Eu estava preparando um jantar surpresa para a Clara. Eu tinha ido a Portugal para participar de mais um congresso como palestrante, fiquei cerca de dez dias fora de nossa casa, estava louca de saudades da minha esposa. Deixei tudo pronto, tomei meu banho e fiquei na sala respondendo uns e-mails pelo notebook. Ela chegou por volta das 22h:

      – Oi Duda, não avisou que estava chegando hoje.

     –  Queria fazer surpresa, estava com saudades, amor – fui a seu encontro para beijá-la, mas ela virou o rosto.

     –  Não Duda, para com isso – se afastou de mim – estou exausta.

      – Claro que você está exausta, sai de casa as 7h e retorna as 22h.

    –   O que você está querendo dizer com isso?

     –  Eu não quero dizer nada, eu já disse. Não há necessidade de trabalhar tanto, Clara. Você é a primeira a chegar naquela empresa e a última a sair. Nem seus sócios fazem isso.

    –   Eu preciso ocupar a minha mente.

      – Pra que toda essa dedicação? Para tentar esquecer que perdemos um filho?

    –   Não, nós não perdemos um filho, mas sim, eu perdi um filho.

Olhei para ela incrédula, já havia desligado o notebook e estava em pé na sala, totalmente inquieta, mais uma vez estávamos discutindo pela perda do nosso filho que agora ela estava com essa novidade de filho só dela.

    –  Eu o amei como se fosse meu também – falei alto.

    –  Mas, quando ele morreu, não agiu como se realmente o tivesse amado.

    –  O que você queria de mim, Clara? Que eu entrasse em depressão, que eu deixasse de fazer minhas coisas, que deixasse de me preocupar com a gente? Que deixasse de trabalhar? Tudo isso para chorar a perda do SEU filho? – Aumentei ainda mais o tom de voz para pronunciar a última parte da última frase.

    –  Pelo menos demonstrasse o que estava sentindo.

    –  O fato de não chorar, de não me entregar ao desprezo, não significa que eu não estava sofrendo. Eu só não queria passar isso para você porque sabia o quanto que isso estava doendo dentro de ti.

    –  Precisava mandar desarrumar o quarto dele?

    –  Me diz para quê que eu ia deixar um quarto de uma pessoa que não está entre a gente? Clara, você ia sofrer ainda mais com essas lembranças. Eu queria diminuir o seu sofrimento. Ou você acha que retirar tudo daquele quarto foi fácil para mim?

    –  Eu não acho nada, a única coisa que tenho certeza é que isso ainda dói muito. Queria que você estivesse comigo.

    –  Mais, Clara? Me diz quantos convites de congressos eu recusei? Quantos convites de novas pesquisas eu recusei? Quantas palestras aqui em Salvador mesmo você me viu e ouviu recusar? Me diz, quantas? Inúmera. Sabe por quê? Porque eu queria estar ao seu lado todo esse tempo, mas pelo visto não valeu a pena.

     – Você recusou porque quis.

    –  Você não me pediu para recusar, mas se tivesse feito, eu concordaria mesmo assim.

    –  Como eu fiz com a minha mãe?

Mais uma vez não acreditava no rumo da conversa.

     –  O que aquela imbecil tem a ver com isso?

    –   Nada.

    –  Olha, sabe de uma coisa? Para mim chega, Clara. Tem sete meses que o SEU filho morreu, tem sete meses que você passou a se dedicar totalmente ao seu trabalho, tem sete meses que você mal me beija, aliás, de um tempo para cá, nem isso. Quando tento te abraçar na hora de dormir, você se afasta. Tem sete meses que você está me desprezando, tem sete meses que você jogou nosso casamento para o ar – ela ficou quieta, lágrimas caiam dos seus olhos, a segurei pelos braços, a sacudi levemente pelos ombros – acorda, Clara. Desse jeito, por maior que seja o amor que sinto por você, nosso casamento não vai durar mais nada e não estou só falando de sexo, estou falando da sua falta de atenção, sua falta de carinho. Acabei de voltar de uma viagem de trabalho, passei dez dias fora, em um outro país e você nem perguntou como foi, se eu estou bem, você não me ligou um dia sequer, era sempre eu que ligava – mais lágrimas caíram do seu rosto, soltei seus braços, procurei minhas chaves.

     – Aonde você vai?

    –  Acho que está um pouco tarde para você perguntar isso, não?

Ia pegar as chaves do carro, mas desisti e peguei as da moto. Peguei o capacete, meu mp4 e bati a porta com força. Tirei a placa da moto – eu tinha como conseguir depois novos lacres – coloquei os fones no ouvido no máximo volume, o capacete e arranquei usando toda a potência do motor – eu havia comprado uma nova moto assim que retornamos ao Brasil.

Uma forte chuva começou a cair na cidade, mas eu não conseguia parar em lugar nenhum, e também não queria. Fiquei horas rodando por Salvador, meu celular vibrava insistentemente em meu bolso, retirei e joguei na primeira lata de lixo que encontrei pela frente. Quando dei por mim, o dia estava clareando, mas a chuva insistia em cair, muito mais fraca. Parei no primeiro posto de combustível que vi e entrei na loja de

conveniência. A mulher do caixa olhou assustada para mim, fingi que nem vi, peguei uma garrafinha com água, paguei e saí.

Só voltei para casa no final da tarde, entrei ainda com as roupas muito molhadas, pois a chuva não havia parado. A Clara estava falando com alguém no telefone, nem prestei atenção na conversa, fui direto para o quarto, peguei minha toalha, uma calcinha e uma camiseta e fui para o quarto de hóspedes, tomei um banho quente e demorado. Assim que terminei fui na cozinha para comer alguma coisa, a Clara estava lá já com alguns sanduíches naturais prontos e me entregou.

     –  Obrigada – sentei a mesa.

    –   Podemos conversar? – ela perguntou suavemente.

Levantei meu olhar, sustentei por alguns segundos:

     – Só depois que eu acordar – me limitei a dizer.

Terminei de comer, a Clara continuava ali na cozinha, eu sentia que ela queria falar alguma coisa, mas eu não estava em um bom estado para ter qualquer tipo de conversa. Levantei, lavei meu prato e fui para o quarto de hóspedes. Deitei, mas não consegui dormir apesar do enorme cansaço. Fui para o nosso quarto, ela estava lendo alguma coisa que eu não consegui ler o título por causa do sono. Deitei e apaguei.

Acordei no outro dia as 13h louca de fome. Tomei meu banho e fui direto para a cozinha, percebi que estava sozinha em casa. A Clara deixou um bilhete informando que tinha ido resolver umas coisas e que voltaria no início da tarde, ou seja, a qualquer momento. Comi e deitei no sofá, acabei cochilando de novo e senti os lábios da Clara sobre os meus numa suave carícia, abri os olhos, ela sorriu e se afastou:

     –  Conversamos agora? – sentou-se no mesmo sofá que eu, mas de frente para mim.

     –  Sou toda ouvidos, o que me incomoda eu já lhe disse na quinta-feira.

     – Primeiro quero lhe agradecer por abrir meus olhos e ver que eu estava acabando com o nosso casamento, coisa que eu não quero nunca. Se não fosse por você, eu estaria naquela vida medíocre de antes: trabalhava em uma coisa que gostava, mas não estava feliz. Viajava muito, mas não tinha ânimo para voltar para casa, nunca fiquei com ninguém por tanto tempo, nunca ninguém teve tanta paciência comigo, nunca ninguém me amou tanto a ponto de se tornar uma pessoa romântica, mudar seus hábitos para me agradar. Nunca ninguém prestou tanta atenção em mim, nas minhas manias, no que gosto, no que não gosto. Nunca ninguém fez tudo o que pedi na cama sem algum receio. Na realidade, eu nunca amei ninguém até você aparecer em minha vida, Eduarda. Passei a amar mais meus irmãos, meu pai, soube distinguir o que é amigo e conhecido. Passei a dar mais valor as coisas que conquistei, não em termos materiais, e sim sentimentais –

suspirou, me olhou durante alguns segundos – me dá uma nova chance, amor. Sei que errei esses sete meses, não deveria descontar a minha raiva, a minha tristeza em cima de você, logo você que fez de tudo para me agradar, que fez de tudo para arrancar um sorriso de mim. Eu sei que você amou muito o NOSSO filho, desde o dia que decidimos tê-lo, antes mesmo de fazermos a inseminação.

    –  E a Regina?

    –  Não sei, para mim ela não existe mais. Sei que não deveria ter alegado isso, se eu quisesse poderia muito bem ficar com ela e não com você, mas ela me abandonou junto com meus irmãos, tentou matar meu sogro e ameaçou a mulher que eu amo.

Levantei do sofá, não vou negar que tudo o que a Clara me disse me balançou, mas o que escutei dela na quinta-feira doeu e doeu muito, principalmente quando ela se referiu ao nosso filho como somente dela, mas como por mais chateada que eu esteja, não consigo guardar mágoa, principalmente da Clara, eu precisava de um tempo para absorver todas aquelas informações. Fui ao quarto e vesti um short:

    –   Aonde você vai?

    –   Não demoro, só vou dar uma volta.

Não peguei as chaves da moto e nem do carro, fui à praia. Sentei na areia e fiquei pensando em tudo o que escutei da Clara desde a quinta-feira que foram coisas horríveis até aquele dia que ela se mostrava totalmente arrependida de tudo o que fez.

Vi o sol se por, lembrei da primeira vez que vimos o por do sol juntas no Solar do Unhão, sorri com essa lembrança e quando o céu já estava totalmente escuro, resolvi ir para casa, para minha casa, para a mulher que eu amo.

Quando cheguei, a Clara estava no telefone como no dia anterior quando cheguei, nem tentei adivinhar quem era. Puxei a minha mulher pela cintura e a beijei apaixonadamente, tomei o aparelho da mão dela – sem afastar nossas bocas – encerei a ligação e joguei o aparelho em algum lugar que não me dei o trabalho de olhar.

Continuamos com os beijos, minha saudade daquela boca, daquele corpo era tamanha que acabei rasgando suas roupas na tentativa de tirá-las – ela estava com uma camisetinha de botão e um short de malha fria – ela sorria divertida com meu desespero, mas fazia o mesmo com as minhas roupas. Vi que o quarto estava um pouco longe da gente, encostei-a na parede, ela passou uma das pernas ao redor da minha cintura, penetrei- a com dois de meus dedos, ela soltou um gemido delicioso, o que estava louca de saudade de escutar. O que me deu um estimulo a mais para aumentar o ritmo do vai e vem.

Senti o corpo da Clara começar a estremecer, ela cravou as unhas em minhas costas, mordeu meu ombro, senti os seus músculos se tencionarem e relaxarem logo depois. Retirei meus dedos de dentro dela, escutei mais gemidos, peguei sua outra perna e levantei para que ela transpassasse minha cintura. Levei-a até o nosso quarto, ficamos trocando carinhos até recuperarmos o fôlego para reiniciamos nossa maratona de prazer.

Foi a noite inteira assim. Minha esposa estava insaciável como sempre, a saudade que tínhamos fazia com que a gente não quisesse parar.

O dia já estava claro, mas o sol não penetrava as cortinas do nosso quarto, tínhamos noção do tempo através do meu relógio de pulso: 5:14h. A Clara estava com a cabeça apoiada em minha barriga:

    –   Amor?

     –  Humm – resmunguei.

     –  O que você acha de passarmos 10 dias em Fernando de Noronha e sem avisar a ninguém?

    –  Adorei a parte do “sem avisar a ninguém” – ri – mas, esses dez dias serão só nossos mesmo? Não tem nenhum evento por lá?

    –  Só nós duas – levantou e se aninhou em meu corpo com o nariz enterrado em meu pescoço – na quinta- feira nós fizemos seis anos que nos conhecemos e eu estraguei tudo, tenho que recompensar – disse voltando a me beijar, reiniciamos nossas carícias e terminamos em mais alguns gozos.



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