Capítulo 45

Os dois meses que se seguiram foram extremamente corridos. Tínhamos que cumprir o prazo que nós mesmos estabelecemos para a fundação. Isso acarretava a conclusão do projeto, a parte burocrática para a abertura da empresa – mesmo sendo uma ONG – contratação de funcionários e divulgação.

Até que eu estava conseguindo fazer tudo tranquilamente, nossos dias estavam muito ocupados para ficar na melancolia, isso me ajudou muito para poder dormir com maior facilidade por causa do cansaço, não ficava tanto tempo pensando na minha ex namorada enquanto estava em casa, tudo ali me fazia lembrá-la. Mas, graças ao meu trabalho, não pensava tanto quanto imaginava que ia acontecer. Nos últimos dias achei a Clara um pouco diferente, mas decidi não perguntar, segui minha rotina.

Ia ao centro com a Dani quase que diariamente, sentia que a Aurélia começava a perder suas forças para influenciar tanto em minha vida. Ela realmente estava obcecada em estragar minha vida, em não me deixar evoluir, mas eu tinha amigos aqui e em outro plano que estavam tentando convencê-la do arrependimento, que ela precisava esquecer aquela promessa, pois ela era a única prejudicada em toda essa historia, ela nunca reencarnava, consequentemente, não conseguia evoluir. Estávamos conseguindo progredir com tanta dedicação e muita, mas muita oração.

Em uma tarde que eu fui para o espaço que a ONG funcionaria e a Clara ficou no escritório resolvendo a parte burocrática, recebi uma ligação:

-Fala irmãzona!

-Como é que você está, viadinho?

A Dani começou a me chamar assim depois do fim no namoro com a Clara.

-Muito cansada, trabalhando demais.

-Então vamos nos distrair no Babalotim.

-Dani, o que vou fazer num bar voltado para o público gay sendo que estou ainda apaixonada pela Clara e além do mais com você e a Paula?

-Estou solteira – riu.

-Desde quando?

-Desde a terça-feira.

-Dani! Isso tem três dias e você só me conta agora?

-Você estava muito ocupada com essas coisas da ONG.

-Poxa, Dani! Você poderia ter me ligado para a gente conversar, né?

-Ô vidraça, para de dar uma de sentimentalista porque eu estou muito bem, tá? Depois não quer que eu te chame de viadinho – riu.

-Tá, esqueci que você estava com a Paula nem sei por quê – ri – sim, e o que você quer fazer no Babalotim?

-Beijar na boca, caralho. Porra! Você ta difícil hoje, hein?

-Desculpa, ainda estou trabalhando e meu cérebro está voltado para a ONG.

-Tá, te espero lá as 22h.

-Tudo bem, mas não vou demorar.

-Certo, mais tarde a gente se fala, beijo.

-Tudo bem, beijo.

Encerramos a ligação. No início até que achei que a Dani estava aprontando alguma coisa, mas depois essa dúvida se esvaiu. Terminei o que tinha que fazer e segui para meu apartamento, afinal precisava descansar um pouco para encontrar com a minha irmã um pouco mais tarde.

Quando cheguei, mais uma vez tinha algumas correspondências para mim e no meio delas tinha outra da Universidade que escolhi para a especialização. Como minha curiosidade é muito grande resolvi abrir primeiro a carta da Universidade e ali tinha nada mais nada menos do que minha aprovação. Consegui minha bolsa com a intermediação da Faculdade que concluí meu curso de história e do meu orientador do tcc. Claro que também tinha a ajuda do coordenador do curso, pois as faculdades tinham parcerias comerciais.

Eu fiquei eufórica, mas não podia contar para ninguém naquele momento, não queria que a Clara soubesse. Ela estava deixando o tempo passar mais do que eu esperava e essa demora estava me matando de angustia e decepção.

Como cheguei tarde em casa – por volta das 200min – tomei meu banho e fui para a rua comer alguma coisa, logo depois encontrei com a Dani no Babalotim. Conversamos muito, mas mais uma vez não tocamos no nome: Clara. Em um determinado momento duas mulheres muito bonitas por sinal, sentaram na nossa mesa, nos cumprimentamos e a minha amiga logo se animou com uma delas, saíram para “conversarem melhor”. Continuei desfrutando da companhia da outra mulher – Ana Flávia:

-Você não gostou mesmo de mim, não foi?

-Gostei sim, muito. Você é linda e tem um papo muito agradável, mas o problema está comigo.

-Como assim?

-Eu amo uma mulher e por problemas familiares, terminamos recentemente.

-E o que você está fazendo aqui já que não está a fim de ficar com ninguém?

-Estou acompanhando minha amiga, vim só para conversar com ela.

Ela não gostou da minha resposta, não conversamos mais durante a noite. Assim que a Dani voltou disse que estava indo para casa, já estava saindo quando ela foi atrás de mim.

-Duda.

-Diga – virei em sua direção.

-Amanhã estarei fazendo uma pequena reunião entre alguns amigos em minha casa de Arembepe, quero você lá. Só voltamos no domingo.

-A Clara vai?

-Falei com ela pela tarde, mas não deu resposta.

-Tudo bem, amanhã te ligo para falar se vou ou não.

-Vou te esperar, viu?

-Eu já disse que vou pensar – sorri.

-Por que você é tão chata?

-E mesmo assim você me ama.

-Fazer o que, meu viadinho favorito? – sorriu.

-Bom, tenho que ir. Preciso descansar um pouco. Essa aproximação da fundação da ONG está acabando comigo.

-Mais um motivo para você ir amanhã. Você vai descansar: sol, praia, rio, piscina. Tem opções para você escolher em Arembepe, mesmo que você não queira ficar em somente casa.

-Amanhã te ligo e deixa de ser insistente – beijei seu rosto.

-Vou te esperar lá em casa. Ah! Vou levar os violões – sorriu cinicamente, pois sabia que eu adorava ficar sem fazer nada e tocando violão.

Sorri e nada respondi. Coloquei meu capacete e fui para meu apartamento, tomei meu banho e me joguei na cama como estou acostumada: nua. Logo em seguida eu apaguei e só acordei às 9h com meu celular tocando, era a Dani querendo saber se eu não ia para Arembepe.

-Você não dorme, não?

-Ainda não dormi. A Cris está lá no quarto, eu dei um descanso para ela e vim te ligar. Estamos saindo daqui de casa antes do almoço.

-Você já levou a mulher para sua casa?

-O que tem demais nisso?

-Nada – sorri com a lembrança do dia que conheci a Clara e fiz o mesmo.

-Já até sei o que você lembrou agora – riu alto.

-Esquece isso.

-E você vai conosco?

-Não com vocês, vou no final da tarde. Minha avó está em Salvador e vou à casa de minha mãe para visitá-las.

-Tudo bem, pelo menos você vai.

-Bom, vai lá terminar de curtir sua nova… namorada?

-Ainda não sei, mas ela vai para Arembepe também. Ela é muito boa, viadinho – riu gostosamente.

-Dani, para com isso. Não quero saber dos detalhes. Mais tarde vou conversar com ela para abrir os olhos com relação a você – acompanhei seu riso.

-Tá bom, mais tarde a gente se vê. Vou terminar de organizar as coisas para a chegada de vocês. Só poderei aproveitar mais um pouco da Cris mais tarde.

-Vai à merda, Dani, e até mais tarde.

-Também te amo, meu viadinho favorito. Beijo.

-Beijo.

Desde o dia que conheci a Dani, nossa amizade tem aumentado ainda mais e ela tem sido uma grande companheira depois que eu e a Clara terminamos. Excelente ouvinte e muito, mas muito paciente comigo, com minhas lamúrias, chatices e indignações com relação a essa situação, passou a me chamar de viadinho justamente por esses motivos.

Eu estava ficando muito sentimental, mas não chorava mais, a última vez tinha sido ainda em Curitiba enquanto eu conversava com minha ex namorada dentro do carro em frente ao hotel que ela estava hospedada.

Era um sábado e realmente eu precisava visitar a minha avó que já estava em Salvador há uns cinco dias e eu não tinha ido vê-la ainda. Minha mãe me ligava todos os dias me cobrando e decidi ir a sua casa para almoçar, nem liguei para avisar, decidi pela surpresa e fui recebida calorosamente pelas duas e incrivelmente por meu padrasto. O dia foi muito tranquilo e alegre com essas figuras, as duas continuavam me questionando sobre a separação da Clara, mas eu desconversava, falava muito superficialmente. Por volta das 16h eu disse que ia embora e estava a caminho de Arembepe.

-Você ai para Arembepe de moto, Duda?

-O que é que tem, mãe? Em meia hora estou lá – sorri e beijei seu rosto para me despedir.

-Liga assim que chegar lá, vou ficar preocupada.

-Tudo bem, mãe – sorri, dei um beijo estalado em minha mãe e outro em minha avó.

Coloquei os fones do mp3 em meu ouvido, no máximo volume, é claro, o capacete e segui rumo a casa de Dani em Arembepe.

Arembepe está a apenas 34 km da badalada Praia do Forte, mas mantém a rusticidade em suas praias, contornadas por dunas que ficam douradas ao entardecer. O visual é composto ainda por coqueirais, restingas, piscinas naturais e lagoas cristalinas. Na praia que dá nome à vila está a base do Projeto Tamar, com tanques áreas cercadas para proteger os ovos de tartarugas marinhas que, de dezembro a fevereiro, são soltas no mar.

Assim que cheguei a casa de Dani, fui recebida pela minha amiga que já dava sinais que estava bebendo desde cedo e tinha que ser muito cedo para ela começar a embolar a língua. Entrei, guardei minha mochila e fui ver como estavam as coisas, como estava a gelara. Na realidade não tinha muita gente.

-Só os amigos, viadinho.

Foi o que Dani me disse assim que retornei do quarto onde deixei minhas coisas. Ali tinha umas quinze pessoas e entre eles estavam a Bruna e a Rafa que foram logo falar comigo e ficamos conversando banalidades até que Dani pegou dois violões e me entregou um. Só fiquei tocando mesmo, já disse que prefiro não cantar, sou muito realista e minha voz não é lá essa “Coca-Cola” toda. Tocamos de tudo e a galera nos acompanhava animadamente.



Notas:



O que achou deste história?

Deixe uma resposta

© 2015- 2017 Copyright Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem a expressa autorização do autor.