Capítulo 47

Eu estava de olhos fechados curtindo o peso do corpo da Clara sobre o meu, acariciando seus cabelos e suas costas e ela enterrou o nariz em meu pescoço:

-Dessa vez eu senti mais sua falta do que quando eu achei que você havia me traído.

-Acho que dessa vez nós duas estávamos mais sensíveis, precisávamos uma da outra por motivos diferentes e tínhamos noção disso. Mas, não nos procurávamos por uma única razão: Regina.

-É verdade, mas não quero mais ficar tão próxima a ela. Só quero manter o contato por telefone e vos veremos eventualmente.

-Não acredito nisso, Clara – levantei seu rosto para olhá-la.

-Não acredita em que?

-Que depois de tudo o que você ouviu sobre ela, depois dela ter te traído, uma coisa que você não admite, você ainda vai continuar em contato com essa mulher?

-Essa mulher é minha mãe, Eduarda.

-Do que adianta falar que tem uma mãe assim com tanto orgulho se ela não presta?

-Por favor, não vamos recomeçar essa briga.

-Claro que não. Não quero que a Regina fique sabendo da minha vida, do que faço ou deixo de fazer. Não quero essa mulher se metendo em minha vida, não a quero em minha casa, preferia mesmo que ela sumisse da face da Terra.

Disse isso me levantando da cama e procurando minha mochila para pegar alguma roupa para vestir. Assim que encontrei, me arrumei e peguei minhas coisas saindo do quarto:

-O que você está fazendo? – Clara foi atrás de mim também já vestida.

-Indo embora.

-Eu vou com você.

-Eu não quero, fica aí e aproveita para ligar para sua mãezinha querida querendo saber como ela está; se já gastou a grana que você deu a ela, se ela precisa de mais. Assim não vai ser mais caracterizado como uma traição.

Disse isso procurando as minhas chaves e não encontrava de jeito nenhum, jurava que tinha deixado na cozinha.

-Não faz isso mais uma vez com a gente, Du.

-Não Clara, não faz isso você, mais uma vez. Você está precisando tomar um grande susto para ter noção do que aquela mulher é capaz de fazer.

-Que gritaria é essa, gente? – Rafa apareceu na cozinha.

-Você viu as minhas chaves? – ignorei a pergunta.

-Aonde você vai?

-Para o inferno, mas preciso da minha moto – disse irritada.

-Só estava preocupada com você – a voz da minha amiga estava decePCionada.

-Desculpa Rafa. Só estou irritada com uma determinada situação, não é nada com você. Só preciso das minhas chaves.

-Estão comigo – foi a vez da Dani aparecer – mas, não vou lhe entregar.

-Por que não?

-Porque você não está em condições de pegar a estrada, pelo visto nem dormiu ainda.

-Não dormi, mas tenho condições de fazer o que tiver vontade. O que quero agora é ir embora.

-O que aconteceu agora? Estava tudo bem até a hora que voltamos da praia.

-Estava aparentemente tudo bem, mas agora não está. Cadê minhas chaves?

-Escuta a Dani, Eduarda. Dorme e se quiser pode ir embora depois. Você está a mais de 24h acordada – a Clara se manifestou.

Não disse mais nada, sentei na primeira cadeira que vi em minha frente e apoiei minha cabeça com as mãos.

-Vem, dorme lá no quarto.

Rafa me puxou pela mão e me deixei ser levada, estava cansada não só fisicamente, mas psicologicamente também. Tirei quase minha roupa toda – fiquei só de calcinha – e me joguei na cama dormindo logo em seguida, realmente estava precisando dormir, não conseguiria ir embora de moto naquele estado. Acordei quase às 16h, levantei, tomei meu banho e me vesti. Mais uma vez estava faminta e fui comer alguma coisa, encontrei a Dani e a Clara conversando.

-Oi.

-Oi – respondeu a Clara.

-Senta aqui, Duda – a Dani disse seriamente, peguei uma maçã e fiz o que me pediu.

-Pronto.

-A Clara estava me explicando o que aconteceu aqui pela manhã, quase ao meio dia, aliás.

-E?

-E que como estou olhando a situação de fora, consigo compreender os dois lados. Gente, vocês se amam, não podem mais continuar assim: ontem essa hora vocês quase nem se falavam, a Clara chegou, não sei o que conversaram, fizeram as pazes, fodem horrores de manhã e depois brigam daquela forma. Se resolvam, por favor.

-Dani, minha decisão já foi tomada no dia que descobri que a Regina é a mãe da Clara. É ela ou eu, não tem as duas.

-Duda, seja mais paciente com a Clara.

-Paciente, Dani? Mais do que fui? Se fosse outra pessoa, com toda certeza tinha, no mínimo, ficado com a Ana Flávia no dia que você conheceu a Cris, mas não quis, dei ouvidos mais uma vez ao que continuo sentindo. Só que pelo visto não está valendo a pana.

-Quer dizer então que você queria ficar com ela? – foi a vez da Clara enfim falar.

-Se eu quisesse teria ficado, não estava a fim justamente pelo que sinto por você.

Continuamos a conversa, Dani tentando a todo custo fazer com que reatássemos, mas estava impossível com a Regina entre a gente:

-Dani, entendo toda essa conversa, toda a sua excelente intenção, mas não vai adiantar mais nada. A Clara não vai abrir mão da Regina enquanto ela não tomar um grande susto provocado por essa mulher.

-Pelo visto vocês não vão se entender até esse dia chegar, não é verdade?

-Ela é muito cabeça dura, Dani – disse a Clara.

-O problema é que isso pode demorar muito e provavelmente eu não estarei mais aqui esperando – as duas me olharam não entendendo o que eu estava falando – resolvi antecipar minha ida para Portugal para o dia seguinte da fundação da ONG.

-Como? Você tem que entrar em contato com a universidade, procurar lugar para morar. Isso não é tão fácil – Clara estava incrédula.

-Já está quase tudo pronto, só falta mesmo lugar para morar, o que já providenciarei para o mais rápido possível.

Por essa notícia nenhuma das duas esperava. Elas sabiam da minha ida para Portugal, mas não tinham noção que eu estava antecipando, só faltavam cerca de duas semanas para a festa de fundação da ONG e por isso que não contei a ninguém até que a Universidade aprovasse tudo. As duas ficaram mudas olhando para mim, resolvi quebrar o silêncio.

-Não tenho mais nada que me prenda aqui, preciso olhar para meu futuro. Quero logo fazer minha especialização e pôr outros projetos em prática. Preciso ocupar minha mente porque esse problema vai acabar me enlouquecendo, pois não consigo admitir certas atitudes, aliás, a falta dela – disse olhando para a Clara.

-Você não disse que só ia em dezembro?

-Disse, mas era para dar tempo para prepararmos nossas coisas para podermos casar. Queria fazer as coisas com calma, tudo direitinho, não queria que nada desse errado, mas infelizmente deu.

-Cuidado com o que você está fazendo com vocês – foi a vez de Dani falar.

-Não estou fazendo nada fora o planejado, Dani. Só resolvi antecipar os fatos. Essa situação está me matando e não sou masoquista.

-Mas, tenha consciência que mesmo você fugindo, essa história de vocês duas ainda não acabou.

-Primeiro que não estou fugindo, estou antecipando minha ida. É bom que lá eu procuro com mais calma algum lugar para morar e segundo que a Regina continuando entre a gente, a nossa história acabou sim.

-Agora, mais do que nunca, você precisa estar ao lado da Clara, Duda.

-Eu estive todo esse tempo, mas ela preferiu a Regina. Eu já disse, Dani: não sou masoquista, não vou aguentar ver a mulher que amo todos os dias e ser somente uma amiga, uma simples colega de trabalho. Eu já tinha decidido que ia para Portugal em dezembro, só estou antecipando três meses, já fiquei muito tempo vendo tudo isso acontecendo sem poder fazer nada e sofrendo.

-Vocês casando e indo para Portugal, a Regina não estará tão presente quanto aqui.

-Eu não quero mais nenhum tipo de contato com essa mulher, agora que meu pai já se divorciou, nem preciso mais ouvir aquela voz irritante quando ligo para ele. Não a quero ligando para a casa que teoricamente moraria com a Clara e não a quero nos visitando. Isso tudo é pedir demais para mim.

-Bom, eu tentei, mas está difícil fazer você mudar de ideia.

-Isso é impossível, Daniela.

A Clara ficou calada nos ouvindo e observando todo o tempo. Acho que ela esperava outra reação da minha parte já que a Regina a tinha traído. Muito provavelmente ela imaginava que a gente reataria o namoro mesmo com as duas em contato ainda, mas com mais escassez.

-Agora você pode me dar as chaves da minha moto?

-Já coloquei no quarto que você ia dormir.

Olhei para ela e balancei a cabeça negativamente, a Clara já havia se retirado da cozinha e não fazia a mínima ideia de onde ela estava. Fui ao quarto que passamos horas nos amando para pegar as benditas chaves e encontrei a minha ex-namorada em frente a janela olhando para fora, bati à porta para anunciar minha entrada.

-Só vim para pegar minhas chaves.

Sem olhar para mim, ela balançou a cabeça positivamente.

-Não faz isso de novo, Du – ela disse suavemente.

-Não estou fazendo nada de novo, só estou deixando as coisas como já estavam.

-Você sabe que não estou bem com a minha mãe, o contrário do que eu queria. Eu te amo, preciso de você comigo – virou para me fitar.

-Eu também te amo, mas não quero a Regina na nossa vida. O que mais quero é ir para Portugal contigo como estávamos planejando, mas não quero mais saber da existência dessa mulher.

-Fica comigo – me abraçou e eu retribuí – me ajuda a enxergar esse monstro que você diz e viveremos em paz em qualquer lugar do mundo.

-Meu amor – disse carinhosamente e segurando seu rosto com as duas mãos para ela me olhar – eu já fiz tudo o que pude para tentar abrir seus olhos, agora só cabe a você essa decisão. Sei que você está sofrendo tanto quanto eu com essa separação, mas não posso continuar contigo e essa mulher aparecendo de vez em quando. Só você pode e deve fazer isso. Estou indo embora em duas semanas, esse é o prazo que você tem para definir nossa situação.

-E você vai esperar todo esse tempo?

-Eu te amo, te esperarei até o dia da minha ida a Portugal. Se eu for sozinha, terei certeza que você preferiu a Regina a mim. Aí sim tentarei seguir minha vida sem você.

A Clara voltou a me abraçar e fiquei curtindo aquele momento que tanto gosto, adoro estar em seus braços. Tentei beijar seu rosto, mas ela virou e beijou minha boca, não neguei, eu também queria e muito. O beijo foi suave, carinhoso, explorador. Ficamos longos minutos naquele contato até que nos separamos quando ouvimos alguém batendo na porta.

-Clara, seu celular não parava de tocar lá na cozinha, resolvi trazer.

Foi Rafa entregando o aparelho para a Clara. Assim que ela saiu, o celular voltou a tocar e automaticamente olhei no visor já que continuávamos abraçadas, era a Regina. Suspirei, balancei a cabeça negativamente e saí do quarto.

-Vou me despedir do pessoal, quando você terminar, estarei lá fora te esperando para fazer o mesmo contigo.

Ela balançou a cabeça melancolicamente concordando com o que eu disse, saí do quarto levando minha mochila, minhas chaves e o capacete. Fui em direção a frente da casa onde ficava a piscina. As minhas amigas acharam que eu e Clara tínhamos reatado pela cena que a Rafa viu, simplesmente neguei sem dar maiores explicações. Alguns minutos depois a Clara apareceu onde estávamos e ela me acompanhou até a garagem.

-Parece que a minha mãe ainda não sabe o que eu descobri sobre o dinheiro.

-Ela pode estar se fingindo de desentendida porque não sabe explicar o que é inexplicável.

-Não sei o que fazer.

-Faça uma armadilha para ela.

-Como?

-Arme alguma situação para ela que envolva dinheiro, aí sim você saberá quem está falando a verdade, eu ou ela.

-Eu não estou discutindo para saber quem está falando a verdade, Duda. Eu confio em você, só queria continuar o contato com minha mãe também.

-Eu já lhe disse que as duas opções não têm como serem adaptadas – disse subindo na moto.

-Quando te vejo de novo?

-Amanhã no escritório – sorri.

-Queria ficar com você hoje – disse suavemente aproximando-se de mim e brincando com um dos cachos do meu cabelo. Sorri.

-Está de carro? – não consegui resistir.

-Não. Vim de taxi. Não estava querendo dirigir – disse no mesmo tom de voz de antes.

-Vai pegar suas coisas que vou pedir um dos capacetes de Dani emprestado.

Desci da moto e fui falar com a Dani, ela perguntou o motivo, só disse que iria levar a Clara em casa. Ela sorriu já imaginando o que poderia acontecer, logo depois a minha ex namorada apareceu se despedindo de todos e voltamos para a garagem.

-Como vamos fazer com as duas mochilas?

-Me dá a sua.

Tinha levado pouca roupa e objetos pessoais, minha mochila é grande e pude colocar as coisas da Clara dentro, a ajudei a colocar nas costas, subi na moto e ela veio logo em seguida já colocando o capacete que consegui emprestado. Eu não levei ninguém de carona para essa festa, não havia necessidade de andar com o segundo.

A viagem foi tranquila, a Clara me pediu para não correr muito, obedeci apesar de saber que ela já estava acostumada com minhas corridas. Mas, eu também queria prolongar esse momento que ela estava me abraçando, se protegendo com o meu corpo.

Fui direto para seu apartamento, entramos na garagem para que ela pegasse seus objetos. A ajudei a descer e tirar a mochila das costas:

-Obrigada.

-Pelo o que? – estava distraída retirando sua mochila de dentro da minha.

-Pela carona, por ter me ajudado a descer da moto, por se preocupar com minhas coisas, por se preocupar comigo – sorriu lindamente.

Não tive como não retribuir aquele sorriso que tanto amava, que eu tanto sentia falta em ver todos os dias e seguidas vezes com exclusividade.

-Adoro seu sorriso… Essa sua covinha cotó – Clara disse suavemente.

-Ela não é cotó, já lhe disse várias vezes: ela é capenga – sorri – tenho uma no lugar certo e a outra é um pouco mais a abaixo das tradicionais, aqui, olha… – mostrei onde ficava e sorrindo.

-Nem nisso você gosta de ser igual às outras pessoas. Eu sei muito bem onde ficam suas covinhas.

-Não gosto mesmo, gosto é de fazer a diferença.

-Eu que bem sei – sorriu.

Entreguei a sua mochila:

-Bom, agora está entregue. Vou indo… – coloquei a minha mochila nas costas.

-Fica – disse suavemente segurando meu braço – prometo me comportar – sorriu – quero ficar mais um pouco com você, conversar contigo coisas que não seja da ONG que é só o que falamos ultimamente.

-Por motivos óbvios.

-Que seja. Sobe comigo? – lançou um olhar para mim que não consegui resistir.

-Então devolve sua mochila.



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