O Coração de Freya

Capítulo 1 – Quem são meus tripulantes?

Capa: Tattah Nascimento

Revisão: Isie Lobo e Nefer

Texto: Carolina Bivard

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Sinopse: O Coração de Freya

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Séculos se passaram, desde a quarta grande guerra mundial do antigo planeta Terra, fazendo com que os terráqueos abandonassem o planeta e se expandissem para o espaço. Uma nova civilização começara, dominando um quadrante inteiro da galáxia, o qual os terráqueos denominaram de “quadrante delimitado”. Conquistaram e agregaram outras culturas de diversos planetas, consolidando dois tipos de governo: um democrático chamado “República” e outro corporativo nomeado “Corporação Cursaz.”

A comandante Bridget Nícolas era dona e comandante de uma nave comercial chamada Decrux, sobrevivendo de serviços prestados no transporte de carga. Quando foi atacada por piratas do espaço dentro do quadrante delimitado, causou-lhe uma enorme surpresa, já que o quadrante se tornara seguro há séculos. Após este evento, constatou que não conhecia toda a sua tripulação, descobrindo uma mulher que integrava seu cast de empregados há dois anos.

Kara Lucrétia, técnica de manutenção, vinha do planeta Freya que não existia mais. Foi destruído por uma guerra entre a Corporação Cursaz e os planetas independentes do quadrante delimitado. Kara não tinha mais identidade e nem pátria. Sua vida se tornara um inferno quando seu planeta fora aniquilado. Mas ela guardava segredos. Sua espécie era humanoide e similar à terráquea na aparência, no entanto, diferente em algumas características fisiológicas.

O que acontecerá com a comandante Bridget Nícolas, após este ataque pirata? Quem seria Kara Lucrétia e que segredos esconde? Quais perigos rondam a nave Decrux?

Esta história é um convite para as leitoras mergulharem no mundo da imaginação, paixões, perigos e… preconceitos.

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Capítulo 1 – Quem são meus tripulantes?

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– Comandante, precisamos atracar na estação mais próxima. A sala da engenharia está muito avariada.

– O ataque foi pesado e direcionado. Alguma baixa?

– Alguns de nossos engenheiros e técnicos estão em estado grave, na enfermaria.

O imediato suspirou, antes de continuar o relatório.

– Jamal não conseguiu.

– Não me diga que Jamal…

– Sinto muito, Brid.

– Droga!

Bridget inspirou fundo. Aceitara fazer aquele transporte de carga, por achar que era um trabalho simples e seguro. Não imaginava que pudessem ser atacados, transportando ensaios de uma estação-laboratório para o QG da República. Apesar de conseguirem escapar, após uma manobra ousada da comandante, fazendo o salto dimensional e exaurindo o resto de energia que a nave possuía, estavam muito danificados.

– O que vou falar aos pais dele? Jamal estava comigo desde que se formou. Era um menino, quando veio trabalhar na nave…

– Você não teve culpa, Brid. Estaríamos todos mortos se não fosse por você. Aquela era uma nave pirata e dava para ver…

– Não importa, Oton. Eu aceitei esse trabalho.

– Você não tinha como prever. Esse é o ofício de todos nós. Sabemos dos riscos. Todos estão aqui por vontade própria.

A comandante se aprumou e voltou-se para o amigo.

– E o “núcleo de dobra”?

– Também avariado. Não conseguiremos fazer, novamente, o salto dimensional.  Sinto muito.

– Droga. Eles virão atrás de nós! Essa emboscada vai nos custar caro. Phil não perde por esperar.

– Phil?! Por que acha que ele sabia do ataque à estação-laboratório da República?

– Do ataque não, Oton, mas ele sabia do grau de perigo deste transporte. Por que nos contratariam para um simples transporte de ensaios?

Oton era um homem de meia idade. Coçou a barba rala e aparada, pensando no que a comandante Bridget Nícolas acabara de falar. Tinha se juntado a tripulação da nave Decrux, depois que Brid resgatara os sobreviventes de sua nave. A guerra de Cursaz acabou um ano após ele ter se livrado da morte, pelas mãos da comandante. Cinco planetas inteiros foram destruídos, inclusive o dele. Na época, Bridget era uma oficial, recém formada, da República e trabalhava em naves socorristas. 

A República não apoiou nenhum dos lados, na guerra entre os planetas independentes e a Corporação Cursaz, mas se beneficiaria com o espólio, independente de quem ganhasse. Bridget Nicolas foi condecorada e muito bem paga, pelos serviços que prestou. Largou o serviço oficial e com o dinheiro que ganhou de indenização, e do seguro, pela morte de seus pais, comprou a nave Decrux. Seus pais também eram oficiais da República e socorristas naquela guerra. Quando auxiliaram uma nave de civis, que fugiam do planeta Freya, a nave foi atacada pelos Cursazianos.

Brid trazia uma revolta que não se apagava. A República se omitiu, mesmo sabendo que a Corporação Cursaz havia cometido um crime de guerra e violação dos acordos galácticos. Eles não poderiam atacar uma nave civil e, muito menos, uma nave socorrista.

A República entrara em acordo com a Corporação Cursaz, para que os parentes dos oficiais, vítimas do ataque, recebessem uma indenização volumosa e não reclamassem judicialmente. A comandante, a princípio, recusara, mas seus amigos mais chegados a convenceram a aceitar, alegando que ela poderia ser perseguida. Ela, se opondo, poderia estimular outros a fazerem o mesmo.

Bridget não confiava no governo da República, mas confiava menos ainda no governo de Cursaz. O universo mapeado na extensão daquele quadrante estava dividido entre estes dois governos. Um democrático, que era a República, em que a maioria dos planetas se associara, e outro, muito forte, liderados por uma corporação econômica que detinha a maioria dos planetas de exploração. Ainda havia os planetas autônomos, mas se dependesse das duas lideranças, eles em breve acabariam.  

O planeta Freya entrou em colapso, logo após o ataque massivo da Corporação. Muitos habitantes sobreviveram por conta da evacuação do planeta, antes da explosão. Ao longo dos anos, os freynianos foram se radicando em diversos planetas da República e o governo desfeito.

A comandante e o seu oficial de comando estavam na sala particular de Bridget. Ela acionou o comunicador e entrou em contato com a ponte. Tinham que rumar para a estação Virgo, o mais rápido possível.

– Tem razão, Brid. Phil e a República sabiam. Vamos verificar o que tem naquele contêiner?

– Por mais que eu queira, Oton, pode ser perigoso. Não vou expor a tripulação a mais um perigo. Não sabemos que tipo de material biológico é.

– Tenara… – Chamou o navegador.

– Sim, comandante!

– Em quanto tempo conseguimos chegar a Virgo?

– Diante das avarias que sofremos, somente daqui a três horas, comandante.

– Tanto tempo? Estamos praticamente ao lado dela.

– Sinto muito. Perdemos uma das propulsões e o pessoal da manutenção ainda não conseguiu estabilizar o núcleo de dobra. Talvez não possa navegar enquanto a engenharia não liberar.

– Merda! Fale com o pessoal que assumiu a engenharia… Ou melhor, deixe que eu vá até lá e veja quem assumiu. – Voltou-se para Oton. – Venha comigo.

– Temos que colocar os trajes de segurança. A engenharia está isolada. O núcleo vazou e a radiação está alta. As turmas de manutenção estão se revezando, para não sofrerem com a exposição.

Saíram e caminharam pelo corredor, até alcançar o elevador para descerem ao primeiro nível. Decrux era uma nave de “classe C” de tamanho médio, com três andares. Tinha uma capacidade total para abrigar cento e cinquenta tripulantes, mas Bridget trabalhava com a capacidade mediana que a nave suportava. Gostava de ter pessoas de sua confiança por perto, mas sabia que não conseguia, principalmente nos escalões mais baixo, que eram os técnicos. 

Decrux tinha um poder bélico e uma proteção de nível alto, mas não chegava a alcançar o nível de naves “destroier”. Não era uma nave construída para a guerra e sim, para transporte de carga. A comandante sabia que a tensão entre a República e a Corporação Cursaz aumentava a cada ano. Eles se vigiavam para tomar vantagens de situações econômicas e políticas.

– Pararemos um tempo maior em Virgo. Quem nos atacou não fará novamente, enquanto estivermos atracados na estação. Só precisamos chegar até lá, o mais rápido possível.

– O que está pensando em fazer, Brid?

– Os tempos estão difíceis, meu amigo. Daqui para frente, não quero perder mais ninguém. Decrux precisa de um upgrade. Mesmo que eu avalie os serviços, para o qual nos contratam, sempre poderemos sofrer este tipo de ataque.

– Quer instalar mais armas na Decrux, quando fizermos os reparos na estação?

– Recebemos uma parcela do pagamento por este trabalho e vou utilizar parte deste valor para instalar na nave escudos reflexivos de diamante, lasers e “ampolas negativas”.

– O que? Está louca! “Ampolas negativas” são proibidas, Brid.

– Não é proibido para a guarda da República, Corporação e piratas. Sabe que só passaram por nós, porque lançaram ampolas negativas, anulando nossos escudos. Vou negociar com Phil. Ele me deve isto e você sabe que ele pode autorizar.

– Eu conheço você. Mesmo que ele não autorize, tenho certeza que vai instalar as ampolas. Não podemos entrar nesse jogo, Brid!

Oton falava baixo, mesmo estando sozinhos, dentro do elevador. Repreendeu a amiga e ela sorriu, diante da reação do seu oficial. Sabia que ele desaprovaria, mas tinha total confiança de que não se interporia.

– Podemos escondê-las. Sabe que não usaria para uma batalha qualquer. Só não quero que nos peguem outra vez. Se depender de mim, ninguém mais morrerá por aceitar um trabalho, supostamente fácil, como fizemos.

– Você é teimosa! Não pode contar para a tripulação sobre isso.

– Só estou contando a você e espero que fique entre nós.

– E como fará para que o resto da tripulação não saiba? Existem os técnicos de manutenção e outras pessoas que devem saber, exatamente, como a nave funciona.

– Sobre isso, ainda vou pensar como farei e conto com a sua discrição.

A porta do elevador se abriu e Bridget saiu, sem esperar o seu segundo em comando. Oton ainda estava perturbado e demorou para reagir, saindo, logo a seguir, no encalço da comandante.

Chegaram na área restrita e olharam para dentro da engenharia, através do vidro selado da porta.

– Quem é aquela mulher que está sem a roupa de segurança?

– Eu não sei. Mas a julgar pela aparência e pela exposição à radiação, com certeza é uma freyniana.

– Não sabia que tínhamos freynianos na tripulação.

Um suboficial saiu da engenharia, através porta de descontaminação. Os comandantes se entreolharam e se dirigiram ao rapaz.

– Gabriel, venha até aqui, por favor.

– Sim, comandante. O que deseja?

– Quem é aquela mulher? – Bridget apontou a freyniana.

– Ela trabalhava na manutenção, mas os nossos três engenheiros estão impossibilitados de assumir a condução dos reparos. – O rapaz baixou a cabeça. – Jamal se foi e Max e Dagne estão seriamente feridos. – O rapaz inspirou fundo e continuou. – Kara é engenheira sénior e apesar de estar na manutenção, era a mais indicada para assumir a liderança, dentre nós, senhora. Por isso a elegemos para conduzir o trabalho.

Bridget estreitou os olhos. Como não sabia que existia uma freyniana no meio da sua equipe técnica? E pelo que observou, Oton também não sabia. Não gostava de surpresas.

– Desde quando ela trabalha conosco, Gabriel?

– Há dois anos.

A surpresa foi ainda maior. Esperava que tivesse sido contratada recentemente. Não era possível que não soubesse da existência de uma pessoa circulando durante dois anos, por sua nave. Quando tinham um transporte grande, costumava embarcar com cento e vinte pessoas, mas em transportes pequenos, como aquele, reduzia muito a sua tripulação. “Como nunca a vimos?

– Nunca soube da existência dela. – A ira começava a subir, aquecendo o rosto da comandante.

– Fui eu quem a contratou, quando Beirão deixou a nave. Perguntei à senhora, se tinha problemas em contratar uma freyniana, comandante.

O rapaz falou, temeroso, pela reação de sua chefe. Bridget rememorou o momento em que o rapaz a procurou, anos atrás.

– “Ela é competente e tem uma formação maior do que precisamos, mas não consegue emprego na sua área. Talvez seja uma boa aquisição, comandante. Ela só quer trabalhar.

– Não me importa se ela é freyniana. Não tenho nada contra o povo de Freya. Se ela é competente e acha que é uma boa aquisição, contrate-a, mas estará sob sua vigilância, até que prove que é leal a esta nave.

– Pode deixar comigo, comandante. Ficarei de olho.”

– Gabriel, não estou chateada por ela ser freyniana ou por estar à frente dos trabalhos. Estou chateada por que nunca a vi na nave. Como ela está há dois anos conosco?

– Ela não almoça ou janta no refeitório. Faz as refeições na sua cabine. As pessoas a olham diferente e ela se sente mal. Quando atracamos, ela desembarca comigo. É retraída, mas eu garanto, é uma boa pessoa e, sempre foi honesta e cumpriu com seu trabalho. Só se sente…

– Deslocada. – Oton afirmou.

– Por quê? Aqui temos pessoas de todos os lugares. – Bridget indagou.

– Por quê?! Olhe para isso, comandante. – O suboficial apontou para dentro da engenharia. – Toda vez que temos manutenção em área contaminada, é ela quem vai… assim. Exatamente deste jeito e sem nenhuma proteção. As pessoas se assustam.

– E por que ela não veste uma roupa de proteção, pelo menos para não a olharem diferente? – Oton questionou.

– Também perguntei isso e Kara respondeu que eu não entenderia. Disse que a proteção dela, era não ter uma roupa de proteção. Entendi como sendo a estrutura biológica do povo dela, talvez pelo tipo de material que utilizamos nas roupas..

– Certo. Quero que me faça um favor, Gabriel. Vá até ela e peça para me procurar em minha sala, assim que o núcleo estiver estabilizado. Quero falar com ela… à sós.

A comandante frisou a ordem e olhou seu suboficial e, seu segundo no comando.

– Então acredito que seja breve. Ela conseguiu estabilizar o núcleo e agora faremos a descontaminação de área para o pessoal da manutenção trabalhar no restante dos reparos.

O semblante de Oton mostrava eto, mas Bridget se manteve imparcial. Não havia engolido o fato de haver uma pessoa em sua nave, durante tanto tempo, sem que conhecesse.

– Então irei para a sala de comando e a esperarei. Ou melhor, peça para que vá ao meu alojamento, e que ela não demore, Gabriel.

A comandante ordenou, severa, fazendo seu suboficial tremer. Ele a conhecia. Era uma mulher justa, mas odiava ser pega desprevenida.

– Sim, senhora!

Bridget saiu de rompante. Segurou o punho da arma, presa ao coldre, e o apertou. Era uma mania que tinha e fazia sempre que uma situação a desagradava. Foi para seu quarto e não foi seguida por Oton. Ele entendia a atitude da comandante. Ela estava contrariada e não era para menos. Aquela situação era como conviver com possíveis perigos em um local fechado no meio do espaço.

– Vá lá dentro e chame essa tal de Kara. Brid não terá paciência se ela demorar muito.

– Eu gosto de Kara. Confio nela, Oton. Eu deixei chegar nesse ponto. Não é justo que a mulher pague por algo que eu mesmo deixei acontecer. – Balançou a cabeça, desalentado.

– Ora, homem, até parece que não conhece Brid. Ela só está nervosa. Hoje perdemos gente, numa ação que não deveria ocorrer. Não foi só Jamal. Max e Dagne poderão não resistir. Além deles, dois rapazes da segurança, três técnicos e a nossa médica morreram. O enfermeiro está gravemente ferido e se não chegarmos rápido em Virgo, poderemos perde-los também. Ela só se surpreendeu com a situação da freyniana.

– Certo. Deixe-me adiantar, então.

***

O alojamento de Bridget era um pequeno apartamento e mais amplo que os demais alojamentos. Quando não tinham trabalho, atracavam em Anglada, planeta base da Decrux, e os tripulantes voltavam para casa e suas famílias. Mas para ela, a nave era a sua casa. A decoração poderia ser chamada de “Retrô”, já que os traços lembravam casas da terra, do século XXII.

Foi até o bar, no canto da pequena sala e abriu uma garrafa de “cachaça”. Bebida que apreciava pelas notas de madeira, envelhecidas nos barris de “carvalhos do alto das montanhas de oak”. Conhecera a bebida quando esteve no planeta Brasilis. Ele fora colonizado por um país conflituoso, que expandiu após a quarta grande guerra do antigo planeta Terra.

Colocou em um pequeno cálice e virou, de uma só vez, fazendo uma grande careta. Não era assim que costumava apreciar a bebida, mas estava apreensiva e precisava amortizar seus temores, com as decisões que precisaria tomar. Escutou um aviso sonoro anunciando a chegada de alguém à porta.

– Entre. – O comando de sua voz, acionou a porta, abrindo-a.

– Me chamou, comandante?

Bridget estava de costas, observando o espaço, através da escotilha. A voz suave, mas firme, alertou-a de que a mulher não se sentia insegura diante dela. Uma sensação de satisfação correu através de seus sentidos.

– Me diga seu nome e sua classificação.

– Chamo-me Kara Lucrétia e sou técnica de área subespacial.

– Agora me fale a sua formação e onde concluiu.

Houve um breve silêncio, mas a outra mulher seguiu firme.

– Sou engenheira espacial sênior e me formei pela Universidade Geral de Akas, em Freya.

– Não consegue um emprego, pois não tem mais a validação de sua formação.

– É difícil alguém reconhecer um diploma de uma Universidade que não existe mais e que pode ser facilmente falsificado. Afinal, não há mais registros.

– Existem os registros gerais.

– Éramos um planeta independente.

– Entendo… Só havia registros em seu planeta. E sua identidade? Pode prova-la?

Kara baixou a cabeça e se calou. Apenas quem tinha viajado para fora de Freya, antes da guerra iniciar, se registrara na República e na Corporação. Ela era uma estudiosa e trabalhava no serviço espacial de Freya. Nunca deixara seu planeta, antes do ataque. Sentia, mais uma vez, que seria mandada embora por sua origem incerta. Tentou se esconder e não aparecer muito, criando condições para juntar dinheiro. Assim conseguiria pagar um registro e levar a vida, como qualquer outro.

Bridget se voltou para ela, vendo-a se debater num rosto cansado e desanimado, pelos fatos e pelo tempo. Tinha a pele alva, os olhos ligeiramente repuxados e tão claros, que chegavam a transparência. A comandante nunca tinha visto uma freyniana de perto e pensou que, se houvessem deuses, ela seria uma das preferidas deles, tamanha a singeleza de sua face.

– Sabe meu nome e minha origem?

– Não sei seu nome todo, mas sei que é minha comandante Bridget. Também não sei sua origem, senhora.

– Meu nome é Bridget Nícolas. Filha de Rezon e Rhonda Nícolas…

Kara elevou os olhos e encarou Bridget. No rosto, uma expressão de surpresa se formou. Sem pensar muito, segurou a mão da comandante, beijando e fazendo Bridget se assustar.  Ela sabia que causaria impacto, à sua subordinada, com a revelação. Pretendia impressionar a freyniana, arrancando dela uma lealdade, mesmo que conquistada através do nome de seus pais, mas aquela reação a etou.

– O que está fazendo? Ei, não é para tanto.

A comandante puxou a mão devagar, a contragosto, apreciando a suavidade dos lábios da mulher em contato com a sua pele. Queria que ela a encarasse. Pousou as mãos sobre os ombros da engenheira, chamando a atenção dela. Os olhos da freyniana estavam marejados.

– O nome Nícolas sempre será lembrado por meu povo e sempre será ovacionado por ele. Seus pais salvaram muitas vidas. Nunca esqueceremos e temos uma dívida eterna com sua dinastia.

– Eles eram socorristas. Era o trabalho deles. – Retrucou Bridget, constrangida, diante da reação da outra.

– Não era o trabalho deles se interpor entre o phaser de nêutron de um destroier e o meu planeta, só para dar tempo do meu povo escapar.

– O quê?

O semblante de Bridget se transformou em confusão e incompreensão, diante do relato de Kara. Segurou a empunhadura de sua arma, apertando, enquanto assimilava as palavras que escutara.

– Eles… Eles socorreram uma nave de vocês, enquanto a Corporação atacava, e foram atingidos. Apenas isso.

– Não. Não foi assim. Não sei quem lhe contou a história e, sinceramente, ninguém nos escuta, mas não foi desse jeito. A Corporação deu ordem de rendição para o nosso planeta, dizendo que nos destruiriam com o phaser de nêutron.

– Ninguém carrega phasers de nêutron. É proibido.

– Sim, pelo acordo é, mas eles ameaçaram. As naves socorristas haviam chegado e estavam em espera. Nossos governantes pediram a trégua para evacuação dos civis e a Corporação autorizou.

– E depois dispararam contra uma nave civil.

– Não! – Kara falou enfática. – Os socorristas intervieram, pelo pacto galáctico de proibição da arma de nêutron. Já estávamos evacuando, quando dois destroieres abriram fogo nas nossas naves e nas dos socorristas, enquanto outro disparou o phaser contra o planeta. Seus pais estavam mais próximos e dirigiram a nave deles de encontro ao raio de nêutron. Eles se sacrificaram por nós. Isso deu tempo de muitas naves nossas escaparem, antes que um quarto destroier atacasse Freya. Depois, soube que perseguiram os socorristas e destruíram as outras naves.

– Deuses! Queima de arquivo.

Bridget estava aturdida. Não sabia o que pensar. Colocou a mão na boca, em choque. A revolta borbulhou em seu interior. O ataque a Freya e a morte de seus pais eram o ponto de seu passado que a fazia destemperar.

– Como vou saber se está falando a verdade?! – Não conseguiu se aprumar e falou com ira. – Perjúrio de guerra é um crime grave, sabia?! Por que ninguém do seu povo nunca foi à corte marcial denunciar?

O rosto de Kara endureceu. Falara demais. Mesmo o sangue Nícolas não acreditava.

– Porque somos desterrados. Não temos, nem mais, identidade. Acha que ninguém tentou? Por que acha que somos mortos e a justiça não toma providências? Já viu algum noticiário falar sobre alguma chacina de freynianos? Se ouviu, foi muito pouco. Eles não noticiam. Agora, já ouviu da boca de alguém sobre chacinas em planetas que aportou, ou mesmo em estações? – Kara balançou a cabeça, sorrindo irônica. – Tenho certeza que já, minha comandante. – Terminou a frase, imprimindo um tom mais irado do que gostaria.

– Você se escondeu aqui.

Bridget não queria perder o punho sobre a situação. Apesar de abalada, queria ter tempo de assimilar tudo que a outra falara, mas Kara foi inclemente.

– Tenho certeza que faria o mesmo, diante de minha situação. Eu quero sobreviver e sei que se perambulasse por aí, logo alguém viria em cima de mim. Durante os últimos anos, aprendi, muito bem, como cuidar de minha segurança pessoal.

Kara não falava mais com raiva, no entanto, percebia-se o grau de ressentimento na voz. A comandante forçou a calma. Tinha que se equilibrar. Silenciaram por algum tempo e as duas se observavam. Por fim, Bridget rompeu o silêncio.

– Em quanto tempo poderemos chegar a Virgo? Ainda estamos em alerta e se formos atacados novamente, não teremos como escapar. O escudo está avariado e as armas, quase todas, descarregadas.

Kara não entendeu a mudança radical da conversa, mas percebeu que não seria dispensada dos afazeres, pelo menos, por aquela hora. Resolveu respeitar, como uma forma de trégua.

– Em uma hora, talvez. Mas, se consertaram a segunda propulsão, enquanto estou aqui, chegaremos em menos tempo. O núcleo já está funcionando e as armas devem ter recarregado. Só levarei um pouco mais de tempo para consertar os escudos. Atingiram o centro de comando dele, interna e externamente. Talvez tenha que comprar peças novas em Virgo.

– Então vá, engenheira Kara. – A comandante se virou e caminhou até o bar, sem encarar a freyniana. – Me avise quando puder colocar esta lata velha em velocidade máxima. – Dispensou a mulher.

– Comandante…

Kara fez uma ligeira reverência com a cabeça, mesmo sabendo que Bridget não olhava para ela. Não conseguia imaginar qual seria o seu futuro naquela nave. Fizera uma descoberta incrivelmente prazerosa, sobre a identidade da comandante e, ao mesmo tempo, perigosa.

A mente de Bridget borbulhava, com o que acabara de escutar da estranha mulher. Através de sua visão periférica, vira a reverência prestada pela freyniana antes de sair, demonstrando que a outra ainda lhe tinha respeito.  A comandante sabia ser passível de ocorrer o que a mulher lhe contara, mas ela ainda era uma desconhecida. Poderia dar créditos ao que ela falara?

Notas Finais: 

Estamos de volta e com o site, estou de volta também! Espero que tenham gostado do primeiro capítulo e aviso que esta história é de aventuras, mas também, de muito romance!

Espero que vocês se divirtam!



Notas:



O que achou deste história?

7 Respostas para Capítulo 1 – Quem são meus tripulantes?

  1. Oi
    Tempos atrás perguntaram qual conto poderia virar filme, indiquei Era, mas hoje consegui terminar Freya e fiquei super na dúvida qual dos dois.
    Me apaixonei pela Decrux.

  2. Genteeee, agora acredito em amor a primeira vista. Simplesmente apaixonada … continuem Assim.
    Voltei pra te aperriar Bivard e companhia ?

    • Roquinhoooo!
      Tô feliz hoje, menina! Cara, tava com saudade da Alex e Aléssia também. Daqui a pouco vou lá falar contigo. rs Bem, agora a produção será semanal. Toda terça vou postar Freya. rsrsrs 😉 Vamos ver por quem seu coração vai se dobrar. Vão surgir algumas personagens aqui.
      Beijão Rocco e muito obrigada por tudo, viu?!

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