Capítulo  7

Abri meus olhos e logo os fechei novamente, esqueci as janelas e cortinas abertas e uma claridade enorme dominava meu quarto. Com dificuldades, virei meu rosto para o lado oposto e percebi que estava sozinha, olhei ao redor procurando algum vestígio de Clara, mas não encontrei. Olhei meu relógio procurando ver as horas e levei um susto:

– MERDA, 8h! Caralho, já era para estar no Instituto. Droga! Esqueci de colocar o celular para despertar.

Fui correndo para o banheiro tentando fazer tudo o mais rápido possível. Ali sim tinha vestígios da Clara: box ainda molhado, sabonete úmido e a toalha que destinei para ela também. Quando já estava pronta e procurando minhas chaves para sair, encontrei sob elas um bilhete:

“Du,

Ao acordar, odiei constatar que hoje é segunda-feira e o dever me chama. Queria dar continuidade ao nosso fim de semana que você com esse seu lindo sorriso, seu jeitinho alegre, brincalhão de levar a vida conseguiu fazer com que eu esquecesse que o mundo é mundo, que é triste e é cruel… Muito obrigada!

Beijos,

Clara.

PS: Quero bis no sábado, te encontro no mesmo local e horário,

Mais beijos.”

Dei um sorriso mais que satisfeito, peguei minhas chaves, meu mp4 e minha mochila. Minha semana não tinha como começar melhor, nem a bronca que provavelmente ouviria do Júlio, ia me deixar de mau humor. Saí de casa correndo literalmente, fui para o ponto esperar o ônibus, quando cheguei lá, coloquei meus fones no ouvido e liguei o aparelho musical no máximo volume e para a minha  surpresa estava tocando Nando Reis, uma das suas músicas que mais gosto:

http://br.youtube.com/watch?v=5t6RcOrXM_Q

“Sim/ Desde que eu te vi/ eu te quis/ Eu quis te raptar/ Eu fiz um altar/ Pra te receber/ Como um anjo/

Que caiu/ lá do céu/ Não estava voando/ Andando/ Distraiu-se/ Sim/ E agora/ Eu quero voltar lá do céu/

Eu quero estar de volta/ Eu quero ter você quando estiver de volta/ Eu quero você para mim/ Não dou/

Pra ficar só,/ sim,/ não dou,/ não.”

Não tive com não pensar na Clara e não lembrar o nosso fim de semana, da primeira vez que nos vimos, do nosso primeiro diálogo, das nossas primeiras insinuações, primeiro beijo, primeiro gozo. Foi tudo tão rápido, mas não menos prazeroso.

Com essas lembranças, cheguei ao Instituto e como já estava virando praxe, fui chamada na sala do meu supervisor, mas por essa eu já esperava.

– Bom dia, Júlio!

– Bom dia, Eduarda, o que aconteceu com você? Não é de chegar atrasada.

– Desculpe-me, mas esqueci de colocar o celular para despertar, acordei às 8h e só consegui chegar aqui as 8:50h – dei um sorriso sem graça.

– Tudo bem, Duda! Como essa foi a primeira vez que isso aconteceu, vou deixar passar, sua sorte é que o pessoal do Vc3 já ligou dizendo que chegarão atrasados também. Nasceu virada para a lua – sorriu abertamente.

– Fazer o que, não é? – entrei na brincadeira.

– Bom, por enquanto é só isso, vai comer alguma coisa lá fora porque pelo visto por causa da pressa você nem tomou café.

– Vou sim, estou faminta.

– Humm, você não é de comer muito pela manhã, então a noite foi boa, hein?

– Não só a noite chefinho, o fim de semana inteiro – disse sorrindo e saí da sala para evitar mais perguntas.

Cerca de uma hora depois fui chamada novamente na sala do Júlio e fui informada que o pessoal do Vc3 já havia chagado. Outros dois estagiários foram comigo e estavam apreensivos. Ao adentrar, fomos informados que a empresa tinha proposta para trabalharmos com eles, analisaram detalhadamente nossos trabalhos no instituto e currículos, fomos os que mais agradamos inclusive disseram que eles só pretendiam contratar duas pessoas inicialmente, mas por causa do meu projeto apresentado pelo meu supervisor, abriram uma exceção. Após conversar com cada um separada e demoradamente, fui a última:

– Olá Eduarda!

– Olá Carlos!

– Bom, deixamos você por último propositalmente, pois queríamos discutir sobre seu projeto da ONG

Cultural. Analisamos e concluímos que ele encaixa-se perfeitamente no perfil de inovação que procuramos para a empresa. Ah, tenho mais duas sócias, mas não puderam comparecer hoje porque tinham reuniões distintas de interesse do Vc3 para presidirem, então como eu vim na semana passada, decidimos que eu tomaria a frente nesse assunto pelo menos temporariamente, pois minhas sócias também gostaram da sua ideia e querem participar da concretização. Como você é uma iniciante na área, chegamos à conclusão que poderemos unir o útil ao agradável. Você tira seu projeto do papel e podemos aumentar ainda mais o nosso prestígio no mercado apoiando uma ONG tão bem formulada quanto a sua.

Primeiro vamos comprar sua ideia e contratá-la como nossa funcionária, mas enquanto usarmos sua obra, você continuará recebendo uma quantia em dinheiro pelo mesmo fora seu salário. Resumindo: queremos você na equipe de qualquer jeito e sabemos também que tens outros projetos em andamento.

– Tenho sim.

Essa foi a única coisa que saiu de minha boca. Não conseguia assimilar de forma rápida toda aquela informação. Era muito bom para ser verdade, enfim meu projeto que demorou cinco anos para ser concluído, está saindo do papel. Desde os dezoito anos que eu estava pensando sobre o assunto e resolvi organizá-lo para aperfeiçoá-lo. Agora estava ali em minha frente a grande chance que eu tanto esperei, mas eu não sabia o que fazer e nem o que falar, Júlio, meu chefe e grande amigo, percebeu minha dificuldade e entrou na conversa.

– Bom Eduarda, como eu já havia lhe dito, o Instituto tinha grande interesse em lhe contratar, mas seu projeto não sairia do papel tão cedo, por isso tomei a liberdade de lhe indicar para o Vc3, eles analisaram o que havia necessidade e concluíram que você não entraria na empresa como uma iniciante, uma pessoa que estava acabando de se formar, mas sim como uma profissional que merece uma chance para fazer o que deve ser feito e é isso o que eles estão lhe propondo.

– Isso é verdade Eduarda, aqui está um suposto contrato com todos os valores que você receberá caso aceite a proposta, e em caso de resposta positiva, amanhã mesmo o valor do projeto está em sua conta que você terá que me passar os números – Carlos me entregou os papeis.

Olhei, analisei minuciosamente e depois de perceber a tensão que pairava, respondi com a cara mais cínica do mundo, meu humor e tranquilidade já estavam de volta ao normal.

– Gente, porque vocês estão assim? Nem demorei tanto, vai.

– Duda, para de fazer suspense e responde logo – Júlio disse quase pulando em meu pescoço.

Só para pirraçar, demorei um pouco fingindo pensar e respondi:

– Posso assinar aqui mesmo?

– Você aceita tudo o que propomos?

– Aceito sim Carlos, gostei das propostas e acho muito válido trabalhar em uma empresa como o Vc3, já tão conhecida. Tenho noção que posso crescer vertical e horizontalmente com vocês.

– Então, pode assinar – respondeu com um sorriso satisfatório no rosto.

A partir daquele momento podiam colocar meu sobrenome de felicidade porque era isso o que eu sentia. Estava iniciando a concretização de um dos meus maiores sonhos. A tão ansiada ONG Cultural estava prestes a sair do papel e ainda mais, eu estava recebendo uma bela quantia em dinheiro por isso, por trabalhar em cima de um projeto meu e com tanto amor e dedicação e prestes a me formar, se eu queria coisa melhor do que isso? Naquele momento só queria mesmo era dividir minha felicidade com as pessoas que eu amava e que sabiam da existência de tal projeto.

Júlio me informou que a partir daquele momento eu já estava liberada, mas que deveria voltar periodicamente para finalizar minha última pesquisa que eu estava fazendo junto com ele. Claro que eu concordei, não é? Afinal de contas por causa daquele cara ali que eu estava tão feliz. Abracei-o, dei um beijo estalado em cada uma se suas bochechas e fui em direção a saída.

Como eu fui uma das selecionadas para ir para o Vc3, meus colegas já sabiam do ocorrido pelos estagiários que estavam comigo e me deram os parabéns. Claro que ocultei a parte do projeto, afinal de contas, quase ninguém sabe que ele existe e antes que realmente se concretizasse, continuaria em segredo, aquele lance da energia, lembram?

Bom, naquele dia eu não tinha mais nada de importante para fazer, qual foi minha escolha? Ir para a empresa que até aquele momento eu ainda trabalhava como tele operadora e me demitir. Cheguei e fui logo conversar com meus amigos, minha felicidade estava estampada em meu rosto, muitos perguntavam o que tinha acontecido, me limitava a dizer que tinha conseguido um emprego na área que estava me formando e que começaria na semana seguinte e claro que a “galera do mal” queria sair para comemorar no próximo fim de semana, acertamos tudo para a sexta-feira. Fui para o RH e fiz conforme planejado, falei com quem faltava e fui embora. Não estava nem um pouco com vontade de ir para casa e liguei para Rafa:

– Você está onde, piriguete?

– Saindo da faculdade.

– Agora? Estava fazendo o que?

– Ô miséria, esqueceu que estudo na UFBa? Aqui não tem hora para ter aula, dia de segunda mesmo tenho aula a manhã inteira e ainda uma a tarde.

– Xii, é verdade, tinha esquecido.

– Sim, mas o que você quer comigo?

– É assim que você me trata num dos melhores dias da minha vida?

– Uau, tudo isso porque dormiu com a Clara?

– Também.

– Como assim, também?

– Vai fazer alguma coisa agora?

– Não.

– Então me encontre no Iguatemi em 20 minutos, pode ser?

– Claro, minha curiosidade é maior do que meu cansaço – riu.

– Beleza, então vos vemos na Saraiva.

– Ok, beijo.

– Beijo.

Precisava encontrar minha amiga e dividir com ela tudo o que sentia naquele momento, sobre meu projeto, meu novo emprego e sobre a Clara. Estava tudo perfeito em minha vida, fazia muito tempo que não estava assim, tão feliz.

Quando cheguei ao local marcado, Rafa já me esperava ansiosa. Saímos para lanchar e contei tudo o que tinha acontecido durante o dia, ela estava radiante junto comigo. Falei nos mínimos detalhes sobre a conversa que tive com Carlos e Júlio, sobre minhas expectativas dali para frente. Ela me ouvia atentamente e dava suas opiniões que algumas serviam para alguma coisa, outras eram só para descontrair.

Falamos também sobre nosso fim de semana, matei a curiosidade dela com algumas coisas e outras eu a deixava no ar. Mostrei também o bilhete que Clara deixou para mim e ela me disse que ia encontrar com Bruna de novo também no sábado, mas não seria no mesmo lugar que a gente, iriam para a Off Club, uma boate gay. Conversamos muito ainda e fomos embora. Nesse dia eu não precisava ir a Faculdade, só estava esperando confirmar algumas notas para, definitivamente, não depender mais da mesma.

Assim que cheguei em casa, tomei um relaxante banho e não tive como não lembrar da Clara, tudo dentro daquela kit net me fazia lembrar daquela mulher que em menos de dois dias me tirou a razão, me fez repensar sobre querer alguém comigo para poder dividir aquela minha alegria. Dormi rapidamente, meu corpo ainda pedia descanso.

Os três dias que se seguiram foram um tédio para mim que não sabia ficar sem fazer nada. Inventei coisas para fazer e lugares para ir. Almocei com minha mãe, colocamos o papo em dia, tentei ficar no MSN e Orkut, mas para isso naquele momento eu estava sem saco, podemos dizer assim. Fui à praia, entreguei a documentação no novo emprego, fui a uma concessionária para comprar uma moto, a primeira seria simples, uma 250cc, mas depois claro que teria uma bem melhor.

Fui ao centro espírita com Rafa, afinal de contas, já fazia mais ou menos duas semanas que não comparecia e já estava sentindo falta, não só dos passes, mas também das palestras que quase sempre se encaixavam perfeitamente com o momento que estava passando, com o que estava sentindo, enfim eu tinha encontrado uma religião que se adequasse a mim, e não eu a ela.

Claro que foi por pura influência de Rafa que cresceu nessa doutrina e me ensinou muita coisa, principalmente a ter paciência com várias pessoas e situações que eu não admitia, mais especificamente com relação a meus pais, não que eu fosse uma pessoa estressada com esse assunto, mas aprendi a lidar com isso, sei que um dia conseguirei conversar abertamente com os dois a respeito desse nosso “tabu”. Outra coisa que me “encantou” no espiritismo é que respeita todas as religiões, valoriza todos os esforços para a prática do bem, trabalha pela confraternização entre todos os homens independentemente de sua raça, cor, nacionalidade, crença ou nível cultural e social, não impõe os seus princípios. Convida os interessados em conhecê-lo a submeter os seus ensinos ao crivo (orifícios) da razão antes de aceitá-los.

A prática espírita é realizada sem nenhum culto exterior. Dentro do princípio cristão de que Deus deve ser adorado em espírito e verdade e ao contrário do que muitas pessoas pensam, espiritismo e candomblé são crenças muito diferentes uma da outra. A última é mais do que uma religião, é uma cultura belíssima vista da forma correta e não de como quem não conhece quer ver. Mas, enfim, não estou aqui para discutir isso, não é verdade?

Assisti à palestra normalmente e fui para o andar superior para receber o passe que é uma oração que os médiuns fazem para você. Algumas vezes espíritos próximo a ti, mandam alguma “mensagem”, mas nunca ia ali para isso, sempre me sentia satisfeita com a sensação de bem estar após cerca de 1:30h naquele lugar. Já me disseram várias vezes que tenho dons mediúnicos, mas como nunca fui trabalhar isso, fico ali como mera coadjuvante. Ah, a mediunidade, é o que permite a comunicação dos Espíritos com os homens, é um dom que muitas pessoas trazem consigo ao nascer, independentemente da diretriz doutrinária de vida que adote, portanto, até aquele momento não sentia a necessidade de me dedicar a isso, mas sempre que possível, voltava para renovar minhas energias.



Notas:



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