Capítulo 41

Não dormi muito, às 8h já estava em pé me arrumando para ir ao hospital, Dani ainda dormia. Eu estava sem fome, não comi nada antes de sair:

-Bom dia, Pai! – Beijei-lhe a testa.

-Bom dia, Duda! Cadê as meninas?

-A Dani ficou dormindo, deve vir mais tarde e a Clara não sei.

-Como você não sabe da sua namorada?

-A gente não está mais namorando – respondi num fio de voz.

-Por quê?

-Por causa da Regina.

-Como assim, o que ela fez dessa vez?

-Encheu a cabeça da Clara de besteiras. Lembra o que aconteceu quando eu voltei para Salvador após minha tentativa frustrada de morar com você? – ele balançou a cabeça num sentido afirmativo – pois é, a Regina fez a mesma coisa com a Clara e mais uma vez conseguiu.

-Mas, ela nem te ouviu?

-Ouviu, mas não escutou. Depois que expliquei tudo ela disse que não sabia se acreditava na mulher que ela ama ou na mãe dela que reapareceu depois de vinte e cinco anos sem dar notícias.

-Agora sei como você se sentiu quando isso aconteceu há cinco anos.

-Pois é! Mas, acho que agora está doendo mais. Eu já imaginava que isso poderia acontecer assim que percebi que eu sou gay, vocês acabariam virando as costas para mim, mas não pensava que a Clara fosse fazer o mesmo.

-Vai atrás dela, filha. Vocês vão acabar se acertando.

-Estou cansada disso pai. Estou cansada de correr atrás de qualquer coisa mesmo estando certa. Nossa última briga eu era uma vítima de uma determinada situação e ela não quis me ouvir, corri atrás o tempo inteiro e ela não me dava chance de explicar. A gente só se reconciliou mesmo uns dois ou três dias antes de você acordar.

Eu estava mais uma vez com as mãos no bolso da calça jeans e olhando para um ponto inexistente do lado de fora através da janela. Ficamos em silêncio, ouvi batidas na porta e era o Dr. Marcelo. Conversamos e ele disse que meu pai já teria alta no dia seguinte pela manhã. Assim que ele saiu meu velho começou a ficar sonolento, era o efeito dos remédios. Ouvi outra suave batida na porta:

-Vamos almoçar?

-Claro, Dani.

Fomos no mesmo lugar que íamos todos os dias. Conversamos sobre o estado de saúde do meu pai e diversos outros assuntos, mas em nenhum momento tocamos no nome: Clara. Voltamos para o quarto, finalizei algumas pendências do Vc3 e enviei para o email da minha ex namorada. Meu pai acordou um pouco depois e ficou conversando com a Dani, eu não conseguia prestar atenção em nada do que eles falavam.

-Pai, onde você vai ficar depois que sair daqui?

-Em um  dos  apartamentos  que está  em  seu  nome.  Só preciso  que você me ajude a  contratar uma enfermeira e logo depois você estará livre de mim – sorriu.

-O que é isso, pai? – ri tristemente – Só queria saber se você voltaria a morar sob o mesmo teto que aquela mulher.

-Não, não. Inclusive quero que você ligue para meu advogado para providenciar o divórcio. Ah! Só a título de informação: casamos em separação total de bens, resolvi ouvir sua intuição – sorriu.

-Você não existe!

Saímos do hospital no mesmo horário de sempre, por volta das 19h. Fomos jantar e só depois de darmos uma volta a pé que nós retornamos ao hotel. Eu estava protelando ao máximo e queria cansar meu corpo para conseguir dormir logo.

Tentei voltar à pousada que estava quando cheguei à Curitiba, não queria cruzar com a Clara esses dias, mas a Dani não deixou alegando que era justamente isso o que a Regina queria.

Estávamos quase entrando no quarto quando escutei a porta de Clara ser destrancada e aberta, continuei  de costas para onde vinha o barulho, estava com medo do que fosse ver:

-Duda… – virei para olhá-la – Tentei te ligar durante o dia, mas… Seu celular só caia na caixa   postal – disse suavemente.

Tirei o aparelho do bolso, realmente estranhei o silêncio dele durante o dia, mostrei para ela:

-Descarregado. Esqueci de pôr para carregar ontem à noite.

-Tudo bem. Será que podemos conversar?

-Sobre?

-Quero dar continuidade a conversa de ontem.

-Mudou de ideia?

-Não, é que… – interrompi.

-Bom, se você não mudou de ideia, isso significa que não confia em mim e concluo que não temos nada para conversar.

-Duda, escuta…

-Boa noite, Clara.

Entrei no quarto de Dani e quase caí. Senti minhas pernas amolecerem, não estavam suportando meu  peso, o enjôo estava muito forte e a dor na nuca e na cabeça também. Eu percebi que a Dani estava fazendo orações, imaginai que esse meu mal estar devia ser obra da tal de Aurélia. Entrei no banheiro e  fui direto para debaixo do chuveiro até que melhorei um pouco. Minha amiga estava sentada na cama me esperando:

-Como foi?

-Não foi.

-Por quê?

-Porque percebi que ela não tinha mudado de ideia, ela não confia em mim, então conversar mais o que?

-Aurélia estava presente, tive que fazer orações para te ajudar, ela está obcecada por você.

-Eu sei, acho que senti sua presença, tive um mal estar que quase caí no chão assim que entrei aqui no quarto.

No dia seguinte fomos para o hospital e o Dr. Marcelo já nos esperava, nos deu várias recomendações e uma sugestão de uma enfermeira para cuidar do meu pai, já que ele estava ciente que eu voltaria para Salvador dali a poucos dias.

Levamos o Sr. Moura para o apartamento, liguei para a tal enfermeira, marcamos uma conversa para a manhã seguinte e entrei em contato com o advogado do meu pai também, já que ele queria o divórcio para ontem. Fui ao supermercado com Dani, a casa precisava ser abastecida e a alimentação do meu pai não seria mais a mesma, fizemos uma lista para ele e uma para nós, é claro.

Decidimos encerrar a conta no hotel e passar os outros dias ali mesmo, tudo era uma questão de adaptação até conseguir tudo o que faltava para meu velho ficar bem e eu poder voltar para minha vida normalmente na medida do possível.

-Pai, a gente vai ao hotel, mas dormiremos em casa. Só vamos encerrar a conta e pegar nossas coisas, certo? Você pode ficar um tempinho sem a gente? – sorri.

-Vai tranquila, filha – voltou a atenção para a TV.

Assim que chegamos ao hotel, pedimos para encerrar a conta e subimos para arrumar nossas coisas.  Minha mochila ficou pronta rapidamente, coloquei-a próxima a porta e fui ajudar a Dani a fazer o mesmo. Quando estávamos quase terminando, escutamos leves batidas na porta:

-Será que o pessoal da recepção já mandou a conta?

-Não tenho noção, vai lá ver que eu termino isso aqui para você.

Dani saiu e demorou um pouco para retornar, aliás, ela não retornou. Quando eu olhei para o lado, quem estava ali era a Clara, me assustei:

-Oi.

-Oi – respondi.

-Como você está?

-Bem. Presumo que você esteja ótima, não é? – quando estou irritada, fico irônica mesmo sem querer.

-Por quê?

-Muito simples: Está numa boa com sua mãe e longe de uma pessoa que não presta e ainda por cima abusou da sua irmã – continuei arrumando as coisas da Dani.

-Deixa de ironias, Eduarda!

-Ironias? Não é isso que está acontecendo? Não é isso o que aquela imbecil falou de mim e você acreditou? O que é pior.

-Você vai continuar destratando a minha mãe?

-O fato de ela ser sua mãe, não me impede de odiá-la.

-O fato de você odiar a minha mãe, infelizmente, não me impede de te amar.

Fitamo-nos. Tentei encontrar a mulher por quem me apaixonei, sem sucesso. Aquele olhar indescritível era desconhecido para mim.

-Vai embora, Clara.

Disse saindo de perto dela, não queria que a Clara me visse com os olhos cheios de lágrimas como estavam, se ela demorasse mais um pouco ali, não sei se suportaria.

-Você está indo pra onde? – ignorou meu pedido.

-Por que se importa?

-Sabe que me preocupo com você.

-Se preocupa tanto que está fazendo com que eu me afaste de você.

-Você está se afastando porque quer, não disse que queria terminar contigo.

-Eu não suportaria a Regina em minha vida mais do que ela já está. Você fez sua escolha, não fui eu que terminei.

-Você me pediu para fazer uma escolha injusta: você ou minha mãe.

-Não, eu pedi para você escolher entre a mulher que estava prestes a casar contigo, que te ama, que quer o seu bem, que estava dividindo os planos contigo e que até pretendia formar uma família com você ou uma mulher que te abandonou junto com seus irmãos há vinte e cinco anos, que nunca ligou para saber se estavam vivos, que tentou matar um homem e ainda disse que queria fazer o mesmo com a mulher que você diz que ama. Não acho que foi um pedido injusto.

-Foi sim, você não quer que eu dê um voto de confiança a minha mãe.

-Se ela merecesse esse voto, a Bruna e o Junior fariam o mesmo, não acha?

-Eles são insensíveis.

-Pelo o que conheço dos dois, não me pareceram nem um pouco insensíveis, muito pelo contrário. Inclusive a sua irmã namora a minha melhor amiga e ela nunca reclamou que a Bruna seja “insensível”.

-Isso não importa mais. Meu voto já foi dado.

-Clara, não vou ficar aqui discutindo isso mais uma vez contigo, estou cansada de falar de uma mulher que eu odeio e preferia que ela não existisse, uma mulher que mais uma vez está conseguindo atrapalhar meus planos, mas dessa vez ela não terá tanto sucesso. Ela conseguiu acabar com nosso namoro, mas o resto estou conseguindo sustentar. Ela me conhece o suficiente para saber que isso me abalaria profundamente, mas estou conseguindo manter minhas metas.

-Quais são?

-Isso não lhe importa mais.

-Claro que importa.

-Se realmente importasse, você não teria jogado nosso namoro pra cima por causa dessa imbecil.

-Eu não vou ficar aqui escutando você falar mal da minha mãe.

-Faz certo tempo que pedi para você ir embora.

A Clara me olhava incrédula. Ficamos nos fitando por algum tempo que não sei definir qual até que  fomos interrompidas pela Dani:

-Vamos,  Duda! Acabei de falar com seu pai e ele disse que comprou pizza para a gente… Ops, desculpa. Achei que vocês já tivessem terminado a conversa.

-Tudo bem, Dani. Realmente já terminamos.

-Vocês vão a essa hora ao hospital e comer pizza? – a Clara olhava para mim incrédula.

-Acho que falei algo que não devia – Dani falou num tom baixo.

-Meu pai saiu hoje do hospital e ele não vai comer a pizza.

-Por que não me contou?

-Porque você está muito ocupada com sua mãezinha.

-Posso visitá-lo?

-Pode, amanhã você liga pra o celular da Dani e marca com ele.

-Vou com vocês agora.

Fechei meus olhos e respirei fundo. Definitivamente essa seria uma noite difícil. Saímos do quarto, pagamos a conta e seguimos no carro que eu e Dani havíamos alugado no dia anterior. Ela não quis dirigir, entendi sua intenção, mas mesmo assim não reclamei, a Clara foi na frente comigo.



Notas:



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