Capítulo 54

Fomos no carro da Clara já que eu tinha deixado minha moto em seu apartamento. No caminho para a casa do Sr Augusto, a minha morena resolveu verificar as ligações perdidas, várias do pai, irmãos, da Dani e até do meu pai, minha mãe, diversos amigos da minha mulher, da imbecil da Renata e uma que me deixou em estado de alerta: Regina. Não comentei nada a respeito, mas não estava nem um pouco a vontade com isso, resolvi não deixar transparecer já que aquele dia era o aniversário da minha Clara e estávamos também comemorando nosso casamento. Respirei fundo e segui nosso caminho.

Na casa do Sr Augusto, todos já nos esperavam e nos deram a maior bronca porque a gente não atendia os celulares, mas fomos silenciosamente perdoadas quando viram nossas alianças e nossos sorrisos. O almoço foi maravilhoso, nos divertimos muito e eu estava num clima tão descontraído conversando na rodinha de amigas que automaticamente foi formada: eu, a Clara, a Rafa, Bruna, Dani e Cris que nem a presença repentina da Renata mudou meu humor. Claro que houve interferência da minha mulher:

-Política da boa vizinhança, meu amor. Calma!

A Clara me disse isso indo em direção a Renata para cumprimentá-la, nem saí do lugar que eu estava com as minhas amigas, preferi até virar as costas para a imbecil para não acabar procurando nenhuma confusão. As duas conversaram um pouco e em menos de quarenta minutos a criatura foi embora. Olhei para a Dani e ela balançou a cabeça em sentido afirmativo quase que imperceptivelmente, entendi: a Aurélia estava realmente perdendo as forças, sorri e fiz o mesmo gesto para que ela percebesse que até balançando a cabeça, nos entendemos. Sorri.

A tarde continuou tranquila, dávamos muita risada, a família da Clara estava super feliz com a notícia da “oficialização” do nosso casamento, a minha também. Estava tudo conforme esperado, bebida, comida, diversão. Todos muito felizes com a tarde e início da noite.

Repentinamente meu coração disparou e em questão de segundos todos pararam de conversar.

Automaticamente olhei para a Clara e para a Dani, elas estavam sérias e olhando para a entrada do apartamento, eu estava de costas. Tudo aconteceu em câmera lenta: virei para ver o que estava acontecendo e dei de cara com a Regina e os mesmos sintomas da época que descobri que a Clara era filha desse ser anormal: dor de cabeça, na nuca, ância de vômito. Olhei mais uma vez para a Clara:

-Fica aqui e calma, por favor, amor – beijou-me nos lábios – vou resolver isso – disse seriamente.

E foi em direção a mulher que a colocou no mundo, essa é a única coisa que sou grata a Regina. Dani me puxou para um canto na varanda e ficou fazendo orações, eu não conseguia me concentrar:

-Ela está aqui, não está?

-Está sim, mais fraca do que nunca, mas ainda pode fazer muita coisa. Ela trouxe a Renata para sondar, mas com a Regina ela pode fazer mais e com toda a certeza ela vai tentar.

-Eu não estou bem.

-Eu sei, estou tentando te ajudar, mas sozinha está difícil já que nessas circunstâncias você não consegue se concentrar.

Respirei fundo e fui até a cozinha beber um pouco de água, fiquei lá durante longos minutos e voltei para onde a Dani estava. Vi a Regina na varanda também, procurei a minha amiga e percebi que ela estava muito concentrada, parecia em outro mundo, olhei para trás e não vi a Clara, todos voltaram a conversar normalmente:

-Achou que ia se livrar de nós duas assim, tão fácil?

-Ainda estou tentando.

-Tentativas em vão, minha amiga já disse que nunca vai deixar você ser feliz, principalmente com ela. É minha filha, mas é tão tola, chega dar pena. Está se deixando enganar por você.

-Se deixando enganar? – queria tirar o máximo de proveito daquela conversa.

-Isso mesmo. Você sabia que você, ela e essa daí – apontou para Daniela – já foram irmãos? Essa ligação que vocês têm é muito mais antiga e forte do que imaginam, mas você e a Clara se apaixonaram na época que você veio como Alfredo e sempre tentam ficar juntos, mas por fidelidade a mim, minha amiga não deixa.

-Você não explicou porque que a Clara está se deixando enganar por mim.

-Está ficando esperta, hein? – riu – você promete a ela muitas coisas que não cumpre desde que tentam ficar juntos há tantos séculos e dessa vez ela não enxerga que você só quer o seu dinheiro, o seu status, o seu lugar na empresa que ela tem com a Bruna e o veado amigo dela.

-Como é que é? – comecei a me irritar.

-Isso mesmo, era sempre atrás disso que você ia, era sempre por isso que você tentava casar com a Clara em todas essas encarnações, você sempre foi interesseira no dinheiro que ela tinha a lhe proporcionar.

-Quer dizer então que a única coisa que estou fazendo com a Clara é ganhando sua confiança para dar um golpe para lhe tirar seu dinheiro e seu lugar na própria empresa? Você está mais louca do que eu imaginava – não acreditava no que estava ouvindo.

-Exatamente! E a bestinha da minha filha não consegue enxergar isso.

-Você não acha que isso é o contrário?

-Você não tem onde cair morta, Eduarda! Qual o interesse dela em você além da cama? Eu soube da briga que vocês tiveram quando foram a uma festa que ela costuma frequentar e você não se sentiu a vontade. Você acha que ela te perdoou?

-Claro que sim! – disse firmemente – conheço a minha mulher muito mais do que você que é mãe. Confio nela e ela em mim e nada do que você disser vai mudar qualquer coisa entre nós duas. Não adianta você tentar colocar coisas em minha cabeça porque eu não gosto de você, não confio em você e se dependesse de mim, você nem viva estaria mais, mas é claro que eu nunca sujaria minhas mãos com seu sangue nojento e nem nunca pediria, mandaria, pagaria a ninguém para fazer isso. Seu fim vai ser muito doloroso, Regina.

-Uma pena que dessa vez não consegui envenená-la contra ela, mas adorava quando isso funcionava. Nas outras encarnações era muito mais fácil, agora você está ficando esperta.

-Tive que aprender a lidar com você e a imbecil da sua amiga – ri e finalmente a irritei.

-Não adianta, você nunca vai conseguir ser feliz com ela, eu e nem a Aurélia vamos deixar. Vou tomar todo o dinheiro da idiota da Clara.

-É mais seguro para você não falar mal dela – meus olhos já transbordavam raiva.

-Por que? Vai defender sua mulherzinha? Você acha certo essa pouca vergonha que vocês fazem? Coitada da minha filha, se perdeu e ainda encontrou uma pessoa pervertida que é você. O que vocês fazem é nojento – respirei fundo, olhei para os lados, ninguém olhava para nós duas e nem sinal da Clara, a Dani continuava parecendo que não estava ali – é vergonhoso, é triste… – eu já andava de um lado para o outro, estava impaciente – deixa a minha filha ser feliz porque com você ela nunca será, isso não é vida para ninguém e também nós duas – apontou para um lugar que não vi ninguém, provavelmente a Aurélia estaria ali – não vamos deixar.

-Vai embora!

-Não, não vou! Minha filha foi lá dentro buscar um cheque para mim e também é o aniversário dela, essa casa não é sua, você não manda aqui apesar de querer muito, não é verdade?

-Tudo bem, você não vai, mas eu vou.

Fui em direção a porta da varanda, vi a Clara vindo em nossa direção, mas o que aconteceu foi tudo muito rápido: a Regina segurou firmemente o meu braço e um grande mal estar tomou conta de mim. Não pensei em mais nada naquele momento. Puxei bruscamente meu braço esquerdo de suas mãos já com minha mão direita fechada e o soco foi direto em sua boca que quando tirei já jorrava sangue e da minha mão também porque pegou em seu dente, feriu o dedo médio e o anelar, mas não me importei com isso.

-Duda, por que você fez isso?

-Porque ela estava nos insultando – disse com raiva.

A Clara foi em direção a onde a mãe estava, eu consegui ver o sorriso vitorioso em seus lábios, sentei numa cadeira ali próximo, as minhas amigas foram ver como eu estava:

-Duda, isso está feio. Fica aí que vou pegar gelo – a Bruna disse isso e sumiu pelo corredor em direção a cozinha.

Respirei fundo, a Clara também tinha ido buscar gelo, mas para a mãe. Fechei os olhos, não queria e nem conseguia ver tudo aquilo que estava acontecendo. Eu não acreditava que tudo ia voltar a estaca zero depois da semana perfeita que passei com a Clara, depois da nossa noite maravilhosa. Abri os olhos, Dani estava em minha frente:

-É justamente isso o que ela quer. Se você brigar com a Clara, todo o nosso trabalho desses últimos meses pode ser jogado fora.

Balancei a cabeça em sentido negativo:

-Não posso mais suportar isso, não aguento mais olhar para a cara dessa imbecil. Se isso continuar, acho que enlouqueço.

-Você vai desistir logo agora? Você sabe que isso será prejudicial para nós três. As consequências serão drásticas.

-Não sei, preciso pensar. Estou cansada disso tudo, não vou suportar ver a Clara abrindo mão da gente e correr atrás da mãezinha dela. Estou cansada mesmo.

-Você vai precisar ser mais forte do que nunca.

-Não tenho mais força e nem ânimo.

-Vem, vamos sair daqui.

A Dani me segurou, falou alguma coisa com a Clara que não consegui entender e me puxou para fora do apartamento. Nem me deixou me despedir do pessoal, sorte a minha que minha família já havia ido embora.

-Você está me levando para onde?

-Primeiro para um hospital e depois vamos lá pra casa.

Não disse mais nada, sabia que não adiantaria em nada contestar. No hospital levei dois pontos em cada dedo machucado, o corte realmente foi feio. Mesmo com o gelo, a mão ficou inchada, mas tenho certeza que a Regina ficou num estado muito pior do que o meu.

Saímos do hospital, passamos na farmácia para comprar os remédios e fomos para a casa da Dani. Como a Cris também tinha ido ao apartamento do Sr Augusto, fui no banco de trás pensando em tudo o que estava acontecendo de novo e tentando articular alguma ideia para me ver livre dessa situação.

O dia que começou tão perfeito para mim e lindo como a grande maioria em Salvador: com muito sol, repentinamente começou a cair uma fina chuva. Eu admirava os pingos através das luzes dos postes que começavam a ser acesas. Comecei a sentir dor na mão, quando a Dani parou o carro em um dos sinais vermelhos, comprei uma garrafinha de água mineral e tomei um analgésico que havíamos comprado quando saímos do hospital junto com o antiinflamatório que o médico receitou. Percebi que minha irmã me olhava através do retrovisor e pela fisionomia estava deveras preocupada:

-Vai tomar um banho para se acalmar um pouco mais, levo roupas para você em cinco minutos – a Dani disse assim que entramos em sua casa.

Eu não tinha mais ânimo para contestar mais nada e fui fazer o que ela me pediu. Assim que terminei fui para a sala onde ela me esperava e sem a Cris, sentei, aliás, me joguei no sofá.

-O que você pretende fazer agora?

-Não tenho a mínima ideia – disse ainda mais desanimada.

-Pretende desistir de tudo? Pretende deixar sua mulher para trás e viver triste e melancolicamente em Portugal durante esses próximos anos?

-É a única alternativa que me resta.

-Não, você tem essa alternativa e tem outra que é levantar a cabeça, sacudir a poeira e voltar a lutar pela sua mulher, pela felicidade de vocês, pelos planos de vocês, pelo amor que sentem.

-Dani, eu já disse que estou cansada disso, cansada de viver em função de uma entidade que quer acabar com minha vida. Quer acabar? Que seja, então!

-Você sabe que ela não afetará somente a ti. Seremos três fáceis vítimas em suas mãos logo agora que ela estava perdendo a influência que exercia sobre nós.

-Só não desisti ainda justamente pelo amor que sinto por você e pela Clara. Sei que sofrerão e muito, esse é meu maior medo, não quero que sofram por minha causa, porque desisti de lutar. Queria que as consequências fossem somente comigo.

-Hei, cadê a Duda que conheço? Quero minha irmã de volta e não essa medrosa, essa covarde e desanimada que está em minha frente.

-Sua irmã está cansada.

Nesse instante meu celular começa a tocar, tirei-o do bolso e vi que era a Clara, deixei tocando e coloquei em cima da mesa de centro. A Dani viu:

-Não vai atender?

-Não! – disse secamente.

-Por que?

-Não quero me decepcionar ainda mais. Não atendendo ainda tenho um pouco de esperança que ela possa voltar a ser minha.

-Para que essa dúvida, Duda? Atende logo essa merda e tira a prova.

-Não, não agora. Preciso respirar um pouco, por a cabeça em ordem.

O celular continuou a tocar durante quase toda a noite e eu não atendia. Deixei-o no silencioso e sem o vibracall, nem sabia mais quem estava ligando ou não. Deitei um pouco no sofá e por causa dos remédios acabei pegando no sono, mas escutei ao longe a Dani falando com alguém no telefone. Desconfiei de suas intenções e assim que ela saiu, peguei minhas coisas e saí de seu apartamento sem que ela me visse, pois estava no quarto.

Como minha moto estava na casa da Clara, peguei um taxi e fui para casa. Chegando lá eu não tinha ânimo mais para nada, me joguei na cama só acordando no dia seguinte com uma baita dor de cabeça: ressaca moral, pois não havia bebido o suficiente para tal.

Verifiquei meu celular e tinha mais várias outras chamadas da Clara, da Dani, da Rafa e até da minha mãe. Só retornei a da minha genitora e disse o que estava acontecendo, ela me chamou para dormir em sua casa, mas como estavam todos a favor do meu retorno com a Clara, muito provavelmente ela iria avisá-la que eu estaria indo para lá, inventei uma desculpa qualquer para recusar o pedido.



Notas:



O que achou deste história?

Deixe uma resposta

© 2015- 2017 Copyright Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem a expressa autorização do autor.