Revisão: Naty Souza e Néfer.



*

Uma hora havia se passado desde o raiar do dia, porém a floresta permanecia na penumbra, graças a folhagem espessa das árvores e as nuvens negras que despejavam a chuva na região. Aisen e Dimal passaram toda a noite rastreando os assassinos fugitivos. O clima dificultava a caça, porém a dupla não estava disposta a retornar sem prisioneiros.

A daijin interrompeu os passos e agachou-se, quando Dimal fez um gesto ligeiro, indicando que o inimigo estava à frente. Eles se esgueiraram pela folhagem até ficarem a poucos metros de uma pequena clareira. Quando perceberam que os assassinos estavam em companhia de outros dois homens, decidiram retardar o ataque e apenas observá-los.

— Então? — Perguntou um dos homens aos assassinos.

Ele usava o uniforme da guarda de Zaidar, enquanto o companheiro estava completamente envolto em uma capa negra. O capuz impedia que visualizassem seu rosto.

— Nós falhamos, senhor. — Respondeu um dos assassinos, retirando a máscara.

Aisen estreitou o olhar, reconhecendo o rosto dele. Tratava-se do mesmo tenente que se meteu em um embate com Rall por um escravo fugitivo. Darilo era o seu nome.

— O quão incompetente é preciso ser para falhar em matar uma damna e uma moribunda?

O outro homem se adiantou, também retirando a máscara.

— Perdão, Capitão, mas estávamos preparados para matar uma Kamarie que sequer deveria saber o que é uma espada. Contudo, nos deparamos com uma mulher que sabe como se defender e, para piorar, é uma maga. Ela matou nosso companheiro e quase nos matou, também.

— Vocês têm certeza? — O capitão perguntou, desconfiado. Porém, os homens confirmaram.

Em seu esconderijo, Dimal preparou-se para a investida. Ele estava a ponto de se revelar e atacar, quando a mão de Aisen pousou em seu ombro. O palatin a fitou com uma expressão interrogativa, contudo, a atenção dela estava na conversa que assistiam.

— Acho que é um trabalho para você, então. — Disse o capitão, mirando o homem ao seu lado.

Ele deixou o capuz escorregar para os ombros, revelando se tratar de uma mulher. Dimal sentiu a pressão da mão em seu ombro aumentar de forma dolorosa. Olhou para Aisen, notando o maxilar tensionado e a estranha agitação na corrente que lhe envolvia o braço; ela parecia estar viva.

Na clareira, a mulher misteriosa exibiu um sorriso torto e o capitão zaidarniano completou:

— Depois dessa noite, é sábio aguardar um pouco antes de fazermos uma nova investida. O Castelo estará sob forte vigilância por algum tempo e já não temos o acesso aos túneis, como antes.

— Infelizmente, perdemos nossa cobertura. — Lamentou o tenente Darilo. — Não voltarão a acreditar que somos seres fantásticos e que o castelo está amaldiçoado.

— Não acho que isso seja um problema para nós. — A mulher se manifestou, finalmente.

Ela tinha uma voz rouca e ligeiramente anasalada, que lembrava um timbre masculino.

— É certo que todas as suspeitas cairão sobre os lordes. — Complementou. — São eles os opositores mais ferrenhos ao testamento do Rei Mardus. Quanto ao nosso “amaldiçoado disfarce”, só é necessário que o povo acredite nele.

O capitão zaidarniano balançou a cabeça, concordando com o seu raciocínio. Ele a observou com apuro, mascarando seu desprezo por ela que, alheia aos sentimentos dele, deslizou a mão para o punhal na cintura.

Ela observou o entorno discretamente, sentindo uma pequena e estranha vibração no punhal. Então, pegou uma das facas ocultas no cinto e a atirou em uma moita. A folhagem estremeceu e ouviram uma espécie de ganido. O tenente Darilo se aproximou da moita, apanhou algo no chão e se voltou, dizendo:

— Você pegou nosso desjejum. — Ele foi sarcástico, todavia a mulher continuava a observar a mata que os cercava.

— Não se preocupe, — disse o companheiro do tenente — despistamos nossos perseguidores horas atrás.

Após mais um instante de observação, ela recuperou a faca que Darilo retirou do coelho e o grupo se afastou em direção à fronteira de Zaidar.

Somente quando seus passos e conversas não podiam mais ser ouvidos, é que Dimal deixou seu esconderijo no interior oco do tronco largo da árvore sob a qual se abrigavam. Ele observou o sangue do animal, enquanto Aisen se juntava a ele.

A daijin mirou as árvores pelas quais os inimigos passaram, franziu o cenho e tomou a direção contrária. Ela estava a uma dezena de metros, quando Dimal a alcançou.

— Por que você desistiu? Podíamos ter capturado todos.

— Tudo o que conseguiríamos, seria uma morte violenta e inútil. — Ela resmungou.

O palatin observou seus lábios crispados. Conviviam há poucos dias, mas ele já tinha identificado a daijin como uma pessoa fria e inexpressiva, muito diferente do que via naquele momento, embora ela estivesse se contendo.

— Quem era aquela mulher? — Perguntou e quando não obteve uma resposta, repetiu a pergunta, adicionando: — Ela tinha uma corrente como a sua. Ela é uma daijin, não é mesmo?

Aisen parou de andar e o mirou como se ele não estivesse ali. Entretanto, respondeu:

— Ela não é uma daijin, apenas alguém que deveria estar morto; mas, já que não está, eu vou matá-la de novo!

**

Os gritos de protestos se elevaram no salão.

— Aí está a prova de que tudo não passou de um golpe para os Azuti e Kamarie tomarem o trono! — Berrou Lorde Timerio.

Por sua vez, Lorde Aidar buscou a espada na cintura. Ele teria ficado de pé e ido em frente e usado a arma, se o capitão Elius não o impedisse de um modo quase gentil.

— Calúnias! — Everin falou contra a acusação de traição.

O falatório continuou por mais um minuto, até que a falta de reação de Lenór fez os homens se calarem.

— Vocês já acabaram? — Ela perguntou, irônica.

Fez um gesto, impedindo que Lorde Arino falasse e continuou:

— Pelo desejo do Rei Mardus, os clãs Azuti e Kamarie cessaram um conflito de anos através do nosso matrimônio. — Ela segurou a mão de Vanieli, apertando-a suavemente. — Porém, isso não significa que representamos esses clãs além disso. Não somos as líderes deles, razão pela qual Lorde Arino e Lorde Kanor também serão presos.

Arino fez nova menção de falar, porém foi a vez de Vanieli o impedir. A filha estava sentada ao seu lado e fechou a mão em seu pulso, pedindo que se mantivesse em silêncio com o gesto.

A decisão da esposa também incomodava a Kamarie, contudo, quando Lenór lhe contou o que tinha em mente, acabou se rendendo aos argumentos dela e concordando que era o mais sensato a se fazer naquele momento.

— Ministro, não tem nada a dizer? Não vai fazer nada? — Lorde Timerio perguntou.

Jarfel se acomodou melhor na cadeira, cruzando as mãos sobre a mesa.

— Vocês estão cansados de saber que o título “Ministro da Guerra” não representa minha verdadeira função junto à coroa. — Foi sincero. — Sou apenas um conselheiro e, embora tenha autonomia para resolver certas questões militares e governamentais, a decisão da Comandante Azuti está além do meu poder.

Ele fez uma pequena careta, como se estivesse pedindo desculpas.

— Como ministro e executor do testamento do rei, me encontrava em uma situação delicada demais para ir contra as decisões dos Lordes de Cardasin. Entretanto, não me privei de aconselhá-los. Os avisei para serem pacientes e sensatos; que não havia necessidade de virem até aqui.

Ele desprezou os olhares indignados que recebeu e mostrou um sorriso desdenhoso para os companheiros de mesa.

— A comandante Azuti estaria sendo omissa se ignorasse essas coisas, principalmente, depois do que ocorreu na noite passada.

— Você é um verme, Jarfel! — Berrou Lorde Kanor.

— Eu sou apenas um homem tentando cumprir meu dever com honra. Enquanto ministro, é o meu trabalho agir com diplomacia, mesmo achando desprezível a sua pressa em vir para o Castelo do Abismo, entre acusações, disputas para se tornarem o novo governante de Cardasin ou o apoio a que um príncipe estrangeiro assuma o trono.

Jarfel estapeou a mesa levemente.

— O que a Comandante Azuti está fazendo, neste momento, é o que iria acontecer em breve. — Declarou. — Os comandantes Saules e Dairós me deixaram cientes de que tomariam uma decisão semelhante, após o retorno dos senhores à capital.

— Não entendo. — Disse Lorde Aidar.

Lenór voltou a chamar a atenção para si.

— Desde que o Rei Mardus assumiu o trono, vocês se opõem a ele de forma descarada. O rei sofreu várias tentativas de assassinato e os maiores beneficiados com a sua morte seriam vocês. Ele é dado como morto e vocês sequer esperam a comprovação da morte para virem até o Castelo do Abismo para se opor ao seu último desejo e reivindicar o trono que ainda nem esfriou. Suas herdeiras — apontou para si e depois para Vanieli — sofreram uma tentativa de assassinato na noite passada que, claramente, teve ajuda de alguém de dentro do castelo.

Ela girou a caneca de chá que segurava, observando a fumaça que se erguia dela antes de completar:

— A situação dos senhores é completamente desfavorável e, até que sua participação nesses eventos seja descartada, ficarão retidos em seus quartos. Caso a ideia continue desagradando-os, posso torná-los hóspedes das masmorras do castelo. O conforto não é o mesmo, porém não ligo para onde vocês irão dormir, desde que estejam sob vigilância.

Ela franziu o cenho, divertida com o que via nos rostos brutos.

— Nenhum dos homens nesta mesa trairia Cardasin da maneira que está insinuando. — Afirmou Lorde Everin.

Lenór o observou com apuro, analisando as microexpressões em seu rosto, antes de responder:

— Eu acredito que você acredita nisso, Lorde. Porém, não posso dizer o mesmo dos seus companheiros. Se estivesse vendo o que eu vejo, entenderia. — Vagou o olhar pelos outros, rapidamente. — Todos têm algo a esconder e todos acreditam que alguém nesta mesa pode ter cometido esse crime e outros, também.

Fez uma pausa e suspirou antes de tomar um gole do chá para molhar a garganta.

— Considerem-se sortudos por serem quem são. Eu não tenho o hábito de fazer prisioneiros.

A frase trouxe um grande desconforto para os homens. Afinal, em pouco tempo Lenór Azuti tinha adquirido a fama de comandante impiedosa entre as fileiras do exército. Ela não poupava ninguém que se atrevesse a saquear, sequestrar e matar nas vilas sob sua proteção.

— Tampouco tem o hábito de pensar nas consequências dos seus atos. — Acusou Lorde Aidar. — Você acaba de iniciar uma guerra e assinar sua sentença de morte. Assim que nossos clãs se inteirarem das nossas prisões, nossos exércitos virão até aqui e o Castelo do Abismo será varrido dos mapas de Cardasin.

Lenór descansou o queixo no punho cerrado. Havia um ligeiro ar de divertimento em suas feições.

— Acho que você tem razão, Lorde. Contudo, seus exércitos não podem brigar se estiverem marchando sob a mesma bandeira. Correto? — Voltou-se para o Capitão Elius, com um meneio de cabeça.

— Até a confirmação da morte do nosso soberano, o Comando Geral da Guarda Real instituiu o estado de Guerra. — Explicou o capitão. — As ordens dos comandantes Saules e Dairós chegaram há dois dias.

Ele retirou um papel dobrado de um dos bolsos da túnica e entregou para Lorde Aidar. A carta passou por todos os nobres até parar nas mãos de Lorde Kanor.

— Até segunda ordem, todos os homens que integram os exércitos dos clãs, agora fazem parte da Guarda Real. — Lenór falou.

O som das mãos de Lorde Kanor amassando o documento, chamou a atenção dos outros. Ele fitou Lenór com desprezo.

— Mirord e o rei cometeram um terrível engano ao lhe darem tanto poder. Cardasin verá isso em breve. Quanto a mim, o meu maior pecado foi não tê-la matado enquanto podia.

A declaração caiu mal entre os presentes, cujo silêncio tornou-se quase sepulcral. Que os dois não se davam bem, não era novidade para ninguém, afinal Lenór havia fugido de Cardasin quando menina. Porém, ouvir um pai lamentar não ter matado a própria filha, era deveras inquietante; principalmente, por ele ser um Lorde.

Por sua vez, Lenór deixou à vista um sorriso sarcástico.

— Não foi por falta de tentativas. — Ela passou a mão no rosto. — Por que não tenta fazer isso agora? O capitão Elius e seus homens não irão interferir.

Ela fitou o capitão deixando claro que era uma ordem, então continuou:

— Venha, Lorde Kanor. — Pronunciou o nome dele com desdém. — Estou do jeito que você aprecia… ferida, fraca, mal posso ficar de pé sem apoio. Isso não te lembra os “velhos tempos”? Entretanto, devo alertá-lo de que não sou mais a menina que você aleijou em um momento de fúria. Não irei me encolher e chorar como antes. Em vez disso, vou lhe devolver toda a dor que me fez sentir. — Ergueu a mão. — E só preciso de dois dedos para isso.

Ela sorriu mais abertamente e se endireitou na cadeira.

Os dois se encararam longamente até que o Lorde desviou o olhar e percebeu a forma como os companheiros o fitavam. Seu temperamento ruim era famoso e estavam acostumados a ele, todavia nunca imaginaram que seria capaz de agredir seus filhos da forma que Lenór descreveu e que ele não fez questão de negar.

Kanor trincou os dentes. Vontade não lhe faltava de ir adiante e aceitar o desafio, porém estava bastante ciente de que as consequências poderiam ser desastrosas. Não no tocante a matá-la ou ser morto por Lenór, coisa que ele duvidava muito que poderia acontecer, mas sim no que dizia respeito a sua posição como Líder do Clã Azuti.

Ele estreitou os olhos. Era um ardil no qual não cairia. Mesmo assim, as palavras de Lenór sobre o seu comportamento violento já tinham feito um grande dano à sua imagem perante os outros lordes.

— Teremos nosso momento, mas não hoje. — Ele disse, então sentou.

Entre satisfeita e decepcionada, Lenór retrucou:

— É difícil se mostrar valente diante dos outros, não é mesmo?

Sem dar chance do pai responder, ela se voltou para os demais:

— Enquanto o rei estiver desaparecido, ninguém se sentará no trono de Cardasin.

Ela ficou de pé e Vanieli apressou-se a lhe oferecer o braço como apoio.

— Uma ala inteira do palácio ruiu, levará meses até conseguirem encontrar os corpos de todos que estavam lá. — Lorde Aulos comentou. — Pretendem nos manter em cárcere por tanto tempo?

Lenór retrucou:

— Por mais que a ideia de tê-los por perto me desagrade, Lorde Aulos, é um mal necessário. Assim como Lorde Everin, quero acreditar que são apenas tolos e não traidores.

Elas começaram a andar em direção à saída, mas pararam quando Lorde Taniel falou:

— Isso é bobagem! Não somos traidores! A queda no abismo mexeu com as suas ideias, mulher! — Ele ficou de pé, pegando a espada que repousava encostada à cadeira.

— Sente-se, rapaz. — Ordenou Lorde Everin, também ficando de pé. — Como você disse, não somos traidores, então não temos nada a temer. Se existem suspeitas quanto a nós, deixe que a comandante faça o seu trabalho.

A declaração soou estranha aos ouvidos dos companheiros, visto que Everin era um dos mais resistentes às decisões do rei e as novas posições das mulheres no reino.

Atiçado pela raiva e indignação, Taniel retrucou:

— Sente-se você, velho! Humilhe-se, se é o que deseja. Eu sou o Lorde Baruki e já estou cheio dessa baboseira! Nunca irei me submeter a isso, jamais serei prisioneiro dessa dupla de aberrações que o Rei Mardus nos obrigou a aceitar!

Ele estava muito perto do casal e avançou para elas rápido demais para que o soldado mais próximo pudesse impedí-lo. Lenór empurrou Vanieli e inclinou-se para o lado, desviando da lâmina. Antes que Taniel pudesse recolher o braço e mudar a trajetória do ataque, a comandante o segurou pelo punho. Com a mão livre, ela o acertou um pouco abaixo da axila, então deslizou dois dedos pelo seu flanco direito, tocando pontos sensíveis.

Como ela havia afirmado ao pai, embora estivesse em um estado de saúde que inspirava cuidados, ainda era capaz de se defender. E o manibut era uma arte que não exigia força física, embora ela também fosse apreciada em seus usuários, que tendiam a desenvolvê-la expressivamente durante o treinamento.

O Lorde caiu de joelhos, sem forças para se manter de pé e respirando com dificuldade. Ele ergueu a face para ela, incapaz de compreender a dor que o tomava. Fitou a espada no chão e depois ergueu a face para Lenór.

— O que… — ele balbuciou. Até falar lhe parecia um esforço sobre-humano. — O que… que você fez c… comigo?

Um fio de sangue escorreu por entre os lábios dele e Lenór suspirou profundamente.

— Você trouxe a rainha de Flyn para esta conversa, mais cedo. Pois bem, fiz com você o que ela me ensinou a fazer. Me defendi e a minha esposa de um homem que queria nos machucar.

Mirou o pai rapidamente, então ofereceu a mão para Vanieli, que a segurou percebendo o esforço que fazia para se manter de pé. Voltou a fitar Taniel.

— Lembre-se da dor que está sentindo agora. Lembre-se dela e imagine que morte dolorosa você teria se eu o tivesse golpeado a dois centímetros do coração. Pense muito nisso, Lorde Taniel, porque se você tentar nos machucar outra vez, não terei piedade.

***

Vanieli observava Lenór brincar com Gael na cama. Embora cansada, a comandante não largava o menino. Era uma cena bonita e feliz, que plantou um sorriso em seu rosto. Às vezes, era difícil conectar aquela mãe carinhosa e brincalhona, com a comandante rígida, cruel e implacável.

Admirava todas as faces da esposa, porém, a que mais gostava era a que estava vendo no momento.

— Por que você não admite logo que gosta dela?

A moça sobressaltou-se ao perceber o felino sentado na janela, balançando a cauda de maneira despreocupada. A gata Voltruf a encarou de volta, antes de saltar para o interior do quarto e assumir a forma humana.

— Deuses! Por que você não usa a porta como as pessoas normais?! — Vanieli se queixou.

A estrangeira deu de ombros, retrucando:

— Você está conversando com uma mulher de três mil anos de idade, que já morreu e ainda permanece neste mundo porque mantém um laço mágico com outra maga. O que há de normal nisso?

Ela fechou a janela e andou até a cama, encarando os olhos curiosos de Lenór. Fez um gesto discreto, cumprimentando o velho Rall, que estava sentado ao lado da cama, enchendo o fornilho do cachimbo.

— Volt! Volt! — Gael falou, saltando da cama para os braços dela e perguntando sobre Aneirin.

A florinae riu suave com a alegria do menino. Respondeu que não sabia onde estava a gata e o colocou no chão. Fez um carinho rápido em seus cabelos, antes dele pular na cama e se aninhar à mãe.

Voltruf inclinou o corpo para a frente, suavemente; um cumprimento respeitoso.

— É bom vê-la desperta, Comandante. Melina ficará feliz.

Lenór devolveu o cumprimento, colocando dois dedos na testa. A florinae sorriu de lado, reconhecendo o gesto como uma honraria entre os soldados aurivas do seu povo.

— Esteja certa de que você é a primeira manir a me cumprimentar dessa maneira. — Falou.

— Bom, não tenho muitas oportunidades de usar esse cumprimento. Pelo menos, não com alguém que sabe o que significa.

— Você certamente faz jus à mestra que tem. — Voltruf afirmou. — É tão cabeça dura como ela.

Fez um gesto indicando que falava das suas condições físicas.

— E pelo o que andei ouvindo no caminho até aqui, tem a mesma inclinação para a discórdia. Virnan se orgulharia.

— Tenho minhas dúvidas. — Lenór devolveu. — Nosso último encontro não findou em bons termos. Nenhum mestre gosta de ser insultado pelo aluno.

Ela pronunciou as palavras devagar, deixando a mente vagar pela lembrança a qual se referiu. Não era uma memória agradável. A então guardiã da Ordem, assim como Mardus, tentou demovê-la da ideia de ingressar na Guarda Real de Barafor. Elas tiveram uma briga feia e Lenór disse coisas horríveis, palavras que jamais esqueceria e das quais se arrependia profundamente.

— Nunca é tarde para pedir perdão por ser uma idiota. — Voltruf afirmou.

Embora a frase parecesse ter sido um insulto a Lenór, a comandante percebeu que ela falava de si mesma. A observou caminhar até a mesa, onde Vanieli estava e servir-se de vinho.

— Se Virnan tivesse ressentimentos contra você, Lenór, — fez questão de desprezar o título dela, como se houvesse uma intimidade de anos — não teria lhe dado as espadas da mãe dela.

Um sorriso moldou seus lábios, enquanto observava a reação de Lenór. Foi perceptível o fato de que ela não sabia a origem das espadas, nem a importância delas para a mulher que a treinou.

— Já faz muito tempo… — Disse. — Virnan quase me matou com essas espadas uma dezena de vezes. Mas no dia em que quebraram, foi para salvar a minha vida. Irônico, não é mesmo?

Suspirou, pesarosa.

— Então, ela forjou novas lâminas usando o próprio sangue impregnado com magia, para fazê-las mais resistentes. Por isso, elas brilham quando você as usa, Vanieli; pois a magia dela também é espiritual.

Ela terminou o vinho e apontou para a chuva que caía além da janela, mudando de assunto:

— Não pense que irei dispensá-la do treinamento porque sua esposa acordou e resolveu promover uma revolução no reino.

Vanieli se empertigou na cadeira que ocupava, porém sorriu. Ficou de pé, preparando-se para seguí-la para o local de treinamento. A sua alegria, embora contida, foi percebida pela esposa com satisfação. Lenór estava verdadeiramente feliz por ela.

— Me deixe orgulhosa! — Lenór falou, quando as duas passaram ao lado da cama em direção à porta.

Quando se viram sozinhos, Rall mostrou um sorriso cansado para a amiga, que fazia cafuné na cabeça do filho perdida em pensamentos.

— Ela é uma moça de ouro, Lenór. Não a deixe escapar sem lutar.

A comandante arqueou a sobrancelha, prestes a reclamar da sua insistência em falar dos seus sentimentos.

— E não tente negar o que sente. — Ele foi mais rápido. — Você foi bastante tagarela quando estava inconsciente.

Os lábios dela crisparam e afastou a vista para o fogo da lareira, murmurando:

— Tanto assim?

O velho riu baixinho, fazendo um carinho no braço dela.

— Aparentemente, você teve uma conversa interessante com Najili, onde contou sobre os seus sentimentos por Vanieli.

Lenór passou a mão no rosto, suspirando de irritação consigo mesma.

— Ah, não precisa ficar assim! — Rall lhe deu um tapinha no braço. — Não há nada do que se envergonhar.

— Não estou com vergonha, Rall, apenas… triste. — Mordiscou o lábio inferior, e um longo momento de silêncio se passou até decidir confessar: — Acho que me apaixonei por ela assim que a vi, mas estava tão decidida a nunca colocar alguém no lugar de Najili, além de me deixar cegar pelo desejo de vingar a morte do meu irmão e de proteger Mardus do mesmo destino. Foi fácil ignorar a palpitação que sinto no peito sempre que a vejo sorrir.

— E o que mudou?

— Além de você me atormentando com isso o tempo todo? — Ela deu um sorriso anasalado. — Ela se tornou carinhosa com as pessoas que amo acima de qualquer coisa.

Beijou o topo da cabeça do filho e apertou a mão do velho.

— Não por obrigação, mas por realmente gostar de vocês. Isso mexeu comigo. Então, comecei a perceber que eu também estava mudando por ela. Mesmo assim, fiz questão de negar os sinais que você insistiu em me apontar.

Soltou a mão de Rall e riu baixinho com as lembranças que lhe assaltavam.

— Aí, eu a beijei nos túneis; nada daqueles beijos bobos que vez ou outra trocamos diante das pessoas. E quando nos separamos, eu só conseguia pensar no quanto queria continuar beijando e abraçando ela; no quanto gostava de ouvir o seu riso e tantas outras coisas… em como desejava que ela fosse minha de verdade.

Fez uma careta e enfiou a mão nos cabelos, calando-se. Compreensivo, Rall balançou a cabeça um par de vezes. Era bom ouví-la externar o que sentia, embora percebesse uma nota de tristeza em cada palavra.

— Você a deixou assustada, sabe? — Revelou ele. — Mas acho que isso foi bom; já estava mais do que na hora dela perceber que vocês podem ser mais que amigas e que esse casamento pode sim ser real e feliz.

Lenór balançou a cabeça, melancólica.

— Está querendo demais, meu velho.

— Será? — Rall recordou as palavras de Vanieli, quando afirmou que não se interessava por Lenór romanticamente. — Talvez tenha razão, porém torço para que esteja errada.

Ele sorriu aberta e calorosamente. Não custava sonhar.

— Sei que você não irá investir em uma batalha que considera perdida, mas acho que deveria deixar isso claro para Vanieli. Afinal, ela me pareceu muito desconfortável com a possibilidade de vir a magoar você de alguma forma. — Aconselhou.



Atrasada, enrolada, pedindo desculpas até para o vento! Esta sou eu. Agradeço a paciência e a companhia sempre! 

Tô MUITO atrasada nas respostas aos comentários, mas estou respondendo eles. Logo, logo, encosto neste capítulo! Se gostarem dele, não esqueçam de curtir. 😉

Beijos! 



Notas:



O que achou deste história?

10 Respostas para 28.

  1. Autora por favor continua a história ,ja tem algumas semanas q tu sumiu .Estou com saudades volta pra nois .por favorzinhooo

  2. Mais um capítulo sensacional.
    Amo mais a cada capítulo apostado.
    Só espero que nossa Lenór se recupere e esteja 100%, e dê uma surra no crápula cujo o destino o titulou como pai.
    Bjs boa semana

  3. Cara…
    Toda vez que consigo driblar as agora pequenas dificuldades internauticas aqui de Matoville, me pergunto porquê de não ter em minhas mãos volumoso livro com essa sua história para ler, “enquanto esfriou os calos das minhas mãos”. Injusto isso…

  4. Olá! Tudo bem?

    Sei lá, mas já passou da hora das duas serem ”nós” e não somente eu e você.
    Sei não, e ainda aparece uma personagem misteriosa?
    Pois é, em vez de esclarecer, as coisas estão novamente ficando nebulosas.
    É isso!

    Post Scriptum:

    ”Coloque a lealdade e a confiança acima de qualquer coisa; não te alies aos moralmente inferiores; não receies corrigir teus erros.”

    Confúcio,
    Pensador e Filósofo Chinês.

  5. To completamente apaixonadaaaa por esse capitulo!!!
    Como é possivel que todo capitulo seja melhor que o outroo! Meu coração não aguenta todas essas fortes emoções kkkkk (mas fique a vontade para continuar, eu que lute)

  6. Lenor colocando os Lordes em seu devido lugar.
    Quem sera a ñisteriosa assassina?
    Sentimentos sendo expostos. Muito show.

    • Olá Tattah!😀

      Tudo bem?
      Excelente Lenór voltando a ativa! Gosto muito da construção do relacionamento dela com a Vanielie, também com o Rall. Já visualizo um encontro entre Lenór e Virnan, tanto para a ação quanto para curar o desentendimento do passado. Também acredito que seria muito bom os lordes Kanor e Taniel acabarem tendo que reconhecer seus erros e pedirem perdão por todos os males causados.

      Abraço e muito sucesso!✨😀✨

  7. Amei esse capitulo. Todo. E até teve resposta pra algumas perguntas que eu fiz lá atrás.

    Esta história é uma das minhas preferidas.
    Boa semana, autora.

  8. Uau,

    Amei o cap. k k k adoro qdo Volt aparece e tô com saudades da Melina.
    Me fala, onde anda a Anerin, pensei q estaria sempre por perto das 2?
    Pergunta que não quer calar: quem é a muié q deveria estar morta e q logo
    logo vai estar?
    Não q eu seja favorável a agressão, mas q eu amei a surra q ela deu no
    macho escroto, isso eu amei de paixão. k k k
    Rall parece aquelas tias q te querem casada e deixam isso bem claro a cada
    visita q te fazem.
    Espero q Lenór tome alguma atitude, sei q é da natureza dela se esconder do
    q sente, mas talvez o q ela passou no Abismo a faça reconsiderar e não mais se
    esconder.

    Repetitiva eu sou… mas a culpa é toda tua, TÁ SENSACIONAL. 😉😍

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