A lua cheia imperava no céu noturno, oferecendo um espetáculo aos olhos. Entretanto, não era para ela que Lenór Azuti olhava, tampouco os homens na muralha.

A lua trazia consigo a possibilidade dos monstros do abismo retornarem, deixando a cidade inteira apreensiva, embora Voltruf e Melina acreditassem que, se eles viessem, a última lua cheia do mês seria o momento ideal, pois o astro estaria em seu ápice.

Mesmo assim, Lenór reforçou a guarda da cidade e, humildemente, pediu a ajuda das duas estrangeiras, que garantiram um suprimento de flechas com pontas congeladas e tochas com fogo espiritual para os soldados. Elas prometeram mantê-los assim até o dia raiar.

Contudo, não era apenas com as criaturas que Lenór se preocupava.

A visita de Yahira confirmou todas as suspeitas que tinha, além das informações que extraiu de Ravis. Então, deu um jeito de introduzir um espião na fronteira, e as notícias da movimentação militar por lá a deixaram apreensiva.

Obviamente, não foi uma surpresa. Porém, acreditava que teria mais tempo para preparar o Castelo para uma batalha, assim como, alinhar os reforços que os comandantes Saules e Dairós lhe enviaram discretamente — e que ainda não tinham chegado.

Existia muito mais para se preocupar; planos que traçou com a ajuda de Rall, Aisen e Jarfel. Havia algum tempo, estavam em execução. Entretanto, se tratavam de um passo de “fé” e a possibilidade de fracasso era maior que a de sucesso.

E no meio de todas essas preocupações, incertezas e receios, estava o seu casamento e os rumos que o relacionamento com Vanieli tomou nas semanas que sucederam aquela noite de fogueira.

Lenór mordiscou o lábio inferior ao passo que deslizava o olhar sobre os telhados das casas até alcançar a muralha, onde o fogo nos braseiros tremulava. Ela sentia que algo ruim se aproximava do Castelo e não precisava de magia para isso. Sentia, também, o olhar de Vanieli sobre si.

A Kamarie estava na cama, dividindo-se entre a observação apurada da esposa e os próprios pensamentos.

— Deite-se e descanse um pouco.

Lenór estremeceu ao ouvir a voz dela. Ergueu a vista para a lua e não se moveu além disso quando respondeu:

— Que tipo de comandante seria, se repousasse enquanto meus homens estão lá fora, à espera do inimigo?

— Seria uma comandante que ainda está em recuperação após ter caído em um abismo — retrucou Vanieli, escorregando para fora da cama e juntando-se a ela na janela.

A abraçou por trás, tão forte quanto acreditava que seria possível sem lhe causar desconforto. Lenór cobriu com a sua, uma das mãos em sua barriga.

— Eu estou… — começou a falar.

— Por favor, não diga que está bem, pois sabemos que não é exatamente a verdade — Vanieli a interrompeu.

Olhou para a bengala, recostada em uma cadeira. Lenór continuava a usá-la, mas já não dependia tanto dela para andar. Contudo, a comandante ainda era acometida por cansaço e febre repentinos, embora esses episódios tivessem diminuído bastante com o passar dos dias. Melina afirmou que fizera o seu melhor e, agora, a recuperação da Azuti só dependia dela própria e do tempo.

Vanieli aumentou a força do abraço, aspirando o perfume dos cabelos dela. Lenór se virou e a trouxe para os seus braços. A Kamarie encaixou-se entre eles, percebendo a temperatura dela ligeiramente elevada. Sentiu aquele aperto no peito, que já estava se tornando comum, e sempre ocorria quando a via frágil pela doença.

Nesses momentos, percebia o quanto seus sentimentos pela esposa cresceram e se tornaram fortes, pois nunca quis tanto cuidar e proteger alguém como desejava fazer por Lenór.

— Se algo acontecer, ouviremos o alerta. Deite-se um pouco —  insistiu, beijando o ombro dela. — E até onde sei, nenhum soldado faz vigília metido em roupas de dormir.

Ela sorriu para a própria observação e fez menção de se afastar, mas Lenór a impediu, perguntando:

— Se sentindo solitária?

Mentalmente, Vanieli formulou uma resposta atrevida. Entretanto, optou por um simples:

— Talvez. — Então, fez um biquinho, não resistindo a ideia de completar da maneira que imaginou: — Gostaria de fazer companhia a sua esposa, Comandante? Talvez possamos travar uma guerra diferente entre os lençóis.

Lenór admirou o riso dela, tão belo quanto o olhar banhado pela luz do luar que invadia o quarto. Sentiu o coração apertado pelos sentimentos que cresciam, descontrolados. Por mais que tentasse impor uma distância segura entre elas, as coisas já não eram as mesmas e jamais voltariam a ser.

Tinha passado algum tempo relutando em se render ao amor pela Kamarie que, por sua vez, se esforçava para cativar a atenção dela e, também, não voltar a repetir os mesmos erros. Todavia, a tensão e o temor de que o relacionamento que estavam construindo pudesse ruir com uma palavra ou gesto mal interpretado era constante.

Para Lenór, era como se estivesse rodeada pela água que seu corpo tanto necessitava para viver, mas incapaz de nadar nela. Era atordoante, sufocante. E, às vezes, se odiava por ter passado tanto tempo pensando e pesando os prós e os contras de libertar seus sentimentos.

Deslizou a mão pelas costas dela, suave. Não queria mais se sentir daquela forma, tampouco continuar se entregando às dúvidas. Beijou a ponta do nariz de Vanieli e declarou em tom jocoso:

— Você ainda não está preparada para essa batalha, Kamarie.

Novamente, a resposta estava na ponta da língua de Vanieli, mas temendo criar uma situação constrangedora, ela freou seu ímpeto de retrucar com um misto de piada e acusação. Então, sorriu e tentou se afastar, porém, Lenór não a libertou do abraço.

— Sei que está preocupada, eu também estou. Contudo, minha maior preocupação é com você. Precisa se cuidar. — Declarou a moça, mudando de assunto.

— Não há como me cuidar mais do que você, Aisen, Dimal e Melina estão cuidando. Às vezes, me sinto uma criança.

— Uma criança bastante desobediente, vamos deixar bem claro — riu.

O comentário arrancou um risinho torto de Lenór. Ela inspirou fundo, passeando o olhar pelo rosto de tez escura, emoldurado por uma expressão sapeca. Naquele momento, Vanieli lhe pareceu tão encantadora e apaixonante, que as palavras lhe escaparam sem freios:

— Case-se comigo — pediu.

Já somos casadas, esqueceu? — Vanieli aumentou o sorriso, enquanto lhe beijava a ponta do queixo.

Momentos assim, com pequenos gestos de carinho e beijos, tinham se tornado comuns entre elas, desde a noite da fogueira. Na verdade, Vanieli ansiava por eles, por tocá-la e beijá-la despretensiosamente. Desejava, apenas, estar com ela.

Lenór devolveu o sorriso. Ela afrouxou o abraço e explicou:

— É verdade, mas daqui pouco mais de um ano estaremos solteiras novamente.

— Você não está fazendo muito sentido.

Ela deu de ombros, confessando:

— Só estou cansada, Vanieli.

— Então, vamos deitar um pouco — afastou-se completamente, indicando a cama.

— Não se trata disso — Lenór tornou a trazê-la para perto, as mãos em sua cintura, firmes. — Estou cansada de tentar resistir a você; de tentar não pensar no que vai acontecer quando o nosso compromisso chegar ao fim.

— O que isso significa?

— Significa que eu decidi que quando esse dia chegar, vou te pedir em casamento.

A Kamarie voltou a rir, achando a conversa estranha e confusa.

— Por que você faria isso, Lenór? Como disse, já somos casadas. Não seria mais simples seguir adiante e esquecer a separação?

Ela a soltou completamente.

— Sim, é verdade, mas vou te fazer uma pergunta e quero receber uma resposta sincera. Não tenha medo de me falar, está bem?

Vanieli confirmou com um meneio de cabeça.

— O que você sente por mim?

— Você já sabe — afirmou.

— Eu sei o que vejo nos seus olhos, sinto na sua voz e percebo nos seus gestos. A questão é, você sabe o que sente? Consegue nomear isso?

— Eu já te falei — retrucou Vanieli, alternando o peso entre as pernas.

— Não, não falou. Você apenas expressou seu desejo de estar ao meu lado, não nomeou seus sentimentos.

— Isso importa mesmo? — ela se abraçou, temendo os rumos da conversa. — Não basta querer estar contigo?

Paciente, Lenór tentou buscar as palavras certas para fazê-la entender seu questionamento.

— Os meus sentimentos são muito claros e tudo o que quero é que você também tenha essa clareza. Do contrário, vamos acabar nos machucando muito mais do que aconteceu até agora.

Ela fitou o fogo na lareira, antes de fazer uma pequena careta.

— O problema, Vanieli, é que eu tenho medo de que tudo isso não passe de paixão. E paixão é um estado, um momento que chega ao fim. Amor, por outro lado, nunca acaba. Ele se transforma; às vezes, em algo ruim, mas não acaba.

Vanieli recuou um passo e ela balançou a cabeça devagar em um gesto positivo, como se estivesse tendo uma conversa consigo mesma. Uma ruguinha discreta se formou em um dos cantos da boca.

— E é por isso que eu quero te fazer uma proposta — disse.

A Kamarie encheu as bochechas de ar, cada vez mais temerosa do que estava por falar. Ela caminhou até a cama e sentou, pois o nervosismo começava a tomá-la. Lenór a seguiu devagar; fez uma careta quando se agachou à sua frente, colocando as mãos em seus joelhos.

— Apesar das boas intenções, começamos essa união pelas razões erradas e da maneira errada. Mesmo sem intenção, acabamos nos magoando. E não desejo que isso se repita porque você não tem certeza do que sente e eu quero tanto tê-la ao meu lado que irei fingir que não percebo suas incertezas.

— Eu não estou entendendo. Onde você quer chegar?

As mãos dela deslizaram por suas coxas em um gesto claramente nervoso, e Vanieli percebeu que Lenór também temia o resultado daquela conversa.

— Um ano e poucos meses… A depender do conflito que se aproxima, é todo o tempo que ainda temos juntas. Vanieli, estou cansada de me perguntar sobre as coisas que falei e estou passando a responsabilidade para você. É isso. Quando o compromisso que temos agora chegar ao fim, eu vou te perguntar se você quer se casar comigo. Farei isso pelos motivos e sentimentos certos. Porque te amo e quero compartilhar minha vida com você.

Exibiu um sorriso trêmulo.

— Então, se daqui algum tempo você perceber que se enganou quanto ao que sente e que não é ao meu lado que quer ficar, poderá partir sem remorsos. Vou ficar triste, é verdade. Mas vou te amar muito mais por isso, pois você estará sendo sincera consigo mesma e comigo.

Aos poucos, Vanieli soltou o ar que tinha prendido durante a explicação, sem saber como reagir. Seus sentimentos por ela eram intensos e assustadores, mas apesar de reconhecê-los, tinha medo de nomeá-los. Não por haver uma incerteza, e sim, por temer se expressar da forma errada outra vez. Simplesmente, não suportaria magoá-la de novo.

— Você é mesmo uma mulher surpreendente, Lenór Azuti. — Reuniu forças para dizer. — E enquanto esse dia não chega, o que faremos? Continuamos nesse relacionamento indefinido, em que eu tento me redimir dos erros que cometi, ao passo que você tenta me afastar porque não consegue escapar das dúvidas?

— Acho que já deu para perceber que sou péssima em mantê-la longe. E não é porque você não colabora, e sim, porque eu não quero ficar longe de você. — Balançou os ombros. — Na verdade, o que planejo fazer de agora em diante é aproveitar cada momento ao seu lado intensamente. Decidi não me preocupar com o que pode acontecer daqui um ano. porque sofrer antecipadamente não me cai bem. Então, o que você acha?

— Acho que você bateu a cabeça muito forte quando caiu naquele abismo — Vanieli a provocou, sentindo um alvoroço de alegria no peito.

Lenór riu, mas logo ficou séria e perguntou:

— Então, acha que devo desistir da ideia de fazer amor com você agora?

Ela riu, achando se tratar de mais uma brincadeira, mas Lenór não a acompanhou no riso. Em vez disso, a comandante colocou a mão em sua nuca, os lábios se entreabrindo devagar. Ela os molhou com a ponta da língua e Vanieli suspirou antecipando o beijo.

E quando suas bocas se encaixaram, ela experimentou um beijo diferente dos delicados e carinhosos, com os quais se habituou. Lenór se apossou dos seus lábios com a mesma voracidade que tinha feito nos túneis, na fatídica noite em que caiu no abismo.

— Você não acabou de dizer que ainda não estou pronta para uma batalha entre os lençóis? — perguntou ofegante entre os lábios dela, que desfazia o laço da sua túnica de dormir, com agilidade.

O tecido escorregou, revelando suas formas e, embora já tivesse se despido na frente dela uma centena de vezes, Vanieli sentiu-se envergonhada pela exposição e depois satisfeita com o fascínio e paixão que tomaram o semblante da esposa.

— Eu menti — Lenór declarou, enquanto a empurrava para o centro da cama e subia no colchão. Declarou: — Nunca se está realmente preparado para a primeira batalha.

Ela sorriu de um jeito devasso, enquanto se desfazia das próprias vestes, que foram atiradas ao chão sem cerimônia. Ansiosa, Vanieli enroscou as pernas na cintura dela, sentindo a euforia e o desejo crescerem em seu íntimo com o contato.

E ao contrário da pressa inicial, Lenór tomou um instante para admirá-la com o coração agitado. Deslizou as mãos sobre a pele negra que, de um lado, refletia os tons dourados das chamas na lareira e, do outro, a luz prateada da lua. E chegou mesmo a pensar, que estava prestes a amar uma deusa.

Em meio a um suspiro apaixonado, Vanieli leu nas feições dela os mesmos sentimentos que se debatiam em seu interior. Baixou a vista para admirá-la também, acompanhando os contornos dos ombros largos, os músculos firmes e as tatuagens que recobriam a pele morena — cuja convalescença transformou em pálida.

Foi, novamente, tomada pela vergonha quando fitou os seios dela e depois deslizou o olhar até o ventre. Nunca tinha se permitido olhá-la daquela forma, nem mesmo durante o tempo em que esteve inconsciente após retornar do abismo e era preciso banhá-la e vesti-la.

Queria tocá-la e ser tocada por ela. E temia aquele momento, tanto quanto ansiava por ele.

Aumentou a pressão das pernas em volta da cintura dela, o coração acelerado. Lenór sorriu com a sua impaciência; aquele sorriso que misturava uma nota de sarcasmo e provocação, e que aprendeu a interpretar como predecessor de uma lição.

De fato, Lenór estava prestes a ensiná-la algo novo. E esse algo não era “como ter relações com uma mulher”, e sim, como ser “amada” de verdade.

— Ainda está em tempo de desistir, Kamarie — disse ela, escorregando as mãos pelas coxas grossas em um toque tão suave, que Vanieli sentiu-se arrepiar inteira.

E como provocação, estendeu o contato pela penugem em seu ventre, roçando propositalmente em um ponto sensível. Curvou-se sobre ela, passando a ponta da língua sobre um seio e o mordiscou devagar. Vanieli estremeceu, sentindo a face arder.

— Desista você, se quiser. Mas se fizer isso, eu juro que te jogo naquele abismo de novo! — A voz soou trêmula, revelando o medo de que ela realmente desistisse.

Lenór riu, se deixando puxar por ela, até se encaixar completamente ao seu corpo. Ávida, Vanieli a segurou firme para sentir melhor a coxa que pressionava sua intimidade e o peso do corpo. Um pouco incerta, também se atreveu a explorar o corpo dela com as mãos, descobrindo suas curvas e textura, em meio a beijos sugados e ardentes.

Lenór insinuou uma mão entre as suas coxas e a satisfação de tocá-la daquela forma lhe arrancou um suspiro pesado, que se misturou aos gemidos de Vanieli, cuja excitação crescia junto com as carícias que recebia. Ambas inebriadas pelo ato de se pertencerem.

— Não tenha pressa, amor. — Lenór sussurrou ao perceber o destempero dela, então escorregou os lábios pelo seu corpo. Beijou-lhe o pescoço, os ombros e os seios rijos, sempre fixando o olhar dela. Traçou um caminho úmido pela barriga e interrompeu-se ao alcançar o ventre.

Vanieli a fitou entre envergonhada e ainda mais excitada com a respiração quente, que lhe acarinhava a pele. Recebeu um sorriso de volta, dessa vez com malícia, e sentiu-se uma presa prestes a ser devorada. Lenór desceu mais um pouco, aspirando o aroma da sua excitação e Vanieli se contorceu de prazer quando sentiu o toque macio da sua língua.

 

A Kamarie fechou os olhos e imergiu nas sensações que a esposa lhe proporcionava, cada vez mais intensas e ardentes ao ponto de gemer o nome dela incansavelmente enquanto bagunçava seus cabelos e agarrava-se aos lençóis.

E enquanto o seu descontrole crescia, anunciando o ápice daquela insana mistura de sensações, ela abriu os olhos, apenas para se dar conta de que a magia escapulia do seu corpo, envolvendo Lenór em fiapos azulados de luz. Sequer teve tempo de processar a imagem e se deixar arrastar pelo medo de machucar a esposa, pois foi arrebatada pelo gozo.



***




Melina encarou uma pequena rachadura na parede, suspirando devagar, enquanto acariciava a joia esverdeada que adornava seu arco. Voltruf cruzou seu campo de visão esticando-se lentamente em meio a um bocejo preguiçoso.

Ela apreciou o olhar entediado que recebeu, achando-o atraente. Se aproximou da florinae, cingindo a cintura dela e lhe tomando os lábios, carinhosa.

— Desculpe, só estava com saudade — declarou e afastou-se, esperando uma resposta afiada. Contudo, Voltruf limitou-se a admirá-la em silêncio.

Olhou-a por tanto tempo e de forma tão misteriosa, que Melina começou a se sentir incomodada. Não de uma forma ruim, pelo contrário. Enxergava a paixão nos olhos dela e lamentava o fato de não estarem sozinhas para poderem usufruir de uma carinhosa intimidade.

Lhe custou andar para longe dela e sentar na beirada da cama, onde Aisen ressonava pesadamente, após uma longa e dolorosa sessão curativa em uma das câmaras abaixo do castelo. Havia uma, em particular, que recebia a luz do luar em um círculo perfeito. Era distante de olhos curiosos e isolada o suficiente para não serem interrompidas, já que a saída dela dava para o abismo.

Foi a primeira vez que Melina visitou o local e, assim como Voltruf fez antes dela, — quando passou a frequentar o lugar em companhia de Vanieli para os treinos, após Lenór ter proibido a entrada dos cidadãos na floresta, exceto, os guardas que faziam a patrulha — deduziu que aquele emaranhado de túneis e galerias, em outros tempos, tinham sido uma espécie de templo.

— Acha que ela ficará bem? — perguntou, olhando para Aisen.

Brincava com o medalhão em seu pescoço, inconscientemente. Tratava-se de um aro prateado, que ostentava uma pedra verde no centro e era o símbolo máximo da sua posição de liderança na Ordem. A pedra não passava de uma esmeralda comum, mas em outros tempos, a pedra que adornava  o medalhão possuía um grande poder. Atualmente, essa pedra se encontrava em um salão mágico, que ficava entre mundos e permitia que os mortos fizessem a passagem para Inamia — as Terras Imortais.

Por décadas, Melina carregou a “Pedra do Coração”, como era chamada, ciente do seu poder e inocente para o verdadeiro significado dele. O “Coração Negro” do qual o punhal de Yahira tinha sido feito, era uma pedra de poder semelhante. Entretanto, enquanto aquele que um dia lhe pertenceu alimentava-se da magia pura do mundo, o de Yahira fazia o oposto.

— Me diga você, afinal, só ajudei um pouco ao lhe doar magia — Voltruf respondeu.

— Eu não tenho ideia — admitiu. — Em se tratando das feridas físicas, estou certa de que curei todas, exceto, o corte profundo na altura do coração.

Apertou o medalhão com força.

— O que está dentro dela é… Nem sei como descrever! Só toquei um pedaço da aura dessa coisa. Mesmo sabendo que Amani criou um selo mágico para contê-lo, o poder que escapa dele e fere Aisen, por mínimo que seja, é assombroso.

 Voltruf sentou na janela, limpando a garganta, enquanto fitava o sono agitado de Aisen.

— É apenas uma lasca — comentou. — Imagine o quão poderoso é o punhal inteiro.

— Não é necessário, se for equivalente à Pedra do Coração.

— Não deixa de ser, mas a Pedra do Coração é o resultado do sacrifício, de boa vontade, do primeiro círculo de guerreiros castirs do meu povo. Um Coração Negro, por outro lado…

Ela se interrompeu, deixando a imaginação de Melina correr solta sobre o que pretendia dizer.

— Enfim, — retomou — esse fragmento deveria ter consumido a alma de Aisen há muito tempo, mas a magia de Amani o mantém isolado.

— Essa moça é muito mais forte do que imaginamos — a grã-mestra afirmou. — E também muito querida pela sua rainha. Um selo desse porte exige muito poder e, também, um pequeno sacrifício por parte de Amani que, enquanto estiver viva, está conectada a ele, alimentando-o com sua magia. A distância o enfraquece, é verdade, mas não deixa de estar sendo alimentado por ela.

Suspirou fracamente, passando a mão no rosto suado de Aisen, antes de se voltar para a amante e perguntar:

— Você a conheceu, certo?

Volt se encolheu na janela, fazendo um gesto afirmativo com a cabeça.

— Você não respeita muitas pessoas — continuou Melina —, porém, sua admiração por Amani é perceptível sempre que o nome dela é citado. Deve ser mesmo uma grande mulher.

Um sorriso raro dividiu os lábios de Voltruf, levando para a grã-mestra um ligeiro incômodo.

— Ela é, embora meu povo tenha feito questão de relegá-la ao esquecimento.

Aproximou-se da mesa, onde Melina tinha depositado o arco, e passou os dedos sobre ele respeitosamente.

— Ela forjou seu arco e as outras armas tucsianas para dar ao primeiro Círculo Castir o poder de findar a grande guerra entre humanos, enaens e espíritos, quando este mundo ainda fazia parte de um “todo”. — Sentou-se em uma das cadeiras em volta da pequena mesa.

— Que tal me contar sua história com ela, enquanto Aisen não desperta?

Volt descansou o braço na mesa, respondendo com outra pergunta:

— E que tal você me dizer o que a preocupa? Tem andado muito reservada ultimamente.

— Parece que você anda prestando muita atenção em mim — Melina retrucou com um sorriso vaidoso.

— Sempre — Volt devolveu seriamente.

Então, se endireitou no assento e indagou:

— O que a preocupa? Lenór? O abismo?

— Na verdade, Vanieli, seus pesadelos e Lenór.

Dias antes, Vanieli contou para elas sobre o pesadelo que teve com Lenór e como isso interferiu na sua magia, a levando a atacar a esposa enquanto ainda estava inconsciente.



Não é uma certeza. Porém, tenho essa impressão desde que acordei; já tive esse sonho antes — dissera Vanieli, com expressão carregada. E continuou após um momento: — A verdade é que esses sonhos diminuíram quando comecei a ser instruída por Voltruf. E os poucos que vinha tendo não eram tão agitados. Consequentemente, comecei a lembrar de pedaços deles. Coisas vagas e sem sentido. Não me prendo muito nessas lembranças. Mas o daquela noite… Esse foi diferente. Era como se eu estivesse lá, vivenciando aqueles momentos. — Ela franziu o cenho antes de concluir, olhando para Voltruf: — Pensando sobre isso, a sensação que tive foi bem parecida com o que aconteceu no abismo, quando você precisou me ajudar a controlar o que quer que eu estivesse fazendo naquele momento. Acho que também estava sonhando naquela ocasião. Um sonho acordada.



— O que a preocupa nessa história? — perguntou Voltruf.

— Você tem milênios de existência e é uma especialista em magia. Acho que já deveria ter adivinhado a resposta ou, pelo menos, formulado uma teoria — retrucou.

A amante bateu o dedo indicador na perna algumas vezes, deixando uma pequena careta deformar as feições.

— Meu silêncio não significa que fiz pouco caso do assunto. Apenas, optei por não tecer comentários naquele momento. Também me preocupa o descontrole de Vanieli, e sim, eu tenho uma teoria. A questão é que não gosto dela, porque me faz duvidar dos seus dons, Melina, e também, lamentar por Lenór.

— Por quê?

Volt fitou o arco outra vez e, assim como Melina, notou que Aisen estava desperta e atenta à conversa. Mesmo assim, continuou:

— Porque o dom da percepção de Vanieli é muito apurado. Na prática, ela é capaz de perceber as alterações no ambiente e nas pessoas, chegando a prever suas intenções. Principalmente, se forem ruins. Um dom muito poderoso para alguém que possui um vínculo com a água, pois ela guarda memórias.

Cruzou os braços, pensativa.

— Chovia muito na noite em que descemos o abismo. É provável que o “sonho” que descreveu tenha sido uma projeção do passado daquele lugar. E acredito que foi a mesma coisa em relação ao sonho que teve com Lenór.

— Então, você concorda que o pesadelo que Vanieli teve naquela noite, na verdade, não pertencia a ela.

— Sim… — ela fitou os olhos castanhos de Aisen; um dedo batendo na madeira da mesa devagar e ritmadamente.

— E também concorda que, possivelmente, o sonho são memórias da alma de Lenór. Uma alma muito antiga pela quantidade de vivências que ela descreveu.

— Sim — Volt respondeu com um muxoxo, ainda com olhar fixo em Aisen.

— Pode me explicar como chegou a essa conclusão? — Melina insistiu, já imaginando a resposta. Contudo, ela precisa saber e entender o que estava se passando.

— É bem simples, na verdade. Vanieli não possui dons do Tempo. Ela não pode ver o passado de alguém apenas tocando-o ou usando palavras mágicas. Entretanto, com o dom da percepção tão apurado, além da capacidade de projetar seu espírito enquanto dorme, não seria difícil alcançar tais lembranças em uma alma que não é capaz de bloquear sua invasão.

Ajeitou-se na cadeira, fitando a amante. Melina parecia triste.

— Uma alma tão antiga carregaria magia consigo — ela comentou, assistindo a tristeza de Melina aumentar, ao passo que Aisen juntou o lençol entre as mãos em um gesto claramente pesaroso.

A daijin sussurrou:

— Este lado do mundo não gosta de magos, como você bem sabe. E as pessoas daqui descobriram um jeito de “bloquear” a magia de seus filhos. Esse ritual grotesco e cruel foi proibido séculos atrás. O Valrrir se trata de quebrar ossos e, assim, destruir os canais mágicos que permitem a circulação desse poder pelo corpo e a sua manipulação.

A florinae trincou os dentes.

— Há quanto tempo sabia? — perguntou para Melina, que começou a auxiliar Aisen a sentar devagar.

— Desde que Lenór embarcou comigo para Amarilian, há quase doze anos.

Sorriu, amarga.

— Ela caiu em um abismo, Volt; um espírito atravessou seu corpo. Uma dessas coisas deveria tê-la matado, mas isso não aconteceu porque em algum momento da vida, Lenór Azuti teve magia.

Voltruf estremeceu com a ideia e voltou a olhar para Aisen, dizendo:

— Uma alma antiga e uma daijin para protegê-la… — um sorriso torto se espalhou pelo seu rosto. — Sua presença aqui faz bastante sentido agora.

— Promessas regem destinos — Aisen disse, simplesmente.

— Promessas regem destinos… — Volt repetiu, pesarosa. — Eu conheço a história.

— O que isso quer dizer? — Melina perguntou, perdida na conversa.

Voltruf olhou para além da janela, antes de responder:

— Por ter forjado as tucsianas, entre outras coisas, Amani foi aprisionada neste mundo pelo seu próprio povo. Sendo uma enaem, ela é quase imortal, no que se refere a passagem do tempo. Um castigo eterno, se quiser entender assim. Longe dos seus, impedida de rever seus familiares e viver seu grande amor. Proibida, até mesmo, de morrer. Pois, se isso acontecer aqui, em Domodo, sua alma não conseguirá fazer a passagem para as Terras Imortais.

— Deuses, que destino cruel — lamentou Melina.

Ela concordou com um inclinar de cabeça singelo, ao passo que Aisen engoliu em seco.

— Verdade. Mas os destinos mais cruéis também podem nos trazer coisas boas. Amor, amizade, lealdade e, também, um  pouco de felicidade. Muito tempo antes dos nossos caminhos se cruzarem, Amani encontrou todas essas coisas em alguém. E essa pessoa prometeu que iria libertá-la, mesmo que tivesse de viver mil vidas até alcançar esse objetivo.

Volt sorriu sem o costumeiro sarcasmo, recordando a noite em que Amani lhe contou aquela história com lágrimas nos olhos.

— Lenór é essa pessoa, não é?

— Sim — Aisen confirmou. — E assim como ela, em outra vida, eu também liguei meu destino ao de Amani e ao dela através de uma promessa.



Eu seiiii… Tô muito atrasada nas postagens. Novamente, peço desculpas pela demora e por esse vácuo de semanas. Outra vez, problemas pessoais e profissionais me impediram de postar. E quando essas coisas se misturam, fica realmente difícil encontrar um escape para a imaginação.

Espero que possam compreender.

De todo modo, volto a repetir: NÃO DEIXO HISTÓRIA SEM FINAL. Se comecei a postar, irei terminar.

Um beijo carinhoso e, como sempre, obrigada pela companhia e paciência.


 

PS: Texto sem revisão. Perdoem possíveis erros e partes confusas, terminei de escrever e já vim postar.



Notas:



O que achou deste história?

7 Respostas para 36.

  1. Minha Deusaaa! Que capítulo delícia! Completamente apaixonada pelo rumo que essa história tá tomando, simplesmente perfeitaaa ❤️

  2. Tattah,

    como sempre, reli o cap. e cada x mais me apaixono pela história.

    A história de Amani é apaixonante e revoltante ao mesmo tempo, receber as pinceladas desta história me deixa ansiosa pelos caps. vindouros.
    o q impressiona é a quantidade e qualidade de histórias dentro DO ROMANCE.

    Maravilhoso…

  3. O momento mais esperado entre Lenór e Vanieli 😍😍😍

    Agora as coisas começam a ter seus encaixes, mas ainda há muito pra fechar.

    Sempre espero ansiosa pela atualização e quando vem é o ápice da felicidade que dura apenas alguns minutos

    Mas pela estória ser tão boa vale a espera, vc pode ter certeza disso autora. Beijos 😘😘😘😘

  4. Uau,

    demorou mas saiu… e esta sensacional.

    Parabéns Tattah, um cap. maravilhoso.

    Tenta não demorar uma vida pra largar o
    próximo, please…

    Bjs,

Deixe uma resposta

© 2015- 2021 Copyright Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem a expressa autorização do autor.