sentia dores e tremores. Pensava que, se era incômodo assim para ela, que sofrera meros arranhões, devia ser terrível para Adel que fora empalada com uma lâmina venenosa.

Escorregou a mão sobre o laço da tira de couro que atava um dos lados da couraça, foi quando Vanieli se aproximou para ajudá-la.

— Você parece tão calma que é irritante. — Vanieli declarou.

— De nada vai adiantar me desesperar. — Balançou os ombros. — O que acaba de ocorrer foi uma tentativa de aproveitar uma oportunidade. No castelo, somos muito cuidadosas com nosso alimento. Adel e Rall estão sempre de olho e inspecionam tudo que sai da cozinha, assim como qualquer atitude suspeita dos servos e guardas. Lá na fogueira, estávamos distraídas. O autor desse atentado viu uma chance de se livrar de nós e a agarrou. — Fez uma pausa rápida, encarando o copo sobre a mesa através do espelho. — É provável que esse veneno me fizesse cair doente, imitando os sintomas de alguma moléstia local. Teria uma morte discreta, por assim dizer. Apenas uma tragédia.

— Volto a repetir: sua calma é irritante. — Os dedos de Vanieli desfaziam os laços da couraça com a rapidez e habilidade de quem estava acostumada a auxiliar o pai e irmãos naquela tarefa.

O reflexo de Lenór sorriu para ela. A comandante estava verdadeiramente preocupada, visto que ao baixar sua guarda por um momento, cometeu um erro que quase a levou à morte. Havia muito em que pensar, pois, rememorando a cena, deu-se conta de que não conhecia o homem que a serviu. Os moradores do castelo eram poucos e mesmo que não conhecesse a todos pelo nome, já era capaz de reconhecer seus rostos.

Tinha muito a investigar, porém nada poderia ser feito naquela noite. O envenenador seria um idiota se ainda estivesse dentro dos muros do Castelo àquela altura. O que a levava a se perguntar como ele passou pelos guardas e se conseguiu isso por estar mancomunado com algum deles.

Era necessário discrição para obter todas essas respostas e, nisso, Vanieli havia acertado quando conduziu a situação daquela maneira. Embora escandalizar os locais com um beijo público não pudesse ser descrito dessa forma.

De todo modo, a Kamarie havia conseguido o que queria sem perceber. Depois daquele beijo, as alegações de que tinham um casamento conturbado e violento dificilmente se sustentariam.

— Estou certa de que o motivo é a surpresa pela sua atitude. — Lenór provocou a esposa, fazendo um gesto afetado.

Vanieli entrou na brincadeira:

— Aposto que nem vai dormir de tão extasiada por ter ganho um beijo meu!

A comandante tocou o queixo dela com a ponta dos dedos, abriu um sorriso mais largo e se afastou dizendo:

— Você não é isso tudo, esposa. Já provei lábios melhores e de formas mais intensas. Pelo menos, me recordo bem da pressão deles.

— Você é mesmo uma mulherzinha horrível, Lenór Azuti! — A Kamarie acusou, soltando o último laço da couraça, enquanto a ouvia rir baixinho, perguntando:

— Só porque não me derreti com aquele beijinho?

A sobrancelha de Vanieli formou um arco na testa.

— Estava apenas tentando evitar que tomasse o vinho.

— Se você diz… Mas, para ser sincera, se você beijava aquele guardinha assim, não entendo como conseguiram ir para a cama.

Ela retirava o cinto com as espadas, quando Vanieli chegou mais perto, claramente irritada e já esquecida do perigo pelo qual passaram.

— O que você consideraria um bom empenho? Arrancar nossas roupas e ter relações em praça pública?!

Lenór segurou o riso, ante a fúria dela.

— Não seja boba, certas coisas são mais prazerosas na intimidade de quatro paredes.

— Você é horrível! — Vanieli acusou, amenizando as feições. — Não sabe nem desfrutar de um beijo.

Lenór sentou as mãos nos braços dela, firme. Aparentemente, tinha mexido com seus brios.

— Não é pra tanto. Acalma-se.

— Não até você se retratar — Vanieli retrucou. — Sabe quantos homens matariam para ganhar um beijo meu?

— Você é mesmo uma criança. — A esposa acusou, caindo na risada. — Está perdendo a calma por tão pouco.

Ela a segurou mais firme, notando que embora estivesse zangada, Vanieli não dava indicativos de que a magia lhe escaparia. Como havia prometido, estava tentando ensiná-la a controlar suas emoções em situações que fugiam ao seu domínio. Então, tornou-se um hábito fazer piada com as atitudes dela e provocá-la até que perdesse a calma.

— Pois bem, esposa, eu já matei por você. E pelo beijo que recebi, não valeu à pena, não. — Sorriu de lado e se surpreendeu quando Vanieli juntou as mãos no tecido da sua túnica, trazendo-a para mais perto.

A moça pousou os lábios nos dela com fúria e, ainda surpresa, Lenór deixou que ela invadisse sua boca em um beijo voraz, o qual não se furtou a corresponder.

— E agora, Comandante Azuti, você mataria por esse beijo? — Vanieli a soltou, com um sorrisinho provocador.

Ainda recuperando o fôlego, Lenór fitou a malícia no olhar dela.

— E você ainda me acusa de ser uma mulher horrível. — Suspirou. — Nada mal, mas ainda precisa melhorar. E para quem disse que não gosta de mulher, dois beijos numa noite dá o que pensar.

Vanieli arqueou uma sobrancelha, indignada, enquanto ela passava ao seu lado com uma piscadela marota e desaparecia por trás de outra porta, onde ficava o quarto de banho.



Notas:



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14 Respostas para 10.

  1. Adorei as provocações, tô sentindo que alguém vai querer beijar mais.

    Mas a Lenór foi muito displicente em aceitar o vinho, depois chama a outra de inocente.

    • Verdade, Blackrose!
      E ela mesma reconheceu isso, contudo, também é humana e passível de cometer erros.
      Obrigada pelo comentário.

      Beijos!

  2. Caramba, Tattah! Me roendo de curiosidade sobre como as coisas vão se desenrolar tanto entre elas, quanto o mistério em torno do Castelo.
    Obrigada!
    Abraços

    • kkkkkkkkk… Algumas coisas estão bem perto de serem esclarecidas, Naty. Já o romance… Vou te deixar na curiosidade mesmo. [Eu sei, eu sou malvada, rs].

      Beijão e obrigada pelo apoio e ajuda com a revisão.

    • Sim, Carla. Elas estão caminhando para uma boa amizade e, quem sabe, um bom romance? Hehe…

      Beijos!

  3. Tattah!

    Mulher, você é demais! Um arraso!
    Lindo capítulo! 🙂
    Essa interação entre as duas está muito bonita!
    Para mim os afetos entre elas se mostram desde que aceitaram a proposta de casamento. Isso é reforçado e intensificado a cada capítulo com as demonstrações de força, carinho, cuidado, amizade, delicadeza, apoio, respeito, companheirismo. Até o ciúme se fazendo presente.
    Parabéns! ?

    • Obrigada, Viviane!

      Ler isso me faz ter certeza de que estou construindo a boa relação que imaginei para elas. Sem tretas e baseada no respeito mútuo.

      Obrigada pela companhia, viu?

      Até os próximos capítulos.

      Beijos!

  4. Tattah.

    adorei o cap de hj, adoro esse clima de comédia…
    Lenór é terrível implicando com Vanieli q sempre cai nas
    implicâncias da esposa…
    Amando cada cap. parabéns tá mto envolvente.

    Bjs, ??

    • Oi, Nádia!

      Às vezes, um pouco de leveza é bom para quebrar o clima tenso, né? Eu também curto essas coisas. rs…

      Beijos!

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