I

— O que há com eles? — Vanieli perguntou para Draifus.

Ela acompanhava o construtor da ponte, enquanto este supervisionava o trabalho dos homens. Sua presença se tornou constante na obra, visto que Lenór fazia questão de que ela a acompanhasse sempre que possível. A comandante queria que a esposa se inteirasse sobre a construção, entre outras funções que exercia no Castelo do Abismo.

Longe de qualquer tentativa de querer passar a imagem de um casamento sólido entre elas, o que a comandante almejava era ter alguém de olho no andamento da obra durante suas pequenas e constantes ausências. Após uma breve análise do território e o ocorrido em Avardia, Lenór decidiu construir um pequeno posto da guarda no vilarejo, assim como, uma estrada que permitisse a locomoção dos moradores do castelo e o transporte adequado dos materiais necessários para a construção da ponte.

Quando Lenór se deslocava até lá, ia sempre na companhia de Adel, Rall ou Elius. Saía de madrugada, camuflada pela noite e sem fazer alarde, para evitar outras emboscadas. Normalmente, suas viagens não duravam mais que dois dias e a discrição era tanta, que alguém raramente notava sua ausência, visto a presença constante de Vanieli junto a obra e outras funções e situações.

Por sua vez, Vanieli apreciava e orgulhava-se dessa confiança. Embora se sentisse um pouco desnorteada com a responsabilidade, esforçava-se para não decepcionar Lenór nem a si mesma.

— Só estão cansados. — Draifus respondeu, após um longo momento de clara indecisão.

Vanieli passou o olhar pelo lugar. A simpatia dos trabalhadores era uma constante, entretanto, naquele dia, os rostos sorridentes deram lugar a expressões preocupadas. O mesmo era perceptível entre os moradores da cidade.

Interrompeu a caminhada para dizer:

— Às vezes, eu posso me portar de forma bastante boba, Mestre Draifus, porém, esteja certo de que não sou assim.

Desconcertado, o construtor inclinou a cabeça de forma humilde.

— Perdão. Não era a minha intenção ofendê-la, só não queria preocupá-la, também. Como sabe, hoje é noite de lua cheia. Sua esposa deve ter lhe falado a respeito.

Ela inclinou a cabeça, assentindo. Assim como a esposa, Vanieli não estava disposta a acreditar naquela história esquisita sobre espíritos zangados. Tudo lhe parecia muito mal contado, embora respeitasse as crenças alheias. Sim, era possível que houvesse mesmo algo sobrenatural naquele lugar, porém, a experiência que vivenciaram na floresta, deixava claro que deviam temer homens e não espíritos.

 — Havia me esquecido disso. — Admitiu.

— Eles só estão apreensivos. — Explicou Draifus. — Admito que também estou. Todos nos perguntamos se esta será uma noite turbulenta ou se teremos calmaria. Nem todas as luas cheias vêm acompanhadas por esses estranhos e assustadores eventos.

— Compreendo e peço desculpas por parecer um pouco cética a respeito, já que, desde que aqui chegamos, eles não ocorreram.

— Não há necessidade de se desculpar, Damna. Eu também me mostrei bastante incrédulo sobre o assunto quando vim para o Castelo. — Ele passou a mão pela barba, com ar cansado. — Não sei o que se passa aqui, de verdade, mas aceite meu conselho. Se esta não for uma noite tranquila, não importa o que ouvir, não deixe a segurança do castelo até o dia raiar.

Vanieli inclinou a cabeça, começando a formular uma pergunta, contudo, a deixou de lado ao avistar Lenór caminhando na direção deles em companhia de Adel. Estreitou o olhar por um momento e o gesto não escapou a Draifus. Por mais que se esforçasse, não conseguia esconder seu incômodo quando a daijin estava por perto; sensação que era acentuada pelo fato de que ainda não tinha conseguido arrancar de Lenór a verdade sobre a relação delas.

A luz do sol atingiu o bracelete no braço de Lenór. A prata da joia se destacava na pele morena e tatuada da comandante que, naquele exato momento, interrompeu os passos para falar com um dos trabalhadores. Ela levou a mão ao rosto e o anel que a adornava repetiu o feito do bracelete, refletindo a luz solar do meio da tarde.

O brilho do anel trouxe outra ideia à mente de Vanieli, o que a fez mudar de assunto imediatamente. Ela baixou a vista para a mão do engenheiro, fitando o anel dele, muito parecido com o da sua esposa.

— Mestre Draifus, estou curiosa há algum tempo. Sei que deveria perguntar isso para a minha esposa, contudo, Lenór é muito reservada em alguns momentos… Não quero chateá-la, nem parecer invasiva. Entende? Nós ainda estamos nos acostumando uma à outra.

— O início é sempre difícil. — Concordou Draifus. — Ainda mais em um casamento como o de vocês, em que foi feito um “arranjo”.

Ele pareceu ligeiramente incomodado com o comentário.

— Sinto que tem alguma experiência com isso. — Vanieli observou.

Draifus cofiou a barba grisalha com um dar de ombros. Ele não era idoso, mas já tinha passado da meia idade e os fios prateados denunciavam isso.

— Barafor é um reino que preza a liberdade de escolha entre os pares, assim como Midiane, Primian e tantos outros reinos amarilianos. Só que isso não significa que não existem casamentos arranjados por lá. Algumas famílias nobres e influentes, gostam de planejar casamentos assim, para poderem continuar seu legado de poder. — Ele mostrou um sorriso estranho, quase pesaroso. — Eu mal tinha chegado à idade adulta quando me casei pela primeira vez. Só a conheci no dia do nosso casamento.

Ele baixou a vista para o chão, ainda úmido pela chuva da noite passada, embora o sol estivesse em seu auge.

— Foi difícil, mas aprendemos a nos amar. Nos tornamos bons amigos e fomos felizes assim por um tempo. Contudo, alguns anos depois, decidimos que já tínhamos feito a vontade das nossas famílias por tempo demais e era hora de trilharmos caminhos diferentes.

O engenheiro varreu o chão com o pé. Deixou-se envolver por um silêncio breve, claramente marcado por uma expressão de tristeza. Quando voltou a falar, a voz falhou um pouco.

 — Ela morreu alguns anos atrás.

 — Eu sinto muito. — Vanieli foi sincera.

Um sorriso grato moldou as feições de Draifus.

 — Eu sinto saudades. Ela foi minha melhor amiga. — Contou, arriando os ombros ligeiramente. — Depois que nos separamos, ela encontrou o amor e teve um casamento verdadeiramente feliz. E eu…

Ele fez uma pausa e apontou para o homem com quem Lenór e Adel conversavam.

— Eu ainda estou desfrutando a minha felicidade. Jeor é meu marido.

Vanieli fitou o homem de compleição gentil com evidente surpresa. Jeor era o braço direito de Draifus; estava acostumada a vê-los juntos e creditou a intimidade que compartilhavam aos anos de parceria no trabalho. Com efeito, a possibilidade de que fossem um casal nunca lhe passou pela cabeça.

Um momento de silêncio se passou, enquanto ambos observavam seus respectivos cônjuges. Draifus transferiu o olhar do marido para Lenór. A admiração que dedicava à comandante era profunda e compartilhada por Jeor e o resto dos trabalhadores da obra, oriundos de Barafor. Obviamente, grande parte dessa deferência vinha do fato de que era uma palatin, contudo, os meses de convivência enraizaram essa estima.

A seriedade da comandante contrastava com a simpatia descarada da esposa e, isso, claramente incomodava muita gente no castelo. Porém, ela se sentia confortável entre os barafornianos. Ainda que mantivesse uma postura séria, não tinha dificuldades em desmanchá-la para oferecer um sorriso a alguém ou uma conversa suave.

Enquanto voltava a prestar atenção em Vanieli, Draifus se colocou no lugar de Lenór e se perguntou como seria se sentir estranho à sua própria gente. Chegou à conclusão de que, certamente, era desgastante. Ainda mais, por ela estar indo contra as tradições do reino.

— Admiro a harmonia entre vocês, apesar do pouco tempo de casadas. — Disse ele, fazendo Vanieli encará-lo com uma expressão de dúvida.  —  Confesso que isso me deixou mais tranquilo em relação aos muito rumores que ouvi sobre guerras entre seus clãs. Temi que isso fizesse do seu matrimônio algo instável, incômodo e doloroso para as duas. Casamentos arranjados, em Cardasin, são quase uma regra e foi inevitável não pensar a respeito, diante da atipicidade do seu.

Foi a vez de Vanieli lhe oferecer um sorriso. Entretanto, o gesto mascarava suas próprias incertezas.

Mirou a esposa, novamente. Dessa vez, seus olhares se encontraram. Foi um momento breve, porém reconfortante. Por mais estranha que a ideia lhe parecesse, Lenór sempre lhe passava essa sensação e reconheceu que Draifus estava com a razão. Havia mesmo harmonia entre elas e, do seu ponto de vista, uma boa e querida amizade.

— Agradeço sua preocupação, Mestre Draifus. Obrigada, também, por ter dividido sua história comigo. — Suspirou. — Sendo sincera, foi um pouco difícil no início. Como o senhor colocou em relação à sua própria experiência, também éramos duas estranhas. Com efeito, ainda somos, em vários aspectos. Porém, creio que ninguém é capaz de conhecer outra pessoa completamente.

 — De fato. — Draifus concordou, observando-a com atenção.

Como ele havia acabado de dizer, percebeu a harmonia entre elas em seu primeiro encontro, contudo, também observou algum desconforto. Depois de alguns meses vendo-as quase todos os dias, estava satisfeito em notar que esse desconforto já não era visível.

Para Vanieli, pensar nelas como um casal era sempre difícil, apesar de se esforçarem para parecerem assim. Contudo, vinha se dando conta de que, em alguns momentos, isso não exigia esforço algum.

— Sobre o que está curiosa? — Perguntou Draifus, recordando como aquele assunto começou.

A moça sorriu, baixando a vista para a mão dele.

— Sobre o seu anel. Lenór tem um muito parecido. E rememorando, creio ter visto um semelhante na mão de Jeor. No outro dia, a mercadora de ervas falou algo para Lenór que não entendi muito bem. Entretanto, percebi que fazia referência ao seu anel. O que ela quis dizer?

O estrangeiro balançou a cabeça devagar, admirando o olhar dourado dela. A resposta era simples, entretanto, o fato de que Vanieli já não a soubesse o incomodava.

— Senhora, acredito que esta é uma pergunta que deve fazer à sua esposa. — Ele tentou se esquivar da resposta, gentilmente.

— Entendo. — Vanieli cruzou as mãos às costas, mirando o abismo.  — Como disse há pouco, Lenór é uma mulher reservada e ainda não me sinto confortável para lhe fazer certos questionamentos. Se você me responder, posso decidir se quero ou não ouvir a história dela e se vale a pena pedir que me conte e arriscar chateá-la. Estou lhe pedindo muito?

O homem fitou o rosto sério da comandante, que caminhava em direção aos dois, ainda muito distante para captar a conversa deles.

— Não me sinto muito confortável sobre isso. — Draifus admitiu.  — Todavia, não vejo problemas em lhe dizer o que o anel significa. Para ser sincero, já o tinha notado na mão da comandante, mas até aquela mulher se interessar por ele, o associei a você.

— Por quê?

Ele mostrou seu próprio anel, deixando que ela percebesse os detalhes rebuscados, feitos por um artesão caprichoso. O anel de Lenór era mais simples, mas nem por isso menos agradável aos olhos.

— Porque é um anel de compromisso baraforniano. — O engenheiro contou.

Por um momento, Vanieli perdeu a voz enquanto fitava a aproximação da esposa. Enfiou uma mão nos fios de cabelo que o vento quente insistia em assanhar.

— Isso… — Ela engoliu em seco, tentando absorver a informação. — Isso quer dizer que Lenór tem ou tinha um pretendente? Se é isso, por que ela se casou comigo? Deuses! Não posso acreditar que ela faria isso apenas para…

Interrompeu-se em tempo de evitar que Draifus acabasse por se inteirar de uma pequena, porém importante parte dos seus planos. Por sua vez, o homem agitou-se, fazendo um gesto largo no ar, como se atirasse algo no vazio.

— Por favor, Damna, tenha um pouco de calma. Não tenho ideia do que se passa em sua mente, mas, seja lá o que for, está equivocado. Sim, aquele é um anel de compromisso. E, sim, geralmente significa um compromisso amoroso. Contudo, o anel da comandante está partido.

— E o que há de diferente nisso? Não deixa de ser um anel de compromisso, não é mesmo? — Vanieli não conseguiu ocultar as emoções inflamadas.

Não podia acreditar que Lenór havia traído seu coração em busca de vingança pela morte do irmão. Não conseguia conceber essa imagem dela. Era certo que tinham pouco tempo de convivência e, com efeito, a comandante era uma mulher misteriosa em muitos aspectos, contudo, sempre se mostrou sincera em relação aos seus sentimentos. Apesar de Lenór já a ter acusado de idealizá-la demais, Vanieli estava certa de que não era o caso, naquele momento.

Ela assistiu, com impaciência, Draifus deslizar a ponta do dedo sobre o seu próprio anel. Ele disse:

— Uma joia, como esta, pode significar algo realmente belo, mas, também, pode carregar algumas tristezas. Você está certa, Damna, não deixa de ser um anel de compromisso. Entretanto, “partido”, significa luto.

 

 

II

 

Rall tensionou a corda do arco, mirando o homem à frente do grupo de soldados. As vestes o denunciavam como líder e também revelavam que ele e seus companheiros não eram soldados de Cardasin.

 — Abaixe esse arco, Velho. — Disse o homem. — Somos muitos e você não precisa se ferir por causa de um escravo.

 — Já disse que vocês estão enganados. O garoto é meu neto. — Rall afirmou e lançou uma olhada rápida para o rapazinho ao seu lado, cujo corpo não parava de tremer. Ele estava tão magro e sujo, que sua idade mal podia ser definida, contudo, Rall estava certo de que não passava dos quatorze anos.

Enquanto caminhava pela floresta, em busca da nascente que abastecia a cidade, ele se deparou com aquele jovem de olhar assustado e maltrapilho, escondido em um arbusto. Passou algum tempo tentando acalmá-lo e mostrando que não lhe oferecia perigo. Deu-lhe a pouca água que ainda tinha no odre e tentou descobrir de onde vinha e o que lhe acontecera. O rapaz mal começara a falar, quando aqueles soldados surgiram.

Bastou olhar para os uniformes deles, para que Rall entendesse o que se passava. O garoto era um escravo fugitivo das minas de ouro do reino vizinho, Zaidar. A fronteira não estava longe e a floresta densa oferecia uma boa cobertura para fugitivos.

Ante a constatação, Rall disse a primeira coisa que lhe veio à mente, assumindo um parentesco com o jovem. Obviamente, os soldados não acreditaram.

 — Saia da frente e nos deixe fazer nosso trabalho! — O líder avançou um passo e Rall puxou a corda do arco, mais um pouco, mirando o peito dele.

 — Mais um passo e você morre, amigo. — Avisou ele. — O menino é meu neto e vocês estão invadindo essas terras.

 — Estamos no nosso direito, velho! Agora, nos dê esse escravo ou você será o único cadáver nesta floresta.

 

 

III

 

Os olhos de Vanieli encontraram os de Lenór uma dezena de vezes, enquanto a comandante conversava com Draifus. Seu incômodo não passou despercebido pela esposa que, em dado momento, arqueou uma sobrancelha de forma inquisitiva.

Vanieli bem que se esforçou para parecer normal, todavia a revelação do engenheiro a deixou um pouco desnorteada. Lenór já fora casada e enquanto vivia o luto, tinha sido solicitada a casar com ela, uma completa estranha.

Não conseguia parar de imaginar o quão difícil era aquela situação para a comandante, e no esforço que fazia para se mostrar carinhosa com ela diante dos outros, quando, na verdade, desejava fazer isso a outra pessoa. Chegou a se perguntar se não a tinha magoado, quando a beijou na noite da fogueira. Era verdade que Lenór não se mostrou incomodada e até fez piada com o fato, mas as brincadeiras podiam estar mascarando suas dores.

A ideia de tê-la ferido atormentou Vanieli naqueles poucos minutos de conversa. Draifus tinha razão, o tempo e a convivência se encarregavam de estreitar o laço entre os casais e, desde que Lenór sempre esteve disposta a desenvolver uma amizade entre elas, Vanieli já não conseguia enxergá-la, apenas, como a mulher com a qual casou em busca da liberdade além das fronteiras de Cardasin.

Contemplou o rosto de traços marcantes da esposa. Lenór tinha o semblante cansado, acentuado por olheiras escuras. As viagens que ela fazia até Avardia eram desgastantes, já que mal repousava ante a pressa de retornar sem que percebessem sua ausência. Contudo, havia outro motivo para o seu abatimento. Neste caso, a culpada era Vanieli, cujos pesadelos tinham se tornado mais intensos e frequentes.

Lenór já não fingia estar dormindo quando eles vinham. Em vez disso, oferecia seus braços para consolá-la e, quando o sono não retornava, conversava com ela até o dia raiar. Às vezes, simplesmente se trocava e a convidava para ir até o teto do castelo assistir a troca da guarda e ver o sol se erguer sobre as colinas distantes no deserto. Era nesses momentos que, por vezes, Vanieli a flagrava olhando para o anel que, agora sabia, era a lembrança de um amor perdido.

A Kamarie baixou a vista para a mão da esposa.

Mais que as palavras da mercadora, foram essas percepções que deram voz à curiosidade que sentia. Se arrependia de ter ouvido esses anseios porque, agora, mais que nunca, queria conhecer a história de Lenór.

Ainda que a comandante deixasse escapar, vez ou outra, coisas sobre seu passado, a verdade era que quase nada sabia sobre ela. Lenór só deixava detalhes sobre a sua vida virem à tona, quando acreditava ser conveniente. Ela usava suas experiências como exemplo, mas o que falava delas poderia ser entendido como um sopro da verdade.

Vanieli não podia negar que apreciava esses momentos reveladores.

Conhecer Lenór, percebê-la humana e acessível, tornava mais fácil o passar dos dias naquele lugar sombrio e lúgubre. E já que ela deixara claro, desde o início, que iria tratá-la com respeito e igualdade, Vanieli decidiu que absorveria toda e qualquer situação vivida ao seu lado como uma lição. Por isso, em muitos momentos fora das horas de treinamento, ela via na esposa uma mestra.

Cansada de assistir ao diálogo entre a comandante e o engenheiro sem nada absorver dele, decidiu retornar para o castelo. Despediu-se com um aceno suave e encaminhou-se para ele. Poucos metros a separavam das muralhas quando foi assaltada por uma estranha sensação.

Interrompeu os passos, deslizando o olhar pelo entorno até focalizar a beirada do abismo. A sensação se tornou mais forte. Ela foi invadida pelo medo de algo completamente desconhecido, contudo, ao mesmo tempo em que isso a fazia desejar correr dali desesperadamente, também a atraía.

Seus pensamentos nublaram e ela sequer percebeu quando começou a andar até a fenda. Se aproximou da beirada sem hesitação. Parou a meros dois metros da borda, os olhos fixos nas rochas do outro lado do abismo. Seu corpo inteiro vibrava, respondendo ao desejo de encontrar o que a estava chamando.

E Vanieli teria ido adiante e percorrido os poucos passos que a separavam do vazio sombrio, se uma criaturinha de pelo escuro não tivesse passado correndo entre as suas pernas. Ela perdeu o equilíbrio e caiu sentada no chão. Piscou algumas vezes, enquanto a dor se espalhava pelo corpo, trazendo a clareza de volta à sua mente.

Olhou para o gato que lambia uma pata despreocupadamente na beirada da fenda. Era o animal de estimação de Gael. Pelo menos, era o que Rall dizia e o menino fazia parecer, contudo, o gato passava mais tempo perto dela e de Lenór do que com Gael.

Não era incomum encontrá-lo dormindo próximo ao fogo da lareira no quarto delas ou encolhido no parapeito da janela, fitando a cidade e o deserto, entre outras situações.

— Mas o que é que você está fazendo aí? — Indagou para o animal, que lançou uma mirada penetrante para o abismo, antes de caminhar até ela com passos harmoniosos e despreocupados.

Ela ficou de pé, com uma careta dolorosa. Bateu a poeira da roupa e mirou o abismo por um momento, antes de pegar o gato que a fitava de forma penetrante. Fez um carinho atrás da orelha dele.

— Você sentiu isso também, não é? — Perguntou para o bichano. — Aposto que sim, afinal, você é um rapazinho esperto, não? Espera, você é menino ou menina?

Sorriu para o animal, antes de avaliá-lo e descobrir que na verdade era uma gata.

— Ops! Desculpa, garota. — Fez novo carinho na gata, deixando um suspiro trêmulo escapar.  — Acho que você me salvou de algo ruim…

Encarou o rostinho peludo.

 — Não sei o que era, mas não era bom. Então, obrigada.

Voltou-se para retomar seu caminho até os portões e deu de cara com Adel a observá-la. A daijin estava tão próxima que, se não tivesse interrompido o movimento, teria esbarrado nela.

 — Deuses! Que susto! — Reclamou para Adel que, por sua vez, cruzou os braços fitando-a nos olhos.

 — Deve tomar mais cuidado, Damna. Não ande tão perto da beirada do abismo. O vento aqui é muito forte e uma rajada pode atirá-la para uma morte violenta.

O conselho lhe soou como uma ameaça e mexeu com seus ânimos.

 — Você bem que gostaria disso, não é mesmo? — Acusou.

 — Não sei do que está falando, Senhora. — Defendeu-se Adel, com uma expressão que beirava o cinismo e isso inflamou ainda mais o humor de Vanieli.

 — Ah, por favor! Não se faça de desentendida!

A mulher suspirou, pousando o olhar em Lenór e Draifus, ao longe.

 — Se está sugerindo que tenho um interesse amoroso na sua esposa, está completamente enganada.

 — Sei. — Vanieli respondeu, cética.

Adel considerou a possibilidade de provocá-la um pouco, contudo desistiu da ideia. Ainda que o incômodo que causava à Vanieli a divertisse, dar asas a sua imaginação era perigoso. A moça era magicamente instável e mexer com as suas emoções poderia provocar uma tragédia. Decidiu-se então, pela verdade. 

 — Eu já tenho alguém em meu coração, Damna. Não precisa se preocupar comigo.

Um sorriso irônico dividiu os lábios de Vanieli. Ela planejou refutar a daijin, contudo, foi invadida por um sentimento de angústia e medo. Era algo diferente do que havia acabado de experimentar. A sensação assomou-lhe até que a visão nublou e teve de se apoiar em Adel para não cair.

 — Sente-se bem? — Adel indagou.

Vanieli focalizou os olhos preocupados dela, antes de se voltar para a direção da floresta. Estreitou o olhar, inspirando fundo.

 — Acho que algo ruim está acontecendo na floresta. — Contou.

 

 


Olá, amores!

Tudo bem?

Queria agradecer o retorno de vocês em relação a história e a paciência, também. Principalmente, em relação as minhas respostas atrasadas nos comentários. Fim de ano é sempre um pouquinho complicado e cansativo por aqui, ainda mais em um ano como este.

Infelizmente, sem ilustração, outra vez. Tentarei mudar isso no próximo capítulo.

Espero vocês na semana que vem!

Beijão!

 



Notas:



O que achou deste história?

10 Respostas para 12.

  1. E o ciúmes crescendo a cada dia, será que estou imaginando coisa ou a sementinha realmente foi plantada kkk.
    Ansiosa pelo próximo capítulo.

  2. To viciada! Mal posso esperar pelo próximo capítulo. Li tudo em um dia jjkk vai ser dificil a espera. Seu trabalho é maravilhoso!

  3. Olá! Tudo bem?

    Gosto da maneira com você vai construindo a história, inserindo os personagens, como uma pintura, onde cada detalhe sempre ajuda a compreender a obra maior.
    Você é muito boa, mas gostaria que a história não fosse muito longa.
    É isso!

    Post Scriptum:

    ”Os tempos primitivos são líricos, os tempos antigos são épicos, os tempos modernos são dramáticos.”

    Victor Hugo

    • Oi, Kasvattaja Forty Nine!

      Perdão pela demora na resposta.

      Fico muito feliz que enxergue meu trabalho dessa forma, mas não posso prometer nada quanto ao tamanho da história. É que sempre que limito uma quantidade de capítulos, acabo escrevendo muito mais. Então, me conformei com o fato de ir até onde a imaginação permitir. rs.

      Mas, assim como você, espero que não seja longa.

      Beijos!

  4. Tá, agora vcs autoras pegaram a mania de me deixar expectante.

    Sensacional, personagem novo no recinto?
    Mal posso esperar por semana q vem.

    Bjs,

    • Haha… Adoro deixar as leitoras na expectativa. rs 😉
      Autora malvada, eu sei. rs…
      Beijos, Nadia, e obrigada pela companhia.

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