CRISTIANE

Senti o nervosismo de Hellena ao contar para sua família sobre nosso namoro. Na realidade, cheguei a duvidar por alguns segundos de que ela o faria. Felizmente, me enganei.

Dirigia pela estrada enlameada e escorregadia em direção ao clube onde se realizaria a tal festa da nossa antiga turma. Ela parecia estar adormecida no banco ao lado.

Paz.

Era paz que via em seu rosto, um leve sorriso no canto da boca. Estava tranquila e feliz assim como eu.

Apesar de aparentar tranquilidade e confiança, por dentro o medo me dominava. Não por mim, mas por Hellena. Já estava acostumada, já tinha tido muitos relacionamentos e vivido algumas situações semelhantes àquela. No entanto, parte das experiências que tive não foram boas. Por esta razão, surpreendi-me tanto quanto Hellena ao sermos aceitas de pronto por sua família.

Após ouvir a declaração de Hellena, sua mãe disse:

— Sempre me perguntei o porquê você tinha àquele diário, agora sei a resposta.

Hellena sorriu um pouco sem graça para ela e apertou um pouco mais a mão na minha, enquanto sua mãe continuava a falar com os olhos fixos em mim.

— Quando soube daquela confusão no colégio, mal pude acreditar. Confesso que tive pena de você, pois sabia que minha filha não tinha o mesmo interesse que o seu. Mas percebi as mudanças que ocorreram nela, principalmente, após ter visto as duas conversando no portão certa noite.

Não havia sido exatamente uma conversa, recordei, mas mantive o pensamento só para mim.

— Mãe…

Dona Aurora, sua mãe, interrompeu suas palavras com um gesto, o olhar de um azul intenso se voltando para ela.

— Quando chegaram, agora há pouco, notei o brilho em seus olhos. Algo que só vi uma vez há exatos doze anos. Não precisei de muito esforço para reconhecer na moça ao seu lado a dona do diário que guardava e compreender o motivo de você irradiar toda essa felicidade.

— Mãe… — Hellena tentou outra vez, mas, novamente, a mãe a interrompeu com um gesto.

— O coração de uma mãe nunca se engana. — Ela sorriu para mim, um sorriso muito parecido com o de Hellena. — Seja bem-vinda a família, filha. Só peço que faça minha filha feliz, ela o merece depois de tudo que já viveu.

Voltei a sentir-me como a menina do diário, corei intensamente e ouvi Hellena, com um sorriso radiante nos lábios e olhos marejados, sussurrar em meu ouvido que estava encantada de me ver assim.

Logo após essa manifestação de apoio por parte de sua mãe, todos os outros se fizeram ouvir, cada um com algo especial a dizer e um pedido de que fizesse Hellena feliz.

Estava tão surpresa que fiquei sem palavras durante um bom tempo. Hellena, por sua vez, havia voltado a ser ela mesma, ria, brincava com os irmãos e acabei me envolvendo nas brincadeiras e na sua alegria.

— Aí, está você! — Malu me arrancou de meus devaneios, se juntando a mim na calçada. Estava sentada no meio fio, desfrutando a sombra de uma árvore, o vento acariciando minha pele, me fazendo recordar minha infância e adolescência.

Sorri para ela. De todos os membros da família de Hellena, ela era a que mais me intrigava e divertia também.

— Olá. — Respondi e aceitei a limonada que me entregava.

Ela sentou ao meu lado com as pernas cruzadas como uma criança. Os cabelos castanhos dançando ao vento e um sorriso metido nos lábios.

— O que quer saber, Malu? — Perguntei, rindo da expressão surpresa em seu olhar.

— Como sabe que quero lhe perguntar algo?

Ri e entornei metade da limonada.

— Não se ofenda, mas você é um pouco previsível.

Uma garotinha de bochechas rechonchudas e grandes olhos azuis se aproximou correndo e se atirou nos braços dela pedindo um pouco de carinho. Era sua filha caçula. Permaneceu por alguns minutos prendendo sua atenção com uma interessante conversa sobre uma bola e algumas formigas. E, assim como veio, entre risos e pulinhos, correu de volta ao interior da casa.

Ainda ria encantada com sua presença, quando Malu se voltou para mim, deixando o sorriso que a filha trouxera abandonar seus lábios.

— Quero saber como vai ser agora. Vai deixar sua vida em Natal e voltar para cá? Minha irmã ama este lugar. É aqui que sua família e seus amigos estão. Por isso, voltou para cá quando se formou.

Entendia perfeitamente ao que se referia e até já tinha pensado a respeito, enquanto observava Hellena dormir na noite anterior. Deixei um longo suspiro escapar, enquanto terminava a limonada. Olhei para o copo vazio por um tempo e depois focalizei seu olhar, tão cinza quanto o de Hellena e, ao mesmo tempo, tão diferente.

— A resposta para a sua pergunta é muito fácil, Malu.

— E qual seria?

— Eu irei onde Hellena for.

 

Estacionei o carro e a toquei de leve para não a assustar.

— Amor, chegamos.

Ela abriu os olhos, um pouco assustada.

— Já?

Achei graça de seu olhar desorientado e belisquei carinhosamente sua bochecha.

— Tem mesmo certeza de que quer entrar? — Perguntou com um pouco triste. — Podemos ir embora…

— Por que está perguntando isso?

Pegou minha mão entre as suas com carinho.

— É que este dia foi tão perfeito que tenho medo de que algo aconteça aí dentro e o estrague.

Sorri-lhe.

— Com você ao meu lado nada irá acontecer. Além disso, insistiu muito para que eu viesse e agora não vale desistir.

— Certeza? Sei o quanto é doloroso para você.

— Toda dor tem sua razão de existir e algo a nos ensinar. O que me aconteceu naquela época, me ensinou a não guardar meus sentimentos em papéis e, sim, a expressá-los com palavras pronunciadas e gestos. Aprendi a me assumir como mulher, a enfrentar meus problemas em vez de me esconder entre tintas e papéis.

Apertei a mão dela com carinho.

— A menina do diário ainda está aqui, — toquei meu peito onde meu coração batia tranquilo como nunca havia estado antes — mas, agora, ela tem alguns anos a mais, muitas experiências e a mulher dos seus sonhos ao seu lado. Nada do que vier acontecer aí dentro irá me afetar como me afetou há doze anos. — Afirmei.

— Me apaixonei pela menina do diário, mas estou cada vez mais encantada pela mulher que ela se tornou. — Confessou, os olhos brilhando com intensidade.

Entramos no clube de mãos dadas.

Na recepção, nos identificamos e recebemos, cada uma, um pequeno broche com nossos nomes. Ao lado do nome, uma foto. Olhei para o meu broche e para aquela pequena fotografia e tive vontade de rir da minha inocência, dos meus medos, da minha solidão. Parecia que séculos, em vez de pouco mais de uma década, haviam se passado.

Decidi não pôr o meu broche naquele momento. Hellena notou e não fez questionamentos quanto a isso.

Entramos no salão e nos demos conta de que, apesar de ainda ser cedo, já havia muitas pessoas ali, esposas, maridos, amigos, namorados e namoradas dos meus antigos colegas.

— Isso vai ser interessante. — Me ouvi dizer, enquanto sentia a mão de Hellena aumentar a pressão na minha.

Ela estava muito nervosa. Eu, por outro lado, nunca estive tão calma em toda a minha vida.

— Relaxe. — Disse a ela que me dedicou um sorriso vacilante.

Caminhamos entre as pessoas, enquanto Hellena era cumprimentada, abraçada e beijada por quase todas elas. Já era de se esperar, pois sempre foi muito popular na escola e a sua profissão só fez aumentar sua popularidade.

Quando éramos paradas por algum conhecido dela, eu me afastava um pouco para evitar que a pessoa em questão perguntasse: “Quem é a sua amiga?”. Ainda não era o momento e, assim, não fui apresentada a ninguém.

Hellena percebeu rapidamente meu afastamento, mas continuou sem tecer qualquer comentário.

Nos aproximamos de um grupo, todos, pude perceber quase de imediato, antigos colegas nossos. Entre eles se encontravam Vitória, Samara e sua irmã Angélica e, para meu completo desprazer, o quarteto se completava com a presença de Diego.

— Hellena, você veio! Que maravilha! — Vitória aproximou-se e a abraçou com um sorriso, no mínimo, falso nos lábios. Hellena havia me contado que desde que havia recuperado meu diário, Vitória e ela nunca mais haviam se falado.

Logo após ela, todos os outros que se encontravam no grupo vieram cumprimenta-la. Diego deixou-se ser o último.

— Então, minha querida esposa, já faz algum tempo, não é? Você está linda!

Hellena sorriu-lhe amarelo e permitiu-se receber um beijo no rosto.

Não foi uma surpresa descobrir que Diego era o ex-marido que havia me falado. Na verdade, já o esperava. Suspeitei de que o fosse, quando ela comentou que o seu marido havia ressurgido em sua vida amadurecido e diferente do que era anos antes. Limitei-me ao silêncio, pois não queria me intrometer na vida dela, pelo menos, não desnecessariamente. No entanto, não pude deixar de sentir um pouco de ciúmes.

Ele continuava tão bonito quanto me recordava. Tinha quase um metro e noventa de altura e músculos que saltavam debaixo da camisa e calça que usava. A barba cheia e bem aparada lhe caía bem, lhe dando um ar mais sóbrio. Os cabelos curtos e muito negros, estavam perfeitamente alinhados como se houvesse acabado de penteá-los.

Ele dedicou sua atenção a mim. Avaliou-me, ou melhor, me devorou, enquanto percorria meu corpo com os olhos. Senti nojo, não por ele ser um homem, pois já estava acostumada a receber esse tipo de “exame” da parte de alguns, mas pela maneira como ele o fez descaradamente.

E acabei relembrando a conversa que havia tido com Malu naquela tarde.

— Fico feliz em saber. — Foram as palavras dela após ouvir minha declaração de que seguiria Hellena aonde ela fosse

Vi um sorriso largo ganhar seus lábios, enquanto me focalizava atentamente.

— Hellena nunca mais foi a mesma depois do que aconteceu com você. Então, o tempo passou. Ela teve alguns relacionamentos, mas nada sério e, de repente, se casou.

Brincou com o pingente em seu pescoço por alguns segundos.

— Sempre me perguntei o porquê dela ter feito isso.

— Por quê?

Ela sorriu como se soubesse de coisas que jamais imaginei e, realmente, sabia.

— Nunca conversamos a respeito, realmente. Mas, assim como minha mãe disse, não era segredo para nós que ela havia guardado seu diário. Às vezes, a via com ele no meio da noite, pois sempre dividimos o quarto. Ela pensava que estivesse dormindo, mas sempre tive sono leve. — Riu. — Algumas vezes, a via chorar baixinho lendo suas palavras.

Olhei para além dela, para a casa às nossas costas e vi Hellena conversando com a Mãe e o irmão mais velho. A garotinha que havia se jogado nos braços de Malu minutos antes, agora estava pendurada em seu pescoço. Ela ria, um riso claro, cristalino, como o brilho em seus olhos quando percebeu que a observava.

— Por isso, nunca entendi o porquê de ter se casado e levado tanto tempo para pôr fim a esse relacionamento. — Malu completou, trazendo minha atenção de volta para ela. — Ainda mais, depois que ele começou a bater nela.

Rilhei os dentes ao imaginar que alguém que só deveria amá-la e cuidar, havia ousado maltratá-la.

— Ah, vejo raiva no olhar da doce Cris? — Malu questionou, com um sorriso divertido.

— Não. Você vê ódio.

— Então, você não é puro amor, afinal! — Observou, com olhar intrigado.

— Amor e ódio são exatamente iguais, Malu.

— Não vejo como.

— Para amar é preciso se entregar de corpo e alma, o ódio também é assim.

Mas, o ódio que sentia naquele momento, não era pelo ex-marido de Hellena e sim por mim. Me odiava por ter perdido tanto tempo remoendo lembranças e alimentando medos. Poderíamos estar juntas há muito mais tempo se não fosse por mim e ela não teria voltado a se envolver com o cafajeste do Diego.

Ele se aproximou de mim, perguntando para Hellena:

— E quem é esta coisa linda que veio com você?

O olhar que Hellena lhe dirigiu poderia rachar uma parede e me deixou maravilhada, era puro ciúme. Sorri, encantada, e ele julgou que a razão era o seu elogio, então me enviou uma piscadela.

— Ela já tem do… — Hellena começou e dizer, mas não terminou a frase, pois Rick e sua noiva surgiram entre sorrisos e cumprimentos.

Aline nos cumprimentou, me envolvendo em um abraço apertado e sapecando um beijo em minha bochecha. Fez o mesmo com Hellena que riu gostosamente do jeito espontâneo e meio espoleta da moça.

— Que bom que vieram! — Aline transformou os gestos em palavras e Rick se limitou a enviar um olhar cumplice para mim e um malicioso para Hellena que corou levemente, então iniciaram uma conversa animada com o restante do grupo.

Pensei que estar ao lado daqueles que me feriram fosse me causar mais dor. Rick e Hellena tinham razão, no fundo, tinha medo deles, da lembrança da dor que senti por causa deles. No entanto, a presença de Hellena ao meu lado me dava forças, me supria de uma energia e coragem gritantes. Nossos olhos se cruzaram e o amor se fez presente no brilho deles. Amava-a e nada iria nos separar.

Vitória falou alto para que sua voz se sobressaísse entre as demais.

— Bem, pessoal, acho que está todo mundo aqui, não é mesmo?

Alguém falou:

— Nem todo mundo!

— Verdade. Está faltando alguém. — Uma segunda voz se fez ouvir.

— E quem seria? — Vitória perguntou com um sorriso malicioso.

Samara, que se mantivera quase o tempo todo calada, respondeu.

— Cristiane.

Vitória alargou o sorriso.

— Verdade. Havia me esquecido dela. — Comentou, mas o sorriso em seus lábios deixava claro que não havia esquecido nada e notei que dirigiu um olhar comprido para Rick que, por sua vez, fingiu não notar.

Estava claro, para mim, que ela ainda tinha sentimentos por ele.

— Rick, você a convidou para a festa como pedi?

Ele me olhou confuso. Lhe dirigi uma piscadela e sorri.

— Sim. — Respondeu simplesmente e fingiu estar cochichando algo no ouvido da noiva para escapar a uma nova pergunta.

Vitória pareceu satisfeita com a resposta.

— Bom, então se ela não veio até agora…

— Será que ainda está feia? — Angélica a interrompeu.

— Deve estar pior! — Samara riu.

Diego resolveu entrar na conversa.

— Ah, que é isso? Ela ainda deve estar fugindo de nós. Lembram como ela saiu correndo da sala de aula àquele dia? — Riu alto.

Rick ficou muito vermelho e pude ver a ira se formando em seu olhar quando ele o dirigiu a mim. Apenas lhe sorri em resposta e Diego continuou:

— Vai ver ela ainda está apaixonada pela “doce Hellena”! — Fez referência a uma frase que escrevi em meu diário.

Ao contrário do que imaginava, àquilo tudo não mais me feria. As frases, o deboche, o riso, nada mais me atingia como havia me atingido doze anos antes. A explicação para isso era o amor de Hellena, era a plena confiança que tinha no amor dela por mim. Não havia mais razão para ter medo, nem vergonha do que sentia.

Passei o braço em volta de sua cintura. Ela estava muito pálida. Seus olhos se prenderam aos meus por um instante quase sem fim, lhe ofereci um sorriso cheio de confiança e amor e, como quem não quer nada, deixei o broche que havia ganho na recepção cair ao chão de modo que todos o vissem.

Vitória curvou-se para apanhá-lo e seu rosto demonstrava profundo eto.

— Desculpem! Nossa, como sou desleixada, havia esquecido completamente de pôr esse broche. — Sorri, tomando-o das mãos de Vitória sem qualquer cerimônia e Hellena prendeu o broche no meu vestido, enquanto me divertia com os rostos etados a nossa volta.

HELLENA

De início, estranhei a atitude de Cris ao se manter afastada das pessoas que se aproximavam, mas não teci qualquer comentário a respeito. Entendia que ela estava querendo passar despercebida por aquela festa. No entanto, quando nos aproximamos do grupo onde Diego e Vitória se encontravam e, quando eles começaram a fazer aqueles comentários a respeito dela, senti-me extremamente incomodada. Queria berrar, gritar, reclamar, fazê-los parar de falar. Mas, ao olhar para ela, percebi seu sorriso e compreendi que aquelas palavras não mais a feriam.

Quando ela, propositalmente, deixou seu broche cair ao chão e se revelou, compreendi que precisava se vingar, não de maneira violenta, mas sim, fazendo o que lhe havia pedido, provando para todos que havia mudado física e mentalmente e mostrando-lhes a mulher incrível que havia se tornado.

— Você é a Cristiane? — Samara perguntou, a surpresa evidente em seu olhar.

— Bem, é este o nome que consta nos meus documentos. — Falou debochada.

— Está brincando, não é? Você… Você não pode ser a Cristiane! — Diego falou.

Cris riu.

— E por que, não? — Ela perguntou.

— Porque você é uma gata e a Cristiane era…

— Horrível? Feia? Desengonçada? O patinho feio da turma? — Ela completou.

Ele a olhou em silêncio. Durante todos os anos em que nos conhecíamos, entre as muitas idas e vindas no namoro e casamento, jamais o vi ficar sem palavras.

Cristiane não era horrível ou feia como eles fizeram questão de afirmar. Era apenas uma garota gordinha com algumas espinhas em excesso e muita timidez. Na verdade, ninguém reparava muito nela por causa desse seu jeito. Se assim fosse, a teriam reconhecido facilmente, assim como eu.

— Você se esquece que no fim da historinha o patinho feio torna-se um lindo cisne. — Acariciou o broche em seu peito por alguns segundos e riu. — Vejo que o tempo passou e vocês, assim como eu, sofreram mudanças físicas, mas suas mentes permaneceram intactas, estacionadas no passado e mergulhadas em ideias retrogradas e preconceituosas, principalmente, sobre mim.

Com um sorriso largo e cativante, ela deu de ombros como se nada mais importasse.

— Mas, este não é assunto para se discutir em uma festa, ainda mais em uma cujo único objetivo é promover a confraternização entre antigos colegas de classe. Aliás, este não é um assunto para ser discutido novamente, pois o passado deve permanecer no passado.

Passou o braço em volta de minha cintura e sussurrou sensualmente em meu ouvido:

— Venha, amor. É uma festa e a música é linda. Realiza um de meus sonhos?

— E qual seria? — Perguntei no mesmo tom.

— Dançar bem coladinha com você. — Ri alto e gostoso, encantada com as simplicidades de seus desejos e feliz por poder realizar mais um deles.

Deixei-me ser conduzida por ela até o meio do salão, seus braços enlaçaram minha cintura atraindo-me para si. Não ouvia a música, apenas sentia o calor de seu corpo junto ao meu, movimentando-se em ritmo lento e gostoso. Nossos olhares presos um ao outro incendiavam nossos corações deixando o desejo e amor que sentíamos se refletir neles.

Repousei minha cabeça em seu ombro e deixei-me conduzir por aquele momento mágico, enquanto observava aquelas pessoas tolas e preconceituosas a nossa volta com expressões entre curiosas e surpresas. Tolos! Eram todos tolos por se etarem assim diante do amor.

Ergui minha cabeça para, novamente, encontrar seu olhar. Ela sorria, enquanto falava:

— Posso mergulhar no seu olhar e me afogar na doçura dele, posso me perder entre os vales e serras das formas do teu corpo que me incendeiam apenas de olhá-los e me encontrar no prazer de estar perdida neles, posso provar o mais cruel dos venenos nos teus lábios e sentir que provei o mais saboroso mel, posso usar de milhares de palavras para descrever o que sinto por ti, mas somente uma frase expressa isso corretamente: Eu Te Amo!

Acariciei sua nuca, sentindo os cabelos longos e lisos derramando-se em cascata entre meus dedos e a beijei com uma sede por seus lábios que nunca saciaria. Que me importavam os olhares etados a nossa volta e os rostos com expressão de nojo, se tudo o que mais desejei e sonhei era poder estar nos braços daquela linda mulher?

Éramos uma o sonho da outra.

Afastei-me lentamente, mergulhada no castanho de seus olhos. Paramos de dançar, a música havia chegado ao fim, peguei sua mão e a conduzi por entre as pessoas que ali se encontravam, passando pelo grupo onde Diego e os outros estavam.

Ele segurou forte meu braço e falou entredentes, o olhar colérico como nunca tinha visto antes.

— Que palhaçada foi essa? Que pensa que estava fazendo?

— Não estamos no circo, portanto, não fiz palhaçada alguma. E eu não estava pensando, estava beijando a minha namorada.

Com um movimento rápido soltei meu braço e sorrindo me afastei dele, enquanto me divertia com a expressão de incredulidade em seu rosto.

— Mas, do que está faland…

— É isso mesmo que você ouviu. — Interrompi.

Passou a mão no cabelo nervoso.

— Por quê? Quando?

— Porque a amo.

Sorri sentindo o prazer que dizer aquelas palavras em voz alta me proporcionava. Era maravilhosa a sensação de pronunciá-las, de saber que todos agora sabiam de meus sentimentos, de não ter mais que ficar em silêncio. Gostaria de poder gritar para que todos o soubessem, mas, havia poucos instantes, demonstrara isso ao tomar os lábios de Cristiane nos meus.

— Quanto ao quando, — continuei — ela tocou meu coração no momento em que li suas palavras pela primeira vez. Você não estava enganado quando me acusou, durante aquela festa, de preferir ela. Eu já a queria, só não sabia disso ainda.

Ele se afastou chocado demais para dizer qualquer coisa em resposta. Pousou seu olhar na minha namorada e saiu, lentamente, do salão. Tinha a impressão de que nunca mais o ouviria pronunciar os nossos nomes.

Cris soltou minha mão, se aproximou de Vitória e a abraçou forte para total surpresa desta e de todos à nossa volta, incluindo, eu.

— Obrigada! — Ela disse ao se afastar com um sorriso largo.

— Pe… Pelo o quê? — Vitória mal conseguia falar de tão surpresa que estava.

— Por ter roubado meu diário e feito com que o seu conteúdo fosse conhecido por todos. — Riu e lhe sapecou um beijo na face.

— Mas, não entendo. — Falou confusa.

— Sem querer, você me trouxe o amor da minha vida.

Sorri ao ouvi-la.

— Não há mal que não venha para fazer um bem. — Henrique citou um velho ditado. Via em seu olhar a decepção por descobrir que fora Vitória a responsável pelo roubo do diário.

Peguei a mão de Cris, outra vez, e a senti leve. O brilho de seu olhar estava carregado de paz. Saímos do clube em direção à noite fria que se fazia bela e iluminada apenas pelas estrelas. Caminhamos, lentamente, em direção ao carro dela. Olhei para o céu e sorri diante da visão que tive e da sensação gostosa da sua mão na minha.

— Infinitas… — Ela disse.

— O quê? — Perguntei sem entender.

— Infinitas. — Apontou para as estrelas. — Como o nosso amor.

Diminuí a distância entre nossos corpos a puxando para mim.

— Você é o sonho mais lindo que já tive e, ainda assim, a realidade supera e muito o sonho. Tenho medo de acordar amanhã e perceber que tudo não passou disso.

— Não é um sonho. É real. Eu te amo, Hellena. Durante todos esses anos meu coração só bateu forte por você. Me permita te provar isso a cada novo raiar do sol durante o resto de nossas vidas…

— Isso é…

— Sim! Sei que é muito cedo, sei que acabei de te pedir em namoro, mas é que a cada minuto que passo contigo não consigo parar de pensar que quero que seja assim para sempre. Já perdemos tanto tempo e…

— Sim!

— … acho que deveríamos pular essa fase de…

— Sim!

— O quê?

— Eu disse sim, sua boba. Quero ser sua mulher, nada me faria mais feliz!

Nada no mundo poderia me preparar para o tamanho daquele sorriso. Fui erguida do chão em um abraço forte e caloroso que foi seguido por uma risada clara e cristalina que me encheu de encanto até que tomei seus lábios nos meus e a beijei loucamente apaixonada.

***

Olhava-a extasiada, embebida pelos momentos de amor que compartilhamos havia poucos instantes. As respirações ainda ofegantes, os corpos suados e entrelaçados, os corações voltando ao seu ritmo normal.

— Tenho algo para você. — Falei e ela abriu os olhos que, até então, mantivera fechados e um sorriso delineou seus lábios.

Saí da cama e caminhei até a cômoda que se encontrava a um canto do quarto. Abri uma de suas gavetas e dela retirei um livro grosso e de capa escura. O apertei com carinho contra meu corpo, pois durante doze anos ele foi meu mais querido e fiel companheiro, suas palavras me fizeram entender que o amor surge de diversas formas e lugares inimagináveis e que para amar só é preciso abrir o coração.

Voltei para a cama e lhe entreguei o diário.

— Desculpe ter demorado tanto tempo para lhe devolver isto.

Ela sorriu e pude ver um brilho quase infantil em seu olhar ao perceber que o que lhe entregava era seu diário. O abriu e folheou algumas páginas carinhosamente, como se tivesse uma relíquia em mãos. Por fim, o pôs de lado e me puxou para si. Aconcheguei-me em seu corpo e adormeci ouvindo o doce som do seu coração.

***

Ainda era madrugada quando acordei e percebi a ausência do corpo amado ao meu lado na cama. Caminhei pela casa à sua procura, enrolada em um lençol. Na cozinha, encontrei o diário que havia lhe entregado algumas horas antes e o peguei com carinho. Depois de inúmeras páginas em branco, havia algo rabiscado na última página, havia sido escrito por ela naquela mesma noite.

Sorri diante do que li. Era tão infantil e ao mesmo tempo tão lindo que senti meu coração ser invadido por um sentimento quase inexplicável. Caminhei para fora da casa e a encontrei sentada no batente da varanda olhando para as estrelas que ainda brilhavam magníficas no céu.

Sentei ao seu lado e fui envolvida por seus braços. Encostei a cabeça em seu ombro e sorri encantada por sentir o calor de seu corpo através daquele abraço. Fechei os olhos e lembrei-me, feliz, do que havia naquela página final do diário, um coração rabiscado e em seu interior a frase:

“CRIS AMA HELLENA”

**FIM**



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