Capítulo 40

Eu já estava prestes a ligar para seu celular preocupada com a sua demora, mas a Clara chegou, falou com a gente rapidamente, seu olhar era gélido, foi tomar seu banho, demorou mais do que o normal e quando saiu voltou a falar:

-Dani, você pode nos deixar a sós?

-Claro, qualquer coisa estarei no meu quarto.

A Dani me deu um beijo no rosto e outro na Clara e quando estava saindo, olhei para a porta, ela pronunciou um “calma”, baixei os olhos e balancei a cabeça levemente concordando:

-Por que você tratou minha mãe daquela forma?

Sentei, não acreditando no que estava ouvindo, balancei a cabeça num sentido negativo e respondi calmamente:

-Dois motivos simples: primeiro eu não sabia que ela é sua mãe e segundo porque eu odeio aquela mulher.

-Certo, agora já sabe que ela é minha mãe. Vai continuar tratando-a daquela forma?

-Eu tenho o direito de escolher quem eu gosto ou não. Vou continuar tratando-a da forma que ela sempre me tratou porque está mais do que claro que nós nos odiamos. Isso é fato.

-Ela não te odeia.

-Como não? Ela disse com todas as letras que queria me matar, você escutou o relato do meu pai.

-Um exagero, por sinal.

-Exagero? Então você acha um exagero também ele estar no hospital até hoje porque teve um AVC? A pressão dele subir foi um exagero? – estava começando a me alterar.

-A pressão dele subiu porque ele exagerou no almoço, comeu coisas muito gordurosas e salgadas.

-Você acha mesmo  que  a  pressão  dele  ia  subir  tanto  e  demorar  tanto  para  ceder  por   causa  da alimentação? Clara! Meu pai nunca foi de comer comidas gordurosas.

-Quem pode lhe confirmar isso? Tem quanto tempo que você não o vê?

-Pelo menos não ficou vinte e cinco anos sem ao menos me dar um telefonema.

-Ela está arrependida.

-Arrependida? Conheço aquele traste há muito mais tempo do que você, sei que ela não sabe o que é isso. Ela pode errar o que for, mas nunca se arrepende.

-Mas, ela se mostrou arrependida e foi atrás da gente.

Lembrei de um email que a Rafa tinha me enviado falando que tanto a Bruna quanto o Junior não queriam conta em conhecer a mãe.

-E por que só você foi atrás dela? Por que seus irmãos não estão aqui com você?

-Porque eles são insensíveis, não acreditam em seu arrependimento.

-Incrível isso, não acha? Está todo mundo errado, só você é a certa.

-Não foi você mesmo que disse que todos merecem uma segunda chance mesmo para provar que não a merecia?

Eu já estava em pé andando de um lado para o outro do quarto. Não conseguia mais me controlar, aquela insistência da Clara estava me tirando do sério.

-Disse, mas a Regina não merece essa segunda chance. Clara, acorda! Meu pai a conhece a sete anos e eu há cinco. Sei bem como ela é, você já ouviu relatos absurdos a seu respeito. É muita burrice você fazer isso.

-Eu achei que ia ter pelo menos o apoio da minha mulher.

-Se sua  mãe fosse qualquer outra  pessoa, pode  ter  certeza  que eu apoiaria, mas a  Regina  não. Esse apoio você está querendo demais de mim.

-Então é querer demais de você um apoio para me aproximar da minha própria mãe?

-Da Regina sim. Você sabe mais do que ninguém que eu odeio essa mulher e que ela virou  minha vida de cabeça para baixo em menos de dois dias.

-Ela só contou a verdade a seus pais.

-Verdade? – gritei – Clara, ela disse que eu abusei da sua filha caçula que por sinal é sua irmã. Você realmente acha que eu faria isso?

-Eu só tenho certeza do que você faz agora porque estamos juntas quase que vinte e quatro horas por dia.

-Clara, a menina hoje só tem dezesseis anos, tem a idade da minha irmã, na época ela tinha doze ou onze, não sei ao certo. Você acha mesmo que eu ia fazer uma coisa dessas?

-Não sei.

-Já que ela tem razão, por que ela não me denunciou para a polícia, merda? – Gritei mais ainda.

-Porque ela não queria expor a filha dela.

-Não queria expor a filha? Ah! Para, né Clara? Só você mesmo para acreditar nessa historinha. Você acha mesmo que se eu tivesse feito isso, ela ia perder a chance de me colocar na cadeia? Ela só queria contar para meus pais porque sabia que eu ia perder o apoio dos dois.

Eu não via mais a minha Clara ali na minha frente, aquela mulher era uma total estranha. Seus gestos, seu olhar estava de uma forma que eu não conhecia, que eu nunca havia visto. Ela passou por mim em direção ao banheiro, segurei seu braço:

-Me solta!

A empurrei contra a parede e coloquei seus braços sobre sua cabeça:

-Me solta, Eduarda!

-Olha pra mim.

Ela tentava me empurrar, mas minha força era maior do que a dela, pressionei meu corpo contra o dela e segurei seu rosto, mas mesmo assim ela desviava os olhos.

-Olha pra mim – gritei.

A Clara se assustou e eu também pelo meu tom de voz, mas me encarou.

-Você acha mesmo que eu ia inventar toda essa historia? Que isso tudo é um mal entendido, que esse desentendimento com a Regina é só birra minha e que eu tentei de verdade abusar da filha dela, da sua irmã, Clara? Continua olhando pra mim – falei alto, mas não foi um grito – com que intenção eu faria tudo isso? Pra que, me diz? O que eu ganharia? Dinheiro do meu pai? Você sabe que nunca gostei de dinheiro fácil, trabalho desde os dezoito anos para me manter. Não desvia o olhar – segurei seu rosto com as duas mãos – Me responde, Clara!

-Eu não sei, Duda. Tudo isso é muito confuso para mim, minha mãe está retornando agora, você diz uma coisa e ela outra. Não sei em quem confiar, você é a mulher que eu amo e ela é a minha mãe.

Soltei seu corpo, eu estava indignada:

-Não sabe em quem confiar? Eu não acredito nisso, Clara! Depois de tudo o que a gente já viveu, tudo o que já aconteceu entre nós duas. Qualquer dúvida que ocorresse entre a gente eu ia atrás de você para esclarecer era a sua opinião, sua justificativa, sua versão que sempre prevalecia. Sabe por quê? Porque eu te amo, eu queria casar contigo, passar o restante da minha vida com você, queria dividir meus planos, projetos com você. Você foi a primeira a saber do meu sonho da especialização em Portugal e porque que tinha que ser lá. Clara, a prioridade em minha vida hoje era você e você agora me diz que não sabe em quem confiar se é em mim ou na mulher que abandou você e seus irmãos a vinte e cinco anos? Isso para mim é demais.

-Por que você está falando dos nossos planos no passado? Já desistiu de tudo?

-Não, eu não desisti, esses planos ainda estão de pé, mas não quero essa praga em minhas costas. De novo não. Não quero mais ser atormentada por essa mulher. Pense bem no que você vai fazer da sua vida, Clara.

-Você quer que eu escolha entre vocês duas?

-Quero – gritei mais uma vez.

-Bem que minha mãe avisou que você ia acabar fazendo isso.

-Eu desisto, Clara. Sabe de uma coisa? Vai atrás da sua mãezinha querida que tentou matar meu pai e que tem planos de fazer o mesmo comigo e que te ABANDONOU junto com seus irmãos. Ah! E não esqueça que quem pediu isso foi você, agora eu quero que você durma muito bem com esse peso na consciência.

-Aonde você vai?

-Para o inferno – disse com a voz bastante alterada.

Peguei minhas coisas, joguei de qualquer jeito na mochila e fui para o quarto da Dani, parecia que ela estava a minha espera, a porta estava destrancada:

-Posso passar a noite aqui?

-Nem precisa perguntar.

Assim que entrei nos abraçamos, fui para a sua varanda e ficamos ali sem nada falar. Em tão pouco tempo ela já me conhecia o suficiente para saber que após me irritar com qualquer coisa ou pessoa o que queria era ficar em silencio tentando pôr minha cabeça em ordem. Fiquei ali lembrando o meu dia por tanto tempo que quando dei por mim já estava amanhecendo, olhei para a cama e vi a Dani dormindo. Fui vencida pelo cansaço e acabei indo para a cama também. Tentei fazer o menos movimento que podia para não acordá-la, mas foi em vão:

-Vem cá…

Olhei para Dani e ela estava com os braços abertos, não pensei duas vezes e me aconcheguei neles. Ela acariciava meus cabelos tão docemente que adormeci logo em seguida.



Notas:



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